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MARTA MARIA DA SILVA PASCHOAL

EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

Dissertação apresentada ao Programa de


pós-graduação em Lingüística da
Universidade de Franca, como exigência
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Lingüística.

Orientador: Prof. Dr. Juscelino


Pernambuco.

FRANCA
2009
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MARTA MARIA DA SILVA PASCHOAL

EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM LINGUÍSTICA

Presidente: ___________________________________
Prof. Dr. Juscelino Pernambuco
UNIFRAN

Titular 1: ______________________________________
Profa. Dra. Simone Abrahão
UNESP

Titular 2: ______________________________________
Profa. Dra. Ana Cristina Carmelino
UNIFRAN

Franca, 13/03 /2009


3

DEDICO este trabalho à Clotildes, minha mãe, por todo amor e


incentivos que em vida a mim dedicou.
4

AGRADECIMENTOS

Aos meus familiares, principalmente ao meu esposo Sérgio, pelo apoio


durante esta caminhada e pela compreensão nas horas de ausência;
ao Prof. Dr. Juscelino Pernambuco, meu orientador, pela dedicação e
paciência, na competente atribuição de balizar meu caminhar na elaboração desta
dissertação;
aos professores e amigas do curso de Lingüística que muito me
auxiliaram nesta longa caminhada;
à direção, colegas, alunos e funcionários da EMEF “Prof. Anacleto
Cruz” que contribuíram para a efetivação deste trabalho.
5

Palavras são um brinquedo que não fica velho. Quanto mais as


crianças usam palavras, mais elas se renovam.
José Paulo Paes
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RESUMO

PASCHOAL, Marta Maria da Silva. Em busca de um ensino produtivo de


gramática. 2009. 133f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Universidade de
Franca, Franca.

Esta dissertação teve como tema a busca de um ensino produtivo para a gramática
nos dias atuais. Estabeleceu-se uma análise comparativa entre o ensino tradicional
da gramática normativa e o atual em nossas escolas e comprovou que,embora o
ensino tenha evoluído, ainda há a necessidade de um ensino mais produtivo. A
colocação da gramática no seu devido lugar de auxiliar do texto, a conscientização
do professor sobre a busca de inovação do seu trabalho no ensino da gramática
foram os objetivos desta pesquisa. Após um estudo comparativo entre os diferentes
tipos de gramática, foram feitas entrevistas com professores e alunos de escolas da
rede pública e particular para que fossem apresentados dados mais concretos sobre
o seu trabalho. Esses dados foram comparados com outros de pesquisas anteriores
e percebeu-se que pouco mudou. Esta pesquisa procurou apresentar alguns
princípios para a prática de um ensino mais produtivo e atraente para os alunos,
tomando o texto produzido por eles como ponto de partida.

Palavras-chave: Gramática; lingüística; ensino produtivo; proposta.


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ABSTRACT

PASCHOAL, Marta Maria da Silva. Em busca de um ensino produtivo de


gramática. 2009. 133f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Universidade de
Franca, Franca.

This dissertation possessed as theme the search of a productive teaching in


Grammar in current days. It was established a comparative analysis between the
traditional teaching of the normative grammar and the actual one in our schools and
it proved that, although the teaching has evolved, there is still the necessity of a more
productive teaching.
The placing of grammar on its proper place as text auxiliary, the teacher´s
consciousness above search in the innovation of his/her work in grammar teaching
were the objective of the research. After a comparative study between the different
types of grammar, interviews were done with teachers and students from public and
private schools so that more concrete data about teacher´s work were shown.
These data were compared with other ones of previous researches and it was
understood that a little has changed.
This research looked for presenting some rudiments in the practical of a more
productive teaching to the students, taking the text produced for them as a departure
point.

Key Words: Grammar; linguistic; productive teaching; proposal.


