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MUNDO
1
Grisa, Pedro, Perspectivas P(R)o(F)éticas, Ed. Veja, Curitiba-Paraná, 1982, p. 15,16
Este livro é um desafio. Não no sentido de esgotar o assunto : impossível
seria. Mas sim pelo fato de que o tema brotou simplesmente de uma
‘revolta’ que me envolveu quando ao estudar teologia percebi que não
compreendia os termos, notei que não existia uma teologia escrita para a
Brasilidade, com uma linguagem mais nossa. Assim desta trágica – ou
como diz Cristofoline: Tragicômica experiência, brotou o tema. Vendo que
meus colegas de seminário também sentiam esta dificuldade (o que poucos
reconheciam por palavras) decidi encarar este delicioso desafio.
É bom repensar sobre o que eles e o que nós (os Teólogos) temos feito
para o desenvolvimento da Teologia como fruto do pensamento localizado. Parece
que Milard J. Erickson entendeu isto;
Mas será esta verdade uma realidade em nossa sociedade? Será que o
labor Teológico tem-se frutificado no seio dos cristãos brasileiros? Será que temos
uma Teologia para hoje, como brasileiros, como Tupiniquins? Ou será que
estamos vivendo inconscientemente sob um domínio de livros enlatados vindos
dos nossos dominadores. Não será a hora de começarmos a pensar uma Teologia
nossa, longe de modelos estrangeiros que só tem gerado em nós um certo vazio?
2
Milard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática, Vida Nova, São
Paulo,1997, p. 16
que é bacharelado mesmo: na sabedoria e conhecimento bem baixo...), sendo que
outros ainda tentam pegar a teologia de mais de quatrocentos anos atrás e enfiá-
la (desculpem-me o termo mas é assim mesmo que acontece) na cabeça de
Brasileiros!
E por isto surge a pergunta: - cadê afinal de contas as pessoas que pensam
e fazem a nossa teologia? Como resposta só podemos colocar alguns nomes,
que não ocupam talvez todos os dedos da mão. A Teologia deve ser
contextualizada e contemporânea, não perdendo os ‘princípios”, para que sejam
assimilados pelos cristãos de hoje. Assimiladas: do latim ‘assimilare’ que tem o
sentido de algo que se torna parte de outro algo, não havendo mais diferenças.
Como as comidas que comemos e por nós são assimiladas: não há mais
diferença, ela agora é parte de nós. E quando algo faz parte de outro algo, não
existe desassociação .
Talvez seja esta a noção da Teologia que os cristãos teólogos devem ter: a
Teologia como um prato de comida a ser assimilado diariamente, para assim
nunca mais de suas vidas ser desassociado. E como tem tanta gente separando a
teologia da vida! Dá para acreditar nisso? Emill Brunner fala sobre isto e diz que
esta idéia de separar a teologia da vida é também um tipo de teologia. E este tipo
é preocupantemente errado...
E é por isto que usamos um anexo para cada parte. Nele temos como
correspondência uma uva. Cada uva sendo uma parte. Juntando todas teremos
uma pluralidade: o cacho de Uvas. A nossa realidade brasileira se parece muito
com o desenho da uva: Somos muitas uvas que juntas formam o Brasil que é um
lindo cacho.
Sendo assim, que tal tentarmos criar coragem e refazer os pontos da nossa
teologia? O autor do poema deu uma dica. O que ele escreve é espelho... Talvez
nossa teologia deva começar sendo um espelho da nossa realidade. Então
podemos concluir que o que esperamos conseguir ao final deste trabalho é
influenciar pessoas a refazerem os pontos do desenho da nossa teologia e não
apenas isto, mas mostrar e ensinar como se faz este desenho de teologia para
cada crente em sua vida. Se teologia rima com vida, é óbvio e tá na cara que ela é
para ser vivida.
3
La Fontaine, Jean de, Fábulas de La Fontaine, Villa Rica, Ed. Reunidas Ltda, Belo
Horizonte/MG, 1989, pp. 30,31
1 - A TEOLOGIA EM (POR) SI
4
Packer, J. L., O conhecimento de Deus, Mundo Cristão, São Paulo/SP, 1987, p. 10
A Teologia é um maravilhoso mundo, onde estamos
entrando agora. E grande é o mar da Divindade de Deus. Quando
adentramos nele só podemos flutuar, como um astronauta que
sai de sua nave (nós saímos de nós mesmos) e percebe que o
lugar em que ele está não é um lugar... Não existem definições
eternas. Existe a contemplação. E disto só se brotam suspiros de
amor.
4
Alves, Rubem, Lições de feitiçaria, Loyola, São Paulo, 2000, p. 17
“Curiosamente o termo ‘teologia’ não é de origem Bíblica, ou seja não
se encontra nas Sagradas Escrituras. Foram os gregos e não os apóstolos
que cunharam o termo para designar o discurso que os poetas faziam com
freqüência para os deuses” 5
5
Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta,
Curitiba, 2000, p.18
a fé, mas sim a fé que o possui já que é dada por Deus e ele está
em Deus.
“Sai da tua casa, da casa da tua parentela, para uma terra que eu lhe
mostrarei ” 6
6
Bíblia Sagrada, Gênesis 12:1
poetas tem muita pressa para concluir logo. Que bobinhos,
esquecem que teologia não é sobre conclusões, é sobre inícios.
7
Alves, Rubem, Lições de Feitiçaria, São Paulo, Loyola, 2000, p. 26
8
Ibid.,p. 26
estuda, ama vivendo e vive amando o Deus revelado nas
escrituras, na vida, nas artes... e aí executa o parto: faz Teologia.
2000, p. 19
construímos com as palavras sagradas usando o cimento da
filosofia (e outras ciências), para que possamos em nosso tempo
caminhar no conhecimento do que não está preso ao tempo –
Deus atemporal.
