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Capítulo VI

A Busca pela Justiça


Alejandro G. Frank

Introdução
Nos capítulos anteriores tratamos sobre como, sendo cristãos, temos que nos olhar a nós
mesmos e como ele agir em relação a partir disso. Vimos que um verdadeiro cristão se humilha
a si mesmo, se lamenta por seus pecados e pela situação dos outros e é manso, aceitando a
verdade sobre si mesmo e a sua condição. Essas características iniciam com a forma em que
nos vemos em relação a Deus e aos homens. Assim sendo, as anteriores bem-aventuranças
vinham impelindo-nos a olhar para nós mesmos. Mas, agora, passamos a uma nova bem-
aventurança na qual começamos a procurar uma solução para nossas vidas. Todas essas
características anteriores fazem com que o crente busque algo mais e é isso o que se
manifesta na seguinte bem-aventurança:

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Mateus 5.6)

Novamente temos aqui uma sequência clara entre as bem-aventuranças. Os cristãos devemos
ser humildes e nos humilharmos diante de Deus por nossa situação e, como consequência,
choramos e nos lamentamos pelos nossos pecados e pelos pecados e situação dos outros. Este
entendimento nos leva a agirmos com mansidão, suportando as injustiças e qualquer classe de
crítica, pois sabemos a nossa condição diante de Deus e dos homens. Todas essas
características nos levarão a um estado de sede e fome por justiça, a uma necessidade de
sabermos que há uma esperança de que nossa lamentação pelos nossos pecados, e os dos
outros, será consolada e que as injustiças que devemos suportar com mansidão serão
respondidas. E aqui o Senhor nos dá a resposta: os que têm fome e sede de justiça serão
saciados. Como cristãos, não fomos iluminados para enxergarmos os nossos pecados sem
termos mais esperança, mas fomos iluminados para termos esperança na justiça de Cristo.
Também, como cristãos, não fomos chamados para a rebeldia e para a vingança, mas fomos
chamados para esperarmos na justiça do Senhor que nos saciará completamente. O que nos
sustenta e nos permite vivermos com mansidão e em humildade, além de nos consolar no
lamento, é precisamente a noção de justiça perfeita que será aplicada pelo Senhor Deus.
Considerando isto, a pergunta que deveríamos nos fazer é: sabemos qual é a verdadeira fome
e sede de justiça? Sabemos de que tipo de justiça se está referindo o Senhor Jesus? Sabemos
como se aplica isso na nossa vida diária? Sobre estes aspectos trataremos nas seguintes
seções.

O que significa ter fome e sede de justiça


Lloyd-Jones1 explica que nesta bem-aventurança o Senhor nos ensina que não convém que
tenhamos fome e sede de alguma bênção, de alguma experiência especial ou da felicidade em
si mesma. As Escrituras nos ensinam que as benções, as experiências e a felicidade nunca é
algo que deveríamos buscar diretamente, antes sempre é algo que resulta da busca de algum

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“Estudos no Sermão do Monte” (D.Martyn Lloyd-Jones). Editora Fiel.

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outro alvo. E este é um dos problemas de muitos crentes de hoje, que andam correndo o
tempo todo atrás de algum tipo de bênção material ou atrás da felicidade de uma forma
particular, ao invés de atender o que diz a mensagem do evangelho nas bem-aventuranças. O
Senhor Jesus nos diz aqui que ao invés de corrermos atrás destas coisas, deveríamos correr na
procura da justiça. Como o Senhor também disse: “buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino
e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6.33).

