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UM POEMA E UMA ESTÓRIA: O RATO QUE SE RETIROU DO

MUNDO

“Meu Poema não é um lamento


ainda que lamente a sorte
dos órfãos exportados do Vietnã
- exótica mercadoria humana.

Meu poema não é protesto


ainda que proteste contra
A MODA
T
L
o desfilar da A
sobre a passarela de esqueletos vivos
sobre tapetes de sombras com olhos humanos.

Meu poema não é profecia


ainda que prediga a catástrofe
do mundo rolando na cratera do vício
sobrando o oco do coração órgão
sobrando a cinza da nada da extinta matéria.

Meu poema não é processo


ainda que processe a Injustiça
concebida no leito da ambição e do egoísmo
alimentada pela volúpia avara
germinada na placenta do Materialismo.

Não é romântico meu poema


Quando canta o amor
Não é libertário
se canta a Liberdade.
Não é lírico
ao cantar sentimentos
cântico não é – nem lamento
profecia não é – nem protesto
não é processo.
É Espelho – nada mais.” 1

1
Grisa, Pedro, Perspectivas P(R)o(F)éticas, Ed. Veja, Curitiba-Paraná, 1982, p. 15,16
Este livro é um desafio. Não no sentido de esgotar o assunto : impossível
seria. Mas sim pelo fato de que o tema brotou simplesmente de uma
‘revolta’ que me envolveu quando ao estudar teologia percebi que não
compreendia os termos, notei que não existia uma teologia escrita para a
Brasilidade, com uma linguagem mais nossa. Assim desta trágica – ou
como diz Cristofoline: Tragicômica experiência, brotou o tema. Vendo que
meus colegas de seminário também sentiam esta dificuldade (o que poucos
reconheciam por palavras) decidi encarar este delicioso desafio.

É bom repensar sobre o que eles e o que nós (os Teólogos) temos feito
para o desenvolvimento da Teologia como fruto do pensamento localizado. Parece
que Milard J. Erickson entendeu isto;

“... A Teologia é contemporânea. O alvo do labor teológico


é re-conceituar verdades bíblicas a-temporais de forma
que sejam compreensíveis às pessoas que vivem hoje. ” 2

Mas será esta verdade uma realidade em nossa sociedade? Será que o
labor Teológico tem-se frutificado no seio dos cristãos brasileiros? Será que temos
uma Teologia para hoje, como brasileiros, como Tupiniquins? Ou será que
estamos vivendo inconscientemente sob um domínio de livros enlatados vindos
dos nossos dominadores. Não será a hora de começarmos a pensar uma Teologia
nossa, longe de modelos estrangeiros que só tem gerado em nós um certo vazio?

O fato é a verdade única: os teólogos parecem que esqueceram o real


propósito da teologia, (muitos não sabem nem se são teólogos ou do que se trata
a teologia mesmo tendo estudado quatro ou cinco anos fazendo um bacharelado),

2
Milard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática, Vida Nova, São
Paulo,1997, p. 16
que é bacharelado mesmo: na sabedoria e conhecimento bem baixo...), sendo que
outros ainda tentam pegar a teologia de mais de quatrocentos anos atrás e enfiá-
la (desculpem-me o termo mas é assim mesmo que acontece) na cabeça de
Brasileiros!

E por isto surge a pergunta: - cadê afinal de contas as pessoas que pensam
e fazem a nossa teologia? Como resposta só podemos colocar alguns nomes,
que não ocupam talvez todos os dedos da mão. A Teologia deve ser
contextualizada e contemporânea, não perdendo os ‘princípios”, para que sejam
assimilados pelos cristãos de hoje. Assimiladas: do latim ‘assimilare’ que tem o
sentido de algo que se torna parte de outro algo, não havendo mais diferenças.
Como as comidas que comemos e por nós são assimiladas: não há mais
diferença, ela agora é parte de nós. E quando algo faz parte de outro algo, não
existe desassociação .

Talvez seja esta a noção da Teologia que os cristãos teólogos devem ter: a
Teologia como um prato de comida a ser assimilado diariamente, para assim
nunca mais de suas vidas ser desassociado. E como tem tanta gente separando a
teologia da vida! Dá para acreditar nisso? Emill Brunner fala sobre isto e diz que
esta idéia de separar a teologia da vida é também um tipo de teologia. E este tipo
é preocupantemente errado...

Bem, é este portanto, caro leitor(a), o propósito deste livro; simples,


complexo, delicado, amável, e muito saudável: que haja uma teologia nossa com
novas propostas, mas que ela jamais seja desvinculada das antigas grandes
verdades, porem que estas antigas grandes verdades ganhem uma nova
roupagem, a roupagem da Brasilidade.

Não estou aqui encerrando o problema com maravilhosas e tentadoras


propostas. Simplesmente quero fazer o inverso, abrir novos caminhos para o labor
teológico no Brasil, e lançar perguntas - elas as vezes são mais importantes do
que as respostas... - Quero dialogar e tentar repensar alguns pontos para que o
desenho fique mais certo - ou pelo menos, menos errado, como o jogo de ligar os
pontos para descobrir qual é o desenho. Vemos que quando ligamos os pontos do
desenho da nossa teologia, ele fica feio, quadrado, não tem a nossa marca, tem
uma cara mais enlatada, importada.

E é por isto que usamos um anexo para cada parte. Nele temos como
correspondência uma uva. Cada uva sendo uma parte. Juntando todas teremos
uma pluralidade: o cacho de Uvas. A nossa realidade brasileira se parece muito
com o desenho da uva: Somos muitas uvas que juntas formam o Brasil que é um
lindo cacho.

Sendo assim, que tal tentarmos criar coragem e refazer os pontos da nossa
teologia? O autor do poema deu uma dica. O que ele escreve é espelho... Talvez
nossa teologia deva começar sendo um espelho da nossa realidade. Então
podemos concluir que o que esperamos conseguir ao final deste trabalho é
influenciar pessoas a refazerem os pontos do desenho da nossa teologia e não
apenas isto, mas mostrar e ensinar como se faz este desenho de teologia para
cada crente em sua vida. Se teologia rima com vida, é óbvio e tá na cara que ela é
para ser vivida.

Para finalizar a nossa introdução, resolvemos colocar um lindo poema


teológico, para ilustrar melhor como nós, Teólogos, temos vivido e tratado os que
precisam de nós (isto serve infelizmente para a grande maioria dos Brasileiros):

“O Rato que se retirou do mundo

Dentre as lendas dos levantinos,


uma fala de um rato que quis, certa vez,
fugir dos temíveis felinos,
entrando num queijo-holandês.
E assim, para fugir do perigo,
com os dentes cavou seu abrigo,
e enquanto este ficava mais e mais profundo,
mais se isolava ele do mundo.
Solitário, tranqüilo e bem alimentado,
precisava o ermitão de mais algum cuidado?
Tornou-se gordo e grande, como às vezes fica
aquele que a Deus se dedica.
Depois de tornar-se afamado,
foi procurado em seu abrigo
por uma expedição de ratos, que seguia
para a terra vizinha, a ver se conseguia
ajuda contra o seu figadal inimigo:
o forte exército dos gatos.
Ratópolis cercada, aquela expedição
fugira, de pires na mão,
apelando para outros ratos,
pois só assim poderia prosseguir em frente
e trazer o socorro urgente.
- ‘Caríssimos’ - diz o ermitão - ,
“ não me concernem as coisas deste mundo.
Que posso, neste antro profundo,
fazer por vós, senão
pedir que vos ajude o Céu, com todo o empenho?
E coisa alguma posso dar, pois nada tenho.’
E tão logo a fala encerrou,
no seu buraco se enfiou..” 3

Essa é a ilustração do nosso cenário hoje. Os teólogos em seus queijos


enfiados, comendo e isolados do mundo, e mesmo quando o povo - o seu povo -
vem pedindo ajuda em desespero, eles falam que nada podem fazer, sendo que
são eles mesmos quem pode ajudar, afinal estão vivendo dentro do queijo
(teologia). E assim o seu povo fica ali, boquiaberto com a vida dele, e nem sabem
o que fazer, se correm, se fogem (pra onde?), se devem se esconder (em que
lugar?). Eles realmente não sabem o que fazer, afinal quando temos em quem
encontrar ajuda e esse alguém não ajuda, simplesmente ficamos chocados,
petrificados.

Se estamos na situação em que estamos, os maiores responsáveis são os


Teólogos-ratos...

3
La Fontaine, Jean de, Fábulas de La Fontaine, Villa Rica, Ed. Reunidas Ltda, Belo
Horizonte/MG, 1989, pp. 30,31
1 - A TEOLOGIA EM (POR) SI

“Nada alargará mais a alma do homem do que a


investigação dedicada, ansiosa e contínua do grande
tema da Divindade. Ao mesmo tempo que humilha e
expande, este assunto é eminentemente consolador. Na
contemplação de Cristo existe um bálsamo para cada
ferida; na meditação sobre o Pai, há consolo para todas
as tristezas, e na influência do Espírito Santo alívio para
todas as mágoas... Então, vá, atire-se no mais profundo
mar da Divindade de Deus...” 4

Esta primeira parte tem o objetivo de redefinir a teologia, e


os pensamentos que temos sobre ela já pré-determinados pela
tradição. Por longos anos, ela foi considerada a rainha das
ciências. Sua beleza, amplitude e magnitude tem mexido com a
mente de milhares de homens e mulheres que descobriram nela,
este mar imenso que Packer fala para nós nos atirarmos.

Começaremos a repensar sobre o que é a teologia e um dos


convites será rasparmos a parede com as tintas das teologias que
já recebemos. Após isto desenvolveremos um pouco sobre a sua
importância, como seiva para toda a nossa árvore, e finalmente
concluiremos com uma estória que servirá para aplicabilidade de
tudo o que vimos neste primeiro capítulo. Em cada capítulo
colocamos uma ilustração para a formação do desenho da nossa
realidade: plural como uma uva.. Para isto gostaria que a cada
capítulo você fosse ao anexo e desse uma olhadinha.

4
Packer, J. L., O conhecimento de Deus, Mundo Cristão, São Paulo/SP, 1987, p. 10
A Teologia é um maravilhoso mundo, onde estamos
entrando agora. E grande é o mar da Divindade de Deus. Quando
adentramos nele só podemos flutuar, como um astronauta que
sai de sua nave (nós saímos de nós mesmos) e percebe que o
lugar em que ele está não é um lugar... Não existem definições
eternas. Existe a contemplação. E disto só se brotam suspiros de
amor.

1.1 – O QUE É: REPENSANDO O PENSADO,


‘REDEFININDO’ O DEFINIDO

“Como Eliot disse, sabemos as muitas palavras,


mas ignoramos a Palavra” 4

Muitos esperam que seja feita a definição através de um


desenvolvimento etimológico (etimologia é o estudo dos
significados das palavras) da palavra Teologia. Espero não
desapontar você, pois, não será assim. Principalmente porque o
termo, Teologia, não é de origem bíblica e muito menos foi
cunhado pelos apóstolos... (por favor não se assuste!). Roldán
brilhantemente cita-nos isto;

4
Alves, Rubem, Lições de feitiçaria, Loyola, São Paulo, 2000, p. 17
“Curiosamente o termo ‘teologia’ não é de origem Bíblica, ou seja não
se encontra nas Sagradas Escrituras. Foram os gregos e não os apóstolos
que cunharam o termo para designar o discurso que os poetas faziam com
freqüência para os deuses” 5

É importante pensar que para falar de Teologia, uma simples


definição etimológica, não seria o suficiente. Para se fazer
teologia sadia (e toda vez que falamos ou refletimos acerca de
Deus, estamos fazendo teologia) precisamos tentar saber o
máximo do que é a teologia, seu interesse ou interesses de
estudo e relações na prática - aqui fé e prática jamais se separam.

Citei no início, uma frase que é a base para falar o que é a


teologia. Rubem Alves a citou e ela é muito propícia para esse
nosso início de conversa. Quando falamos de teologia, ou seja,
quando falamos de Deus e suas relações com o homem,
descobrimos que buscamos através da Teologia (interpretada
pela filosofia - ou outra ciência...) a verdade, a Palavra. E aqui
frisamos: buscamos cogniscivamente entender Deus: a Palavra:
a verdade.

Entender e fazer teologia não é algo simples, nem é algo


acabado. Parte de uma ‘inter-relação’ entre Deus e o homem pelas
sagradas escrituras, e entre o homem e Deus segundo sua graça
concedida - num âmbito de fé. Assim não é o homem que possui

5
Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta,
Curitiba, 2000, p.18
a fé, mas sim a fé que o possui já que é dada por Deus e ele está
em Deus.

De certo conhecemos as muitas palavras teologais, porem


não conhecemos a Palavra: o lógos: Deus. Mas afinal, o que é
Teologia? Percebo pela relato do Dr. Roldán, que a teologia foi a
definição que os gregos deram para a atitude dos poetas. E a
atitude era discursar para seus deuses.

Pense um pouco... ninguém discursa à toa, não é mesmo?


Interessante... quando ouvimos falar (e muitos o falam) que
teologia é o discurso sobre Deus, devemos entender que não é
bem assim. Teologia era o discurso dos poetas gregos para os
seus deuses. Portanto, para redefinirmos o que é Teologia, temos
de entender duas coisas básicas. Primeiro: os Poetas fazem
Teologia; Segundo: fazem teologia com um discurso de amor;

1.1.1 - Os Poetas fazem Teologia

Em primeiro lugar os poetas fazem teologia. Sabe porque?


Porque os poetas são seres que escrevem o que vivem, e vivem
aquilo que falam; sai do interior deles como uma oração infinda
(orar com desejo), é um fruto de amor, de necessidade, de
carinho, de devoção. Jorra da sua alma e corpo, do seu ser e ele
não consegue se segurar e aí tem um filho: A Teologia...
Os Poetas entendem que o mais importante é a busca pelo
viver a verdade. É isto que os poetas faziam. Eles queriam nem o
começo, nem o fim, mas a travessia como o homem da história da
Terceira margem do rio - o homem abandonou tudo, comprou um
barco, e foi para dentro do rio que é a terceira margem.- Os
poetas preferem a travessia, o caminho. E não foi isto que Deus
quis ensinar a Abraão quando Ele o chamou para caminhar? Deus
parece querer ensinar que a Abraão que é preciso na vida ter um
coração de poeta.

“Sai da tua casa, da casa da tua parentela, para uma terra que eu lhe
mostrarei ” 6

Parece que Deus não se preocupava com o destino, a


localidade da terra, com a verdade. Ele parecia mais interessado
na travessia, na caminhada (um teste e aprendizado para se ter
um coração de poeta). Os poetas amam a caminhada... Deus
chamou Abraão. Deus quis com ele caminhar. Não era importante
o destino, o rumo do caminho. O importante era a travessia. A
caminhada até lá. Deus queria de certo, Abraão bem aberto.

Pois é, quem tem coração de poeta, entende que a busca é


interminável. A busca da verdade é durante todo o caminho, toda
a vida, e justamente por isso que só os que tem um coração de
poeta podem fazer teologia. Os Poetas não tem pressa... os não-

6
Bíblia Sagrada, Gênesis 12:1
poetas tem muita pressa para concluir logo. Que bobinhos,
esquecem que teologia não é sobre conclusões, é sobre inícios.

Os poetas sabem que a teologia é sobre a verdade, a


palavra, Deus. Eles sabem que é sobre o Sempre Existente, e
sendo assim entendem humildemente que a coisa está não na
partida, não na chegada, mas sim na travessia, na caminhada
teologal. (Abraão aprendeu muito no caminho).

Os poetas entendem que a teologia não é uma conclusão,


nela nada se conclui... Nela e por ela soam perguntas
intermináveis, e quando se tem respostas, elas

“...são o começo de outros mundos.” 7

Os poetas não querem o pensamento assassinado; os


verdadeiros teologos também não.

“Quando o pensamento aparece assassinado, pode ter certeza que o


assassino foi uma conclusão” 8

Quem tem coração de poeta faz teologia, porque entende


que Deus não se entende. Como encerrar Deus em palavras? Em
uma seqüência sistematizada? Sendo assim o poeta pesquisa,

7
Alves, Rubem, Lições de Feitiçaria, São Paulo, Loyola, 2000, p. 26
8
Ibid.,p. 26
estuda, ama vivendo e vive amando o Deus revelado nas
escrituras, na vida, nas artes... e aí executa o parto: faz Teologia.

1.1.2 - Eles têm um discurso de amor

O discurso, a teologia, não são meros conceitos


empoeirados que o teólogo pega e usa sem ao menos tirar poeira.
(É verdade, hoje em dia não se tira mais poeira dos conceitos...
que mal à saúde!). São declarações de amor, que foram
produzidas por fé mais razão, por sentimentos mais
pensamentos, por vida e arte.
De certo, não é uma cópia fiel daquilo que Deus é. Mas é um
fruto de amor, um desenho feito de palavras em reverência A
Palavra: o lógos – que para nós é o motivo da Teologia.