2000, p. 22
Sendo assim, o caráter da teologia antes de ser tradicional e
empoeirado, tem de ser crítico de si mesmo;
Ibid.,, p. 22
13
14
Ibid., p. 75, 76
“Divide-se o estudo teológico em três direções: teologia da metafísica –
Deus e seus atributos; Teologia antropológica – o homem; Teologia
cosmológica – o universo” 15
15
Champlin, Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia, Candeia, São Paulo/SP,
1997, p. 467.4
16
Alves, Rubem, A festa de Maria, Papirus, Campinas/SP, 1999, p. 21
afirmou Daniel Miglore, tempo por urgência tratar de comprar
espátulas críticas e começar a raspar as paredes da teologia, indo
ate o final... Quem sabe não vamos encontrar uma madeira linda,
como encontrou o homem que comprou a casa?
17
Brunner, Emil, Teologia da Crise, São Paulo, Novo Século, 2000, p. 24,25
18
Ibid., p. 24
19
Brunner, Emil, Teologia da Crise, São Paulo, Novo Século, 2000, p. 23
no reflexo que temos do entendimento da vida. E é por isto que
devemos repensar e voltar analisando.
20
Ibid., p. 23
Brunner, Emil, Teologia da crise, São Paulo, Novo Século, 2000, p.23
Biblia Sagrada, Hebreus 5;12-14b NVI
2. - A TEOLOGIA COMO PRODUTO (SEIVA) DE SUA ÉPOCA
A partir daqui iniciaremos uma estória contínua que vai até o final
deste trabalho. A teologia é fruto de uma época, de um tempo e poderá
endossar a sua sociedade e tempo (incubadora) ou poderá ser também
responsiva a ela.
21
Alves, Rubem, Conversas com quem gosta de ensinar, Cortez, São Paulo/SP, 1983, p. 59
capítulo corresponde a uma uva, mais uma uva foi inserida. Veja anexo inserido
na página 119.
Existe uma história (ou estória, como você queira) que nos lembra
muito a seriedade de uma incubadora, de um pensamento. Tudo começou
numa floresta. Um dia esta floresta (em que não haviam pássaros cantantes)
foi invadida por urubus de uma outra floresta próxima que tinha sido
incendiada. E os urubus que já haviam visto pássaros cantantes, resolveram
estudar e cantar. Resolveram serem bons. Os melhores... E lá se foram os
urubus a estudarem. Contrataram os melhores cantores, fizeram seminários,
escreveram métodos, técnicas comprovadas, tratados, sumas, estipularam
os anos de duração que transformariam meros urubus em bacharéis de
canto... Assim com o passar do tempo, já se tinha pós-graduação, doutorado
e não se demoraram os Phds.
22
Nicholls, Bruce, Fundamentos da teologia Cristã, Vida, São Paulo, 2000, p. 21
Os anos se passaram e aquela floresta, que no passado não tinha
pássaros cantantes, agora tinha mais do que isso. Tinha uma escola de
canto reconhecida até pelo MEC! E os urubus, todos os anos faziam
plenárias, tudo para eleger os melhores cantores do ano...
Porém, um dia naquela floresta se ouviu um canto diferente. Era
improvisado e o vibrato do som mais parecia ser comparado a um som
divino. Algo que não podia vir de meras técnicas... Eram os sabiás as
cotovias os curiós e os João de Barro que estavam nas proximidades e
cantavam a sua felicidade, cantavam o desejo dos seus corações. Então os
urubus saíram a procura deles e resolveram a situação dizendo que eles não
poderiam mais cantar. Os sabiás as cotovias e curiós não entenderam... Os
urubus disseram que eles não tinham diplomas que reconheciam aquilo que
eles faziam. Eles não eram formados em canto. Conclusão: não eram
cantores...
Podemos ver o que foi feito pelo pensamento, e o que foi desfeito pelo
pensamento. E é exatamente na história que podemos descobrir os erros e
acertos dos cantos dos sabiás que estiveram antes de nós. O interessante
em Tillich sobre a história é
24
Por uma nova teologia latino-americana, Paulinas, São Paulo, 1996, pp. 211, 212
Uma conclusão é inevitável: Se é preciso aliar aos fatos uma
interpretação, (um canto...) histórica sobre o pensamento/incubadora. E isto
é o primordial.
(...)”há o perigo de, se de vez em quando não dermos uma vista geral,
‘perder a mata por causa das árvores’. Em todo caso, às vezes é mais cômodo
tratar de particularidades do que examinar a situação geral. Todavia eu creio que
estamos vivendo numa época em que é muito importante ter essa visão geral. (...)
Graças a história da igreja, que em tempos e épocas diferentes certas questões
particulares tem tido incomum proeminência. Todos nós conhecemos os fatos dos
tempos primitivos, como, por exemplo, as questões relacionadas com a pessoa do
Senhor, e coma doutrina da trindade, que eram da máxima importância e tiveram
que ser defendidas com muita luta. Noutros tempos houve outros assuntos que
sobressaíam mais proeminentemente. No entanto, na reforma a primeira grande e
imediata questão foi a doutrina da justificação pela fé, como já ouvimos... Mas é
interessante notar que não se pode isolar estas coisas: são todas inter-
relacionadas. Assim, quase imediatamente, esse problema leva a outro, o
problema da igreja e da natureza da igreja. Todas essas diferentes doutrinas
pertencem a um todo, e seja qual for aquele com o qual vocês comecem, mais
cedo ou mais tarde chegarão aos outros.” 27
27
Lloyd Jones, Podemos aprender da história?, PES, São Paulo/SP, pp. 2, 3
em algum lugar da floresta, faz todo mundo se calar para poder
ouvir...” (Grifo Nosso) 28
28
Alves, Rubem, E aí?, Papirus, Campinas/SP, 1999, p 46
2.2 - A TEOLOGIA COMO FRUTO ENDOSSIVO OU RESPONSIVO DOS
PÁSSAROS NA INCUBADORA: O CANTO
No pensamento, por causa dele e contra ele surge a Teologia (já que o
indivíduo está na sua época), confrontando ou apoiando todo um sistema
cultural ideológico em desenvolvimento contínuo na história de uma
formação, uma seiva... Sendo assim o pensamento local serve-nos de
impulso e é da onde todos partem para conseguir algo que terá um, de dois
alvos:
“Já a ciência é fala de gente séria, pés no chão, olhos nas coisas, imaginação
escrava da observação” 30
Os que iam para o Direito, também tinham o seu discurso (que por sinal
parecia muito com o da medicina): - Vou ser advogado, promotor, juiz... para
ajudar os outros pássaros a serem mais corretos. Vou estudar direito para fazê-los
seguir mais direito... E aí também se vão cinco anos de pensamento escravo a
observação científica de leis, registros, regras...
