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Mas em que isto se relaciona com a produção de plantas medicinais nativas? É que
quase todas as nossas plantas medicinais nativas ainda não são cultivadas, ainda se
encontram em estado selvagem, crescendo espontaneamente, portanto é preciso
entender o processo agrícola para que se possa cultivar estas plantas e fazer delas
produtos agrícolas.
Embora espécies selvagens possam ser cultivadas, o seu cultivo pode ser uma tarefa
difícil, a depender das características da espécie em questão. Para compreendermos o
porquê desta dificuldade, precisamos ter em mente que a sobrevivência de uma espécie
se dá através de gerações. Ocorre que, na natureza, as chances de uma espécie deixar
descendentes aumentam consideravelmente se os indivíduos que compõem uma
população forem diferentes entre si. Assim, se houver um período de seca, por exemplo,
é provável que alguns indivíduos mais resistentes à falta de água consigam sobreviver e
deixar descendentes. O mesmo raciocínio vale para o caso de uma doença, fogo, ataque
de pragas, etc. Os indivíduos que forem capazes de resistir às condições adversas
poderão deixar descendentes, garantindo a continuidade da espécie. Esta é a estratégia
das espécies na natureza: diversificar para sobreviver. Por isso, indivíduos de uma
mesma população selvagem, com a mesma idade, que cresceram num mesmo ambiente,
são quase sempre diferentes entre si.
Como as nossas plantas medicinais, isto é, as plantas medicinais nativas do Brasil, ainda
se encontram em estado selvagem, ao cultivá-las, é como se estivéssemos reinventando
a agricultura. Por esta razão é importante entender como se dá o processo agrícola,
assim podemos evitar e/ou solucionar os problemas agrícolas que nossos antepassados
tiveram que enfrentar nos primórdios da agricultura.
Ao fazer agricultura quase sempre diminuímos a diversidade original do local onde ela é
feita e fazemos deste local um ambiente instável, que requer energia vinda de fora do
sistema para mantê-lo equilibrado. Com o objetivo de reduzir o problema do
desequilíbrio ambiental causado pela agricultura é preciso empregar princípios
conhecidos como boas práticas agrícolas. São exemplos destas práticas a rotação de
cultura, a adubação verde, os policultivos, a correção do pH dos solos, as coberturas
viva e morta, os cultivos em épocas mais propícias, etc. Mas mesmo adotando estas
práticas, não conseguiremos atingir o mesmo equilíbrio em que o ambiente se
encontrava antes de se tornar um ambiente agrícola e, para mantê-lo, precisamos
acrescentar energia à ele, seja na forma de insumos, seja na forma de trabalho.
Uma idéia comum é que, se a planta nasce e cresce espontaneamente, então há de ser
muito mais fácil fazê-la nascer e crescer sob cultivo. Esta idéia não é correta, pois a
variabilidade genética existente entre os indivíduos de uma população selvagem gera
inúmeros problemas técnicos que, se não impossibilitam, aumentam grandemente as
dificuldades de um cultivo. Ao optar por cultivar uma planta selvagem, o produtor
desencadeará mudanças na estrutura genética da população manejada, através das
sucessivas gerações cultivadas. Estas mudanças são uma resposta evolutiva da
população, que antes estava sujeita às pressões naturais de seleção e que sob cultivo
estão sujeitas a pressões diferentes, causadas pelo homem. Muitas destas mudanças são
involuntárias, como a perda da dormência das sementes, ou voluntárias, quando ele
busca plantas mais próximas do seu ideal, como plantas mais produtivas ou plantas sem
espinhos. Estas mudanças, desencadeadas pelo ato de cultivar, são uma conseqüência,
um reflexo, da mudança da base genética da população cultivada, e do aumento do grau
de parentesco entre as plantas da população, o que conseqüentemente as torna mais
³parecidas´, mais homogêneas. A este processo dá-se o nome de
.