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................10
1 A LINGÜÍSTICA E A GRAMÁTICA ...........................................................14
1.1 HISTÓRICO DA LINGÜÍSTICA ..................................................................14
1.2 LINGÜÍSTICA E NORMA ...........................................................................22
1.3 O ESTRUTURALISMO...............................................................................23
1.4 O GERATIVISMO .......................................................................................24
1.5 A LINGÜÍSTICA TEXTUAL.........................................................................27
1.6 A ANÁLISE LINGÜÍSTICA..........................................................................30
1.7 O FUNCIONALISMO ..................................................................................33
1.8 CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA ..............................................................35
1.9 INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO ................................................. 43
2 DIFICULDADES DO ENSINO DA GRAMÁTICA .......................................52
2.1 CAUSAS DO FRACASSO ESCOLAR........................................................52
2.2 TIPOS DE GRAMÁTICA.............................................................................55
2.3 O TRABALHO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR .....................................59
2.4 FALHAS NO ENSINO DA GRAMÁTICA ....................................................66
2.4.1 Considerações sobre os objetivos da disciplina de Português ...................66
2.4.2 Metodologia inadequada ............................................................................70
2.4.3 Ausência de organização lógica .................................................................73
3 CONCEPÇÕES DE ENSINO E MODOS DE ATUAÇÃO DO DOCENTE ..77
3.1 ENTREVISTAS COM OS PROFESSORES ...............................................78
3.2 ENTREVISTAS COM OS ALUNOS............................................................85
3.3 O PERFIL DO PROFESSOR .....................................................................92
4 PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO PRODUTIVO DA GRA-
MATICA PARA OS DIAS ATUAIS .........................................................................99
4.1 TIPOS DE ENSINO ....................................................................................99
4.2 ESCRITA E LEITURA................................................................................106
4.3 PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO.....................109
9

4.4 SISTEMA DE AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO ESCOLAR DO ESTADO DE


SÃO PAULO (SARESP).........................................................................................110
4.5 GRAMÁTICA E ENSINO ...........................................................................115
4.6 EM BUSCA DE PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO .......117
4.6.1 O texto do aluno como ponto de partida....................................................119
4.6.2 Trabalhar o texto do aluno em todos os aspectos .....................................121
4.6.3 Selecionar as dificuldades apresentadas pelos alunos .............................121
4.6.4 Propostas de leitura...................................................................................122
4.6.5 A aula de gramática, laboratório de leitura e escrita..................................123
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................129
10

INTRODUÇÃO

Pratiquem com o espírito de criança! Mais livres, com poucos julgamentos,


observando tudo com encantamento.
Hermógenes

Esta pesquisa trata da situação atual do ensino de gramática de quinta


à oitava série, suas dificuldades e conseqüências e apresenta com base em autores
como Pernambuco (1993), Neves (2006), Luft (2006), Bronckart (2007), possíveis
caminhos para um ensino mais produtivo. Tem como ponto de partida afirmações
dos Parâmetros Curriculares Nacionais1 (PCNs 1998) de Língua Portuguesa, que
quando foram divulgados pelo MEC, motivaram várias discussões sobre o ensino da
língua materna em todos os níveis.
Os PCNs de Língua Portuguesa de quinta a oitava série preconizam
em “Reflexão gramatical na prática pedagógica” que se deve ter claro, na seleção de
conteúdos da análise lingüística que a referência não pode ser a gramática
tradicional. Consta também desse texto a informação da inexistência de justificativa
para tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas de linguagem e que
quando a gramática é ensinada de forma descontextualizada torna-se emblemática
de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem nas provas e
passar de ano. Trata-se, então, de uma prática pedagógica que vai da metalíngua
para a língua por meio de exemplificação, exercícios de reconhecimento e
memorização de terminologia.
A atual proposta curricular do Estado de São Paulo demonstra
preocupação com o ensino de Língua Portuguesa como objeto e como meio para o
conhecimento. De acordo com esta proposta, a disciplina de Língua Portuguesa
pode centrar-se no conjunto de regras que nos leva a produzir frases e dali chegar

1
Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram lançados em 1998 e depois em 2002 pelo Ministério de Educação
e Cultura com o objetivo de inovar para melhorar o ensino no Brasil.
11