Da Palavra: o lógos, Vieram as palavras sagradas (por homens


inspirados). E por elas teologamos.

Agora, volto a frisar que as nossas verdades teologais


jamais serão “cópias fiéis” da Verdade. O Apóstolo Paulo parece
Ter entendido isto;

“Agora pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho...” 9


“De igual modo, agora só podemos ver e compreender um pouquinho a
respeito de Deus, como se estivéssemos observando seu reflexo num
espelho muito ruim...” 10
9
Bíblia Sagrada, I Coríntios 13:12a NVI
10
Bíblia Sagrada, I Coríntios 13:12a - Bíblia Viva
Espelhos ruins não nos permitem ver o todo. Só vemos
fragmentos de amor, de vida, de Deus... Fragmentos que se
transformam em Teologia e isto é o pouquinho do reflexo que
temos de Deus. Desta forma, teologia é muito mais do que
algumas definições que alguns teólogos escreveram;

“O discurso concernente a Deus; A ciência do


sobrenatural; A ciência da religião; O estudo sobre
Deus... A ciência de Deus segundo ele se revelou em sua
palavra; A apresentação dos fatos da escritura, em sua
ordem e relação próprias” 11

Vejo a Teologia como a mais sublime atividade que alguém


pode se dedicar. Ela é a palavra que nos aponta o desconhecido
que esta sendo conhecido, nos aponta ‘O sempre existente”, nos
aponta para a existência da Verdade: o lógos: Deus.

Desenvolvemos teologia, para nos aproximarmos o máximo


d’Ele, para conhecê-lo/vive-lo, saciarmos e aguçarmos nossa
sede como falou Agostinho, quando disse que o mesmo Deus
que nos sacia a sede nos aguça a sede para buscarmos mais
d’Ele. (Deus coloca sal em nossas bocas!) Definimos teologia
como a Segunda palavra maior. Ela é a junção dos fragmentos da
imagem em nosso espelho ruim; Teologia é a imagem do que
nunca vimos: A verdade: o lógos: Deus. Teologia é a ponte que

Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta, Curitiba,


11

2000, p. 19
construímos com as palavras sagradas usando o cimento da
filosofia (e outras ciências), para que possamos em nosso tempo
caminhar no conhecimento do que não está preso ao tempo –
Deus atemporal.

Você pode observar que a definição de teologia, está


centralizada entre dois pontos: a verdade : o lógos: Deus de um
lado, a teologia no centro e o homem em outro lado, e sendo
assim usamos aqui a definição de Paull Tillich, mostrando o que é
a teologia e sua relação entre Deus e o homem.

“ A teologia não é apenas um relacionar de textos bíblicos, mas junto com


eles um relacionar, um diálogo constante com a cultura em que estamos
inseridos” 12 (Grifo Nosso)

A teologia dialoga com o homem de qualquer tempo,


cultura, estado social, grau de instrução! Mas, o que é teologia?
Teologia é a busca interminável pela verdade, ou seja a análise do
reflexo do espelho para que por ele saibamos como estamos e
como devemos andar. Teologia é o reflexo ruim que temos da
verdade, e por isso devemos saber que a nossa teologia jamais
será totalmente verdadeira e plena... Ela tem de ser uma
Teologia/reflexo o máximo verdadeira possível. Não que a
imagem seja ruim – ela é perfeita – o problema são os olhos, os
nossos olhos é que são doentes...

Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta, Curitiba,


12

2000, p. 22
Sendo assim, o caráter da teologia antes de ser tradicional e
empoeirado, tem de ser crítico de si mesmo;

“Teologia não é uma simples repetição de doutrinas


(reflexos no espelho) tradicionais, mas uma busca
persistente da verdade que elas indicam, e que
expressam somente de forma fragmentária (nosso
espelho é ruim...). Como busca contínua, o espírito da
teologia é interrogativo antes de doutrinário; ele
pressupõe a disposição de questionar e ser questionado”
13
(Grifo nosso)

Gustavo Gutiérres parece também Ter esta mesma


perspectiva que Daniel tem sobre o caráter da teologia;

´A Teologia é um pensamento crítico em três direções:


um pensamento crítico de si mesma; uma atitude lúcida e
crítica das condicionamentos econômicos e sócio
culturais da vida; e reflexão da comunidade cristã... A
teologia deve ser um pensamento crítico de si mesma, de
seus próprios fundamentos. Só isto pode fazer dela um
discurso não ingênuo, mas consciente de si mesma, em
plena posse de seus instrumentos conceituais” 14 (Grifo
meu)

Diante destas doces definições, dá para se perceber como


estamos longe do alvo no nosso labor teológico. N. N. Champlin,
também traz algo interessante para nós, mostrando que a teologia
realmente é o reflexo no espelho de que precisamos para todos
os âmbitos da vida;

Ibid.,, p. 22
13

14
Ibid., p. 75, 76
“Divide-se o estudo teológico em três direções: teologia da metafísica –
Deus e seus atributos; Teologia antropológica – o homem; Teologia
cosmológica – o universo” 15

Estou frisando realmente aquilo que devemos repensar , em


relação ao que é a teologia. Quando vemos estes conceitos dá até
calafrio. Aliás, isto me faz pensar numa estória, que mostra que é
mais do que necessário começar a “raspar” a teologia de hoje.

“Um amigo meu, nos Estados Unidos comprou uma casa


velha, de mais de um século, conservada, como muitas
por lá existem. Muitas coisas a serrem consertadas. Tudo
teria que ser pintado de novo. Antes de pintar com as
cores novas ele achou melhor das paredes a cor velha,
um azul sujo e desbotado. Raspado o azul, de baixo dele
surgiu uma cor rosa mais velha ainda que o azul. Raspou-
a também. Aí apareceu o creme, e depois o branco...
Cada morador havia coberto o caro anterior com a uma
nova. E assim ele foi indo, pacientemente, camada após
camada. Queria chegar à cor original, que aparecia depois
que todas as camadas de tinta fossem raspadas.
Finalmente o trabalho terminou. E o que encontrou foi
surpresa inesperada que o encheu de alegria. Mais bonito
que qualquer tinta: madeira linda.” 16

Talvez seja isto que devemos fazer hoje, porque não? A


teologia não tem mais o caráter de teologia própria – um grande
exemplo disto é o uso de genitivos (teologia da... teologia de...) –
e nós nos perguntamos: Será que temos de pegar a teologia e
mais uma vez jogar por cima do que já foi pintado, da teologia
que já foi usada? Se o caráter da teologia é interrogativo como

15
Champlin, Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia, Candeia, São Paulo/SP,
1997, p. 467.4
16
Alves, Rubem, A festa de Maria, Papirus, Campinas/SP, 1999, p. 21
afirmou Daniel Miglore, tempo por urgência tratar de comprar
espátulas críticas e começar a raspar as paredes da teologia, indo
ate o final... Quem sabe não vamos encontrar uma madeira linda,
como encontrou o homem que comprou a casa?

Infelizmente para uns, felizmente para outros, a teologia no


Brasil precisa ser redescoberta. O fato é que os pastores e líderes
acadêmicos de seminários, compram pronto e dão para o povão
que aceitam e tudo fica normal.... (este é o problema, está tudo
normal). Poucos são os que resolvem raspar as paredes, porque
na verdade dá trabalho e para que procurar mais dor de cabeça se
já temos tantas? Raspar a parede? Pra que? Agente vai ali,
compra mais um enlatado de tinta teológica da moda e aplica.
Pronto!

Esta, portanto é a realidade, e como é sabido que só temos


uma vida para realizar os propósitos de Deus, estou decidido a
“raspar a parede”. Realmente devemos repensar (e por
conseqüência ) raspar as tantas teologias que o “governo”
eclesial pragmático nos deu. Claro que se você raspar e não
gostar da madeira (o que duvido...), é só comprar o enlatado de
tinta da moda teológica e aplicar, não se preocupe quanto a isso!
Tudo tem sido muito pragmático.

Redefinir ou repensar, ou mesmo redescobrir a teologia é


algo vital para o cristianismo protestante pós-moderno.
“A principal necessidade de nossos dias é que o mundo ocidental deve ser
libertado de sua colossal ideologia e deve descobrir – deixe-me dizer re-
descobrir – o entendimento realístico da vida” 17

O entendimento realístico da vida é a seiva vital da árvore da


vida do cristão e este entendimento só pode ser desenvolvido na
teologia, que é a imagem para nossa conduta e vida. Emill
Brunner equipara a fé à teologia e vice-versa, afirmando que a
teologia, ou a fé, é sumariamente necessária sendo portanto
impossível de ser separada da vida prática.

“Ela (a teologia) é necessária e é frutífero saber que questão da fé está


sempre preocupado com as relações práticas da vida” (Grifo Nosso) 18

É válido pensar que ele postula a vida e seu entendimento


ligado primordialmente à teologia (a fé);

“A questão de como devemos entender nossa existência,


contudo, nada mais é que uma questão religiosa, a
questão sobre Deus, pois o entendimento da vida nutrido
por um homem ou uma época, é a ‘fé’ deste homem ou
época” (Grifo Nosso) 19

Se hoje vemos o caos em que estamos (e nós afirmamos


que estamos), a problemática está na seiva da árvore, como bem
falou Brunner. A problemática está realmente na fé, na teologia,

17
Brunner, Emil, Teologia da Crise, São Paulo, Novo Século, 2000, p. 24,25
18
Ibid., p. 24
19
Brunner, Emil, Teologia da Crise, São Paulo, Novo Século, 2000, p. 23
no reflexo que temos do entendimento da vida. E é por isto que
devemos repensar e voltar analisando.

“A humanidade tem sempre diante de si portanto, uma dupla


tarefa: esquadrinhar o conteúdo, e esquadrinhar as expressões
de sua fé” 20

Esquadrinhar o conteudo, a teologia genuína, para depois


observar as expressões e os atos; eles são conseqüência de uma
consciência teológica, mesmo quando não se tem esta
consciência.

Teologia é a imagem que temos de Deus , que nos serve de


exemplo par a vivermos o cristianismo genuíno, caminhando
sempre para o alvo, que é Cristo.

Ela é como uma ponte que temos para nos aproximarmos da


verdade, se não há ponte, não podemos caminhar e se não
podemos caminhar ficamos fracos e não desenvolvemos, como o
caso dos irmãos hebreus: ao invés de mestres, ainda crianças.

“Embora a esta altura já devessem ser mestres, vocês


precisam de alguém que lhes ensine... os princípios
elementares da palavra de Deus. Estão precisando de
leite, e não de alimento solido! Quem se alimente de leite
ainda é criança, e não tem experiência no ensino da
justiça. Mas o alimento solido é para os adultos.

20
Ibid., p. 23
Brunner, Emil, Teologia da crise, São Paulo, Novo Século, 2000, p.23
Biblia Sagrada, Hebreus 5;12-14b NVI
2. - A TEOLOGIA COMO PRODUTO (SEIVA) DE SUA ÉPOCA

“... a atividade exploratória e analítica não é um fim em si mesmo.


Investiga o real porque sabe que é dele que ele (a) terá de retirar os
materias para construir o possível. O possível? Onde está? Não
existe ainda. Não nasceu. Virá a ser como resultado do amor de ação
criadora.” (Grifo Nosso) 21

Nesta Segunda parte, estaremos dando prosseguimento conduzindo a


idéia de que a teologia como qualquer outro discurso, está inserida em um
lugar, em uma época a qual chamamos de incubadora. Neste calor é que
nascerão os novos filhos.

A partir daqui iniciaremos uma estória contínua que vai até o final
deste trabalho. A teologia é fruto de uma época, de um tempo e poderá
endossar a sua sociedade e tempo (incubadora) ou poderá ser também
responsiva a ela.

É de suma importância entender isto. A teologia não está solta no ar,


como ser não pertencesse a realidade de uma época e de uma sociedade.
Sempre existe um porque. Um porque que explica quando e como ela
nasceu. Portanto compete a nós entendermos esta atividade exploratória
que Alves fala na citação inicial. Esta atividade consiste em explorar e
procurar entender de início que os discursos teológicos são produzidos em
seus contextos. Entendendo isto poderemos ir adiante: teremos retirado os
materias históricos e sociológicos para a construção de algo que ainda não
nasceu: uma teologia brasileira para o nosso tempo.

Assim neste capítulo estaremos analisando as incubadoras e como são


produzidos os cantos (como frutos) que saem destas incubadoras. Como cada

21
Alves, Rubem, Conversas com quem gosta de ensinar, Cortez, São Paulo/SP, 1983, p. 59
capítulo corresponde a uma uva, mais uma uva foi inserida. Veja anexo inserido
na página 119.

2.1 – O PENSAMENTO E O CONTEXTO SÓCIO CULTURAL:


A INCUBADORA

“Como chegamos as crenças que defendemos? São elas produto do


pensamento de cada um de nós? Não completamente. Poucos negariam a
existência de um fator pessoal, mas todos somos formados em maior ou
menos extensão pelo contexto total das pessoas e acontecimentos que nos
rodeiam desde o nascimento. Entre essas influências poderosas estão:
hereditariedade, cultura, estruturas sociais, família e crises nacionais...
Esses fatores formativos logo são suplementados por outros, secundários
mas ainda sim importantes: experiências da infância, na escola e em casa; a
pessoa com a qual casamos; as pessoas com as quais trabalhamos e que
vivem na nossa vizinhança - tudo influência a direção de nossas crenças.” 22

Os pensamentos são máquinas que se chamam incubadoras. Nelas são


colhidos os frutos do seu tempo: pessoas com formas de proceder já pré-
determinadas pelo pensamento do qual podemos chamar de cultura.

Existe uma história (ou estória, como você queira) que nos lembra
muito a seriedade de uma incubadora, de um pensamento. Tudo começou
numa floresta. Um dia esta floresta (em que não haviam pássaros cantantes)
foi invadida por urubus de uma outra floresta próxima que tinha sido
incendiada. E os urubus que já haviam visto pássaros cantantes, resolveram
estudar e cantar. Resolveram serem bons. Os melhores... E lá se foram os
urubus a estudarem. Contrataram os melhores cantores, fizeram seminários,
escreveram métodos, técnicas comprovadas, tratados, sumas, estipularam
os anos de duração que transformariam meros urubus em bacharéis de
canto... Assim com o passar do tempo, já se tinha pós-graduação, doutorado
e não se demoraram os Phds.
22
Nicholls, Bruce, Fundamentos da teologia Cristã, Vida, São Paulo, 2000, p. 21
Os anos se passaram e aquela floresta, que no passado não tinha
pássaros cantantes, agora tinha mais do que isso. Tinha uma escola de
canto reconhecida até pelo MEC! E os urubus, todos os anos faziam
plenárias, tudo para eleger os melhores cantores do ano...
Porém, um dia naquela floresta se ouviu um canto diferente. Era
improvisado e o vibrato do som mais parecia ser comparado a um som
divino. Algo que não podia vir de meras técnicas... Eram os sabiás as
cotovias os curiós e os João de Barro que estavam nas proximidades e
cantavam a sua felicidade, cantavam o desejo dos seus corações. Então os
urubus saíram a procura deles e resolveram a situação dizendo que eles não
poderiam mais cantar. Os sabiás as cotovias e curiós não entenderam... Os
urubus disseram que eles não tinham diplomas que reconheciam aquilo que
eles faziam. Eles não eram formados em canto. Conclusão: não eram
cantores...

A estória nos mostra algo interessante. Os urubus criaram uma


incubadora que passou a reger as suas vidas: escola de canto. Sem esta
escola, ninguém jamais poderia cantar. E assim todos passaram a viver
através deste pensamento. O pensamento é como uma incubadora: tudo o
que fazemos é por resultado daquilo que temos em nós, adquirido durante
os anos de nossa vida. E os filhos dos urubus já novinhos iam para as
escolas... Mal sabiam para que, mas os pais já sabedores e cheios de si
somente diziam: - não se preocupe meu filho, isto é para o seu bem...

Dá para se perceber os resultados de uma incubadora construída:


todos vivem por ela, para ela e através dela. E são pouquíssimos os que
percebem os erros...

Assim os Urubus se achavam donos do canto. Sua incubadora ou o


seu pensamento, seu contexto sócio cultural, estava baseado na escola de
canto, e nada mais era importante do que isto. Mesmo que hajam sabiás
com cantos divinos, mesmo que hajam curiós e cotovias que deslumbram
qualquer urubu com phd. Não adianta, sempre haverá o fruto o resultado da
incubadora/pensamento, como naquela floresta. E o fruto era a pergunta: -
você tem diploma de canto? Se não tem, sinto muito, mas você não pode
cantar...

Resta-nos saber o que fazer. O que os sabiás teriam de fazer? Desde o


início, na era dos pais apostólicos, o pensamento/incubadora, já estava em
desenvolvimento. A questão é que pouco se sabia sobre a sua primordial
importância, afinal, somos fruto do pensamento/incubadora de nossa época,
e é neste pensamento que iremos nos expressar, receber os conceitos,
enfim viver.