Mas o que está envolvido nessa justiça? Em primeiro lugar temos que entender o que significa
ter “fome e sede” para depois entendermos o que significa “justiça” neste contexto. Primeiro,
a “fome e sede” representam necessidades básicas da vida que precisam ser constantemente
satisfeitas. Elas produzem uma dor em nós quando não forem atendidas, ficamos fracos e sem
capacidade de agir quando elas não são atendidas e, nos casos extremos, nos levam à morte.
O mesmo acontece com a fome e sede de justiça. Espiritualmente, é uma necessidade que
clama dentro de nós e que busca ser saciada e da qual somos conscientes. Não podemos
ignorar que temos fome e sede, e o mesmo trata-se aqui em termos espirituais. É algo do que
somos conscientes que precisamos. Aqui o Senhor destaca um clamor que há desde o mais
profundo do ser humano que busca ser saciado. Em termos de “fome e sede de justiça
humana” podemos ver que sempre que o pedido de justiça por parte dos homens não foi
atendido por algum governo ou império, a história acabou mal. Os homens procuraram aplicar
a justiça por suas próprias mãos para tentar acalmar esse estado de necessidade interior. Ouve
um clamor do povo a tal ponto que acabou em algum conflito bélico, revolucionário e com
muitas mortes no meio. Contudo, não é esta a atitude que se espera com esta bem-
aventurança. Temos visto na bem-aventurança anterior que os cristãos devemos ser mansos,
então não se espera que tomemos a justiça para nós. A Palavra de Deus sempre exortou aos
crentes esperarem, não agirem assim, mas esperarem a justiça divina. Vejam por exemplo a
carta de Paulo aos Romanos. Estes crentes estavam no meio de um império que os perseguia e
assassinava. Contudo, se consideramos o capítulo 13 dessa carta podemos ver que Paulo
exortou-os a serem submissos às autoridades, considerando que elas foram instituídas por
Deus, sob a Sua soberania. Assim sendo, quando falamos aqui dessa necessidade interior a ser
satisfeita, ela não se refere à justiça feita por mãos próprias dos homens. Não se trata aqui de
uma busca por algum tipo de retidão moral ou de moralidade entre as nações. Gosto um claro
exemplo que Lloyd-Jones colocou sobre a hipocrisia quando se trata da justiça feita pelo ser
humano, a qual nós não devemos procurar. Ele afirma sobre a justiça entre as nações, no meio
dos conflitos bélicos, o seguinte: “os homens podem mostrar-se eloquentes acerca de como
certas nações ameaçam a paz mundial, violando os seus acordos, embora eles mesmos
mostrem-se desleais para com suas esposas, para com seus votos matrimoniais ou para com
outros votos solenes que por ventura tenham feito”. Assim de desequilibrada é a justiça do
mundo. Muitos querem aplicar justiças em certas áreas, mas quando se trata da vida privada
consideram que é problema de cada um. Mas aqui o Senhor coloca um tipo de justiça que
provém de uma sede e fome interior do ser humano, do fundo da sua alma. Não se trata da
justiça humana que busca ser saciada, mas de outro tipo de justiça muito mais profunda.

Para explicar melhor isto, seguiremos com o exemplo anterior dos crentes em Roma. A carta
de Paulo os exorta a não procurarem sua justiça própria no contexto em que estavam vivendo.
Porém, com certeza eles sentiam fome e sede de justiça, mas de que justiça? Quando estamos
aqui falando de “justiça”, estamos nos referindo à justiça de Deus que deve ser esperada por

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todos os crentes. É isto o que Paulo deixa claro para os crentes em Roma. Mesmo eles
sofrendo injustiça por parte das próprias autoridades, eles deviam ser submissos, dando bom
testemunho, pois a justiça deles estava em Deus. Assim também, nesta bem-aventurança, o
Senhor está nos dizendo que há uma justiça divina que nos satisfará completamente. Ora essa
justiça não tem a ver somente com um tipo de retribuição do mal ou uma recompensa do
bem. Há outros aspectos muito mais profundos que tem a ver com nossa própria situação
diante de Deus. Assim sendo, a seguir, vamos a analisar três considerações a esse respeito: (i) a
fome por justiça a ser aplicada em nós; (ii) a fome e sede da justiça vindoura; (iii) a fome e
sede da justiça diária.