30
Alves, Rubem, Estórias para que gosta de ensinar, Cortez, São Paulo/SP, 1988, p. 24
Portanto, os pássaros destes três grupos são na verdade de um grupo
só: Não existe diferença entre eles. Eles estão presos. Todos presos
cientificamente, e todos eles foram endossivos a seguir estes cursos
devido a algo que eles não sabem o que é mas que querem suprir e que
pensam que o pensamento/incubadora poderá lhes suprir... Os futuros
médicos querem acabar com a ar dor deles próprios, dor de sua alma... Os
futuros advogados, querem acabar com a injustiça, querem ser absolvidos...
E os cientistas de computador, querem conhecer o lugar do seu desejo nos
espaços virtuais...
31
Alves, Rubem, Estórias de quem gosta de Ensinar, Cortez, São Paulo/SP, 1988, pp. 23 - 26
De algum modo estes urubus foram transformados. Talvez seja o
canto do sabiá que eles ouviram e a partir daí, passaram a ser guiados
primeiramente pelo amor, pelo desejo... Aí, improvisações começaram a
acontecer, a imaginação voltou a funcionar, as estórias voltaram a ser
contadas e eles passaram a amar a vida e seus resultados de amor. Não
amaram mais os medonhos métodos, amaram os resultados na vida.
Temos vários exemplos disto. Este canto, estas letras escritas por
estes sabiás são o que chamamos no primeiro capítulo de ponte teologal, de
seiva teológia ou de plantas plantadas como símbolos da esperança. Esta
seiva é o produto, o resultado da problemática da sua época. Como já o
dissemos. Cada época tem o seu pensamento, a sua incubadora.
32
Atlinson, James, Fundamentos da teologia Cristã, Vida, São Paulo/Sp, 2002, p. 307
Porém não foi só ele mas cada um dos grandes Sabiás fizeram isto, e
seu canto se ouviu por toda a época e até fora dela ainda se escutam os
ecos... Friederich Nietszchi, também fez-se ouvir o seu canto, quando em
sua época ele analisou a nova sociedade com uma lanterna na mão e após
longa análise declarou seu canto como seiva responsiva: Deus está morto!
Nada mais de Deus na vida da sociedade. Deus estava morto. As pessoas
daquele novo tempo o mataram... Não precisavam mais Dele... Este foi o
canto de Nietszchi, canto este que não foi nada agradável aos ouvidos dos
urubus da época. Normal...
Canto que restaura. Canto que faz-nos ouvir aquilo que esquecemos,
mas que esta em nosso desejo. Cantos como seiva que percorre as
entranhas através do nosso ouvido e nos tornamos sabiás.
Em cada época existe um pensamento local, ou incubadora. Todos
estão inseridos nela, e será nela que se erguirá o canto como resposta
reponsiva. Há um comentário interessante que nos mostra este canto
responsivo de Tillich, diante da situação da época;
Era uma vez... um homem que preparava comida para as pessoas. Ele
se preocupava definitivamente com o preparo, com os temperos, se estará
muito quente, ou muito fria... Olhava o tempero, como melhor preparar... Só
que no final das contas, as pessoas estão é passando mal! Passando mal
de fome! Ë que o homem esqueceu de dar comida, de cuidar das pessoas
33
Por uma nova teologia Latino-americana, Paulinas, São Paulo, 1996, p. 211, 212
para quem ele estava cozinhando. O problema é que a comida passou a ser
mais importante do que as pessoas famintas...
34
Alves, Rubem, Estórias de quem que gosta de Ensinar, Cortez, São Paulo/SP, 1988 p. 26
Não existe pensamento saudável, seiva viva! Não existem
incubadoras menos problemáticas... E os pássaros chegam. Estão sem
partituras! É uma música deles. As cotovias cantam. Falam quem são. Assim
estão diante do prédio da Globalização. E começam a cantar:
“Cotovia! Cotovia!
Voz que quebra pedra,
voz que rompe o ferro,
voz que não se inclina,
voz que não faz segredo,
voz que não tem medo.
Cotovia! Cotovia!
Voz que não se escraviza,
voz que não tem status,
voz que não se omite,
voz que não silencia,
voz que não tem dia.
Cotovia! Cotovia!
Profeta forte e certo,
profeta do tempo incerto
que ninguém quer ouvir,
atirando pedra até matar
ou até vê-la sumir...
Cotovia! Cotovia!
Quando cotovia se vai,
ela vai para voltar...
cotovia é imortal...” 35
35
Oliveira, Valdomiro P., Aquarelando, Imp. Metodista, São Bernardo do campo/SP, 1986, p.
39
trabalho, com todo o seu sofrimento, valeu a pena: foi dor de
parto. “ 36
Veja o que Alves disse: Um trabalho nosso que foi dor de parto.
Infelizmente olho para os textos que recebemos (as teologias) e não me vejo nele.
Não foi um trabalho pensado em nosso povo. Foi apenas traduzido.
A teologia feita num país dificilmente servirá em outro, não se trata aqui das
verdades doutrinárias, mas sim do contexto cultural, um exemplo é que num país
de primeiro mundo não se sabe o que é ficar horas para ser atendido num hospital
público como acontece no Brasil, nem tao pouco sabem o que é sentir fome e não
Ter o que comer, mas sabem perfeitamente os terrores da guerra e os temores de
atentados terroristas. O contexto e o pensamento são diferentes – a incubadora é
diferente – e por fim: “ as aves que lá gorjeiam, não gorjeiam como as daqui” : as
pessoas são outras.