E será também nela que teremos de re-expressar as verdades


teológicas. Cada um em sua época teve de fazer isto. Os sabiás tinham de
entrar nos cursos, porém eles tinham de por meio do seu canto, re-
expressar as verdades que habitavam o seu ser em seu desejo. A verdade
tinha de ser expressada pelos sabiás que receberam o dom gratuito... Os
pais apostólicos foram sabiás em uma floresta cheia de urubus com phds...
E eles tiveram de cantar o seu canto re-expressando as verdades para os
urubus, para todos os pássaros.

“o pensamento grego aproximou-se do cristianismo bíblico em


muitos pontos, ao mesmo tempo em que permaneceu diferente (...) A
tarefa dos primeiro pais cristãos era expressar a fé cristã em relação
a sua herança grega. Isto significava expressá-la em termos gregos,
porém sem distorcê-la” 23

Sabemos que urubus normalmente não gostam de ouvir este canto.


Mas, jamais os sabiás poderão abandonar o canto que foi recebido por dom,
23
Lane, Tony, Pensamento Cristão, Press Abba, São Paulo/SP, 2000, p. 14
Graça. Afinal, não é para isto que se recebe um presente? Se recebe para
usufruir dele. Graça: recebimento de algo que jamais se pensou em pedir.
Graça: transformação de urubus em sabiás... curiós...

A escola, ou o pensamento/incubadora, não será fechada, e é bom que não


se feche pois será lá que se ouvirão os nossos cantos... Cantamos para falar
daquilo que foi feito a nós. Daquilo que pode ser feito a eles. Nada de obras... de
estudar para conseguir ser... Para a Graça entrar , não ser faz, se recebe. E
alguns urubus ouvem. Alguns entendem, e estes se assustam ao descobrir que
eles já não são mais urubus que se preocupam com as obras... São sabiás que
cantam com o profundo desejo de que se ouçam seu canto.
Agora, é importante se pensar que o pensamento/incubadora, não foi
algo que surgiu de um dia para o outro. Ele é resultado de um processo. De
várias construções e reconstruções. E o seu lugar habita na palavra chave,
que um grande sabiá chamado Paul Tillich, descobriu: História. É na história
que encontramos a chave para a melhor compreensão da vida do
pensamento/incubadora. Neste local, podemos analisar o comportamento
dos urubus e o comportamento dos novos frutos (os filhotes de todos os
pássaros).

Podemos ver o que foi feito pelo pensamento, e o que foi desfeito pelo
pensamento. E é exatamente na história que podemos descobrir os erros e
acertos dos cantos dos sabiás que estiveram antes de nós. O interessante
em Tillich sobre a história é

“ o fato de ele ter elaborado, sobretudo, uma teologia da história.


Nesse sentido, recusava-se a exercer a tarefa de mero coletor de
divulgador de fatos e dados. Para ele, o importante era ‘tornar vivo’ o
que ‘já passou’, era olhar o passado para compreender o situação
presente, era aliar aos fatos uma interpretação.” 24

24
Por uma nova teologia latino-americana, Paulinas, São Paulo, 1996, pp. 211, 212
Uma conclusão é inevitável: Se é preciso aliar aos fatos uma
interpretação, (um canto...) histórica sobre o pensamento/incubadora. E isto
é o primordial.

“Todavia, tal interpretação exige um envolvimento pessoal daquele


que está diante dos fatos. Tillich, dessa forma, estava próximo dos
referenciais... da compreensão da história. Procurava no passado os
significados das questões que o afligiam no presente e que, por sua vez,
existiam em função da responsabilidade com o futuro” (grifo nosso) 25

Lloyd Jones, também percebeu a importância de se analisar a história;

“ O meu ponto de vista é que os cristão deve aprender da história,


que, por ser cristão, é seu dever fazer isso, e deve animar-se a faze-
lo... O meu argumento é que, para nós, é sempre essencial
suplementar a nossa leitura teológica com a leitura da história da
igreja. Ou se vocês preferirem, que devíamos, de algum modo, tornar
a nossa teologia de maneira histórica.” 26

O pensamento da época é como uma incubadora. E foi nesta incubadora


que nascemos. Teremos as características que a incubadora estará ditando em
sua época. Ë por isto que devemos analisar a história. Como lemos acima,
devemos ter uma leitura teológica unida a história da igreja. Isto não é algo fácil.
Porém é o que no momento precisamos. Assim para darmos respostas à
incubadora (pensamento) da qual nascemos e vivemos, devemos primeiro
conhecer quem ela é. Devemos conhecer o pensamento da nossa época.

É importante frisar aqui que a incubadora esta em um processo de


muitos e muitos anos. Somente analisando a história, perceberemos sua
ação nas pessoas e depois veremos as reações ao longo dos tempos. No
início colocamos um texto que relata, exatamente a ação da incubadora.
Somos o fruto dela. Fruto do meio em que vivemos... Como chegamos as
crenças que temos? À nossa ideologia? A nossa forma de culto de
25
Ibid., pp. 211, 212
26
Lloyd Jones, Podemos aprender da história?, PES, São Paulo/SP, p. 1
exteriorização de nossa interioridade? Para respondermos como, basta só
olhamos, (depois de uma olhadinha na história) o pensamento de nossa
época (a incubadora). Aí, sim saberemos! Lloyd Jones continua ainda
falando desta importância;

(...)”há o perigo de, se de vez em quando não dermos uma vista geral,
‘perder a mata por causa das árvores’. Em todo caso, às vezes é mais cômodo
tratar de particularidades do que examinar a situação geral. Todavia eu creio que
estamos vivendo numa época em que é muito importante ter essa visão geral. (...)
Graças a história da igreja, que em tempos e épocas diferentes certas questões
particulares tem tido incomum proeminência. Todos nós conhecemos os fatos dos
tempos primitivos, como, por exemplo, as questões relacionadas com a pessoa do
Senhor, e coma doutrina da trindade, que eram da máxima importância e tiveram
que ser defendidas com muita luta. Noutros tempos houve outros assuntos que
sobressaíam mais proeminentemente. No entanto, na reforma a primeira grande e
imediata questão foi a doutrina da justificação pela fé, como já ouvimos... Mas é
interessante notar que não se pode isolar estas coisas: são todas inter-
relacionadas. Assim, quase imediatamente, esse problema leva a outro, o
problema da igreja e da natureza da igreja. Todas essas diferentes doutrinas
pertencem a um todo, e seja qual for aquele com o qual vocês comecem, mais
cedo ou mais tarde chegarão aos outros.” 27

Uma coisa devemos ter em mente. O pensamento e o contexto sócio


cultural são a incubadora. Como analisá-la? Analisando a história, já que as partes
pertencem a um todo. Se estamos com este pensamento hoje. Com certeza foi
devido ao desenvolvimento de toda a história até hoje.

Estamos na incubadora. Crescemos nela. E a ela devemos analisar. A


incubadora é o cerne de uma sociedade, seja ela qualquer. Uma análise profunda
nos mostrará sua influência, seus pressupostos, seu domínio, e como darmos uma
resposta a ela. Uma resposta como o canto de um Sabiá ou uma Cotovia. Lindo o
que Rubem Alves fala sobre isto;

“As maritacas (poderiam ser urubus...) gritam, e todos as ouvem,


mesmo sem querer. Mas o canto do sabiá solitário, ao final da tarde,

27
Lloyd Jones, Podemos aprender da história?, PES, São Paulo/SP, pp. 2, 3
em algum lugar da floresta, faz todo mundo se calar para poder
ouvir...” (Grifo Nosso) 28

O fato é que estamos presos na incubadora. Quer saibamos ou não.


Quer gostamos ou não. Quer ligamos ou não. E nesta estória algo bem
interessante acontece. Ë que o escritor achou que dominaria a estória. Os
urubus pensaram que dominariam a sua incubadora (a escola de canto na
floresta). Só que algo aconteceu. Algo que eles não esperavam. A coisa se
inverteu... e foi a incubadora quem os dominou todos. E ninguém percebeu.
Ninguém nem notou, porém todos eles, todo o povo, escravo se tornou. A
estória domina o seu escritor...

A questão é que a incubadora se tornou um modo de vida, um


sistema. E a partir disto, todos passaram a viver presos nela. Todos
trabalham nela, por ela e para ela. Sabe-se que ela e invisível aos olhos,
porém seu domínio já é de abrangência mundial.

E os urubus viram chegando um carro. Era um furgão preto. Do furgão


saíram urubus vestidos de preto: estavam engravatados... Usavam óculos
escuros... pastas pretas... comunicadores... Eles andavam em direção à
incubadora. Os urubus estavam com medo. O que seria aquilo? Então, os
urubus engravatados chegam diante da incubadora e trocam sua placa. Não
mais se chamaria incubadora. Seu nome agora? Globalização. Os urubus
não entendem... e perguntam o que era aquilo. A resposta veio em palavras.
Palavras que eles viveriam em sua pele: Isto significa que vocês tem um
dono. O sistema Globalização é agora seu dono...

28
Alves, Rubem, E aí?, Papirus, Campinas/SP, 1999, p 46
2.2 - A TEOLOGIA COMO FRUTO ENDOSSIVO OU RESPONSIVO DOS
PÁSSAROS NA INCUBADORA: O CANTO

No pensamento, por causa dele e contra ele surge a Teologia (já que o
indivíduo está na sua época), confrontando ou apoiando todo um sistema
cultural ideológico em desenvolvimento contínuo na história de uma
formação, uma seiva... Sendo assim o pensamento local serve-nos de
impulso e é da onde todos partem para conseguir algo que terá um, de dois
alvos:

I- Des-construir aquele tipo de formação - que para a lente da


pessoa é errada - e re-construir sob nova formação (nova seiva,
roupagem) uma Teologia RESPONSIVA;
II- Preservar aquele tipo de formação - que para lente da pessoa é
correta - e re-construir sob nova formação uma Teologia ENDOSSIVA.

Há de se fincar portanto que não independente do alvo a ser atingido, o


pensamento da época é o local (a incubadora) da onde em resposta, se
estarão brotando novas teologias (tanto responsivas como endossivas).
Segue assim, uma dialética com consequências que podem ter estas duas
facetas – que descobrimos - já referidas:

Pensamento local X Teologia Responsiva:


Des-construção e Re-construção

Pensamento Local X Teologia Endosiva:


Solidificando o edificado

É de se perceber que “a nova construção” pode ter dois tipos de


caráter: Responsivo (crítico) ou Endossivo (dogmático). Caráter esse que
será reflexo e resultado de quem escreve e sua lente (conceitos
aglomerados nele durante toda a sua vida, adquiridos empiricamente e
cogniscivamente).
Observamos, que mesmo não se tendo uma teologia escrita no Brasil
e para o Brasil, tem-se feito teologia ou “novas construções de caráter
endossivo”. E isto tem-se feito por meio dos costumes e interpretações que
a nova era denominacional (chamada neo-pentecostal) tem feito não em
papel e tinta, mas na prática do dia a dia, sendo isto portanto reflexo de
quem nós somos como brasileiros: dogmáticos, enlatados, cristalizados,
engessados e pouquíssimo ou raramente questionadores. Olhamos por este
novo ângulo porque;
“Manifestamos essas crenças, não apenas em palavras e idéias, mas de
maneiras diversas, com a interação de corpo e mente, sentimentos e vontades em
variadas combinações. (Estas maneiras diversas) São as portas de saída, pelas
quais nosso ser interior exprime suas dúvidas e crenças” (Grifo Nosso) 29

E vendo este fundamento profundo do fazer consciente ou não da


teologia, percebe-se que no Brasil já se desenvolveu uma Teologia
Endossiva cega, a muito tempo. As neo-pentencostais (e comunidades), tem
mesmo sem saber, e por muitas vezes aos berros afirmando não fazer, feito
teologia. O próprio livro do Bispo Macedo, desfazendo da teologia, prova
qual o tipo de teologia que ele tem feito e os reflexos são fáceis de se ver
( não é preciso usar lupa... como fazemos com as igrejas americanas) para
vermos as desastrosas consequências.

2.2.1 - Os novos piados dos pássaros-teólogos

Os pensamentos são máquinas que se chamam incubadoras. Nelas são


colhidos os frutos do seu tempo: novos cantos/piados produzidos por
novos pássaros-teólogos. Os pensamentos/incubadoras, podem ser
jurássicos ou mais modernos. O fato é que os frutos crescerão, e que
quando já crescidos, os novos pássaros adultos terão duas tendências. Ou
terão uma análise responsiva para melhora do pensamento/incubadora (e
por consequência, melhora do âmbito do nascimento dos novos frutos), ou
ter uma análise endossiva, que significa que os pássaros nada farão, a não
ser endossar a velha incubadora (o velho pensamento) com uma placa: Não
se preocupem! A incubadora durará mais uns quarenta anos...

2.2.2 – O Pensamento dos pássaros: ou guiado pela ciência


29
Nicholls, Bruce, Fundamentos da teologia Cristã, Vida, São Paulo, 2000, p. 21
ou guiado pelo desejo...

O fato é que diante do pensamento da época (que imagino que


poderiam ser chamados de modernos e/ou pós-modernos - pois na época
eram os mais modernos.), foram crescendo urubus e pássaros de vários
tipos. Como sempre, a maioria tendia para as profissões mais procuradas:
medicina, direito e ciências da computação. E se não sabes as razões da
procura, ai vão:

Alguns escolhiam Medicina, porque neles, na sua espécie, doía-lhes


algo que eles não sabiam o que e assim diziam: Vou ser médico para ajudar
os outros... Cinco anos de pensamento escravo da observação científica,
como fala Rubem Alves;

“Já a ciência é fala de gente séria, pés no chão, olhos nas coisas, imaginação
escrava da observação” 30

Os que iam para o Direito, também tinham o seu discurso (que por sinal
parecia muito com o da medicina): - Vou ser advogado, promotor, juiz... para
ajudar os outros pássaros a serem mais corretos. Vou estudar direito para fazê-los
seguir mais direito... E aí também se vão cinco anos de pensamento escravo a
observação científica de leis, registros, regras...

E por fim, os que seguiam as ciências da computação também


discursavam, e já imaginamos que você saiba que o discurso parecia com o
da Medicina e do Direito: - Vamos fazer Ciências da computação para poder
ajudar nessa nova era virtual, aonde quem não sabe usar um computador
não vai sobreviver...

30
Alves, Rubem, Estórias para que gosta de ensinar, Cortez, São Paulo/SP, 1988, p. 24
Portanto, os pássaros destes três grupos são na verdade de um grupo
só: Não existe diferença entre eles. Eles estão presos. Todos presos
cientificamente, e todos eles foram endossivos a seguir estes cursos
devido a algo que eles não sabem o que é mas que querem suprir e que
pensam que o pensamento/incubadora poderá lhes suprir... Os futuros
médicos querem acabar com a ar dor deles próprios, dor de sua alma... Os
futuros advogados, querem acabar com a injustiça, querem ser absolvidos...
E os cientistas de computador, querem conhecer o lugar do seu desejo nos
espaços virtuais...

Todos escravos do sistema: pensamento/Incubador... Todos cegos


pela idéia de se seguir cientificamente os livros médicos, registros legais,
planilhas de programação. Todos frutos do pensamento/incubadora: siga o
método sem discutir, pois o resultado não pode ser diferente. Não se ama
mais o resultado. Ama-se os métodos, todos como cânon. Claro, cada um
em sua área... Este grupo de pássaros, criados pelo sistema de pensamento
da época ou incubadora, são guiados por este mesmo pensamento, pela
incubadora. Não existe nada além dela. Todos saem moldados... prontos...
Todos saem em série!

Existem porem um outro grupo. Ele sempre existiu, só que em


minoria, (claro, minoria só de número..) São os urubus que foram
transformados pela Graça em Sabiás, ou cotovias. E eles descobrem que a
ciência do pensamento local, a incubadora, da onde eles vieram, não é tão
importante assim. E eles descobrem isto porque percebem por um canto de
Sabiá que;

“...conhecimento não é coisa de cabeça, nem de pensamento. É coisa


do corpo inteiro, dos rins, do coração, dos genitais... é preciso que o
desejo faça o corpo mover-se para o amor. (...) Para conhecer é
preciso primeiro amar (...) Porque sem uma grande paixão não existe
conhecimento” 31

31
Alves, Rubem, Estórias de quem gosta de Ensinar, Cortez, São Paulo/SP, 1988, pp. 23 - 26
De algum modo estes urubus foram transformados. Talvez seja o
canto do sabiá que eles ouviram e a partir daí, passaram a ser guiados
primeiramente pelo amor, pelo desejo... Aí, improvisações começaram a
acontecer, a imaginação voltou a funcionar, as estórias voltaram a ser
contadas e eles passaram a amar a vida e seus resultados de amor. Não
amaram mais os medonhos métodos, amaram os resultados na vida.