A- A fome e sede de justiça a ser aplicada em nós


A primeira noção de justiça eu diria que se aplica a nossas próprias vidas. Neste sentido, não
me refiro a que Deus avalie a nossa própria justiça, pois sabemos que a Palavra diz que as
nossas melhores obras são como trapos de imundícia diante do Senhor, mas refiro-me à sede e
fome de estarmos “bem com Deus” e de sermos “justificados por Deus”, isto é, sermos
considerados justos diante dEle (embora humanamente não o sejamos), para que a sua ira não
seja derramada sobre nós. Tenho falado em capítulos anteriores que as bem-aventuranças não
descrevem somente como um crente é, mas também como um crente vem a se tornar o que
ele é pela graça de Deus. Assim sendo, depois de entendermos a nossa situação diante de
Deus e nos humilharmos, depois de nos lamentar por nossos próprios pecados e depois de
termos aceitado mansa e humildemente que não somos nada e que nada podemos fazer para
sermos salvos, há um clamor, uma sede e fome por sermos justificados, sermos tornados de
alguma maneira justos diante de Deus, sermos liberados desses pecados e dessa condição.
Portanto, o cristão é alguém que anseia que a justiça divina o absolva de todo pecado,
tornando-o justo, ou justificado. O crente sabe que ele sozinho não pode isto, e que somente
pelo sangue de Cristo ele pode estar na presença de Deus, pois somente em Cristo a justiça de
Deus é aplicada para que nós sejamos perdoados. Então, o crente é aquele que teve um sendo
de tudo isto e clamou por ajuda ao Senhor. Quem é um crente no Senhor Jesus “já foi saciado
neste sentido” quando veio a compreender que a ira de Deus foi derramada sobre Jesus por
sua causa, sendo assim agora considerado justo, justificado, não por suas próprias obras, mas
pela obra de Cristo na cruz. Esta ideia Paulo explica em Romanos 3.20-26:

“visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei
vem o pleno conhecimento do pecado. Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus
testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo,
para todos [e sobre todos] os que crêem; porque não há distinção, pois todos pecaram e
carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a
redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação,
mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado
impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua
justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé
em Jesus.”
O Senhor Deus manifestou sua justiça, condenando o pecado, mas absolvendo aos eleitos, aos
que foram chamados e se arrependeram, crendo em Cristo como Salvador e Senhor de suas
vidas. E como Deus se manteve mesmo assim justo, embora tenha perdoado nossas culpas?
Aqui Paulo nos explica: Deus aplicou seu juízo a respeito dos nossos pecados não sobre nós,
mas sobre seu próprio Filho, Jesus Cristo, e desta maneira, nos absolveu da Sua ira, pagando

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Jesus a nossa fiança. Isto é graça e isto é a justificação de Deus. Se formos crentes já temos
sentimos esta necessidade espiritual e somente a temos achado em Cristo. Como diz em
Romanos 5.1: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor
Jesus Cristo”. Somente desta maneira é que achamos a paz com Deus.

No entanto, embora a justificação já tenha acontecido nas nossas vidas e tenhamos paz para
com Deus, considero que essa fome e sede da justificação deveriam estar dia após dia na vida
dos crentes. Precisamos sentir a cada dia a sede pela justiça de Cristo, precisamos lembrar a
cada dia o que ele fez na cruz por nós e como foi Ele que nos tornou justos diante de Deus.
Além disso, embora sejamos cristãos, sabemos que deveremos prestar contas a Deus por tudo
quanto fizermos e, também, por isso teremos uma sede interior pela justificação e perdão
diários de Deus nas nossas vidas. Como disse Pedro, na primeira epístola, cap.4.17:

”Porque a ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada; ora, se primeiro vem
por nós, qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus?”.
Ou também Paulo aos coríntios quando se referia às obras dos ministros, em 1.Coríntios 3.11-
15:
Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi posto, o qual é Jesus
Cristo. Contudo, se o que alguém edifica sobre o fundamento é ouro, prata, pedras
preciosas, madeira, feno, palha, manifesta se tornará a obra de cada um; pois o Dia a
demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; e qual seja a obra de cada um o
próprio fogo o provará. Se permanecer a obra de alguém que sobre o fundamento
edificou, esse receberá galardão; se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele dano; mas
esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo.
Ambos os textos afirmam que haverá um juízo que começará pelos filhos de Deus. Deveremos
prestar contas diante do Pai. Por isso Paulo adverte que não edifiquemos sobre outro
fundamento que não seja Cristo, porque sofreremos dano. Acredito que o maior dano que
podemos sofrer será a própria vergonha de termos sido achados desaprovados na obra diante
do Senhor. Portanto, precisamos clamar dia-a-dia para que o Senhor nos absolva e que nos
conceda a sua graça para estarmos firmes nos seus caminhos e sermos livres do pecado que
nos assedia. Precisamos ter a cada dia a fome e sede de estarmos em bem com Deus,
estarmos em paz com Ele, sabendo que estamos agradando a nosso Senhor. Esta é uma forma
de sede e fome da justiça de Deus em nós.