Não que o canto não seja bonito, não tenha princípios e não sirva para
nada; a questão é outra. É que ele é trata para de outra realidade, ele não foi
produzido aqui.
Não é teologia para esta gente que tanto sabe o que é labutar e dar um
jeitinho, para mesmo com sofrimento sorrir e amar; primeiramente – claro -
porque, estamos em outro país, outro continente, falamos outra língua, e depois
porque as teologias que foram importadas já são antigas, foram escritas há
muitos anos, a linguagem que encontramos nelas são de difícil compreensao,
37
Alves, Rubem, Correio Popular, Caderno C, 14 de maio de 2000
como se sabe, muitas palavras perdem seu sentido com o tempo outras deixam
de ser usadas ou são substiruidas.
“ Nos debates que eu presenciava, cada vez que algum palestrante fazia citações de autores
brasileiros, eram considerados de pouca valia” 38
Será que José Vilson estava exatamente debatendo com as aves? Bem, a
situação hoje é tal qual citei acima. O brasileiro não tem crédito em seu próprio
país, a ponto dos escritores enviárem suas obras para as editoras para ouvir que a
idéia do livro é boa, mas não vai editar porque o povo não compra livros de
autores nacionais. Infelizmente não temos o nosso canto: ele foi esquecido.
38
Anjos, José Vilson, A Alma brasileira, Saraiva, São Paulo, 1994, p. 19
39
Ibid., p.17
E justo agora, que estamos vivendo uma época que precisa de uma
teologia responsiva para o Brasil. Isso só autores nacionais podem fazer, eles
falam para o povao brasileiro. Não podemos virar estrangeiro para nos encontrar
(acho particularmente que muitos nem percebem que estamos perdidos) e diante
deste pensamento mais contexto sócio cultural, não temos uma teologia que
abarque desde o analfabeto até aquele que sabe ler, pois não é essa a realidade
dos nossos irmaos em Cristo?. Tem se ouvido a igreja cantar, mas parece que a
música é uma repeticao, uma mera cópia do que ouviu outros fazerem, onde está
a brasilidade minha gente?
40
Jabor, Arnaldo, Jornal da rede Glogo de Televisão, Jornal da Globo, maio de 2002
Preocupante é a situação: Não lemos nossos livros. O “chique” é ler os
importadas, cheio de nomes de lugares, pessoas ou cidades que não entende pois
é ingles... Será mesmo que é “chique”? Talvez, devêssemos relembrar uma frase
maravilhosa da poesia de Antônio Gonzaga que vai contra esses enlatados...
Se bem que seríamos até de certa forma benevolentes falando que apenas
temos cantado letra dos outros... Cantamos a letra, usamos a mesma sinfonia, os
mesmos instrumentos, o mesmo tempo de estudo deles, as mesmas técnicas (que
são aplicáveis somente a países de realidade de primeiro mundo...) vestimos as
mesma roupas; enfim, somos um país carbono! E carbono, como todo mundo
sabe, após ser usado, é jogado fora. Nós temos nos jogado fora, pois quantos
dons Deus derramou em nossa igreja, por que não sermos verde e amarelo dentro
dela.
É sabido que sabiás, são sabiás, eles não mudam o canto. Porquê mudar?
E desde o momento que Deus os criou, ele cantam assim e vao continuar
cantando o desejo marcado em sua memória poética, como bem disse Rubem
Alves; não é preciso lhes ensinar: eles nascem sabendo o canto, o tom, as
voltinhas.
Ao contrario de nós, pois parece que em determinado momento, nossos
sabiás sentiram uma pontada de inveja: - temos de ser como eles! Talvez isto se
deva a fidelidade que temos aos nossos missionários que ao fundar igrejas aqui,
ensinou como em seu pais, ao invés de estudar nossa cultura para adaptar os
cultos a nossa gente, tivemos que aprender a cultuar como estrangeiros em nossa
própria terra, consequentemente, esta pontada entrou devido a abertura
41
Gonzaga, Tomás Antônio, Coletânea de poesias brasileiras, Zero Hora, São Paulo/SP, p. 45
provocada pela nossa crise de identidade causada por esta catequizacao. E por
isso, todo o ensino passou a ser como o ensino de lá. Roldán fala-nos sobre isto;
“Toda educação teológica que não leva em conta a igreja real, esta
condenada ao fracasso e à esterilidade. Tem-se criticado à saciedade o
fato de que muitos programas de educação teológica na América Latina
não são outra coisa que a transcrição de curricula de seminários nos
Estados Unidos ou na Europa. Mas se a educação teológica é feita em
função da vida e missão da igreja, necessariamente os educadores devem
levar em conta e interpretar adequadamente a igreja real. Com isso
queremos dizer que, de modo inescapável, devemos inserirmos na vida
da igreja concreta, e não fazer grandes teorizações (grandes cantos) só
que fora do campo do jogo (fora do contexto real).” (Grifo Nosso) 42
“ Cada nova etapa no história do mundo confronta a igreja de Jesus Cristo com novos desafios, o
que inclui o seu discurso sobre Deus, isto é, sua teologia” 44
Ibid., p. 129
que exigem uma resposta. Duas coisas portanto temos de Ter em mente: A
incubadora, ou seja, o pensamento e o contexto sócio cultural é uma realidade
somente nossa. E por ser nossa, as teologias escritas em outros contextos, frutos
do seu contexto e época são incompatíveis aqui. Incompatíveis, não quer dizer
que não funcionem. Provavelmente funcionará se for reconfigurada.
E a outra coisa que devemos Ter em mente, é que o tempo passou. Não
estamos na época da reforma, ou do iluminismo apesar de sermos fruto destes
movimentos. Estamos numa outra era, além de estarmos em outra incubadora. O
ano que estamos é 2002! O tempo passou e está passando. Parece que nos
acomodamos com o que passou. Ficamos parados, vivemos lá, enquanto que o
mundo está aqui. Não estou aqui desmerecendo o passado. Muito pelo contrário.
Desejo reinterpretá-lo para o nosso tempo, mas não quero ficar nele. A
linguagem hoje é diferente, os pensamentos são completamente diferentes. Assim
como o mundo.
