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HL 323 A

Humor na propaganda, propaganda no humor

Mônica Souza Venturini RA:103584

Antes de chegar aos gêneros de discurso do humor e da propaganda, devemos entender


o que é discurso, afinal. Não é uma definição muito simples, exata e padronizada entre
os vários autores do campo da análise do discurso, mas podemos ficar com a
“definição” de Dominique Maingueneau: “a noção de ‘discurso’ é muito utilizada por
ser o sintoma de uma modificação em nossa maneira de conceber a linguagem”1. Não é
muito esclarecedor, contudo nos aponta para um modo diferente de olhar para a
linguagem. Entender o discurso é entender suas características. No entanto, esta análise
é sucinta e não dispomos do tempo e espaço para falar sobre cada característica do
discurso. Então, vamos escolher apenas uma, a mais fundamental: o discurso é
dialógico. Ou seja, emprestando as palavras de José Luiz Fiorin – sob as luzes do
pensamento de Bakhtin -, podemos dizer que “todo discurso é inevitavelmente ocupado,
atravessado, pelo discurso alheio” 2. Nenhum discurso é sozinho. Todo discurso só é
discurso porque acontece dentro de e por causa de um contexto e na sua relação com
outros discursos. Tudo o que é dito já foi falado antes.
O discurso expressa uma posição, uma ideologia, já que tem um autor. Por isso,
qualquer unidade da língua quando é pronunciada por alguém, deixa de estar somente
na estrutura fechada da língua e passa a ser um discurso: direcionado, relacionado com
outros discursos, seja se opondo, concordando, parodiando, etc.
E, como os discursos não são todos iguais, falamos em gêneros do discurso. Essa
divisão não acontece apenas para os estudos da linguagem, mas é fundamental no
cotidiano. Conhecer os gêneros do discurso facilita a interação social, pois cada gênero
tem suas próprias regras. Por exemplo, numa conversa entre empregado e patrão deve-
se saber quais são as regras e limites, quais os pronomes de tratamento que se
convencionou usar nessa situação; ao receber uma carta padronizada do gerente do
banco deve-se saber que tal carta não exige uma resposta. Usando mais uma vez as
palavras de Fiorin:

1
MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2004, pág. 52.
2
FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008, pág. 19.
Os gêneros são, pois, tipos de enunciados relativamente estáveis, caracterizados por um
conteúdo temático, uma construção composicional e um estilo. Falamos sempre por meio de
gêneros no interior de uma dada esfera de atividade.
O gênero estabelece, pois, uma interconexão da linguagem com a vida social. 3

E, por que o autor diz “relativamente estáveis”? Os gêneros do discurso não são fixos e
imutáveis. Exemplificando: com a vinda da internet e das novas tecnologias de
comunicação vários novos gêneros surgiram, como o e-mail, o blog e o torpedo sms.
Mas também outros gêneros fixos também mudaram acompanhando os movimentos da
História: o modo de se escrever uma carta hoje não é o mesmo do século XVI.
Os gêneros tampouco seguem, sempre, uma forma fixa. Um poema pode tomar a forma
de uma receita culinária; um romance pode tomar a forma de um diário pessoal. Nestes
casos, então, falamos que o discurso é encenado. Nessa encenação, Maingueneau nos
diz, entram em jogo três elementos: a cena englobante, a cena genérica e a cenografia.
Explicando, a cena englobante está relacionada com o gênero do discurso em questão,
por exemplo, o gênero do discurso político. A cena genérica é a especificidade do
discurso dentro do gênero, por exemplo, uma propaganda eleitoral (situada dentro do
discurso político). E a cenografia é como esse discurso se apresenta, por exemplo, em
uma carta dirigida aos eleitores (a forma que toma a propaganda eleitoral dentro do
discurso político). E “uma cenografia pode apoiar-se em cenas de fala que chamaremos
de validadas, isto é, já instaladas na memória coletiva(...)”4. Ou seja, são imagens já
registradas na cultura de uma sociedade utilizadas para caracterizar, estereotipar a
cenografia do discurso.
No entanto, nem todos os gêneros do discurso “permitem” diferentes encenações.
Relatórios empresariais, notícias de jornal, currículos, são gêneros mais rígidos. Já os
gêneros literários, a publicidade, o humor são extremamente maleáveis.
Vejamos, por exemplo, o seguinte discurso humorístico5:

3
FIORIN, J. L. Op. cit., pág. 61.
4
MAINGUENEAU, D. Op. cit., pág. 92.
5
Disponível em < http://desencannes.com.br/perolas/detalhes_impressa.php?id=205 > Acesso em 15 de
abril de 2011.
Sua cenografia é uma propaganda das Loterias. Contudo, não podemos dizer que o
anúncio realmente pertence ao gênero publicitário, pois não circula dentro de tal gênero,
não existe dentro de tal gênero. Existe é dentro do gênero humorístico. E por que não
poderia ser uma propaganda de verdade? Porque extrapola algumas regras desse gênero.
Para desenvolver essa idéia, devemos analisar o anúncio.
Este anúncio parte da posição de que amor eterno pode ser conquistado pelo dinheiro,
dialogando com os discursos que se referem ao amor por interesse. A cena validada de
tal idéia expressa na imagem é a de uma jovem bonita que se casa com um homem
muito mais velho, e o discurso presente diz que isso só pode acontecer se ele possuir
muito dinheiro. A idéia recorrente é a de que esse tipo de relação acontece apenas por
interesse e não por amor. E o que as Loterias têm com isso tudo? A partir de nossa
competência enciclopédica6, sabemos que nas casas lotéricas se vendem jogos, cujo
prêmio é uma grande quantidade de dinheiro. E são vários tipo de jogos, alguns deles
custando apenas R$1,00.
Logo, se você for um idoso à procura de amor eterno, basta jogar na loteria e se ganhar
a “bolada” de dinheiro, encontrará uma bela moça para se casar, pois belas moças são
capazes de entrar numa relação amorosa somente pelo interesse no dinheiro.
Esse discurso pode ser considerado extremamente preconceituoso e por isso não poderia
ser usado realmente dentro do gênero publicitário, já que este gênero tem como

6
MAINGUENEAU, D. Op. cit.,pág. 42.
finalidade vender um produto, mas sem ofender os potenciais compradores do serviço
vendido.
Isso não significa que as propagandas devem ser sempre sérias. Pelo contrário, muitas
propagandas se utilizam do humor para conquistar a simpatia do público, como a
seguinte propaganda7 de uma rede de concessionárias de automóveis:

Por ser uma homenagem ao Dia das Mães, a propaganda usa a cena validada de uma
gestante brincando com a barriga, numa intenção de brincar com o bebê dentro dela.
Mas o mais interessante é o tom humorístico da frase. E de onde vem o humor?
Primeiramente, tal frase está relacionada ao sexo e, na nossa cultura, sexo é um tema
que rende muito no gênero humorístico, principalmente por ser um tema tabu. Em
segundo lugar é pelo modo como o tema sexo é colocado, sutilmente.
Analisemos: a frase usa a expressão “veio ao mundo” que é um sinônimo de concepção.
A concepção ocorre no sexo. E como a propaganda é de uma marca de automóveis, a
frase faz referência ao sexo feito dentro do carro. A expressão “bom bagageiro” dentro
do contexto significa “bagageiro grande o suficiente para se fazer sexo”. Desta forma, a
marca quer dizer que seus automóveis são providos de bagageiros grandes, ideais para o

7
Disponível em: < http://agencia-apice.blogspot.com/2008/09/anlise-de-propaganda.html >. Acesso em
15 de abril de 2011.
sexo. E ao dizer “Lembre-se”, a propaganda está incitando o público a considerar o fator
“sexo no carro” no momento de escolher um automóvel.
Diferentemente da “propaganda” das Loterias, essa é real, pode circular pela mídia,
principalmente por não conter nenhum material ofensivo.
Percebemos que o humor na publicidade deve ser usado de uma maneira bem sutil, deve
estar nas entrelinhas e deixar que o interlocutor explicite o conteúdo.
Concluímos, por fim, que somos capazes de circular pelos gêneros do discurso com
facilidade. E não somente isso. Somos capazes de recriá-los, intercambiá-los, desfazê-
los, remontá-los. O dialogismo de Bakhtin é tão presente que às vezes nem percebemos
que cada discurso que proferimos está enlaçado com tantos outros. E por causa desse
dialogismo, montamos quebra-cabeças entre os gêneros, utilizando-nos de
características diferentes de cada um para sempre inovar e ampliar nosso horizonte de
criatividade e domínio da linguagem.

Bibliografia:
FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2008.
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez,
2004.

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