Então estranha coisa aconteceu: estes urubus viraram Sabiás.... e


estes Sabiás não só cantavam, mas começaram a escrever e nestes escritos
estavam as mudanças que eles fariam no pensamento, na incubadora da
época. E eles passaram a viver as suas vidas por amor a essas mudanças,
porque eles queriam que os futuros frutos do pensamento, da incubadora,
recebessem esta benção que eles receberam. Voltar a sonhar, a esperar, a
querer melhorar, tudo por amor.

Temos vários exemplos disto. Este canto, estas letras escritas por
estes sabiás são o que chamamos no primeiro capítulo de ponte teologal, de
seiva teológia ou de plantas plantadas como símbolos da esperança. Esta
seiva é o produto, o resultado da problemática da sua época. Como já o
dissemos. Cada época tem o seu pensamento, a sua incubadora.

E neste contexto há a resposta, ou endossiva ou responsiva. A estas


respostas, denominamos: seiva. Lutero nos mostra o seu canto. Seu canto
foi um resultado reponsivo ao pensamento/incubadora da época;

“Ele protestou, com base bíblica e racional, que pensar em vender o


perdão dos pecados por dinheiro era uma negação total do
evangelho (...) Em Heidelberg e mais tarde quando convocado para
um debate em Leipzig, Lutero emergiu como o grande defensor da fé
somente, graça somente, somente as escrituras. Ele defendeu sua
posição com a autoridade das escrituras e antiga tradição católica,
particularmente citando Agostinho.“ 32

32
Atlinson, James, Fundamentos da teologia Cristã, Vida, São Paulo/Sp, 2002, p. 307
Porém não foi só ele mas cada um dos grandes Sabiás fizeram isto, e
seu canto se ouviu por toda a época e até fora dela ainda se escutam os
ecos... Friederich Nietszchi, também fez-se ouvir o seu canto, quando em
sua época ele analisou a nova sociedade com uma lanterna na mão e após
longa análise declarou seu canto como seiva responsiva: Deus está morto!
Nada mais de Deus na vida da sociedade. Deus estava morto. As pessoas
daquele novo tempo o mataram... Não precisavam mais Dele... Este foi o
canto de Nietszchi, canto este que não foi nada agradável aos ouvidos dos
urubus da época. Normal...

Muitos Sabiás, Curiós e Cotovias cantaram durante cada época.


Muitos. E é importante frisar que seu canto sempre foi em resposta ao meio
que eles estavam inseridos. Sempre em resposta. Hegel, fez ou vir seu
canto, kiekegard fez ou vir seu canto, kant, Sheleimacher, Karl Barth, Emil
Bruner, Paul tillich, Rubem Alves, Antônio Gouvea Mendonça, Miguez
Bonino, Alberto Roldán... Dentre tantos outros, que hoje estão cantando...

Canto que restaura. Canto que faz-nos ouvir aquilo que esquecemos,
mas que esta em nosso desejo. Cantos como seiva que percorre as
entranhas através do nosso ouvido e nos tornamos sabiás.
Em cada época existe um pensamento local, ou incubadora. Todos
estão inseridos nela, e será nela que se erguirá o canto como resposta
reponsiva. Há um comentário interessante que nos mostra este canto
responsivo de Tillich, diante da situação da época;

“... Tillich não deixou de reconhecer que o forma como Igreja


estabeleceu seus dogmas foi redutora. E não poderia deixar de ser,
uma fez que toda auto-definição é, inevitavelmente, restritiva e
geradora de exclusões. As definições estabelecidas pela Igreja foram
necessárias frente às pressões das heresias. Tillich indicou que a
Igreja agiu corretamente ao refeitar as heresias, mas pecou quando
tornou-se rígida com suas definições. A proposta de Tillich (uma
resposta responsiva) para o enfrentamento constante da igreja com os
pensamentos que fogem do núcleo central da fé não é uma auto-
definição, pois esta será sempre uma posição de auto-redução e
fechamento. O que se requer é a retomada de um princípio fundante
da visão protestante que é realizar a constante reforma da igreja
(ecclesia semper reformanda)”
(Grifo Nosso) 33

O canto pode ser também uma resposta endossiva. Agora é


válido pensar que esta resposta será a seiva que percorrerá
aqueles que serão engravidados...

Bem, infelizmente, ‘pouco’ eles conseguiram. É que, como já


foi falado, eles eram minoria, e os urubus médicos, urubus
advogados e os urubus programadores não aceitaram que
mudança alguma fosse feita. E foram baixadas leis, estatutos, e
até códigos para os programas de acesso ao pensamento (as
incubadoras), para que nada mudasse. Eles diziam que queriam
ajudar... Ajudar a humanidade. Na verdade eles sempre dizem
isto, mas de certo só ajudam a si mesmos, só amam seus
métodos, não se preocupam mais com os resultados... Isto até
me lembra uma estória de um bom cozinheiro...

Era uma vez... um homem que preparava comida para as pessoas. Ele
se preocupava definitivamente com o preparo, com os temperos, se estará
muito quente, ou muito fria... Olhava o tempero, como melhor preparar... Só
que no final das contas, as pessoas estão é passando mal! Passando mal
de fome! Ë que o homem esqueceu de dar comida, de cuidar das pessoas

33
Por uma nova teologia Latino-americana, Paulinas, São Paulo, 1996, p. 211, 212
para quem ele estava cozinhando. O problema é que a comida passou a ser
mais importante do que as pessoas famintas...

Eles sempre dizem que amam as pessoas, porem a atitude de deixá-


las com fome só faz mostrar quem eles são: amantes não das pessoas, mas
da comida. E se mostram engessados, e endossam de maneira cega e
egoísta o pensamento, a incubadora, cheia de falha, e quem sofrerá mais
ainda, serão os futuros pássaros que nascerão sob o calor deste
pensamento.

Nada de mudanças. Nada de sonhos, ou estórias... Tudo tem de ser


como sempre foi, esta é a tradição. Nada de um canto daqui. Nada de
variações... nada de desejos, ou sentimentos... O pensamento tem de estar
preso às técnicas, a partitura... Nada de improvisações! Todos tem de estar
presos a incubadora que possui métodos já comprovados para transformar
urubus em phds do canto. E disto, eles dizem, nós sempre nos
certificaremos.

É de se saber portanto que o canto, é fruto da labor destes pássaros.


Um canto diferente. Um canto que é em resposta à incubadora de sua época
e até as suas influências na Igreja. Um canto que é fruto. Canto responsivo
ao contexto sócio cultural.

Os urubus que viraram sabiás, e descobriram a verdade, porém, não


desistem. Contam suas estórias, seus sonhos, alçam seu canto. Tudo, por
uma teologia/canto, responsiva ao pensamento/incubador engessado e
opressor... E nesta atitude contaminam outros novos pássaros, novos
filhotes. Contaminam pelo desejo... E se ouve eles cantando

“sem uma grande paixão, não existe conhecimento” 34

34
Alves, Rubem, Estórias de quem que gosta de Ensinar, Cortez, São Paulo/SP, 1988 p. 26
Não existe pensamento saudável, seiva viva! Não existem
incubadoras menos problemáticas... E os pássaros chegam. Estão sem
partituras! É uma música deles. As cotovias cantam. Falam quem são. Assim
estão diante do prédio da Globalização. E começam a cantar:

“Cotovia! Cotovia!
Voz que quebra pedra,
voz que rompe o ferro,
voz que não se inclina,
voz que não faz segredo,
voz que não tem medo.

Cotovia! Cotovia!
Voz que não se escraviza,
voz que não tem status,
voz que não se omite,
voz que não silencia,
voz que não tem dia.

Cotovia! Cotovia!
Profeta forte e certo,
profeta do tempo incerto
que ninguém quer ouvir,
atirando pedra até matar
ou até vê-la sumir...

Cotovia! Cotovia!
Quando cotovia se vai,
ela vai para voltar...
cotovia é imortal...” 35

3. – A INSUFICIÊNCIA DA TEOLOGIA (IMPORTADA E


ENLATADA) EM NOSSO CONTEXTO

“ ... um pequeno texto... Ele dizia nesse texto que o operário,


ao ver o objeto que produzira, tinha de ver o seu próprio rosto
refletido nele. Cada objeto tem de ser um espelho, tem de ter
a cara daquele que o produziu. Quando o operário vê seu
rosto refletido no objeto que ele produziu ele sorri feliz. O

35
Oliveira, Valdomiro P., Aquarelando, Imp. Metodista, São Bernardo do campo/SP, 1986, p.
39
trabalho, com todo o seu sofrimento, valeu a pena: foi dor de
parto. “ 36

Nesta parte, entrarei na problemática real de que as teologias que temos


não satisfazem devido ao contexto em que estamos, ao pensamento e aos
problemas sociais próprio do Brasil. Uma realidade que não encontraremos em
nenhum outro lugar.

Tentarei mostrar a insuficiência das teologias que recebemos; primeiro por


causa da incubadora (o país em que estamos) e o seu progresso; e segundo por
causa dos problemas, ou os curtos-circuitos, que são únicos pois são as
consequências. Sendo assim, as teologias que foram feitas em outras realidades
sociais, não podem ser satisfatórias para nós. Temos a questão da linguagem e
outras coisas que apresentaremos nesta terceira parte. E para continuar a ver o
progresso da visão plural (o cacho de uvas) em sua progressão, veja anexo.

Veja o que Alves disse: Um trabalho nosso que foi dor de parto.
Infelizmente olho para os textos que recebemos (as teologias) e não me vejo nele.
Não foi um trabalho pensado em nosso povo. Foi apenas traduzido.

3.1 – POR CAUSA DA LOCALIZAÇÃO E DO PROGRESSO DA INCUBADORA:


PENSAMENTO MAIS CONTEXTO SÓCIO CULTURAL

“ ... um pequeno texto... Ele dizia nesse texto que o operário,


ao ver o objeto que produzira, tinha de ver o seu próprio rosto
refletido nele. Cada objeto tem de ser um espelho, tem de ter
a cara daquele que o produziu. Quando o operário vê seu
36
58 Alves, Rubem, Correio Popular, Caderno C, 14 de maio de 2000
rosto refletido no objeto que ele produziu ele sorri feliz. O
trabalho, com todo o seu sofrimento, valeu a pena: foi dor de
parto. “ 37

E o tempo passou... Lembram-se da escola? Ela virou um sistema aonde


todos dependiam dele para viver. Os alunos, os professores, os trabalhadores e
as fábricas que vieram. Tudo estava em função do pensamento e do contexto da
época. Aquele novo país ( a floresta ), já estava investindo em livros, e seus
habitantes já queriam traduzir as obras que foram escritas em outro contexto,
acontece que eles foram aceitando esses livros como autoridade final, e
aconteceu que eles não cantavam mais do jeito da sua terra, não penteavam suas
penas como antes. Eles estavam copiando os sabiás do país do primeiro mundo.

A teologia feita num país dificilmente servirá em outro, não se trata aqui das
verdades doutrinárias, mas sim do contexto cultural, um exemplo é que num país
de primeiro mundo não se sabe o que é ficar horas para ser atendido num hospital
público como acontece no Brasil, nem tao pouco sabem o que é sentir fome e não
Ter o que comer, mas sabem perfeitamente os terrores da guerra e os temores de
atentados terroristas. O contexto e o pensamento são diferentes – a incubadora é
diferente – e por fim: “ as aves que lá gorjeiam, não gorjeiam como as daqui” : as
pessoas são outras.
Não que o canto não seja bonito, não tenha princípios e não sirva para
nada; a questão é outra. É que ele é trata para de outra realidade, ele não foi
produzido aqui.
Não é teologia para esta gente que tanto sabe o que é labutar e dar um
jeitinho, para mesmo com sofrimento sorrir e amar; primeiramente – claro -
porque, estamos em outro país, outro continente, falamos outra língua, e depois
porque as teologias que foram importadas já são antigas, foram escritas há
muitos anos, a linguagem que encontramos nelas são de difícil compreensao,

37
Alves, Rubem, Correio Popular, Caderno C, 14 de maio de 2000
como se sabe, muitas palavras perdem seu sentido com o tempo outras deixam
de ser usadas ou são substiruidas.

A situação é delicada, sabemos porém que tem de ser tratada e exposta. E


devido a esta entrada “uma teologia importado”, espalhou-se no Brasil, uma crise
ainda maior; a de identidade: os sabiás não cantam mais como cantavam aqui no
começo de sua historia. – Como é o nosso canto mesmo? – eles perguntam. E aí,
aconteceu o inverso do que era para ser: As aves que aqui gorjeiam, gorjeiam
como as de lá...

Coisa triste essa. Os crentes daqui se esqueceram daqui. Querem ser


como os de lá, se penteiam e se vestem como os de lá. Querem ser iguais a
eles. E a crise ficou tão profunda, que nas reuniões se alguém fizer uma citação
de algum escritor nacional, não será bem aceito: as grandes citações tem de vir de
fora – dos enlatados. Não se engane meu amigo, os enlatados não vem apenas
em latas, mas também em cantos, teologia, pregacaoes, métodos para
evangelizar, ministrar. O enlatado que estou falando é em forma de livro, apostilas,
fitas de videos, cd, entre outros.

“ Nos debates que eu presenciava, cada vez que algum palestrante fazia citações de autores
brasileiros, eram considerados de pouca valia” 38

Será que José Vilson estava exatamente debatendo com as aves? Bem, a
situação hoje é tal qual citei acima. O brasileiro não tem crédito em seu próprio
país, a ponto dos escritores enviárem suas obras para as editoras para ouvir que a
idéia do livro é boa, mas não vai editar porque o povo não compra livros de
autores nacionais. Infelizmente não temos o nosso canto: ele foi esquecido.

“ Em que espelho ficou perdida a minha face?” (Grifo Nosso) 39

38
Anjos, José Vilson, A Alma brasileira, Saraiva, São Paulo, 1994, p. 19
39
Ibid., p.17
E justo agora, que estamos vivendo uma época que precisa de uma
teologia responsiva para o Brasil. Isso só autores nacionais podem fazer, eles
falam para o povao brasileiro. Não podemos virar estrangeiro para nos encontrar
(acho particularmente que muitos nem percebem que estamos perdidos) e diante
deste pensamento mais contexto sócio cultural, não temos uma teologia que
abarque desde o analfabeto até aquele que sabe ler, pois não é essa a realidade
dos nossos irmaos em Cristo?. Tem se ouvido a igreja cantar, mas parece que a
música é uma repeticao, uma mera cópia do que ouviu outros fazerem, onde está
a brasilidade minha gente?

Percebo que este canto importando, provocou uma reação bastante


curiosa dentro das comunidades (igrejas e suas denominações): - não
precisamos desses livros, dizem: não queremos teologia. E passaram a fazer
teologia de uma outra forma jamais vista na história: que é não fazer teologia. E
sem perceber já estavam dogmatizando: - não precisamos de teologia. Mal
sabiam que sua teologia passava a ser esta: A teologia de não se fazer teologia.

Há de se observar que esta teologia (a teologia de não se fazer – ou Ter –


teologia) tem sido difundida com muita força. Isto de certa forma tem sido em
resposta ao que foi dito sobre a teologia que temos. O fato é evidente: a
insuficiência da teologia americana e européia em nosso contexto e pensamento,
é uma realidade viva e sentida em nossa própria pele. Infelizmente, porém,
existem muitos em nossa terra, que insistem em dizer que isso não é verdade, que
a realidade da igreja é muito boa e só precisamos de uncao. E aqui cabe uma
linda frase usada por Arnaldo Jabor;

“Algumas pessoas pensam que ir contra o óbvio é ser inteligente” 40

40
Jabor, Arnaldo, Jornal da rede Glogo de Televisão, Jornal da Globo, maio de 2002
Preocupante é a situação: Não lemos nossos livros. O “chique” é ler os
importadas, cheio de nomes de lugares, pessoas ou cidades que não entende pois
é ingles... Será mesmo que é “chique”? Talvez, devêssemos relembrar uma frase
maravilhosa da poesia de Antônio Gonzaga que vai contra esses enlatados...

“Nem canto letra que não seja minha” 41

Se bem que seríamos até de certa forma benevolentes falando que apenas
temos cantado letra dos outros... Cantamos a letra, usamos a mesma sinfonia, os
mesmos instrumentos, o mesmo tempo de estudo deles, as mesmas técnicas (que
são aplicáveis somente a países de realidade de primeiro mundo...) vestimos as
mesma roupas; enfim, somos um país carbono! E carbono, como todo mundo
sabe, após ser usado, é jogado fora. Nós temos nos jogado fora, pois quantos
dons Deus derramou em nossa igreja, por que não sermos verde e amarelo dentro
dela.