Que os sabiás acordem do seu ninho. E que eles se unam a nós nesse
sonho: Que os sabiás cantem como sempre cantaram. Que eles desistam de
querer ser iguais aos sabiás do primeiro mundo: temos saudade do nosso canto
esquecido...
Não permitas Deus que eu morra Liberte-nos ó Deus, desta amnésia toda
Sem que volte para lá; para que voltemos para cá
Sem que desfrute os primores para que re-descubramos nossos primores
Que não encontro por cá; que não existem por lá!
Sem que ainda aviste as palmeiras, Para que lembremos das nossas palmeiras
Onde canta o sabiá “ 45 aonde como sabiás, deveremos cantar 46
45
Dias, Gonçalves, Coletânea de poesias brasileiras, Zero Hora, São Paulo/SP, pp. 66, 67
46
“Hoje estamos na etapa da ‘globalização’, sendo o mercosul um expoente claro deste fenômeno” 48
Hoje, estamos diante de algo jamais visto em todos os tempos. Após a
primeira incubadora e com o desenvolvimento das outras, cada uma em seu país,
estão se interligando. Um grande exemplo disto foi visto no dia 11 de setembro de
2001 no ataque terrorista ao Word Trade Center; quando as imagens foram
mostradas ao vivo para muitos países. Com a globalização, o longe se tornou
perto, e invisivelmente mas realmente os países estão cada vez mais
interdependentes. Se algo ocorre do outro lado do mundo, nós aqui sofremos as
consequências.
48
Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta, Curitiba, 2000, p. 130
Temos também o triunfo da capitalismo e do neoliberalismo e com a
queda do muro de Berlim e o desaparecimento da URSS como entidade temos
uma nova realidade mundial. Poderíamos até afirmar que a situação mundial esta
tomando ainda um novo rumo desde o 11 de setembro de 2001.
“(1999 citado por LERER DIEGO, 1999) Diego Lerer afirma que Matrix é ‘uma paranóia
existencial: o tema já não é a verdade, mas a realidade...’ “ 49
Não há mais a busca pela verdade, mas pelas verdades que existem e
coexistem (proposta já apresentada pelo ecumenismo). Sobre o curto da Pós-
modernidade, José Maria Marcondes fala;
50
Roldán, Alverto Fernando, Pra que serve a Teologia? In: __. El Desafio de la postmodernidad al
cristianismo, Sal terrae, 1988, p. 23. Descoberta, Curitiba, p. 131
51
Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta, Curitiba, 2000, p. 140
Os problemas tem sido de incrível relevância para nós e principalmente
para o desenvolvimento de um canto que seja nosso. Daí o porque voltamos a
frisar que a teologia importado não atende as nossas necessidades. E o que não é
nosso pode ser usado apenas emprestado, só que o que é emprestado tem de ser
devolvido... somente aquilo que é nosso, pode ficar em nossa terra.
“... esperança ... que venha a... criação de uma teologia nossa (indígena,
como preferem alguns, ou autóctone, como sugerem outros). Que significa
isso? Pode significar, simplesmente que vivemos numa espécie de clima
de saturação quanto à importação, passada ou presente, de teologias
acabadas; ou que os teólogos brasileiros devem libertar-se de vez de
quaisquer complexos perfeccionistas e passar a escrever decididamente,
submetendo à prova do debate suas idéias.” (Grifo meu) 53
53
Teologia no Brasil: teoria e prática, Aste, Imprensa Metodista, São Bernardo do campo/SP, p. 45
Continuarei a estória, aplicando os princípios que foi visto no decorrer de
todas as partes. Minha esperança é a mesma do autor da citação acima: que seja
desenvolvida uma teologia para a igreja do Brasil. Que a chamem de indígena,
tudo bem, ela será nossa. Que a chamem de teologia para o terceiro mundo; tudo
bem, ela ainda será nossa. Será um fruto para o esse povo.
“... é bom notar que provavelmente o que aqui chegou não foram as linhas mestras do
pensamento teológico norte-americano, mas idéias vencidas, minoritárias e residuais” 55
Talvez você ainda queira saber o que exatamente está ocorrendo hoje.
Infelizmente, o país que recebeu os ilustres visitantes estrangeiros estava muito
esquisito. A estória conta-nos isto; de tanto o Brasil receber bem os estrangeiros,
quer por motivos de escravagismo, fuga de guerras, holocausto ou turismo,
acabou se esquecendo dele mesmo. Não quero dizer que é errado receber
pessoas vindas de outros países, o que não é certo é ficar nos amoldando a elas ,
seus costumes, dentre outras coisas, para sermos aceitos, o que me parece é que
temos complexo de inferioridade, pois sempre abaixamos a bola para o
estrangeiro, quando na verdade deveríamos nos impor como brasileiros
orgulhosos, porque certamente no céu, vamos estar como assim chamados
54
Propaganda: Guaraná Antártica, 2002
55
Teologia no Brasil: teoria e prática, Aste, Imprensa Metodista, São Bernardo do campo/SP, p. 26
tupiniquins. Por isso a cidade está desta forma: sem memória! Deixamos roubar
nossa memória. Esta conclusão começou a surgir quando dois amigos, de alguma
forma abriram uma fresta nas cortinas do esquecimento e do pragmatismo, e
conseguiram olhar a situação dos desmemoriados... E se...
“No início, para a maioria foi uma maravilha. ...Chegou do mar numa
caravela negra. Já faz... quinhentos anos, talvez. Veio com promessas,
com os porões do navio abarrotados de bugigangas desconhecidas. Para
as pessoas... que tinham vivido sempre isoladas, foi uma festa.
Conheceram o gelo, os óculos de sol, a ampulheta, a motocicleta! E era
tudo aparentemente muito simples: em troca dessas coisas incríveis, ...
pedia apenas a memória de cada um: ele tem uma máquina que absorve e
imobiliza as lembranças em núcleos cristalinos. (...)