Contudo, a Palavra nos diz “...porque eles serão fartos”. Ao mesmo tempo em que devemos ter
fome e sede por estarmos em paz com Deus, também somos fartos sabendo que Cristo se fez
justiça em nosso lugar. Como disse Lloyd-Jones: “o crente é alguém que, ao mesmo tempo em
que tem fome e sede, também está sendo satisfeito. Entretendo, quanto mais se satisfaz, tanto
mais tem fome e sede”.

B- A fome e sede da justiça diária


Este segundo ponto poderia ser considerado parte do anterior. Mas preferi dividi-lo para que
fique mais claro como uma consequência do primeiro. Então, eu afirmaria o seguinte: a fome
de justiça a ser feita em nós deve nos levar consequentemente a uma segunda forma de fome
e sede de justiça: a procura da justiça em nossa vida diária. Eu creio que este é um dos maiores
testes para saber se somos parte desta bem-aventurança. Este segundo ponto refere-se a
quanto buscamos viver a justiça de Deus em nossas vidas diárias como crentes. Neste sentido,

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devemos nos perguntar se realmente estamos vivendo como justos. Estamos buscando a
justiça de Deus nesta terra? Buscamos viver conforme a essa justiça? Estamos buscando as
bem-aventuranças em nossa vida diária? Essa é uma questão-chave.

Como disse Lloyd-Jones, ter fome e sede de justiça significa que o supremo desejo, na vida de
uma pessoa, é conhecer a Deus e desfrutar de companheirismo com Ele. É o desejo de ter esta
comunhão por acima de todas as coisas. É o desejo de ser semelhante a Cristo, de viver como
Ele, de segui-lo e de que ele seja o nosso Senhor em todas as áreas da vida. Quer dizer, que
esta sede e fome de justiça têm a ver com a nossa santificação. É a busca pela santificação e
por vivermos conforme a justiça de Deus. Mas como sabemos se realmente temos fome e sede
por essa justiça em nossas vidas? A seguir descreveremos alguns testes que devem ser feitos
em nossas vidas2.

Um primeiro teste que deveríamos nos fazer é o seguinte: Estamos percebendo o quanto é
falsa a nossa própria justiça? Somos cientes que nossas melhores obras são como “trapos de
imundícia” diante do Senhor? Lloyd-Jones afirma que não estaremos sentindo fome e sede de
justiça enquanto tivermos qualquer senso de autossatisfação concernente a qualquer coisa
que em nós exista. Assim sendo, nada que nos fizermos deve nos levar a sentir-nos
suficientemente justos. Nenhuma obra que fizermos deve nos satisfazer. Como disse o Senhor,
em Lucas 17.10, acerca de como devemos pensar sobre as nossas boas obras: “Somos servos
inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer”. Mas também quando não fazemos
nada mau em si, mas deixamos de fazer o bem que poderíamos ter feito, temos também que
lembrar o que diz em Tiago 4.17: “Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz
nisso está pecando”. Portanto, a nossa justiça nada vale. Apenas devemos fazer sempre o bem
sem esperar nada em troca, pois somos servos inúteis. A nossa satisfação deve estar na justiça
de Cristo feita por nós. Então, perguntemo-nos: como está nosso senso de justiça? Como eu
reajo diante das injustiças dos outros? Qual é o meu padrão de comparação do que eu faço de
certo ou errado? A minha comparação é comigo mesmo, com o que eu não estou fazendo, ou
com Cristo e no que eu deveria estar fazendo e não o faço? Estes são testes necessários para
entendermos como está nosso senso de justiça própria.

Um segundo teste que deveríamos nos fazer é o seguinte: se tenho fome e sede de justiça,
quanto eu evito tudo o que seja contrário a essa justiça? Se realmente temos fome e sede de
justiça, significa que estaremos, de fato, combatendo todo tipo de pecado que possa nos
assediar e nos leve ao mal, fazendo o contrário à justiça. Neste sentido, precisamos parar e
avaliar as nossas vidas, identificar os pecados e as injustiças que comentemos dar-lhes o nome
apropriado, caracterizá-los claramente em nossas vidas e, depois, nos perguntar: estou
combatendo contra eles? Se a resposta for “sim”, a seguinte pergunta é: “como?”. Quanto
tempo dedicamos para orar por ajuda nos pecados recorrentes em nossas vidas? Depois de
termos pedido perdão a Deus por algum pecado recorrente, qual é a frequência com que
pedimos ajuda ao Senhor para que não voltemos a cair no mesmo pecado? Como nos
alimentamos com a Palavra para ter força espiritual para vencer esses pecados? Se a oração
não está presente, se a busca por um guia na Palavra de Deus não está presente, dificilmente
podemos dizer que temos fome e sede de justiça.