É sabido que sabiás, são sabiás, eles não mudam o canto. Porquê mudar?
E desde o momento que Deus os criou, ele cantam assim e vao continuar
cantando o desejo marcado em sua memória poética, como bem disse Rubem
Alves; não é preciso lhes ensinar: eles nascem sabendo o canto, o tom, as
voltinhas.
Ao contrario de nós, pois parece que em determinado momento, nossos
sabiás sentiram uma pontada de inveja: - temos de ser como eles! Talvez isto se
deva a fidelidade que temos aos nossos missionários que ao fundar igrejas aqui,
ensinou como em seu pais, ao invés de estudar nossa cultura para adaptar os
cultos a nossa gente, tivemos que aprender a cultuar como estrangeiros em nossa
própria terra, consequentemente, esta pontada entrou devido a abertura

41

Gonzaga, Tomás Antônio, Coletânea de poesias brasileiras, Zero Hora, São Paulo/SP, p. 45
provocada pela nossa crise de identidade causada por esta catequizacao. E por
isso, todo o ensino passou a ser como o ensino de lá. Roldán fala-nos sobre isto;

“Toda educação teológica que não leva em conta a igreja real, esta
condenada ao fracasso e à esterilidade. Tem-se criticado à saciedade o
fato de que muitos programas de educação teológica na América Latina
não são outra coisa que a transcrição de curricula de seminários nos
Estados Unidos ou na Europa. Mas se a educação teológica é feita em
função da vida e missão da igreja, necessariamente os educadores devem
levar em conta e interpretar adequadamente a igreja real. Com isso
queremos dizer que, de modo inescapável, devemos inserirmos na vida
da igreja concreta, e não fazer grandes teorizações (grandes cantos) só
que fora do campo do jogo (fora do contexto real).” (Grifo Nosso) 42

Roldán, brilhantemente vê a necessidade gritante da nossa realidade frente


aos cantos que tem sido evocados em nossa terra. Decididamente: não são
nossos. Vieram de uma outra realidade, que não é a nossa. Tem uma outra
linguagem, que não é a nossa.

“A perplexidade surge porque a teologia não pode deixar de lado, esquecer ou


minimizar nenhum das partes do dilema: toda teologia tem de ser fiel à totalidade
da revelação de Deus em Cristo (...) e ao mesmo tempo comunicar (cantar) essa
plenitude na ´carne´ concreta da linguagem, tempo e cultura em que se
desenvolve” (Grifo nosso) 43
Se a teologia, não foi desenvolvido na concreta realidade brasileira, na
linguagem e desenvolvido em nossa cultura e tempo, ficará difícil entender e
esperar que ela frutifique. E aqui é latente dois pontos: além da teologia não Ter
sido desenvolvida em nossa contexto cultural; ela é também velha; Já estamos na
pós-modernidade, paralelamente com o progresso da globalização e neo-
liberalismo.

“ Cada nova etapa no história do mundo confronta a igreja de Jesus Cristo com novos desafios, o
que inclui o seu discurso sobre Deus, isto é, sua teologia” 44

É bom pensar, que ainda estamos analisando só a questão do progresso


da incubadora. Não entramos ainda nos problemas gerados por este progresso
42
Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta, Curitiba, 2000, p. 134
43
Ibid., p. 137
44

Ibid., p. 129
que exigem uma resposta. Duas coisas portanto temos de Ter em mente: A
incubadora, ou seja, o pensamento e o contexto sócio cultural é uma realidade
somente nossa. E por ser nossa, as teologias escritas em outros contextos, frutos
do seu contexto e época são incompatíveis aqui. Incompatíveis, não quer dizer
que não funcionem. Provavelmente funcionará se for reconfigurada.
E a outra coisa que devemos Ter em mente, é que o tempo passou. Não
estamos na época da reforma, ou do iluminismo apesar de sermos fruto destes
movimentos. Estamos numa outra era, além de estarmos em outra incubadora. O
ano que estamos é 2002! O tempo passou e está passando. Parece que nos
acomodamos com o que passou. Ficamos parados, vivemos lá, enquanto que o
mundo está aqui. Não estou aqui desmerecendo o passado. Muito pelo contrário.
Desejo reinterpretá-lo para o nosso tempo, mas não quero ficar nele. A
linguagem hoje é diferente, os pensamentos são completamente diferentes. Assim
como o mundo.

Que os sabiás acordem do seu ninho. E que eles se unam a nós nesse
sonho: Que os sabiás cantem como sempre cantaram. Que eles desistam de
querer ser iguais aos sabiás do primeiro mundo: temos saudade do nosso canto
esquecido...

“ Canção do Exílio Canção do Exílio em própria terra

Minha terra tem palmeiras, Esquecemos das nossas palmeiras


onde canta o sabiá; Aonde como sabiás, deveríamos cantar
As aves, que aqui gorjeiam, nossos sabiás-teólogos que aqui gorjeiam
Não gorjeiam com lá. Querem cantar como lá...

Nosso céu tem mais estrelas, qual o cor do nosso céu?


Nossas várzeas tem mais flores. qual a cor das nossa flores?
Nossos bosques tem mais vida desmatamos nossos bosques
Nossa vida mais amores. Esquecemos nossos amores
Em cismar, sozinho, à noite, Em cima da mesa á noite
Mais prazer encontro eu lá; mais prazer encontramos lá...
Minha terra tem palmeiras, esquecemos das nossas palmeiras
Onde canta o sabiá. Aonde como sabias, deveríamos cantar

Minha terra tem primores, Quais seriam nossos primores,


Que tais não encontro eu cá; que superariam os de lá?
Em cismar – sozinho, à noite – em cima da escrivaninha á noite
Mais prazer encontro eu lá; mais prazer encontramos lá...
Minha terra tem palmeiras, Esquecemos das nossas palmeiras
Onde canta o sabiá. Aonde como sabiás, deveríamos cantar

Não permitas Deus que eu morra Liberte-nos ó Deus, desta amnésia toda
Sem que volte para lá; para que voltemos para cá
Sem que desfrute os primores para que re-descubramos nossos primores
Que não encontro por cá; que não existem por lá!
Sem que ainda aviste as palmeiras, Para que lembremos das nossas palmeiras
Onde canta o sabiá “ 45 aonde como sabiás, deveremos cantar 46

3.2 – POR CAUSA DOS PROBLEMAS GERADOS PELA NOSSA INCUBADORA:


O CURTO CIRCUITO

“Que cansado me sinto desta vida


o mundo é tão redondo
que todos se resvalam
que todos na vida não sabem aonde ir
dão voltas em seu eixo
aquele eixo que é sempre
o mesmo repetir” 47

O pais do começo da nossa estória, já não era mais o mesmo. E após o


desenvolvimento, as coisas só iam se apertando. Muitos problemas comecaram a
surgir, são os curtos-circuitos; e mesmo aqueles que não entendem de
eletricidade, sentem choque por todo corpo. E por causa dos choques tem
mudando incrivelmente de comportamento. E se o comportamento tem mudado,
por consequência o canto também. O detalhe é que tudo que surge tem o molde
do sistema, não se tem feito nada para que a igreja se levante da poltrona e atue
na sociedade, para que o povo saia da mesmice de só dar valor aquilo feito por
estrangeiros. Os cantos tem se amoldado a esta época de curtos. Eles estão
‘ajudando’ os pássaros da sociedade a viverem com os curtos-circuitos. E esta
não é a necessidade principal. A necessidade principal são cantos que consertem

45
Dias, Gonçalves, Coletânea de poesias brasileiras, Zero Hora, São Paulo/SP, pp. 66, 67
46

Do Autor, Paráfrase do Poema, São Paulo/SP, 2002


47
Claros, Carlos V. Murillo, Amanhã talvez seja melhor, 1989, p. 43
os curtos-circuitos... (algo que parece ultimamente ser impensado, devido ao
árduo trabalho.)

Um dos curtos-circuitos que tem sido devastadores tem sido o curto da


globalização.

“Hoje estamos na etapa da ‘globalização’, sendo o mercosul um expoente claro deste fenômeno” 48
Hoje, estamos diante de algo jamais visto em todos os tempos. Após a
primeira incubadora e com o desenvolvimento das outras, cada uma em seu país,
estão se interligando. Um grande exemplo disto foi visto no dia 11 de setembro de
2001 no ataque terrorista ao Word Trade Center; quando as imagens foram
mostradas ao vivo para muitos países. Com a globalização, o longe se tornou
perto, e invisivelmente mas realmente os países estão cada vez mais
interdependentes. Se algo ocorre do outro lado do mundo, nós aqui sofremos as
consequências.

A moeda corrente de vários continentes estão se unificando e as


economias, como já o dissemos, estão vinculadas umas às outras, devido a
dívidas externas, acordos, e a própria ONU, que hoje é o maior exemplo da
unificação global progressiva.

Mas, quais seriam os problemas gerados?. O país dos pássaros dependem


agora dos outros países. Da cotação do dólar, das bolsas de valores. Isto causa
uma certa instabilidade que podemos ver no modo de vida das pessoas, sempre
atarefadas, corridas e preocupadas. O número de úlceras no estômago tem
aumentado e outras tantas doenças provenientes do momento que estamos
vivendo: a era Stress.

48
Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta, Curitiba, 2000, p. 130
Temos também o triunfo da capitalismo e do neoliberalismo e com a
queda do muro de Berlim e o desaparecimento da URSS como entidade temos
uma nova realidade mundial. Poderíamos até afirmar que a situação mundial esta
tomando ainda um novo rumo desde o 11 de setembro de 2001.

Com a globalização as informações se tornaram ainda mais vastas, já que


temos a internet que nos conecta com todo o mundo. Assim as incubadoras são
levadas facilmente pelas informações que vão e que vem. Diante do curto-circuito,
observamos uma problemática única que existe em nosso país. E já que há esta
problemática (que é tão somente nossa) precisamos de algo, que responda às
nossas necessidades.

Não bastasse isto, temos o curto da pós-modernidade. Um fenômeno


cultural que tem se desenvolvido e que a maioria dos estudiosos entram em um
consenso; este curto tem uma característica frente a modernidade. O prefixo “pós”
dá-nos um sentido negativo da modernidade. Agora temos o questionamento da
razão e dos conceitos e idéias. No hoje vemos a incubadora totalmente
relativizada. Não existe mais a verdade, más sim, qual a verdade. Até as obras
literáreas já não precisa de interpretacao fiel ao autor, pois cada um tem seu geito
de interpretar.

“(1999 citado por LERER DIEGO, 1999) Diego Lerer afirma que Matrix é ‘uma paranóia
existencial: o tema já não é a verdade, mas a realidade...’ “ 49

Não há mais a busca pela verdade, mas pelas verdades que existem e
coexistem (proposta já apresentada pelo ecumenismo). Sobre o curto da Pós-
modernidade, José Maria Marcondes fala;

“(1988 citado por MARDONES JOSÉ MARIA, 1999) É a reticência frente a


razão enquanto possuidora de um saber ‘forte’. Ela tem uma inclinação
acentuada em direção aos conhecimentos ‘débeis’, tentativos, plurais, que
49
Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia? In: __. Diário Clarin, Suplemento
Espetáculos, Buenos Aires, 10 de junho de 1999, Descoberta, Curitiba, 2000, p. 131
avançam por via negativa, desconstruindo, mostrando as debilidades das
pretensas teorias firmes. O pluralismo, o fragmento e a diferença são
formas preferidas desta postura.” 50

Roldán ainda fala que devemos entender a pós-modernidade como um


fenômeno cultural mundial. E diante disto já podemos perceber que este curto é
paralelo a Globalização. (Não seria uma consequência?...) Com a pós-
modernidade e o constante questionamento, temos um real pluralismo de idéias
que desemboca ( como acontece nos rios) num pluralismo ético. Assim, vemos
hoje os problemas que temos em consequência da pós-modernidade: as pessoas
tem a sua verdade e a sua própria ética. Existe hoje uma rejeição exagerada entre
o bem e o mal, mostrando assim o pluralismo ético. A sexualidade esta
desenfreada, e escuta-se muito: eu faço aquilo que eu acho que é bom para mim.

O curto da pós-modernidade tem trazido sérios problemas sociais; as


pessoas se tornaram individualistas e pragmáticas. Caracteristicas essas que tem
feito parte, infelizmente, da igreja protestante e seu discurso.

“Dessa perspectiva, não é difícil de compreender porque os pós-modernos


optam pelo pluralismo e o relativismo, em que a verdade é ‘aquilo que é
vantajoso para nós crermos’’ 51

Diante disso, imagine quantos problemas temos diante de nós. Basta


apenas refletirmos um pouco na nossa realidade, ou olhar para os mais céticos,
ou apenas esperar chegar o Jornal da globo, que as notícias que a Ana Paula
Padrão dará, nos apontará para a realidade.

50
Roldán, Alverto Fernando, Pra que serve a Teologia? In: __. El Desafio de la postmodernidad al
cristianismo, Sal terrae, 1988, p. 23. Descoberta, Curitiba, p. 131

51
Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta, Curitiba, 2000, p. 140
Os problemas tem sido de incrível relevância para nós e principalmente
para o desenvolvimento de um canto que seja nosso. Daí o porque voltamos a
frisar que a teologia importado não atende as nossas necessidades. E o que não é
nosso pode ser usado apenas emprestado, só que o que é emprestado tem de ser
devolvido... somente aquilo que é nosso, pode ficar em nossa terra.

A placa da incubadora tem sido lustrada a cada dia. Todos os dias os


pássaros vão as bancas e olham os jornais, temerosos já que a sua economia é
dependente de outras economias. Os crimes na sociedade cada vez mais tem
aumentado. A vida não é importante, ela é apenas um meio. A vida passou a ser
um meio para o império capitalista, que é pós-moderno e globalizado. E os cantos
que os sabiás cantam, não fazem diferença para o contexto em que estão, pois
vem de fora, são plagios. E os que vivem a história não entendem porque as
coisas estao assim.

Por onde eles vão, se vêem os curtos-circuitos. Mas existe a preocupação


com os curtos e o que eles tem provocado de problemas. Já que o pluralismo de
idéias os levou a um pluralismo moral e ético, nada é tão ruim... E os governantes
como são influenciados pelo contexto em que vivem são cada vez mais
pragmáticos, e individualistas. O que importa é produzir, o fazer se tornou mais
importante que o ser daqueles que produzem. A mão de obra tornou a ser
escrava, só que ninguém percebe. Somos escravos do sistema globalizado. Bem
disse Marx:: o trabalho esta desumanizando os homens...

Os curtos ainda produzem incêndios. E estes incêndios estão produzindo


fome e alienação por parte da grande maioria das pessoas que vivem nas
sociedades.

A insuficiência do canto teológico importando em nosso contexto é latente.


Uma grande prova disso, é que estamos em meio a este caos que foi brevemente
relatado acima, e nada fazemos. Nada fazemos como igreja de Deus,
propagadores de seu reino, esquecemos o canto da nossa terra. Cantamos com
partituras que não foram compostas aqui, com maestros que são de outra pátria. E
tudo o que tem maior valor, passou a ser o antônimo de ser brasileiro: tem de ser
estrangeiro.

Será que os sabiás não perceberão o grande desafio que se apresenta?


Como podemos dar uma resposta responsiva e não endossiva em nossa terra?
Quais respostas responsivas a teologia brasileira precisa dar diante do neo-
liberalismo, do capitalismo extremado, da pós-modernidade e da globalização? Os
curto-circuitos tem feito muitas vítimas. Tanto os eleitos quando os réprobos tem
sentido a dura realidade. Onde está o nosso canto diante da insuficiência da
teologia importada em meio aos curtos-circuitos e problemas gerados pela
incubadora?

De longe se ouve, novamente um canto... Canto que prova em versos;


realidade da insuficiência teológica e os problemas vividos nas comunidades.
“O Poema da vida

É tão triste o poema da vida


É tão amarga a realidade de nosso mundo
É tão negra a esperança do amanhã
Que ainda vivo, já estou morto.

Este mundo não é o mundo que sonhava,


É inferno é ódio, egoísmos e maldades,
É o sonho mais pesado, é dor,
É aquele desejo forte de nunca despertar.

É tão negro o poema que eu escrevo,


Da vida de este vida que é a cruz de cada um,
Que é minha cruz, meu mundo,
É calvário de minha vida.

Não me perguntem porque escrevo versos tão amargos,


É o mundo quem me ensina,
É o mundo quem me inspira,
É o menino triste é a fome de meu filho
Quem me mata, quem me dita este poema

(...) É o homem que constrói a tristeza,


e é ele mesmo quem o mundo enterra nessa fossa
com seus ódios, suas mentiras e egoismos,
é o homem o profeta da guerra
é a fome o fruto qual somente
semeaste tu, semei eu, semeamos todos,
é a vida, esta vida,
o poema mais triste que eu escrevo. “ 52

4. – A TEOLOGIA EM BUSCA DE UM CANTO BRASILEIRO:


LEMBRANDO DA NOSSA MEMÓRIA ESQUECIDA, E ENFIM,
ALGUNS CANTOS...