aos enunciados, ou nos enunciados que circulam efetivamente no cotidiano e que


seguem regras específicas as quais permitem a comunicação.
O ensino de gramática tem deixado muito a desejar nas escolas,
atualmente. A discussão sobre se há ou não necessidade de ensiná-la é
considerada falsa, tendo-se como verdadeira o que, para que e como ensiná-la.
Existe aí uma preocupação quanto ao direcionamento do ensino da gramática
considerando que ensiná-la não é reconstruir o quadro descritivo dos manuais de
gramática escolar com seus alunos.
Baseados em reflexões dos trabalhos de Franchi (1988), Pernambuco
(1993,1995), Perini (2002), Antunes (2003), Bechara (2006) e Luft (2006)
observamos questões fundamentais relativas à natureza da gramática e ao modo de
conduzir seu ensino. Esse trabalho concentra-se na investigação do ensino de
gramática nos dias de hoje e na busca de alternativas para um ensino mais
produtivo.
O ensino de Língua Portuguesa é motivo de preocupação para grande
parte da nossa sociedade. Isso acontece devido ao grande fracasso dos alunos
principalmente em se tratando de alguns concursos que ainda usam a gramática
normativa.. Esses exames, hoje, são verdadeiros crivos para a entrada dos alunos
no campo de trabalho.
Observamos, portanto, a necessidade de se descobrir o que esta
acontecendo realmente em nossas escolas. O trabalho do professor ainda hoje está
muito ligado ao ensino da gramática normativa, daí a necessidade de pesquisarmos
as causas, as dificuldades e as possíveis conseqüências do insucesso do ensino de
Português. É de grande importância a opinião da mídia principalmente porque ela
manifesta-se quase sempre vinculando o professor a tudo que acontece na
educação relacionado a fracasso e é isto que muitas vezes leva a sociedade a
cobrar do docente, atitudes para eliminar o problema. Sabemos que estas críticas
da imprensa estão ligadas a falar bem em português e ao uso da língua baseado na
norma culta.
Um dos principais objetivos desta pesquisa é a conscientização dos
professores de que o domínio efetivo e ativo de uma língua dispensa o domínio de
uma metalinguagem e conhecer uma língua é uma coisa e conhecer gramática é
outra. Também que a língua deve ser considerada como um duplo sistema, um de
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sinais e outro de combinação destes sinais que constituem a gramática e não há


língua sem gramática, mas que gramática não é sinônimo de língua.
Através desta pesquisa pretendemos colocar a gramática em seu
devido lugar de auxiliar de construção dos textos e não razão de ser do ensino de
língua materna.
Analisar o ensino atual de gramática e o que pode ser feito pela sua
renovação é uma meta a ser atingida. Tão importante como este objetivo é o de
despertar no professor momentos de reflexão a fim de que ele decida inovar-se no
ensino de gramática para maior aproveitamento, pelos alunos, do conteúdo
desenvolvido por ele em suas aulas.
Partindo da afirmação de que todo falante, independentemente da
modalidade da linguagem que usa, domina uma gramática interna de natureza
biológica e psicológica que interioriza em tenra idade, dependendo de suas
experiências lingüísticas, e que não existem livros dessa gramática. Ela deveria ser
o ponto de partida do ensino da língua materna, é muito preocupante a maneira que
se usa para ensinar a língua materna. Em conseqüência disso, há necessidade de
se acabar com a compreensão deturpada que se tem de gramática, da língua e de
seu estudo. Esse é o fator que tem funcionado como obstáculo à ampliação da
competência dos alunos para a fala, a escrita, a leitura e a escrita de textos
adequados e relevantes.
Acreditamos que o professor se convencerá de que há necessidade de
mudanças radicais quanto ao ensino de gramática nas escolas. A rejeição tanto dos
alunos como dos professores pela gramática, provocada pela renovação ou
inconseqüência de uma prática dos mesmos exercícios antigos sob outras
roupagens, deverá mudar a partir do momento da conscientização deles. As ciências
lingüísticas têm provado que a gramática aprendida de forma natural e espontânea
no meio familiar tem de ser o ponto de partida para o ensino da norma chamada de
culta.
Esta pesquisa será desenvolvida em quatro capítulos. No primeiro
capítulo, devido ao fato de a pesquisa analisar contribuições lingüísticas para o
ensino da gramática, consideramos importante estudar um pouco da evolução
histórica da lingüística e dos conceitos gramaticais. Nesta evolução histórica
constará a citação das correntes lingüísticas desde Panini até nossos dias, a
lingüística no Brasil e os diferentes tipos de gramática. O prestígio dado à língua
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escrita em nossa sociedade, muitas vezes é obstáculo para os principiantes nos


