You are on page 1of 2

Mattos, Joaquim de Almeida

VIDA E CRESCIMENTO DAS CIDADES


Rio de Janeiro: Editora Globo, 1952 (páginas 29 a 37)

IDADE MÉDIA........

As primeiras cidades medievais apresentavam ruas tortuosas, não só por sua formação
em grande parte lenta e parcelada, como também por motivos militares e estéticos: para
dificultar a penetração de invasores, e para limitar a perspectiva, dirigindo-a para ângulos
de melhores qualidades artísticas. A ausência de trafego pesado e de congestionamento
das cidades com muralhas, resultavam em ruas de largura mínima, alargando-se
somente para proporcionar vista aos melhores prédios e aonde era provável uma maior
confluência de pedestres. Esse alargamento atingia ao limite nas praças nas quais se
reuniam os edifícios mais ricos, inclusive, a catedral que dominava pelo tamanho e pela
majestade, simbolizando o espírito místico da época e os grandes recursos materiais da
Igreja, provenientes da exploração de vastos latifúndios e da arrecadação do dízimo, em
conformidade com seu 5º mandamento.

RENASCENÇA

Mas a potencialidade econômica das cidades não podia permanecer confinada entre
muros acanhados nem sob a tutela asfixiante dos latifundiários, uma vez desvanecidas
as agitações conseqüentes da falência do Império Romano, volta o instinto do livre
câmbio. Os interesses das coletividades feudais lideradas por comerciantes e
corporações de artífices clamam pela libertação nas cidades, libertação essa que é
resgatada ou conquistada pela violência. Voltam ao cenário os mercadores e mercados
internacionais incrementando a produção e dando novas forças as cidades que
transbordam os muros primitivos levantando quando necessário outros paredões sobre
as novas periferias, estendidas como anéis de crescimento sucessivos. Paralelamente
desaparece a escravatura tornada deficitária pela concorrência do braço livre associado
ao comércio organizado.
As relações intermunicipais não podiam suportar os entraves oriundos do parcelamento
do governo em poderes de âmbito puramente local. Era mais um sintoma da luta entre a
florescente economia burguesa contra a já anacrônica organização feudal. A unificação
do governo por regiões ou nações passou a ser condição imperativa ao livre cambio e à
segurança geral, e assim, a partir do século XIV, toma vulto no ocidente europeu a
autoridade real, sobrepondo-se aos senhores feudal e as cidades livres, e controlando a
economia e a defesa de cada país.
Entretanto, a evolução econômica entrou em progresso acelerado, graças à navegação
de longo curso e demais progressos em matéria de produção transportes. Tornaram-se
assim possíveis novas e mais produtivas empresas, facilitadas além do mais pela
conquista de ricas colônias no novo e no velho mundo, novas fontes de matérias primas e
novos mercados para os produtos manufaturados europeus. É o início da concentração
capitalista que resultou a formação de empresas de produção, comércio e transportes em
escala acima de qualquer uma conhecida, e que proporcionou ao mundo, meios para um
progresso aceleradíssimo. Cresciam assim a produção dos artesãos, os lucros dos
comerciantes e os rendimentos dos impostos e dízimos, dando nova vida e novos índices
de crescimento às cidades.

ABSOLUTISMO

1
Enquanto que a economia européia progredia celeremente mediante moldes burgueses,
os governos implantados ou alimentados por essa mesma classe burguesa cristalizavam-
se em formas absolutistas, separando-se gradativamente do povo. Como sempre, a
cidade sofre a influência desse estado de coisas. 0 suntuoso palácio de Versalhes,
construído pela coroa francesa com o objetivo de realçar seu próprio poder, constituiu
exemplo logo imitado por outros governos absolutistas. Politicamente era um salto para
trás, rumo aos faraós; socialmente, mais um fosso separando a nobreza sinecurista do
povo espoliado, mais um símbolo de provocação à classe burguesa, tornada
revolucionária. Urbanisticamente, a megalomania barroca.

CIDADE BURGUESA

A revolução francesa veio destruir esses antagonismos, repondo a civilização em


marcha. Extinguindo privilégios nobiliárquicos e eclesiásticos eliminou também a forma
de propriedade feudal e a cobrança de dízimos. Resultou o estado burguês, que ainda
hoje permanece sobre quatro quintos da superfície terrestre. A economia liberal,
desembaraçada dos tributos e escopos impostos pela nobreza e pelo clero, progrediu
rapidamente, e com ela a população e a riqueza das cidades. Era também o limiar das
transformações revolucionárias que a cidade viria a sofrer e que permanece sofrendo até
em nossos dias.
Vimos acima que a cidade feudal se caracterizava pelo patrimônio único, concentração
entre muros e construção inteiramente conforme um plano de conjunto. Além disso, sua
evolução era muito lenta, permitindo planejamento antecipado e detalhado havendo
nesse planejamento o objetivo marcado de criar a cidade como obra de arte. Nada era
negado aos elementos urbanos preponderantes particularmente a praça: tempo, dinheiro,
artistas... a praça de São Marcos em Veneza levou cerca de 10 séculos para ser
completada e nela trabalharam alguns dos melhores arquitetos e escultores daquele
longo período.
A transição da cidade feudal para a cidade burguesa primitiva procedeu-se através de
revolução tão violenta quanto a própria revolução política. Acarretando o parcelamento
da propriedade urbana e rural e realizando mais eqüitativa distribuição de riqueza, a
extinção do feudalismo destruiu também a unidade arquitetônica. Cada novo proprietário
levantava construções a seu bel prazer, completamente à revelia do ambiente, sem a
menor correlação com as unidades vizinhas. Era preciso construir tanto e tão depressa
quanto o exigia o crescimento urbano, e esse crescimento, era cada vez mais rápido... O
resultado lógico foi o caos arquitetônico. A cidade burguesa surgia heterogênea e
desordenada, espelhando o regime nascente: vigoroso e produtivo, individualista e
inculto.
Devemos notar que, com exceção das armas de fogo, nenhuma conquista técnica capaz
de alterar a estrutura urbana, fora registrada desde 3.000 anos A.C. até ao início do
século XVIII. As armas de fogo tornaram inúteis as muralhas medievais, que
desapareceram aos poucos. Todas as demais alterações foram devidas exclusivamente
à evolução das relações humanas e aos modos de produção. Em compensação, o século
XVIII inaugurava seqüência interminável de importantes inovações técnicas. Eram os
primeiros alvores da revolução industrial.

You might also like