Só que havia um pequeno problema. Como a cada novidade correspondia
um trecho de memória perdida, chegou uma hora em que ninguém
lembrava mais para que serviam as coisas que tinham comprado! É... foi
56
Calado, Invanir, O lago da memória, Ed. 34, São Paulo/SP, 1998, pp. 43, 44
muito esperto. Sugou até mesmo a capacidade de se Ter novas memórias!
Deixou apenas a possibilidade de trabalhar e obedecer...” 57
Não queremos mais verde amarelo, queremos ser eles. Todos os padrões e
modelos da sociedade são vindos de fora, de outras sociedades. São importados,
enlatados... E a única coisa que criamos aqui foi um abridor, que se chamou mais
na frente de tradutor (o que abre de uma língua e coloca em outra ).
57
Ibid., p. 59
58
Teologia na Brasil: teoria e prática, Aste, Imprensa Metodista, São Bernardo do campo/SP, p. 33
Assim, a igreja segue modelos que não é seu. Toda a cristandade
brasileira depende da teologia, bem como seus rituais, sacramentos, modelo de
culto, e até vestimenta, de outros países; isso ocorreu ao longo de toda a sua
história.
Jesus disse que Dar é melhor do que receber. Porque será? Talvez porque
quando se dá, produz, e quando produz, aprende quem se é, e quem dá a força
para se produzir. Somente quem exporta pode cantar livremente. Não depende de
ninguém, não precisa viver seguindo os modelos pré-fabricados. Quando
exportamos, mostramos quem somos, não apenas o país do carnaval, do futebol,
mas o Brasil que representa parte da igreja do Senhor Jesus. Só desta forma a
memória esquecida volta.
O que deixou esta marca profunda no ceio da igreja foi o fato de que por décadas
ela recebe o modelo da igreja americana, e o usa como uma roupa, com o passar
59
Ribeiro, Darcy, Os brasileiros: livro I – Teoria do Brasil, Ed. Vozes Ltda, Petrópolis/RJ, 1983, p.
143
dos anos, porém, aconteceu que o que era bom não acompanhou o
desenvolvimento do cristianismo e a igreja começou andar por caminhos difíceis,
necessitando de que teólogos nativos trabalhassem para ajudar a igreja a sair as
crise, mas veio a surpresa; não havia teólogos, e os que tentaram fazer esse
trabalho, também teve uma surpresa; eles não eram aceitos. Isso aconteceu
diante daquilo já citado, bom, só se for feito por estrangeiros.
Não é isto que acontece? Darcy Ribeiro diz que sim;
60
Ribeiro, Darcy, Os brasileiros: livro I – Teoria do Brasil, Ed. Vozes Ltda, Petrópolis/RJ, 1983, p.
144
61
Ribeiro, Darcy, Os brasileiros: livro I – Teoria do Brasil, Ed. Vozes Ltda, Petrópolis/RJ,
1983, p. 149
Os dois amigos viram por entre as frestas da sua consciência, a situação do
país verde e amarelo. Eles choram e sussurram: chega de enlatados! Chega de
enlatados! Roubaram nossa memória...
“Sorri (Smile)
“ A verdade é que o Brasil sempre foi estudado sob o ponto de vista das colonizadores, nunca dos
colonizados. É preciso começar a inverter essa leitura” 63
62
C.Chaplin – J. tuner – G. Parson / Ver. João de barro, Djavan, Malásia, Ipanema/RJ, 1998
63
Anjos, José Vilson dos, A alma Brasileira, Saraiva, São Paulo/SP, 1994, p. 21
“ ... um pequeno texto...Ele dizia nesse texto que o
operário, ao ver o objeto que produzira, tinha de ver o seu
próprio rosto refletido nele. Cada objeto tem de ser um
espelho, tem de ter a cara daquele que o produziu. Quando o
operário vê seu rosto refletido no objeto que ele produziu ele
sorri feliz. O trabalho, com todo o seu sofrimento, valeu a
pena: foi dor de parto. “ 64
E O que ela diz? Ela diz exatamente o que precisamos ouvir: se faz
necessário que se lembrem de sua memória esquecida. Que se lembrem que são
singulares; que não precisam copiar canto enlatado nenhum. Vocês tem uma terra
e árvores para poder cantar sua mais alta esperança; tem uma terra para trabalhar
o seu texto, como diz Rubem Alves, e ver seu rosto refletido no trabalho: sendo
um fruto com dor de parto; tem também uma incubadora que precisa de respostas
responsivas, que mostrem onde estão os problemas e dêem direção aos que
vivem em meio a esta sociedade. Não é este a função da igreja? ajudar as
pessoas a ver com clareza o mundo em que vivem, alem de responder o porque
do caos. Talvez devêssemos acordar e pensar no que temos de Ter em mente.
64
Alves, Rubem,Correio Popular, Caderno C, 14/05/2000
65
Alves. Rubem, [online] Disponível via www.URL: http/ www.rubemalves.com.br, julho de 2002
A primeira coisa a se pensar com seriedade, é que a nossa igreja precisa
de ajustes, devido ao rumo que as coisas tem tomado nos cultos entitulados ao
Senhor Jesus, a negligencia com o órfão, a viúva e o pobre e para com a
sociedade. De que forma podemos fazer uma teologia que faca a igreja assumir
seu papel no Brasil e no mundo? A Segunda e muito importante é que não
podemos simplesmente continuar a cultuar como estrangeiro, pois Deus nos quer
como Brasileiros, não podemos continuar sentados em cima dos nossos talentos,
enquanto os estrangeiros compõe as músicas cantadas nos cultos, os irmãos
músicos ficam entristecidos “se achando menor que o de outra pátria”.
Portanto, já que educação era para os filhos. Aqueles filhos de casais não
casados, eram o que?... Coisa horrível, não é? Diante deste quadro - fora o
desemprego e a vida sub-humana a que foram forçados - estes tiveram uma
reação que se estende até hoje em nós. Eles se afastaram da política, dos
aspectos sociais, e etc. A nossa incubadora hoje, tem com muita certeza estes
aspectos. Isolacionismo dos aspectos políticos e sócio culturais.