Enquanto o cultivo relaciona-se às atividades humanas na condução do processo
agrícola, como adubação, poda, preparo do solo, irrigação, etc., a domesticação por sua
vez está relacionada com a resposta genética de plantas (ou animais) ao processo
agrícola.
Normalmente associada aos animais e entendida no dia a dia com o sentido de amansar,
a palavra domesticar pode ser usada também em relação às plantas. De origem latina,
significa trazer para o ³domus´, para a casa. A domesticação de uma espécie tem
conseqüências ecológicas importantes. Cultivar populações com uma base genética
estreita torna o ambiente de cultivo instável. A rusticidade de uma espécie, com as
vantagens que ela traz, também vai sendo perdida à medida que a espécie progride no
processo de domesticação, o que a torna dependente do homem. O grau desta
dependência será proporcional ao grau de domesticação atingido.
Mas como fazer para produzir uma planta que ainda não foi domesticada? Um dos
caminhos, além do cultivo, é o do extrativismo. Para realizá-lo é preciso que o produtor
possua uma licença ambiental. No estado de São Paulo esta licença pode ser conseguida
junto ao Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN), e, de
acordo com a portaria DEPRN-52, de 28/12/98, é preciso que o produtor apresente: I)
Inscrição em cadastro de extrator de produtos florestais múltiplos; II) Aprovação de
plano de manejo pelo órgão licenciador, no caso, o próprio DEPRN.
d) Enquanto a demanda por matéria prima puder ser satisfeita, tanto em quantidade
como em qualidade. À medida que a demanda por uma espécie cresce, sua importância
econômica também cresce, sendo que esta demanda está estreitamente relacionada com
os resultados dos estudos científicos. Por sua vez, à medida que estes estudos
progridem, os critérios de qualidade tornam-se mais exigentes, inclusive quanto à
análise quantitativa e qualitativa dos princípios ativos.
O produtor deve se lembrar também que produzir com qualidade no sistema extrativista
pode tornar-se oneroso, pois não basta colher e secar as plantas. É preciso também
selecioná-las e, neste sistema de produção, o descarte geralmente é elevado.
No entanto, a principal maneira para se obter, num futuro próximo, matéria prima de
acordo com um mercado cada vez mais exigente, deverá ser através de cultivo. Este
cultivo é aqui entendido como o manejo de populações aparentadas, ou seja,
geneticamente próximas, podendo ser feito em qualquer ambiente, desde áreas abertas
ou até mesmo dentro de uma mata. O cultivo pode tornar-se necessário por duas razões:
a primeira delas é que uma mata, preservada ou em regeneração, não consiga suprir a
demanda por matéria prima, à medida que as espécies forem atingindo maior
importância econômica. A segunda razão é que as empresas de transformação, para
poderem planejar-se administrativamente, precisarão saber com que quantidade,
regularidade e padrão de qualidade poderão contar com a matéria prima que irão
processar. Através do extrativismo ou do manejo sustentado, nem sempre se pode
conseguir matéria prima nas especificações que o comprador deseja, pois os fatores
genéticos, ontogenésicos (o estágio de desenvolvimento da planta) e ambientais
dificultam a obtenção de um bom padrão de qualidade, além de responder aos quesitos
quantidade e regularidade de maneira menos previsível e elástica do que sob condições
de cultivo.
Por causa das razões apresentadas acima, a tendência no tempo para a exploração deste
tipo de recurso natural pode ser representada pelo fluxograma abaixo:
m
tempo
Deve ser lembrado que o emprego que se fará das plantas medicinais tem implicações
na saúde pública e portanto o seu uso é regulamentado pelo Ministério da Saúde, através
da Secretaria de Èigilância Sanitária, em Resolução RDC- Nro. 17, de 24/02/2000. Esta
Resolução diz que apenas as espécies que possuírem estudos toxicológicos e
farmacológicos poderão servir de matéria prima para a fabricação de fitoterápicos. Ela
fixa um prazo de 5 anos para que se concluam os estudos toxicológicos e de mais 5 anos
para a conclusão dos estudos farmacológicos. Sem estes estudos um medicamento
fitoterápico não pode ser registrado no Ministério da Saúde. Este ponto é muito
importante e deve ser considerado quando da escolha das plantas medicinais a serem
exploradas, pois, embora esta Resolução não se dirija aos produtores, o potencial de
mercado que uma espécie possui está diretamente ligado ao conhecimento científico
disponível a seu respeito. Assim, algumas espécies brasileiras, apesar de ainda não
fazerem parte de nossa farmacopéia, o livro oficial que reúne os medicamentos
aprovados pelo Estado, estão se mostrando bastante promissoras como opções agrícolas.