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Nos seguintes testes, baseio-me nas ideias de Lloyd-Jones, porém acrescentando alguns pensamentos
e sintetizando outros desse autor.

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Mas vamos um pouco mais além e consideremos o terceiro teste: existem coisas que não são
ruins ou más em si mesmas, mas podem nos embotar a fome e sede de justiça. Estamos
evitando essas coisas? Há muitas coisas que podem ser inocentes em si mesmas, mas que
podem ser armas do inimigo para nos tirarem o apetite pela justiça. Posso citar algumas, tais
como: a televisão, internet, esportes, videogames, e qualquer tipo de lazer que não vá
encontra de um princípio bíblico ou, inclusive, o mesmo trabalho ou obrigações de estudo.
Nada disso é um pecado em si mesmo, porém, eles podem ser “petiscos antes da refeição
principal”, como disse Lloyd-Jones. Eles podem ser em nossas vidas como um doce comido
antes do almoço, que nos tiram a fome pela comida mais importante. Há algo que nos deixa
ansiosos e nos leva a deixar a oração e o estudo da Palavra em segundo, terceiro ou último
lugar em nossas vidas? Um programa de TV que quero assistir ou um vidogame que quero
jogar e me tiram esse tempo, ou a calma posterior para a minha meditação? Uma prova que
quero preparar, uma aula que quero estudar, um trabalho que quero terminar e me levam a
deixar a oração e o estudo da Palavra para quando já não tenho mais forças de me concentrar?
Um encontro de amigos, uma saída com minha esposa? Todas essas coisas podem ser feitas,
mas elas de fato estão em nossa vida depois da nossa busca pela justiça, através da oração e
meditação na Palavra de Deus? Este é um teste-chave, pois determina em grande medida a
nossa verdadeira fome e sede de justiça, ele determina as nossas prioridades, se qualquer
coisa terrena ou a vida “no espírito”. Na história da igreja, podemos encontrar aos homens
mais tementes a Deus como grandes homens de oração. Eles dedicavam horas e não apenas
minutos à oração diária e ao estudo da Palavra. Eles não oravam no final do dia quando
estavam caindo no sono apenas umas palavras balbuciadas, nem consideravam a oração do
dia como a oração feita na refeição. Eles separavam o início do dia, antes de qualquer coisa, e
buscavam a Deus com fervor, oravam e intercediam, meditavam, liam e reliam a mensagem da
Palavra para serem saciados primeiramente com a justiça divina. Aqui, entra em grande
medida uma das virtudes da vida cristã: a disciplina. Se tivermos fome e sede por justiça,
sempre teremos tempo para a vida espiritual e o Senhor nos capacitará para lidar com as
demais coisas. Mas precisamos de disciplina para nos cuidar de sempre colocar isso em
primeiro lugar. Lembrem o que disse o Senhor Jesus a Marta: “Marta! Marta! Andas inquieta e
te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa;
Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada” (Lucas 10.41-42). Maria escolheu
estar assentada aos pés de Jesus para se alimentar com a Palavra, essa foi a sua prioridade,
enquanto que Marta preferiu se preocupar com as tarefas cotidianas da vida. Essa advertência
do Senhor é também para nós!

O quarto teste é o seguinte: se temos essa fome e sede, buscamos a justiça de Deus em todo
lugar onde ela estiver? Qual é a nossa frequência aos cultos da igreja, às reuniões de oração,
aos grupos de estudos bíblicos ou à escola bíblica dominical? Aqueles que têm verdadeira
fome e sede de justiça buscam estarem presentes nos lugares onde possam ser edificados com
a adoração, com cânticos, oração e o estudo da Palavra. Esta é a realidade, embora muitos
possam não gostar disto. Os que têm fome e sede de justiça são como o cego Bartimeu que se
prostrou diante do Senhor no caminho, como a viúva inoportuna que tocou no manto do
Senhor ou como Jacó que lutou até o amanhecer com o anjo para receber a bênção de Deus.
Os que têm este tipo de fome e sede procuram com toda sua alma para serem saciados em
todo lugar onde eles puderem achar um pouco da justiça de Deus para suas vidas.