66
Teologia na Brasil: teoria e prática, Aste, imprensa Metodista, São Bernardo do campo/SP, p. 25
67
Ribeiro, Darcy, Os brasileiros: livro I – Teoria do Brasil, Ed. Vozes Ltda, Petrópolis/RJ, 1983, pp.
149, 150
“Quem ganha entre o colonizador e o colono? Difícil dizer: coexistem... O
essencial é indicar um real contraditória que não tem conserto, para fazer
com isto, com o inevitável, algo interessante” 68
Isto, podemos com certeza afirmar: é um Dom que o Brasil feito de brasis
tem. Algo que podemos oferecer ao mundo que caminha para a globalização. A
nossa pátria é totalmente singular, e no seu processo temos algo que nos é
peculiar: somos miscigenados . E cada vez mais o seremos.
Há alguns tempos, isto era visto totalmente como algo a ser purificado.
Graças a Gilberto freyre (com a obra Casa Grande & senzala) e Sérgio Buarque
de Holanda (com a obra Raízes do Brasil) - tudo na década 30 - esta visão
começou a ser modificada. Poderíamos falar que eles foram os divisores das
águas, mostrando que a realidade cultural do Brasil é totalmente feita de
pluralidades.
68
Calligaris, Contardo, Hello Brasil, Ed. Escuta, São Paulo/SP, 1992 p. 23
69
Cavalcanti, Carlos Eduardo B, Teologia e MPB, Edições Loyola, São Paulo, 1998, p.114
70
Calligaris, Contardo, Hello Brasil, Ed. Escuta, São Paulo/SP, 1992, p. 23
espelhos negros, espelhos vermelhos, espelhos amarelos. O nosso espelho é
pardo. Somos Brasileiros: um povo de alma parda...
“ Assim, o sociólogo que estuda o Brasil não sabe mais que sistema de
conceitos utilizar. Todas as noções que aprendeu nos países europeus o
norte-americanos não valem aqui. O antigo mistura-se com o novo. As
épocas históricas emaranham-se umas nas outras. Os mesmos termos
como ‘classe social ou dialética histórica’ não têm significado, não
recobrem as mesmas realidades concretas. Seria necessário, em lugar de
conceitos rígidos, descobrir noções de certo modo líquidas, capazes de
descrever fenômenos de fusão, de ebulição, de interpenetração, noções
que se modelariam conforme uma realidade viva, em perpétua
transformação.” 72
71
Cavalcanti, Carlos Eduardo B, Teologia e MPB, Edições Loyola, São Paulo, 1998, pp.111, 112
72
Ibid., pp.113, 114
não se via. Desde quando perderam a memória. Nos aproximamos: precisamos
ouvir o que eles dizem. Não se preocupe! Eles não perceberão (nós estamos do
lado de fora) e eles estão do lado de dentro... nos aproximamos mais ainda.
Nossos olhos também brilham e a nossa face também é marcada por um sorriso,
enquanto ouvimos:
Fala um:
Comenta o outro:
Conclui – se:
Concluo que, para desenvolver uma teologia que fala a alma brasileira, ela não
pode ser diferente de um trabalho artesanal, deve ser feita com as mãos e o suor
de um nativo, um tupiniquim que conheça seu país e quer servi-lo. Apenas assim
73
Cavalcanti, Carlos Eduardo B, Teologia e MPB, Edições Loyola, São Paulo, 1998, p.110
74
Ibid., 110
75
Ibid., 110
a memória do povo voltaria, e as igrejas fariam louvor com viola, violão e pandeiro,
os pastores, em dias quentes, tirariam o paletó e a gravata e usariam roupas leves
e coloridas.
E já não falariam como os pássaros importados, se pareciam cada vez mais
com eles mesmos : Brasileiros...
“Para todos
“ Você é
Cavalcanti, Carlos Eduardo B, Teologia e MPB, Edições Loyola, São Paulo, 1998, p.115
há gerações
(...)
trago no meu canto
glórias ancestrais
e posso morrer de amor
Gitano eu sou
o que eu tenho de índio
vai compartilhar desilusões
triste, na floresta
em que nasceu pra amar
(...)
Eu sou negro ainda,
Pra não contar com milagres...” 77
Agora, com sua paixão de ser brasileiros avivada, eles poderiam analisar
melhor a situação atual, estudar a sociedade, como anda o povo, quais os
costumes, necessidades, seus medos e anseios, assim como sua esperança,
para fazer uma leitura das doutrinas bíblicas, aplicando as ao povo em sua
linguagem.
77
Djavan, Bicho Solto, Ipanema/RJ, 1998
78
Roldán, Alberto Fernando, Pra que serve a Teologia?, Descoberta, Curitiba, 2000, p. 156
Os Curtos-circuitos estão sempre em locais pequenos, mas são
importantes, e por em lugares escondidos é difícil achá-los. É preciso Ter
paciência e cautela para que quando estiver olhando, não passe nenhum
desapercebido . Por serem pequenos e estarem escondidos são extremamente
perigosos. Assim é sempre preciso uma olhada cautelosa e bem minuciosa para
que o achamos.
“... nada podia ser feito para brasileiros, porque era fatal a discussão: quem são os brasileiros?...”
80
80
Anjos, José Vilson dos, A alma Brasileira, Saraiva, São Paulo/SP, 1994, p. 18
Portanto cada um vive segundo manda sua cabeça, seu pensamento. As
frases: eu sei o que é melhor pra mim... cuida da sua vida... você não tem nada a
ver com a minha vida... são reflexos do espelho da realidade de hoje. O
individualismo cresce assustadoramente como forma de se auto-afirmar perante si
e perante a incubadora/sociedade. E o surgimento assim de “novas religiões” que
se adaptem as pessoas tem crescido cada vez mais.
A igreja vive esse contexto, até mesmo dentro dela existe o sincretismo
religioso, um exemplo é o catolicismo com cerca de 80 por cento de seus fiéis
perdidos no espiritismo. E é exatamente neste ponto que se revela algo que é
perigoso. Eles querem todas ao mesmo tempo. Já que o caráter deles é de
‘comer’ as características das outras culturas que lhes são pertinentes, eles
também querem ‘comer’ as outras religiões e misturar tudo em si, fazendo a partir
daí sua identidade religiosa com doutrinas e práxis, totalmente sincréticas. Além
da superficialidade que existe entre os, assim chamados, irmãos, e o
individualismo, coisas pelas quais Jesus se mostra totalmente contra, aliás todo o
discurso que o Senhor Jesus fez contraria esse modo de vida.