É o caso do guaco (
"
e
), da espinheira santa (
) e
&), da carqueja (
), da
guaçatonga (
) e do ginseng brasileiro ( e
), para citar algumas.
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Apesar das muitas dificuldades que o agricultor que se propõe a cultivar plantas
medicinais nativas vai encontrar, suas chances de sucesso aumentam conforme a sua
experiência em agricultura e a observância de alguns cuidados. O primeiro problema
com o qual ele vai se deparar certamente será, com raras exceções, a inexistência de
material de propagação que possa ser adquirido no mercado. É muito difícil encontrar
sementes à venda, ou bulbos, rizomas ou tubérculos, uma vez que normalmente estas
plantas não são cultivadas. Sendo assim, o próprio agricultor deve providenciar o
material de propagação com que pretende iniciar o seu cultivo. O ideal é que ele consiga
este material preferencialmente de espécies que ocorram espontaneamente na sua
região, ou de regiões com condições ambientais semelhantes, pois assim ele conseguirá
plantas que se adaptam mais facilmente às condições da sua propriedade e terá mais
chances de sucesso no seu empreendimento. É preciso que ele identifique as plantas
matrizes das quais pretende coletar o material de propagação, acompanhe o seu
desenvolvimento e faça a coleta deste material no momento oportuno. No caso das
sementes, quando estiverem maduras, no caso de estacas, preferencialmente no início da
primavera, pois assim enraizam com mais facilidade e no caso de rizomas ou bulbos,
quando a planta estiver dormente, o que se dá normalmente no outono/inverno. É muito
importante que ele identifique botanicamente as espécies com as quais irá trabalhar,
pois a confusão gerada pela profusão de nomes populares é muito grande. Estes nomes
variam de região para região. São características culturais de cada região, e, portanto
não podem ser considerados errados quando não coincidem com os nomes que estamos
habituados a usar. As manifestações culturais devem ser respeitadas e preservadas, mas
para evitar equívocos, quem se propõe a trabalhar comercialmente com plantas
medicinais deve conhecer estas plantas pelo seu nome científico. Sob o nome de
espinheira santa, por exemplo, podem ser encontradas muitas espécies, inclusive de
gêneros botânicos diferentes como as espécies]
., e
c
, porém aquelas que possuem estudos toxicológicos e clínicos são
apenas duas:
e
&
Uma característica comum às plantas selvagens e que dificulta bastante o seu cultivo é a
dormência de suas sementes. Esta é uma estratégia da natureza para que a espécie tenha
mais chances de sobrevivência, assim, se por alguma razão (fogo, seca, doença, etc.) as
plantas de um local morrerem, o ambiente poderá se regenerar graças às sementes que
se encontram dormentes enterradas no solo. Esta característica é, no entanto, altamente
indesejada quando se faz a propagação de plantas num viveiro, pois algumas mudas
estarão prontas para o plantio muito antes que outras. Existem diversas maneiras para
quebrar artificialmente a dormência das sementes. A maneia mais eficiente dependerá
do tipo de semente e de testes que o agricultor pode fazer em sua propriedade. No caso
de sementes duras, a escarificação, colocando-se as sementes dentro de uma lata forrada
com uma lixa fina e chacoalhando-a por alguns segundos, pode ser bastante eficiente
para romper a cutícula dura que impede a entrada de água na semente e a sua
conseqüente germinação. Em alguns casos, como em várias palmeiras do cerrado
brasileiro, é o fogo que faz com que a dormência seja quebrada. Para sementes cuja
dormência seja controlada internamente, imergir as sementes uma solução de ácido
giberélico a uma concentração que pode variar de 500 a 2000 ppm por 24 horas é um
método eficiente para fazer com que as sementes germinem ao mesmo tempo.Colocar
as sementes na geladeira por alguns dias também pode quebrar a dormência de algumas
espécies. Como a literatura a respeito de plantas nativas é escassa e muitas vezes o
agricultor não dispõe de tempo para desenvolver os testes de quebra de dormência, uma
estratégia para facilitar o manejo dentro de um viveiro e economizar espaço e substrato
para as mudas, pode ser a de se fazer a semeadura em bandejas sem separação de
células e transferí-las à medida que vão germinando, para o recipiente em que ficarão
até o transplantio no campo. Fazendo isto, além das vantagens mencionadas, o
agricultor pode compor lotes de plantas no mesmo estágio de desenvolvimento.