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C- A fome e sede da justiça vindoura


Uma terceira noção de justiça pela qual cada cristão deveria clamar é pela justiça vindoura,
que será aplicada no juízo final. Como cristãos, se agimos com humildade, chorando diante do
Senhor e se somos mansos, certamente nosso coração clamará a Deus pela sua justiça, para
que Ele julgue a maldade do mundo e reestabeleça a paz perdida na queda do homem. Não
podemos nos enganar e dizer que não anelamos pela justiça vindoura porque nós mesmos não
vivemos como justos. Pelo contrário, um verdadeiro crente tem que pensar da seguinte
maneira: “Sei que o Senhor julgará a terra, portanto, anseio viver com retidão diante dEle,
tenho sede e fome disso, busco viver assim pois sei que ele julgará todas as obras da
humanidade. Mas quando busco viver desta maneira também tenho dor pelo pecado no
mundo, e isso me faz clamar pela sua volta e seus juízos”. Embora tenhamos compaixão das
almas perdidas e peçamos ao Senhor pela conversão dessas almas, o cristão deve sentir
também no coração um desespero por causa da maldade que há na terra e no mais profundo
do seu coração deve clamar com sede e fome pela justiça divina. Um exemplo disso pode-se
encontrar em Apocalipse 6.9-11:

“Quando ele abriu o quinto selo, vi, debaixo do altar, as almas daqueles que tinham sido
mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam.
Clamaram em grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro,
não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? Então, a cada um
deles foi dada uma vestidura branca, e lhes disseram que repousassem ainda por pouco
tempo, até que também se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que
iam ser mortos como igualmente eles foram.”
Aqui podemos ver os santos mártires de Cristo clamando para que ele julgue as injustiças da
terra. Assim também nós temos que sofrer, temos que ser sensíveis ao pecado do mundo e
clamar para que o Senhor julgue e instaure seu reino de justiça. Como cristãos, devemos
anelar a terra prometida, devemos anelar a justiça que haverá lá, a qual nos encherá de paz e
alegria. Em Romanos 8.18-25 Paulo afirma que “toda a criação clama pela volta do Senhor”. É
claro que a volta de Cristo vem com o galardão, e parte desse galardão é a justiça que o Senhor
aplicará. Toda a criação de Deus clama por essa restauração e nós, como parte especial dessa
criação sendo filhos de Deus, devemos também clamar.

Ora, no juízo do Senhor sobre as obras dos ímpios, a Palavra nos diz que nós, crentes, seremos
participantes do julgamento ao mundo. Por exemplo, em Mateus 8.27.29:

Então, lhe falou Pedro: Eis que nós tudo deixamos e te seguimos; que será, pois, de nós?
Jesus lhes respondeu: Em verdade vos digo que vós, os que me seguistes, quando, na
regeneração, o Filho do Homem se assentar no trono da sua glória, também vos
assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. E todo aquele que tiver
deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe [ou mulher], ou filhos, ou campos, por
causa do meu nome, receberá muitas vezes mais e herdará a vida eterna.
Paulo também tratou sobre este assunto em 1.Coríntios 6.1-3:

Aventura-se algum de vós, tendo questão contra outro, a submetê-lo a juízo perante os
injustos e não perante os santos? Ou não sabeis que os santos hão de julgar o mundo?
Ora, se o mundo deverá ser julgado por vós, sois, acaso, indignos de julgar as coisas
mínimas? Não sabeis que havemos de julgar os próprios anjos? Quanto mais as coisas
desta vida!

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Portanto, se participaremos no julgamento dos ímpios como juízes do Senhor, então também
precisamos nos preparar nesta vida para chegarmos lá como justos juízes, santos do Senhor.
Além disso, enquanto estivermos nesta terra não devemos aplicar a nossa justiça própria, mas
devolver com bem. Isto é o Evangelho, pois dessa maneira podemos ganhar as almas não
convertidas, através do testemunho do nosso amor e misericórdia para com elas. Portanto,
devemos anelar a justiça, mas muito mais a misericórdia e a graça salvadora para todos
homens. Quando me refiro a isto, não estou querendo dizer que devemos anelar que o Senhor
tenha misericórdia e coloque todos os pecados dos homens “debaixo do tapete”, mas que Ele
tenha misericórdia chamando-os ao arrependimento e livrando-os do mal, para uma vida
santa e justa que glorifique o seu Nome. É por isso que Tiago disse:

“Porque o juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de misericórdia. A
misericórdia triunfa sobre o juízo”. (Tiago 2.13)

Considerações finais sobre a busca pela justiça


Depois de termos analisado o que significa ter fome e sede de justiça, o que podemos extrair,
como síntese, de aplicação prática para nossas vidas? A seguir destaco alguns pontos que
considero importantes:

1) Vimos que a fome e sede são necessidades espirituais que vem do interior do crente.
Elas são necessidades das quais um verdadeiro crente está ciente de ter, pois não
podem ser ocultas por serem necessidades básicas. Assim sendo, sentimos essa fome
e sede pela justiça de Deus? Há algo que nos deixa sem motivação pela procura dessa
justiça? Algo que nos tire o apetite? Se assim for, como podemos mudar isso, que
medidas devo tomar na minha vida? Trocar os horários e prioridades de tempos?
Cortar com algumas atividades, responsabilidades, ou lazeres que me desmotivam?
Como eu alimento e com que eu alimento essa fome e sede espiritual?
2) Vimos que não se trata da justiça própria que podemos fazer, mas da justiça de Deus.
Assim sendo, deixamos nas mãos de Deus a justiça ou tentamos fazer a nossa própria
justiça? Buscamos nos vingar ou somos mansos e esperamos em Deus? Temos
misericórdia e compaixão ou somos tão justiceiros que esperamos que o Senhor
consuma a todos os homens? Como está nosso senso de autojustiça?
3) Vimos que a primeira noção de justiça desta bem-aventurança tem a ver com a
necessidade de estarmos em paz com Deus. Já fomos justificados pelo sangue de
Cristo? Temos paz com Deus sabendo que os nossos pecados estão cravados na cruz
do Calvário? Há esse gozo em nós de estarmos em este sentido fartos da justificação
que há em Cristo? Mas além disso, seguimos buscando dia após dia estarmos em paz
com Deus, sermos revestidos da sua justificação pelo perdão dos pecados? Temos
noção de quão injustos nós somos e que não há obras que mereçam ser consideradas
suficientemente justas para sermos salvos?
4) Vimos que essa justiça se manifesta na nossa vida diária através da busca que temos
por viver conforme a justiça de Deus. Assim sendo, vimos alguns testes que
apresentamos resumidamente nas seguinte perguntas: Somos cientes de que nossa
justiça nada vale? Qual é o nosso padrão de justiça? O que nós fazemos e deixamos de
fazer ou o que Deus demanda que façamos? É Cristo ou nós mesmos? Por outro lado,

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quanto busco dessa justiça em Deus através da oração e meditação na Palavra? Busco
combater meus pecados, orando constantemente para vencê-los ou rapidamente
esqueço dessa necessidade? Quão real é essa busca pela justiça na minha vida prática,
através das minhas prioridades com a Palavra, a oração e a participação na igreja e nos
grupos de estudos bíblicos?
5) Vimos também que a justiça também tem a ver com o juízo de Deus que virá no Dia
final. Estamos preparados para esse juízo? Como será nossa prestação de contas
diante do Senhor? Temos sede e fome por esse juízo quando vemos o pecado que há
no mundo ou nos agradamos com as coisas do mundo? Quanto esperamos pelo dia
final? Estamos preparados para sermos participantes desse julgamento das obras do
mundo? Como é a nossa expectativa pela volta de Cristo com a sua justiça?

Finalmente, precisamos lembrar-nos das promessas: bem-aventurados são eles porque serão
“fartos”. Esta é a verdadeira bênção na procura da vida cristã. O Evangelho todo está
encerrado nesta ideia. Já somos fartos de termos paz com Deus por meio de Cristo, mas
também seremos fartos de toda busca que há em nossas vidas pela justiça de Deus. Se
buscarmos a justiça em nós, quando ainda não a tivermos, seremos fartos. Se buscarmos a
justiça em nosso dia-a-dia, seremos fartos e conseguiremos dar prioridade às coisas de Deus.
Se buscarmos a justiça vindoura, ela de fato virá. Essa é a nossa bendita esperança, termos a
plenitude de todas as coisas em Cristo Jesus. Que a nossa oração seja como a do salmista
quando disse:

“Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha
alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e me verei perante a
face de Deus?” (Salmo 42.1-2)

Que o Senhor nos dê sua graça para vivermos assim!

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