83
Linhares, Osmir, Apontamentos da aula de Missão Integral da Igreja, São Paulo/SP, 2002
denominações. Hoje já não podemos definir uma igreja por sua “placa”
denominacional, bem disse Roldán.
Assim elas o fazem – lógico - para terem o mesmo sucesso que as formas
ou modelos “hodiernos”, isso para segurar ou atrair membros. Assim sendo, não
podemos mais detectar o eixo gravitacional da fé, pelas placas denominacionais.
E eu me pergunto: o que aconteceu? O que será que tem acontecido para que
igrejas com sólidos fundamentos, mudem, para euforias emotivas? Talvez,
devêssemos dar uma olhada no que está acontecendo. Pois o Marcketing, e
outras tantas técnicas passaram a ser o leme do nosso barco, e tem faltado pregar
a palavra como ela é.
“... esperança ... que venha a... criação de uma teologia nossa (indígena,
como preferem alguns, ou autóctone, como sugerem outros). Que significa
isso? Pode significar, simplesmente que vivemos numa espécie de clima
de saturação quanto à importação, passada ou presente, de teologias
acabadas; ou que os teólogos brasileiros devem libertar-se de vez de
quaisquer complexos perfeccionistas e passar a escrever decididamente,
submetendo à prova do debate, suas idéias.” (Grifo meu) 84
Temos de nos enfrentar. Nossa terra precisa que nos libertemos dos
nossos complexos criados e enraizados ao longo dos tempos. Estes complexos
não nos deixam fazer arte, ainda que artesanal para demonstrar quem somos.
Será que diante de tantos curtos-circuitos, não teremos um canto responsivo?
84
Teologia no Brasil: teoria e prática, Aste, Imprensa Metodista, São Bernardo do campo/SP, p. 45
85
Ibid., p. 45
86
Teologia na Brasil: teoria e prática, Aste, Imprensa Metodista, São Bernardo do
campo/SP, p. 50
criatura oprimida’. Faço teologia porque sou triste. Os pulmões são
feitos de vazios. A Teologia – como a poesia e a arte – são as
palavras pneumáticas, espirituais, que usamos para encher o vazio.”
87
87
Alves, Rubem, O quarto do mistério, Papirus, Campinas/SP, 1995, p. 172
88
Ribeiro, Darcy, Os brasileiros: livro I – Teoria do Brasil, Ed. Vozes ltda; Petrópolis/RJ, 1983, p.
142
Hoje, realmente, não existe a prática do sacerdócio universal, já que
somente a oração de certos líderes é que tem “poder”. Assim, os líderes fazem
com que o povo, (que já são oprimidos) sejam ainda mais oprimidos, dependentes
e submissos. Eles estão em um julgo que os que os põem jamais aceitariam que
lhes fosse posto, já disse Jesus. (Ah! Sobre uma proposta de uma religião que
liberte o homem, aconselhamos ler o canto de Dulcilene de Sousa Lima)
“Hinódia Vitória
89
Alves, Rubem, O quarto do mistério, Papirus, Campinas/SP, 1995, p. 103
Cismei – cismei – cismei afirmei – afirmai - afirmamos
Cismei que Deus quer saber Afirmamos que Deus quer saber
Da vida nos cafundós, Da vida de todos nós
Dos salários mais precários, Dos cantos mais precários
Amargos que nem jilós. Amargos que nem jilós
92
“Pedra antiga para prédio novo, lenha velha para fogueira jovem.”
Eliot nos diz algo em que devemos pensar para fazer o nosso canto:
Intercâmbio entre o velho e o novo. Não estaremos presos à teologia enlatada,
mas também não poderemos jogá-la fora! Podemos tentar cantá-la como nós
sabemos cantar, e não como os seus cantores querem que nós cantemos.
Aqui temos uma linguagem antiga que precisa ganhar roupas novas.
Conceitos antigos que precisam ser reconfigurados em uma linguagem que nós
entendamos. Percebe-se que existe uma grande força para que todos cantem a
teologia da libertação – é a Teologia da moda... - mas o que precisamos não é
bem isto. É exatamente o contrário desta sentença: Não a teologia da libertação,
mas a Libertação da teologia...
Sabemos que não é uma tarefa fácil. Más temos muito material teológico
produzido na história que não podemos simplesmente descartar. Precisamos
cantá-los também. Porém cantaremos na nossa terra. Cantaremos como pássaros
Tupiniquins. Já imaginaram, os cantos de fora, sendo interpretados por nós? O
canto de Westmingster interpretado por nós, em nossa linguagem? O canto de
Berchoff segundo a realidade brasileira?
“...Pedra antiga para fundamento novo, lenha velha para fogueira jovem” 94
Notaram que por ser uma realidade plural, a teologia deve ser também
plural. É como uma espécie de plasma que se funde a realidade destinada.
Temos várias realidades, e é por isso que até mesmo os programas de televisão
94
Ibid., p. 195
95
Milard J. Erickson, Introdução à Teologia Sistemática, São Paulo, Vida Nova, p. 20
se desenvolvem nessa interação de realidades antagônicas. Um exemplo disso é
o que o apresentador Fausto Silva disse:
“Deixe-nos cantar
Deixe-nos falar
Dessa nova inspiração
Que faz nova nossa gente
E renova a pregação
96
Fausto Silva, Programa Altas horas, 14 de setembro de 2002
97
Frost, Robert, Poemas escolhidos de Robert Frost, Ed. Lidador, Rio de Janeiro, 1969, p. 121
Pra dizer que Jesus Cristo
É o único Salvador.” 98
98
Oliveria, Valdomiro P, Aquarelando, Edições Liberdade, Campinas/SP, 1986, pp. 46, 47