Existe entre os agricultores a intuição de que uma planta medicinal nativa deva ser
cultivada num ambiente o mais semelhante possível de onde elas se encontram
espontaneamente. Assim, se uma espécie ocorre dentro de uma mata, ela deveria ser
cultivada à sombra, se outra espécie vegeta em áreas degradadas ela deveria ser
cultivada em solos ácidos e pobres em nutrientes, e assim por diante. Nem sempre isto é
verdade. Apesar de ser preciso conhecer as condições ecológicas onde a espécie ocorre
espontaneamente e a que grupo ecológico ela pertence (se é perene ou anual, pioneira,
secundária inicial, secundária tardia ou clímax), e a partir daí estabelecer estratégias
para seu cultivo, muitas vezes as espécies a serem cultivadas são mais vigorosas em
ambientes bastante diferentes do ambiente onde ocorrem espontaneamente. Espécies
como a macela (
e ) e a carqueja ( .), que
normalmente ocorrem em solos degradados, vegetarão melhor e serão mais produtivas
se forem cultivadas em solos pouco ácidos, ricos em matéria orgânica e nutrientes.
Talvez a explicação para este fenômeno seja a de que elas ocorram espontaneamente em
solos degradados não porque prefiram estes ambientes, mas porque são poucas as
espécies que conseguem se adaptar a estas condições e, como o seu crescimento inicial
é muito lento, em condições ambientais mais favoráveis não conseguiriam competir
com as outras espécies. É preciso também ter conhecimento de que as necessidades de
uma planta mudam conforme os seus estágios de desenvolvimento. Muitas plantas de
mata são exigentes em sombra apenas no início de suas vidas. As plantas trepadeiras e
escandentes, como os guacos (
" .), o ginseng brasileiro (P e
a salsaparrilha'c # buscam alcançar o alto das árvores e só quando alcançam a
luz do sol passam para a fase adulta, florescendo e frutificando. A espinheira santa
(
), a pata de vaca ( ), o jaborandi (
) e a erva baleeira ( ) são mais vigorosas, rebrotam
melhor e produzem mais flores e frutos quando estão a pleno sol. Muitas vezes é
importante dar às plantas de mata condições mais amenas de iluminação apenas quando
ainda são pequenas mudas.
Tenho receio de ter levantado mais problemas que soluções para o cultivo de plantas
medicinais nativas, por isso, gostaria de dar alguns conselhos práticos para quem
pretende cultivar estas plantas. O primeiro deles é que o agricultor cultive espécies
perenes e, se possível, de propagação vegetativa. As vantagens de serem de propagação
vegetativa já foram explicadas acima. As vantagens de serem perenes é porque as
perenes correm menor risco de endogamia, que é o cruzamento entre indivíduos
aparentados, que pode levar a uma degeneração genética da população, e também
porque em plantas perenes o custo da formação de mudas e da área de cultivo é
amortizado com o tempo. Além disso, os indivíduos que não se adaptam ao cultivo
podem ser substituídos por outros que se adaptam.