“... esperança ... que venha a... criação de uma teologia nossa (indígena,
como preferem alguns, ou autóctone, como sugerem outros). Que significa
isso? Pode significar, simplesmente que vivemos numa espécie de clima
de saturação quanto à importação, passada ou presente, de teologias
acabadas; ou que os teólogos brasileiros devem libertar-se de vez de
quaisquer complexos perfeccionistas e passar a escrever decididamente,
submetendo à prova do debate suas idéias.” (Grifo meu) 53

Nesta Quarta parte, vou aplicar o que já coloquei nas


outras três. Você tem visto que nossa memória está esquecida
devido aos enlatados teológicos, agora desejo mostrar uma
possível abertura para que venhamos lembrar dessa nossa
memória esquecida. Depois apontarei um desenvolvimento da
teologia em nossa própria Incubadora (que você já deve saber
que é o nosso pensamento mais o contexto sócio cultural), e além
de se desenvolver aqui, responderá aos curtos circuitos
provocados por esta incubadora. E finalmente terminarei com
uma proposta de incorporação das antigas teologias, não
descartando-as, mas, reinterpretando-as para a nossa realidade
com nossa linguagem. No caso, seria uma nova roupagem para
esta antiga linguagem.
52
Claros, Carlos V. Murillo, Amanhã talvez seja melhor, 1989, pp. 53, 54

53
Teologia no Brasil: teoria e prática, Aste, Imprensa Metodista, São Bernardo do campo/SP, p. 45
Continuarei a estória, aplicando os princípios que foi visto no decorrer de
todas as partes. Minha esperança é a mesma do autor da citação acima: que seja
desenvolvida uma teologia para a igreja do Brasil. Que a chamem de indígena,
tudo bem, ela será nossa. Que a chamem de teologia para o terceiro mundo; tudo
bem, ela ainda será nossa. Será um fruto para o esse povo.

Para ver como ficou o desenho, de uma olhada no anexo.

4.1 – ROUBARAM NOSSA MEMÓRIA: CHEGA DE ENLATADOS!

“Seja o que for seja original” 54

“... é bom notar que provavelmente o que aqui chegou não foram as linhas mestras do
pensamento teológico norte-americano, mas idéias vencidas, minoritárias e residuais” 55

Talvez você ainda queira saber o que exatamente está ocorrendo hoje.
Infelizmente, o país que recebeu os ilustres visitantes estrangeiros estava muito
esquisito. A estória conta-nos isto; de tanto o Brasil receber bem os estrangeiros,
quer por motivos de escravagismo, fuga de guerras, holocausto ou turismo,
acabou se esquecendo dele mesmo. Não quero dizer que é errado receber
pessoas vindas de outros países, o que não é certo é ficar nos amoldando a elas ,
seus costumes, dentre outras coisas, para sermos aceitos, o que me parece é que
temos complexo de inferioridade, pois sempre abaixamos a bola para o
estrangeiro, quando na verdade deveríamos nos impor como brasileiros
orgulhosos, porque certamente no céu, vamos estar como assim chamados
54
Propaganda: Guaraná Antártica, 2002
55
Teologia no Brasil: teoria e prática, Aste, Imprensa Metodista, São Bernardo do campo/SP, p. 26
tupiniquins. Por isso a cidade está desta forma: sem memória! Deixamos roubar
nossa memória. Esta conclusão começou a surgir quando dois amigos, de alguma
forma abriram uma fresta nas cortinas do esquecimento e do pragmatismo, e
conseguiram olhar a situação dos desmemoriados... E se...

“Abriu uma freta minúscula e ficou olhando para fora.


- Olha lá... que coisa mais esquisita!
... tateou até a cortina e abriu outra fresta. Estavam nos portões de uma cidade muito
antiga. (...) Pelos portões uma multidão circulava, entrava, saía, parava, falava alto,
fazendo a maior balbúrdia.
- Que gente estranha! - ... estava com os olhos arregalados.
- Olha só como estão vestidos!
A impressão era de que as pessoas tinham invadido um bazar de antiguidades e
apanhado roupas ao acaso, nenhuma peça combinando com a outra. Havia gente com
túnica romana, calças de caubói, peruca Luís XV, tudo ao mesmo tempo; um homem
usava casaca de maestro, cuecas samba-canção e sapatos vermelhos de salto alto;
uma mulher estava com um turbante cheio e bananas e um vestido pesadíssimo da
Renascença inglesa. E tinha muito mais. Carros de bois cruzavam limusines. Outra
mulher carregava numa trouxa imensa na cabeça. Andava três metros, parava, arriava
a trouxa com ar de quem tinha esquecido o que ia fazer, colocava-a de nova na cabeça
e voltava três metros. Ia e voltava sempre igual.(...) Era estranho mesmo. E as roupas,
além de disparatadas... eram muito usadas, gastas, algumas decididamente em
farrapos. “ 56

Este é o outro lado da história: o povo do país morava no esquecimento. E


tudo isto ocorreu devido a chegada da outra incubadora com seus enlatados
prontos. Assim eles chegaram no país e com ordens específicas dos
colonizadores (opsss eu disse colonizador? Não seria melhor... ‘roubador’?)
começaram a fazer trocas, já que eles traziam coisas aparentemente incríveis.

“No início, para a maioria foi uma maravilha. ...Chegou do mar numa
caravela negra. Já faz... quinhentos anos, talvez. Veio com promessas,
com os porões do navio abarrotados de bugigangas desconhecidas. Para
as pessoas... que tinham vivido sempre isoladas, foi uma festa.
Conheceram o gelo, os óculos de sol, a ampulheta, a motocicleta! E era
tudo aparentemente muito simples: em troca dessas coisas incríveis, ...
pedia apenas a memória de cada um: ele tem uma máquina que absorve e
imobiliza as lembranças em núcleos cristalinos. (...)
Só que havia um pequeno problema. Como a cada novidade correspondia
um trecho de memória perdida, chegou uma hora em que ninguém
lembrava mais para que serviam as coisas que tinham comprado! É... foi

56
Calado, Invanir, O lago da memória, Ed. 34, São Paulo/SP, 1998, pp. 43, 44
muito esperto. Sugou até mesmo a capacidade de se Ter novas memórias!
Deixou apenas a possibilidade de trabalhar e obedecer...” 57

E a cidade passou a ser uma cidade de loucos escravizados por serem


desmemoriados. Mas, ao que se deve esta situação? Claro que você, sabe a
resposta. Não é preciso pensar muito. Os enlatados que entraram foram
suprimindo as memórias. Uma a uma, foram sendo sugadas.

Uma a uma foram sendo retidas, e a identidade do povo foi sendo


suplantada por um monte de coisas que não faziam diferença naquela terra que a
cada momento se distanciava de si mesma. O povo só queriam produtos
importados. Já nem sabiam para que eles lhes serviam. Não interessa, o
importante eram Ter os enlatados.

E pensando que quanto mais enlatados tivessem maior cultura teriam, se


sucedia exatamente o oposto, eram diminuídos, engessados, se transformavam
em pessoas engessadas, mentes cheias de idéias estrangeiras. Assim como os
pássaros da estória contada, que Tinham de viver no chão sob a certeza de que
só o que é firme é que é real; não mais cantavam, muito menos improvisavam. A
beleza das suas memórias se perderam. O canto estava agora no esquecimento...

Não queremos mais verde amarelo, queremos ser eles. Todos os padrões e
modelos da sociedade são vindos de fora, de outras sociedades. São importados,
enlatados... E a única coisa que criamos aqui foi um abridor, que se chamou mais
na frente de tradutor (o que abre de uma língua e coloca em outra ).

“... usamos os mesmos métodos que vieram de fora. A dependência


teológica é grande; é o caso da literatura teológica, por exemplo, quase
sempre de origem alemã ou americana. Conclui-se então que
‘continuamos dependendo’; é necessário proclamar libertação.” 58

57
Ibid., p. 59
58
Teologia na Brasil: teoria e prática, Aste, Imprensa Metodista, São Bernardo do campo/SP, p. 33
Assim, a igreja segue modelos que não é seu. Toda a cristandade
brasileira depende da teologia, bem como seus rituais, sacramentos, modelo de
culto, e até vestimenta, de outros países; isso ocorreu ao longo de toda a sua
história.

“A classe dominante branca ou branca-por autodefinição desta população


majoritariamente mestiça, tendo como preocupação maior no plano racial,
salientar sua branquidade e, no plano cultural sua europeidade, só
aspirava ser lusitana, depois inglesa e francesa, como agora só quer ser
norte-americana. “ 59

Lembra dos pássaros da história? Todos eram dependentes, todos


seguiam, sem saber quem eles eram. Apenas seguiam os de fora, queriam ser
como eles, isso dá ibope. E ao longo do tempo, essa se tornou uma característica
intrínseca em cada colégio, grade curricular, cada matéria a ser ensinada, tornou-
se um padrão social. Em tudo se via as marcas da importação. A cidade não
exportava nada. Estavam todos doentes. Só queriam receber. O importante era
receber – qualquer coisa que vinha de fora. Se tornaram egoístas. Esqueceram
de exportar. De Dar de si mesmos.

Jesus disse que Dar é melhor do que receber. Porque será? Talvez porque
quando se dá, produz, e quando produz, aprende quem se é, e quem dá a força
para se produzir. Somente quem exporta pode cantar livremente. Não depende de
ninguém, não precisa viver seguindo os modelos pré-fabricados. Quando
exportamos, mostramos quem somos, não apenas o país do carnaval, do futebol,
mas o Brasil que representa parte da igreja do Senhor Jesus. Só desta forma a
memória esquecida volta.

O que deixou esta marca profunda no ceio da igreja foi o fato de que por décadas
ela recebe o modelo da igreja americana, e o usa como uma roupa, com o passar
59
Ribeiro, Darcy, Os brasileiros: livro I – Teoria do Brasil, Ed. Vozes Ltda, Petrópolis/RJ, 1983, p.
143
dos anos, porém, aconteceu que o que era bom não acompanhou o
desenvolvimento do cristianismo e a igreja começou andar por caminhos difíceis,
necessitando de que teólogos nativos trabalhassem para ajudar a igreja a sair as
crise, mas veio a surpresa; não havia teólogos, e os que tentaram fazer esse
trabalho, também teve uma surpresa; eles não eram aceitos. Isso aconteceu
diante daquilo já citado, bom, só se for feito por estrangeiros.
Não é isto que acontece? Darcy Ribeiro diz que sim;

“E conseguia simular... a imitação do estrangeiro, que era inevitável, não


seria um mal em si mesmo porque as transplantações culturais vem
associadas, freqüentemente, a fatores de progresso. O mal residia e ainda
reside na rejeição de tudo que era nacional e principalmente popular, como
sendo ruim...” 60

Diante do que aconteceu, hoje ainda estamos recebendo

“ a operação (das incubadoras importadas) como o mecanismo básico da (nossa) recolonização”


(Grifo meu ) 61

Sem a memória de nós mesmos, prosseguimos, como loucos


desmemoriados e escravos dos padrões das outras incubadoras. Já não é o
bastante dependermos deles devido ao momento que vivemos, como
globalização, neo-liberalismo, capitalismo e pós-modernidade; agora dependemos
(porque temos escolhido e aceitado isto) da sua forma de pensar, de ver, de agir,
de comer, dependemos até dos seus livros para termos a melhor teologia, o
melhor padrão, a melhor certeza de algo.

60

Ribeiro, Darcy, Os brasileiros: livro I – Teoria do Brasil, Ed. Vozes Ltda, Petrópolis/RJ, 1983, p.
144
61
Ribeiro, Darcy, Os brasileiros: livro I – Teoria do Brasil, Ed. Vozes Ltda, Petrópolis/RJ,
1983, p. 149
Os dois amigos viram por entre as frestas da sua consciência, a situação do
país verde e amarelo. Eles choram e sussurram: chega de enlatados! Chega de
enlatados! Roubaram nossa memória...

Porém, ninguém mais vê isso. Poucos os que vêem a situação do seu


próprio país. Eles apenas obedecem os estrangeiros que lhes mandam cantar,
para todos pensarem que são felizes. E todos nós somos como aqueles pássaros,
que entoam um canto, para enganar a si mesmos. Eles cantam achando que são
felizes. E acham que estão enganando os outros, mas enganam a si mesmos...

“Sorri (Smile)

Quando a dor te torturar


E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos, vazios
Sorri
Quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
Sorri
Quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados, doloridos
Sorri
Vai mentindo a tua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo ira supor
Que és feliz
Smile...” 62

4.2 - A NOSSA INCUBADORA COMO ÁREA PARA DESENVOLVIMENTO DA


NOSSA TEOLOGIA: UM ENSAIO DO NOSSO CANTO

“ A verdade é que o Brasil sempre foi estudado sob o ponto de vista das colonizadores, nunca dos
colonizados. É preciso começar a inverter essa leitura” 63

62
C.Chaplin – J. tuner – G. Parson / Ver. João de barro, Djavan, Malásia, Ipanema/RJ, 1998

63
Anjos, José Vilson dos, A alma Brasileira, Saraiva, São Paulo/SP, 1994, p. 21
“ ... um pequeno texto...Ele dizia nesse texto que o
operário, ao ver o objeto que produzira, tinha de ver o seu
próprio rosto refletido nele. Cada objeto tem de ser um
espelho, tem de ter a cara daquele que o produziu. Quando o
operário vê seu rosto refletido no objeto que ele produziu ele
sorri feliz. O trabalho, com todo o seu sofrimento, valeu a
pena: foi dor de parto. “ 64

A situação não é das melhores. Eu gostaria de dizer que a estória da cidade


dos pássaros não é uma estória, para ser contada apenas, nem entreter. Estórias
não são para isto... Elas são para mostrar verdades escondidas nos subterrâneos
da consciência.

“Metáforas, não tem o propósito de dar informações verdadeiras


sobre o mundo de fora. O seu objetivo é revelar o mundo de dentro
(...) Estórias nunca aconteceram. Nunca aconteceram porque
65
acontecem sempre na alma da gente”

E O que ela diz? Ela diz exatamente o que precisamos ouvir: se faz
necessário que se lembrem de sua memória esquecida. Que se lembrem que são
singulares; que não precisam copiar canto enlatado nenhum. Vocês tem uma terra
e árvores para poder cantar sua mais alta esperança; tem uma terra para trabalhar
o seu texto, como diz Rubem Alves, e ver seu rosto refletido no trabalho: sendo
um fruto com dor de parto; tem também uma incubadora que precisa de respostas
responsivas, que mostrem onde estão os problemas e dêem direção aos que
vivem em meio a esta sociedade. Não é este a função da igreja? ajudar as
pessoas a ver com clareza o mundo em que vivem, alem de responder o porque
do caos. Talvez devêssemos acordar e pensar no que temos de Ter em mente.

64
Alves, Rubem,Correio Popular, Caderno C, 14/05/2000
65
Alves. Rubem, [online] Disponível via www.URL: http/ www.rubemalves.com.br, julho de 2002
A primeira coisa a se pensar com seriedade, é que a nossa igreja precisa
de ajustes, devido ao rumo que as coisas tem tomado nos cultos entitulados ao
Senhor Jesus, a negligencia com o órfão, a viúva e o pobre e para com a
sociedade. De que forma podemos fazer uma teologia que faca a igreja assumir
seu papel no Brasil e no mundo? A Segunda e muito importante é que não
podemos simplesmente continuar a cultuar como estrangeiro, pois Deus nos quer
como Brasileiros, não podemos continuar sentados em cima dos nossos talentos,
enquanto os estrangeiros compõe as músicas cantadas nos cultos, os irmãos
músicos ficam entristecidos “se achando menor que o de outra pátria”.

Os sabiás, cotovias e os outros pássaros tem de buscar aqui, na sua terra


as respostas, os cantos. O nosso canto tem de ser inspirado e expirado em nossa
terra, por nossa e para nossa terra. É aqui que nascemos, vivemos, sofremos,
lutamos, e sangramos. Deve ser aqui o eixo gravitacional do desenvolvimento de
nosso canto teológico. Esse canto deve ser descoberto. Ele está em nós,
escondido de alguma forma no esquecimento.

É válido lembrar que na estória, a cidade dos pássaros é invadida e sua


memória é perdida. Diante disto, se faz necessário observar o desenvolvimento da
Brasilidade e também observar o contexto tanto fora da Igreja como dentro dela. A
nossa pátria tem características muito próprias, coloridos peculiares. Algo
totalmente singular em comparação com a história dos outros países, como nos
fala Darcy Ribeiro. Sendo assim, existe uma grande lacuna a ser preenchida.
Isto foi devido ao que vivemos, ou melhor o que nos foi sendo passado
pelos protestantes que aqui viveram. O resultado disto? Um total isolacionismo e
apatia, faltou a preocupação com a própria realidade que se vive e principalmente,
faltou respostas a ela.

“Os quase 60 anos inicias da presença de comunidades evangélicas, em


terras brasileiras foram de luta e de sofrimento. Foram também,
testemunho de fé, de firmeza, e de decisão evangélica, quando, sob todas
as adversidades por porta das autoridades, sofrendo pressão, sendo os
evangélicos diminuídos a cidadãos de Segunda categoria, limitados e
prejudicados em seus direitos, civis, permaneceram fiéis ao legado da
reforma. A experiência com a discriminação marcou nosso antepassados
durante gerações e foi, no meu entender a forte causa do enclausuramento
das comunidades evangélicas e consequentemente afastamento da vida
pública brasileira” 66

Os primeiros irmãos aqui em nossa terra, viveram a duras penas... A eles


não era dado o direito de se casarem, estavam perante a lei e – aos olhos de
Deus - ilegais. Se estavam ilegais eram marginalizados. Por conseqüência, seus
filhos não tinham direito a educação e os que tinham, obtinham uma educação
muito atrasada. Isso, por causa de Portugal (que pra falar a verdade, nossa
metrópole retrógrada era ultra precária...)

”Certos aspectos da defasagem cultural do Brasil têm... outras raízes,


porque provê do próprio atraso cultura da metrópole colonizadora (...) O
Brasil como colônia submetida ao mais estrito monopólio, cresceu isolado
do mundo, apenas convivendo com aquele Portugal pobre e retrógrado.” 67

Portanto, já que educação era para os filhos. Aqueles filhos de casais não
casados, eram o que?... Coisa horrível, não é? Diante deste quadro - fora o
desemprego e a vida sub-humana a que foram forçados - estes tiveram uma
reação que se estende até hoje em nós. Eles se afastaram da política, dos
aspectos sociais, e etc. A nossa incubadora hoje, tem com muita certeza estes
aspectos. Isolacionismo dos aspectos políticos e sócio culturais.

Além disto, temos um outro aspecto em nossa história: devido à


colonização, vivemos constantemente no duelo de sermos “dois em um” – brancos
mais índios e Brancos mais negros, fora o duelo de sermos “quatro em um:
Mestiços mais Mamelucos. Portanto nossa incubadora é formada de um total
sincretismo cultural – tendo dentro dela novos colonizadores e novos colonizados
– que devem ser estudados pela sua infinda pluralidade e de certa forma unidade.

66

Teologia na Brasil: teoria e prática, Aste, imprensa Metodista, São Bernardo do campo/SP, p. 25
67
Ribeiro, Darcy, Os brasileiros: livro I – Teoria do Brasil, Ed. Vozes Ltda, Petrópolis/RJ, 1983, pp.
149, 150
“Quem ganha entre o colonizador e o colono? Difícil dizer: coexistem... O
essencial é indicar um real contraditória que não tem conserto, para fazer
com isto, com o inevitável, algo interessante” 68

O Sincretismo que usamos aqui tem a mesma conotação do usado por


Canevacci;

“é um processo dinâmico de trocas culturais decorrente de toda e qualquer


situação de diáspora, ou de movimentos migratórios. O Brasil é visto como
fruto de múltiplas diásporas que resultaram em algo novo e extremamente
original, pois nenhum dos grupos conseguir sobre pujar outro.” 69

Isto, podemos com certeza afirmar: é um Dom que o Brasil feito de brasis
tem. Algo que podemos oferecer ao mundo que caminha para a globalização. A
nossa pátria é totalmente singular, e no seu processo temos algo que nos é
peculiar: somos miscigenados . E cada vez mais o seremos.

Há alguns tempos, isto era visto totalmente como algo a ser purificado.
Graças a Gilberto freyre (com a obra Casa Grande & senzala) e Sérgio Buarque
de Holanda (com a obra Raízes do Brasil) - tudo na década 30 - esta visão
começou a ser modificada. Poderíamos falar que eles foram os divisores das
águas, mostrando que a realidade cultural do Brasil é totalmente feita de
pluralidades.

“... o que faz UM entre nós é que somos devoradores de UNS.” 70

A conclusão então é que somos um povo de alma miscigenada. Somos o


resultado da junção de muitos povos, muitos espelhos... Espelhos Brancos,

68
Calligaris, Contardo, Hello Brasil, Ed. Escuta, São Paulo/SP, 1992 p. 23
69
Cavalcanti, Carlos Eduardo B, Teologia e MPB, Edições Loyola, São Paulo, 1998, p.114
70
Calligaris, Contardo, Hello Brasil, Ed. Escuta, São Paulo/SP, 1992, p. 23
espelhos negros, espelhos vermelhos, espelhos amarelos. O nosso espelho é
pardo. Somos Brasileiros: um povo de alma parda...

“O brasileiro passou a ser definido como a combinação, mais ou menos


harmoniosa, mais ou menos conflituosa, de traços africanos, indígenas e
portugueses, de casa grande de senzala, de sobrados e mocambos. A
cultura brasileira, mestiçamente definida, não é mais causa de atraso do
país, mas algo a ser cuidadosamente preservado, pois é a garantia de
nossa especificidade (diante de outras nações) e de nosso futuro que será
cada vez mais mestiço” (Grifo Nosso) 71

Nosso contexto portanto deve servir de meio para desenvolvermos a


teologia, nos dando as diretrizes para alcançar a alma brasileira, e o caminho
para atingir o propósito de Deus nessa terra.

“ Assim, o sociólogo que estuda o Brasil não sabe mais que sistema de
conceitos utilizar. Todas as noções que aprendeu nos países europeus o
norte-americanos não valem aqui. O antigo mistura-se com o novo. As
épocas históricas emaranham-se umas nas outras. Os mesmos termos
como ‘classe social ou dialética histórica’ não têm significado, não
recobrem as mesmas realidades concretas. Seria necessário, em lugar de
conceitos rígidos, descobrir noções de certo modo líquidas, capazes de
descrever fenômenos de fusão, de ebulição, de interpenetração, noções
que se modelariam conforme uma realidade viva, em perpétua
transformação.” 72

A situação chegou neste ponto: ou se morre de fome – por não fazer


comida aqui na terrinha – ou se descobre as belezas e as gostosuras de sermos o
que somos: brasis de Brasil, e se começa realmente a desenvolver aqui o que
mais precisamos: um canto teológico que seja nosso. Somente em seus terrenos
os pássaros poderão descobrir a sua própria beleza esquecida e escondida em
meio a imitações baratas...

Sendo assim, de longe se ouve uma conversa. Alguns cristãos estão


conversando. Estão animados. Em seus olhos está um brilho que há muito tempo

71
Cavalcanti, Carlos Eduardo B, Teologia e MPB, Edições Loyola, São Paulo, 1998, pp.111, 112
72
Ibid., pp.113, 114
não se via. Desde quando perderam a memória. Nos aproximamos: precisamos
ouvir o que eles dizem. Não se preocupe! Eles não perceberão (nós estamos do
lado de fora) e eles estão do lado de dentro... nos aproximamos mais ainda.
Nossos olhos também brilham e a nossa face também é marcada por um sorriso,
enquanto ouvimos:

Fala um:

“A conclusão é que o grande Brasil é resultado da soma de diversos


pequenos brasis, diversos estilos de vida e de práticas cotidianas. Por isso
quando se fala em ‘cultura brasileira’, é preciso descartar desde cedo
qualquer idéia de homogeneidade e padronização, porque sob esse
guarda-chuva conceitual (o ‘Brasil’) residem diversas subculturas (os
‘brasis’) com estilos diferentes e até linguagens díspares.” (Grifo Nosso) 73

Comenta o outro:

“O fato é que isso que chamamos ‘Brasil’ ou cultura Brasileira é resultado


de uma série de fusões e interações entre contribuições provenientes de
diferente povos e lugares, além da contribuição dos próprios núcleos
culturais antigos e contemporâneos.” 74

Conclui – se:

“A impossibilidade de identificar o que seria a ‘pura’ cultura brasileira nasce


(portanto) da convicção de que, quando se fala em culturas, esse é um
conceito intrinsecamente dinâmico, em constante movimento e
transformação.” (Grifo meu) 75

Concluo que, para desenvolver uma teologia que fala a alma brasileira, ela não
pode ser diferente de um trabalho artesanal, deve ser feita com as mãos e o suor
de um nativo, um tupiniquim que conheça seu país e quer servi-lo. Apenas assim

73
Cavalcanti, Carlos Eduardo B, Teologia e MPB, Edições Loyola, São Paulo, 1998, p.110
74
Ibid., 110
75
Ibid., 110
a memória do povo voltaria, e as igrejas fariam louvor com viola, violão e pandeiro,
os pastores, em dias quentes, tirariam o paletó e a gravata e usariam roupas leves
e coloridas.
E já não falariam como os pássaros importados, se pareciam cada vez mais
com eles mesmos : Brasileiros...

Um tinha sotaque paulista, outro tinha a mineirice, outro ia cantando parecendo


baiano, porém era o Brasil. Então de repente eles começam um ensaio. Algo
totalmente inesperado! Começam a cantar o canto deles. Um canto que mostra
quem eles são. Que mostra que sua consciência está firme na convicção de que
somente na nossa incubadora se desenvolve algo que é nosso.

Primeiro ensaio: a descoberta da cultura e seu contexto; nela deve se fazer o


desenvolvimento da teologia. Desse modo, enquanto uns mostram os problemas
que a fé crista está vivendo, como o que estou fazendo neste livro, outros
apresentam as soluções para tais problemas. Assim, o cristianismo viveria a
beleza da mistura que só aqui tem, e é lindo: Um Brasil de Brasis...

“Para todos

O meu pai era paulista,


meu avô, pernambucano
O meu bisavô mineiro,
Meu tataravô, baiano,
Meu maestro soberano
Foi Antônio Brasileiro
(..)
O meu Pai era paulista
Meu avô, pernambucano
O meu bisavô mineiro,
Meu tataravô, baiano
Vou na estrada há muitos anos
Sou um artista brasileiro” 76

“ Você é

Sou um pouco árabe


vivo das paixões
76

Cavalcanti, Carlos Eduardo B, Teologia e MPB, Edições Loyola, São Paulo, 1998, p.115
há gerações
(...)
trago no meu canto
glórias ancestrais
e posso morrer de amor
Gitano eu sou
o que eu tenho de índio
vai compartilhar desilusões
triste, na floresta
em que nasceu pra amar
(...)
Eu sou negro ainda,
Pra não contar com milagres...” 77

4.3 – OS NOSSOS CURTOS-CIRCUITOS COMO ÁREA PARA


DESENVOLVIMENTO DA NOSSA TEOLOGIA: MAIS ENSAIOS DO
NOSSO CANTO

“... os dogmas se adaptam às necessidades e gostos dos indivíduos, uma


espécie de fé ‘a lá carte’ , um utilitarismo religioso que se estendeu a
muitos desses grupos (neo-pentecostais)” (Grifo Nosso) 78

Após o ensaio ficaram por uns momentos em silêncio. Suas mentes


pareciam a cada instante rejuvelhecer. As suas memórias esquecidas afloravam
em meio as águas que eram turvas, por causa dos enlatados e seus produtos
químicos.

Agora, com sua paixão de ser brasileiros avivada, eles poderiam analisar
melhor a situação atual, estudar a sociedade, como anda o povo, quais os
costumes, necessidades, seus medos e anseios, assim como sua esperança,
para fazer uma leitura das doutrinas bíblicas, aplicando as ao povo em sua
linguagem.

77
Djavan, Bicho Solto, Ipanema/RJ, 1998
78
Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta, Curitiba, 2000, p. 156
Os Curtos-circuitos estão sempre em locais pequenos, mas são
importantes, e por em lugares escondidos é difícil achá-los. É preciso Ter
paciência e cautela para que quando estiver olhando, não passe nenhum
desapercebido . Por serem pequenos e estarem escondidos são extremamente
perigosos. Assim é sempre preciso uma olhada cautelosa e bem minuciosa para
que o achamos.

Eles são um grande problema porque se por um lado estão bem


escondidinhos e são pequeninos, por outro, seus estragos são exorbitantes.
Faíscas são responsáveis por quilômetros de queimadas na Amazônia. Faíscas,
curtos, são responsáveis pela destruição de prédios. Se bobear até de bairros, ou
mesmo cidades.
O foco dos teólogos tem de estar centralizado nos curtos-circuitos em sua
incubadora. E Eles estão por aí... Basta analisar com calma, que logo alguém
grita: achei o Wolly! (como no jogo que temos de encontrar o Wooly...) Achei o
curto-circuito.

Passado o processo de olhar para o povo e detectar os curtos-circuitos e a


partir destes dois processos começar a escrever, a cantar algo que seja
responsivo a esta realidade. No hoje, temos muitos perigosos curtos-circuitos. Um
deles é a nossa realidade que abarca todos os brasileiros: sermos totalmente
sincréticos, místicos e excessivamente emocionais. Um povo de alma, de cultura
parda. Eu concordo com Canevacci;

“Ele, sem dúvida, é conflitivo.” 79

E põe conflitivo nisto! O povo Brasileiro é antropofágico. Seleciona os


caracteres das culturas que lhes são interessantes e incorporam, assimilam,
fazem com que esses caracteres façam parte total deles, não havendo mais
diferenças. E isto é algo que causa a sociedade sérios problemas, pois ela vive
79
Cavalcanti, Carlos Eduardo B, Teologia e MPB, Edições Loyola, São Paulo, 1998, p.114
sempre em constante dilema e instabilidade. Em constante contraste, oposição. E
o povo sofrem esta luta interior: ao mesmo tempo que são uma coisa, não são.
São outra. E ao mesmo tempo que pensam ser esta outra, também não são, são a
uma...

Este pois, é um curto-circuito que tem trazido conseqüências sérias, já que


não se sabe qual a sua identidade. Isto está intrínseco no Brasil. Seu povo, seus
filhos realmente vivem sempre em uma crise de identidade. E se de um lado
temos a massa que não sabe o que ela é, de outro lado temos os governantes que
pensam que sabem e que forçam goela abaixo na massa a idéia norte-americana
de ser. A mídia é quem mais influencia neste sentido.

É válido lembrar que os governantes também são pássaros da terra. Que


vivem em crise de identidade, certamente jamais se preocuparão em saber definir
quem são, será muito mais viável aceitar tudo o que vem de fora. E em contra
partida, jamais aceitam o que vem de dentro, afinal surge sempre a pergunta
inquietante e que não quer calar: quem somos nós? Se não sabemos quem
somos, jamais poderemos confiar em algo produzido aqui e que se diz ser nosso.
Jamais poderemos definir algo que é nosso se nem sabemos quem somos nós.

“... nada podia ser feito para brasileiros, porque era fatal a discussão: quem são os brasileiros?...”
80

Um outro curto-circuito que tem açoitado esse país é o vindo através da


pós-modernidade. Observo que nada mais é como antes, vivemos em constante
questionamento dos padrões morais, éticos, ou de qualquer outro, nem mesmo as
crianças conhecem limites. Já não existe mais a verdade, mas sim, qual verdade.
Cada um possuía a sua verdade. Em conseqüência tudo gira em torno de um
grande relativismo.

80
Anjos, José Vilson dos, A alma Brasileira, Saraiva, São Paulo/SP, 1994, p. 18
Portanto cada um vive segundo manda sua cabeça, seu pensamento. As
frases: eu sei o que é melhor pra mim... cuida da sua vida... você não tem nada a
ver com a minha vida... são reflexos do espelho da realidade de hoje. O
individualismo cresce assustadoramente como forma de se auto-afirmar perante si
e perante a incubadora/sociedade. E o surgimento assim de “novas religiões” que
se adaptem as pessoas tem crescido cada vez mais.

“A pós-modernidade... seria uma das caudas do


ressurgimento dos novos movimentos religiosos, que
oferecem ao homem e à mulher de hoje um reordenamento ou
reacomododação a esse tipo de sociedade já não se tenta
fazer através de um discurso religioso em que predomina o
arrazoado e a coerência, mas o que é pragmático, ‘o que
funciona’, ‘o que garante resultados’. É por isto, em
conseqüência, que a ênfase da teologia da prosperidade, com
sua receita mágica de solução dos problemas, matrimoniais,
familiares e sobretudo, econômicos, encaixa-se nessa cultura
como uma anel no dedo.” 81

A igreja vive esse contexto, até mesmo dentro dela existe o sincretismo
religioso, um exemplo é o catolicismo com cerca de 80 por cento de seus fiéis
perdidos no espiritismo. E é exatamente neste ponto que se revela algo que é
perigoso. Eles querem todas ao mesmo tempo. Já que o caráter deles é de
‘comer’ as características das outras culturas que lhes são pertinentes, eles
também querem ‘comer’ as outras religiões e misturar tudo em si, fazendo a partir
daí sua identidade religiosa com doutrinas e práxis, totalmente sincréticas. Além
da superficialidade que existe entre os, assim chamados, irmãos, e o
individualismo, coisas pelas quais Jesus se mostra totalmente contra, aliás todo o
discurso que o Senhor Jesus fez contraria esse modo de vida.

“Não há somente a constatação da pluralidade religiosa da lama brasileira,


mas também da resistência a toda pretensão ortodoxa de univocidade
religiosa, de dominação do sagrado e domesticação da palavra de Deus. O
brasileiro, em geral, é descomplicado no que se refere à religião. É capaz
de dizer ‘quero todas’ ou... ‘quanto mais, melhor’, sem dores de
consciência ou problemas teológicos.” 82
81
Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta, Curitiba, 2000, p. 155
82
Cavalcanti, Carlos Eduardo B, Teologia e MPB, Edições Loyola, São Paulo, 1998, p.119
Sendo assim temos um problema muito sério. Pois já que o povo querem
todas as religiões, ou - querem o que cada uma tem de bom – tudo caminha para
algo que já temos visto em nossas igrejas: o ecumenismo. Como somos
antropofágicos e por conseqüência sincréticos, caminhamos com esta mesma
mentalidade no que se concerne a religião. Tanto é, que temos muitos grupos já
com grandes resultados aqui em nossa terra. Porque? Vocês perguntariam. E a
resposta está diante de nós todo o tempo, por onde quer que vamos: porque eles
estão no Brasil feito de brasis. Infelizmente estes grupos assumiram uma
identidade antropofágica dando uma roupagem à sua prática é claro: teológica, de
um cristianismo plural.

“Somos o maior país sincrético. Círculo de oração: espiritismo; Sal


grosso... 7 semanas de oração: pagar novena. A Igreja Brasileira:
materialismo, triunfalismo cristão, Misticismo sincrético. O brasileiro cristão
quer sentir... e o que vale é o que se sente.” 83

Devemos realmente pensar em uma teologia que aponte este curto-circuito


e que mostre a seriedade do que se tem feito em nossa terra, trazendo alienação
e mistura. O nosso canto não pode ser plural nesse sentido.

A discussão sobre os curtos-circuitos e sua relevância como um dos mais


apropriados caminhos para desenvolvimento de um canto que seja nacional,
continuava: Estavam no ápice da questão e a cada instante, para alegria deles,
suas memórias voltavam...

Um deles tomou a palavra: temos outro curto-circuito que deve ser


pensado, e refletido em nosso meio. Todos ou outros o olhavam atentamente
enquanto ele prosseguia: talvez vocês não tenham percebido, mas de uns vinte
anos para cá, muita coisa mudou no que concerne as características das

83
Linhares, Osmir, Apontamentos da aula de Missão Integral da Igreja, São Paulo/SP, 2002
denominações. Hoje já não podemos definir uma igreja por sua “placa”
denominacional, bem disse Roldán.

Antigamente, quando se falava de presbiterianos, ou de batistas ou até de


metodistas – que são as igrejas históricas – podíamos Ter uma idéia de como era
o seu canto teológico. Más hoje, é praticamente impossível se definir. E isto nos
mostra um curto-circuito interno preocupante: nossas denominações estão
sofrendo sérias pressões, e estão migrando de suas formas – até certo ponto
históricas – para as formas hodiernas que tem feito “sucesso”. (Poderíamos aqui
ponderar no que é sucesso nas escrituras...)

Assim elas o fazem – lógico - para terem o mesmo sucesso que as formas
ou modelos “hodiernos”, isso para segurar ou atrair membros. Assim sendo, não
podemos mais detectar o eixo gravitacional da fé, pelas placas denominacionais.
E eu me pergunto: o que aconteceu? O que será que tem acontecido para que
igrejas com sólidos fundamentos, mudem, para euforias emotivas? Talvez,
devêssemos dar uma olhada no que está acontecendo. Pois o Marcketing, e
outras tantas técnicas passaram a ser o leme do nosso barco, e tem faltado pregar
a palavra como ela é.

Um dos sabiás se aproximou e disse: Bem, vocês estão vendo que os


curtos-circuitos são muitos e são sérios. A nossa realidade deve nos confrontar de
uma vez por todas. Estamos há muito tempo parados, deixando que os de fora
pensem por nós. É tempo de nos libertarmos dessa apatia de desse isolacionismo
que temos tido com nossa terra, e com nós mesmos. Disse bem, o nosso amigo
Aharon Sapsezian sobre sua esperança. Uma esperança que deve ser a nossa
esperança;

“... esperança ... que venha a... criação de uma teologia nossa (indígena,
como preferem alguns, ou autóctone, como sugerem outros). Que significa
isso? Pode significar, simplesmente que vivemos numa espécie de clima
de saturação quanto à importação, passada ou presente, de teologias
acabadas; ou que os teólogos brasileiros devem libertar-se de vez de
quaisquer complexos perfeccionistas e passar a escrever decididamente,
submetendo à prova do debate, suas idéias.” (Grifo meu) 84

Temos de nos enfrentar. Nossa terra precisa que nos libertemos dos
nossos complexos criados e enraizados ao longo dos tempos. Estes complexos
não nos deixam fazer arte, ainda que artesanal para demonstrar quem somos.
Será que diante de tantos curtos-circuitos, não teremos um canto responsivo?

“O Reverendo Aharon Sapsezian acreditava... na possibilidade da criação


de uma teologia inserida no tempo e no espaço, posto que havia ‘um
tempo da igreja no Brasil.’ Assim uma teologia brasileira haveria de
expressar certa fidelidade a esse tempo, sendo o resultado de ‘um
compromisso com ele, que o valoriza e o interpreta.’ “ 85

Vocês acreditam nisso? Nós precisamos acreditar nisso! Porque existem


muitos espaços vazios em nós. O nosso canto teológico primeiramente

“... deverá revelar os vazios teológicos em nosso seminários e faculdades


de teologia. Sua presença teológica será, ao mesmo tempo, a revelação da
ausência teológica. Mostrará pela presença da necessidade do
preenchimento de espaços ocupados, no momento, por atividades que não
são teológicas. (...) essa é uma das principais fraquezas do ensino
teológico no Brasil entre os evangélicos. Acostumados à importação, não
nos damos conta que a matéria importada provoca este vazio de que
estamos falando. Até que ponto estaremos capacitados a dar o salto
qualitativo do entulhamento estrangeiro para a consciência da necessidade
da criatividade própria? “ 86

São com as nossas palavras teologais que poderemos encher os nossos


vazios!

“Para a medicina chinesa o pulmão é o lugar da tristeza. Quando a


gente está triste, a gente suspira. Marx estava certo: ‘suspiro da

84
Teologia no Brasil: teoria e prática, Aste, Imprensa Metodista, São Bernardo do campo/SP, p. 45
85
Ibid., p. 45
86
Teologia na Brasil: teoria e prática, Aste, Imprensa Metodista, São Bernardo do
campo/SP, p. 50
criatura oprimida’. Faço teologia porque sou triste. Os pulmões são
feitos de vazios. A Teologia – como a poesia e a arte – são as
palavras pneumáticas, espirituais, que usamos para encher o vazio.”
87

Palavras ditas teologicamente a Deus. E Deus enche os nossos espaços


vazios. Não devemos copiar ninguém. Jesus falou que os que oravam diziam
palavras que não eram suas... (talvez seja por isto que estavam sempre a
tagarelar...) Somente os que dizem as suas palavras poderão Ter os seus
espaços vazios – momentaneamente – preenchidos. Agostinho disse que Deus
põe açúcar em nossas bocas e depois sal, isso é para que sempre busquemos o
açúcar.

E assim, todos os presentes na discussão, sorriam: eles sabiam quem


eram. Nada de cópias. Não precisam copiar mais ninguém de fora. Pra quê? Se
eles sabiam que eram lindos por natureza. Pra quê? Se eles sabiam que eram:
gigantes pela própria natureza...

Um deles ainda falou do curto-circuito que é rotineiro e que vem e vai em


cada geração. Ele o caracterizou como uma espécie de gripe constante que
somente melhora, para depois vir com mais intensidade.

“Na verdade, o que tem de constante (na cultura brasileira ) é,


principalmente seu caráter espúrio, sua condição defasada e as
conseqüentes vicissitudes de uma cultura alienada e alienante de seus
próprios portadores.” (Grifo Nosso) 88

O curto-circuito da alienação constante era algo que também deveria ser


analisado – já que até mesmo os líderes o usavam, fazendo suas ovelhas
dependerem totalmente deles.

87
Alves, Rubem, O quarto do mistério, Papirus, Campinas/SP, 1995, p. 172
88
Ribeiro, Darcy, Os brasileiros: livro I – Teoria do Brasil, Ed. Vozes ltda; Petrópolis/RJ, 1983, p.
142
Hoje, realmente, não existe a prática do sacerdócio universal, já que
somente a oração de certos líderes é que tem “poder”. Assim, os líderes fazem
com que o povo, (que já são oprimidos) sejam ainda mais oprimidos, dependentes
e submissos. Eles estão em um julgo que os que os põem jamais aceitariam que
lhes fosse posto, já disse Jesus. (Ah! Sobre uma proposta de uma religião que
liberte o homem, aconselhamos ler o canto de Dulcilene de Sousa Lima)

Temos alguns curtos-circuitos por onde podemos começar. Façamos


destes curtos-circuitos como um homem fez com as pedras. Ele as pegava e nelas
esculpia lindas figuras. Que esses problemas se transformem em uma escultura:
O nosso canto. Um canto como escultura que ajuda, que nos muda. Que nos
mostra quem nós somos e quem precisamos ser como cristãos brasileiros...

“Esculturas de pedras soltas: pedras catadas à beira-mar, não trabalhadas


por nenhum cinzel. Elas, do jeito como eram encontradas, diziam coisas,
faziam sugestões, tinham uma fala. Bastava que fossem arrumadas. A
função do artista era... (...) procurar articulações, as integrações. Cada
pedra deixava de ser pedra e passa a ser parte de uma imagem maior.”
(Grifo nosso) 89

Os curtos-circuitos não foram trabalhados por nenhum cinzel. Mas eles


dizem coisas e precisamos somente os arrumar. Arrumando nascerá o canto. Um
canto nosso. Da terra. Chão marrom, preto. Chão que é o espelho de quem
somos: brasileiros.

“Hinódia Vitória

A Hinódia brasileira A vitória da passarada Brasileira


É nódoa que não sai É nódoa que não sai
É resina de bandeira É tinta da bandeira
É paixão que não se vai. É re-descoberta dessa paixão não se vai

89
Alves, Rubem, O quarto do mistério, Papirus, Campinas/SP, 1995, p. 103
Cismei – cismei – cismei afirmei – afirmai - afirmamos

Cismei que posso louvar (cantar) Afirmamos que podemos cantar


Com tudo que tem aqui Através de todos os curtos daqui:
Com o berimbau, o tamborim Com a alienação do povo tupiniquim
Com o cavaquinho e o flautim. Com o sincretismo e o Marcketing

Cismei – Cismei – Cismei Afirmei – Afirmai - Afirmamos

Cismei que Deus quer saber Afirmamos que Deus quer saber
Da vida nos cafundós, Da vida de todos nós
Dos salários mais precários, Dos cantos mais precários
Amargos que nem jilós. Amargos que nem jilós

Cismei – Cismei – Cismei Afirmei – Afirmai - Afirmamos

Cismei que vou assumir Afirmamos que vamos assumir


Que sou tupiniquim Que somos pássaros tupiniquins
Que a graça me alcançou que a graça nos alcançou
Sabendo que sou assim.” 90 Sabendo que somos assim 91

4.4 – ALGUNS ACRÉSCIMOS: “ANTIGAS” VERDADES GANHANDO NOVAS


ROUPAGENS PARA SE TORNAREM “NOVAS” VERDADES – ENSAIOS
FINAIS E INICIAIS DO NOSSO CANTO...

92
“Pedra antiga para prédio novo, lenha velha para fogueira jovem.”

“Cada palavra, em seu justo lugar


Assume posição para apoiar as outras.
A palavra nem acanhada, nem ostentosa
93
Intercâmbio espontâneo entre o velho e o novo” (Grifo Nosso)

Não posso finalizar sem colocar em pauta a realidade da pluralidade de


teologias.
90
Oliveria, Valdomiro P, Aquarelando, Edições Liberdade, Campinas/SP, 1986, p. 4
91
Do autor, Vitória, Paráfrase do Poema, São Paulo/SP, 2002
92
Elitot, Thomas Stearns, Prêmio Nobel de 1948, Ed. Ópera mundi, 1970, p. 159
93
Ibid., p. 195
Certamente não podemos jogar fora toda a tradição que nos foi passada. A
grande questão aqui, não são as doutrinas essenciais e sim o contexto no qual
elas são transmitidas. Lutero, por exemplo pregou a verdade essencial do
evangelho, para trazer a igreja ao caminho correto, infelizmente a igreja católica
não abriu mão do caminho mundano e capitalista que seguia, com isso surgiu a
separação, a teologia de Lutero foi responsiva e é isso que devemos fazer.
Calvino é outro grande exemplo a seguir, ele com sua teologia mudou o
pensamento da sociedade na qual viveu. Se for preciso até re-nomear ou
reconfigurar a linguagem antiga na linguagem que está sendo usada hoje – claro,
não anulando a essência. Rótulos mudam, o conteúdo permanece.

Eliot nos diz algo em que devemos pensar para fazer o nosso canto:
Intercâmbio entre o velho e o novo. Não estaremos presos à teologia enlatada,
mas também não poderemos jogá-la fora! Podemos tentar cantá-la como nós
sabemos cantar, e não como os seus cantores querem que nós cantemos.

Aqui temos uma linguagem antiga que precisa ganhar roupas novas.
Conceitos antigos que precisam ser reconfigurados em uma linguagem que nós
entendamos. Percebe-se que existe uma grande força para que todos cantem a
teologia da libertação – é a Teologia da moda... - mas o que precisamos não é
bem isto. É exatamente o contrário desta sentença: Não a teologia da libertação,
mas a Libertação da teologia...

Quero que notem que o genitivo da sentença é a Teologia. É ela quem é


importante. Nassa linguagem teologal realmente precisa ser livre. Livre das
mortalhas que nos colocaram. Já que somos antropofágicos, porque não termos
uma teologia que se enquadre nesse nosso aspecto. Temos muitas realidades em
nossa terra e a nossa teologia, com certeza, terá de sambar junto com um povo.
Uma Teologia que dê novas roupagens a conceitos que estão empoeirados.
Novas roupas para essências antigas. A essência não muda. Só o rótulo muda, e
por ser mudado passa a ser na nossa realidade e linguagem compreendido.

Sabemos que não é uma tarefa fácil. Más temos muito material teológico
produzido na história que não podemos simplesmente descartar. Precisamos
cantá-los também. Porém cantaremos na nossa terra. Cantaremos como pássaros
Tupiniquins. Já imaginaram, os cantos de fora, sendo interpretados por nós? O
canto de Westmingster interpretado por nós, em nossa linguagem? O canto de
Berchoff segundo a realidade brasileira?

Certamente seria maravilhoso. Em nosso canto, devemos Ter esses


acréscimos: Antigas verdades se tornando novas verdades. Pois em um mundo
que a linguagem se transforma na velocidade da Internet... se é mais do que
preciso uma re-interpretação das Antigas verdades, para que sejam conhecidas
na nova realidade em que estão sendo inseridas. Sim!...

“...Pedra antiga para fundamento novo, lenha velha para fogueira jovem” 94

Estou concluindo com mais uma citação.

“O que se deve fazer é expressar para os dias de hoje o que Jesus ou


Paulo ou Isaías diriam, se estivessem tratando da situação presente. Isso
não implica alteração do significado fundamental, mas sua reexpressão e
reaplicação.” (grifo meu) 95

Notaram que por ser uma realidade plural, a teologia deve ser também
plural. É como uma espécie de plasma que se funde a realidade destinada.
Temos várias realidades, e é por isso que até mesmo os programas de televisão

94
Ibid., p. 195
95
Milard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática, São Paulo, Vida Nova, p. 20
se desenvolvem nessa interação de realidades antagônicas. Um exemplo disso é
o que o apresentador Fausto Silva disse:

“Temos uma grande diversidade de pessoas. A grande maioria não


tem como comprar ou comer bem. Assim temos de Ter duas formas,
para atingir os dois lados: Com graça e também sério.” 96

Eu, particularmente, sinto-me feliz com os caminhos que estão sendo


apontados. Caminhos pesquisados por mim, não são copiados de ninguém. E aqui
vai um verso:

“As frases vão alegremente em seu caminho


aceitando as rimas que damos a brincar
de tão bom grado como guardam a cadência
Sem do sentido jamais se desviar.” 97

Precisamos sair desse exílio no qual estamos, que possamos copiar


apenas o amor da nação israelita por sua pátria.

“Deixe-nos cantar
Deixe-nos falar
Dessa nova inspiração
Que faz nova nossa gente
E renova a pregação

Como nossa fala...


Nas cordas do violão
A gente convoca o povo
Da cidade e do sertão
Pra Discutir desemprego
E tanta falta de chão

Com nossa voz de renovo


E violão de louvador
A gente convoca o povo
Sofrido e cheio de dor

96
Fausto Silva, Programa Altas horas, 14 de setembro de 2002
97
Frost, Robert, Poemas escolhidos de Robert Frost, Ed. Lidador, Rio de Janeiro, 1969, p. 121
Pra dizer que Jesus Cristo
É o único Salvador.” 98

98
Oliveria, Valdomiro P, Aquarelando, Edições Liberdade, Campinas/SP, 1986, pp. 46, 47

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