estudos da Lingüística devido a dificuldade de considerar a língua falada
independentemente de sua representação gráfica.
No segundo capítulo, trataremos do atual ensino de gramática, suas
dificuldades e conseqüências e, sobretudo sobre as dificuldades encontradas pelos
professores no seu trabalho. Para melhor discorrermos sobre o assunto,
subdividimos este capítulo em quatro itens: causas do fracasso escolar, a sociedade
e a lingüística, o pedagógico do professor e falhas no ensino da gramática.
Procuramos neste capitulo colocar o professor a par das contribuições lingüísticas
para esse ensino, pois muitos deles atribuem à intromissão da lingüística na sala de
aula, os fracassos atuais. Na verdade eles ignoram que a lingüística não é um
método de ensino e que seu objetivo é o estudo da linguagem.
No terceiro capitulo serão apresentadas as entrevistas feitas com
professores e alunos de escolas públicas e privadas, as perguntas e seus objetivos.
Será estabelecida uma relação entre as respostas dos professores e dos alunos
para que assim se possa alcançar os objetivos fixados pelas perguntas. Também
dentro das possibilidades foi feito uma comparação entre as respostas dadas a
perguntas comuns de uma pesquisa desenvolvida por Pernambuco (1993) e esta,
completando com os comentários de Neves que fez uma pesquisa parecida em
2005. Após a seleção da bibliografia, alicerce dos dados teóricos, será estabelecida
uma análise comparativa entre o ensino tradicional da gramática normativa e o atual
em nossas escolas.
Através das entrevistas e também dos dados apresentados nas
pesquisas feitas por Pernambuco (1993) e por Neves (2005), obtivemos dados mais
concretos quanto à postura do professor de português na sala de aula em relação ao
ensino de gramática e o ponto de vista dos alunos quanto ao uso e a aprendizagem
da mesma.
O quarto capítulo analisará as contribuições da teoria lingüística para
uma renovação no ensino de gramática nas escolas atuais e trará alguns princípios
para uma proposta de ensino mais produtivo da gramática nos dias atuais.
Esperamos com esta pesquisa, baseada no trabalho do professor de
português, motivar maiores discussões entre professores e sociedade.
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1 A LINGÜÍSTICA E A GRAMÁTICA

“Nem tudo tinham os antigos, nem tudo temos os modernos, com os


haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum”.
(Machado de Assis)

1.1 HISTÓRICO DA LINGÜÍSTICA


Neste capítulo, trataremos das relações entre a lingüística e a
gramática. Para tanto faremos um histórico do surgimento dos estudos gramaticais e
da teoria lingüística.
Segundo Leroy (1967, p. 15), o impulso e o desenvolvimento da
Lingüística Geral datam da primeira metade do século XX e sua origem encontra-se
na renovação dos estudos sobre a linguagem, que resultou na constituição da
gramática comparada a qual nasceu no momento em que, em todos os domínios,
desenvolvia-se um novo método científico que atingiu favoravelmente as línguas
indo-européias e forneceu, assim, à lingüística, fundamentos técnicos
indispensáveis. A diversidade dos dialetos falados já tinha sido alvo de pesquisas de
alguns estudiosos, mas na maioria das vezes tratava-se de perspectivas particulares
sem nenhuma visão de conjunto.
As pesquisas foram aperfeiçoando-se e os primeiros comparatistas
não foram mais que os herdeiros, ou mesmo prisioneiros de um passado, pois o
interesse pela linguagem é muito antigo e, geralmente, era expresso através de
lendas, mitos, cantos e rituais.
De acordo com Leroy (1967), os hindus começaram a estudar sua
língua por motivos religiosos. Para eles, era de suma importância que os textos
reunidos no “Veda” não sofressem alteração alguma, ao serem cantados ou
recitados durante os sacrifícios, e fossem conservados na sua pureza primitiva. Os
gramáticos hindus, sendo o mais célebre deles Panini (século IV a.C), dedicaram-se
ao estudo do valor, do emprego das palavras e fizeram de sua língua descrições
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fonéticas e gramaticais que são modelares no gênero. Esquecidas por muito tempo,
essas descrições foram descobertas por sábios ocidentais nos fins do século XVIII
constituindo o ponto de partida para a criação da gramática comparada. Estes
estudos foram desenvolvidos sobre o sânscrito e efetuados por homens totalmente
desprovidos de senso histórico, próprios da Índia, que se limitaram a classificar os
fatos sem procurar explicação para isso.
Os gregos, embora sejam amantes de histórias, não nos deixaram de
sua língua quaisquer informações válidas sobre os falares das populações com as
quais estiveram em contato. Heródoto citou, como que acidentalmente, uma palavra
meda no livro I de suas Histórias, uma palavra egípcia no livro II e mais uma no livro
IV. Marinheiros, colonos e soldados gregos aprenderam muitas línguas, mas seus
conhecimentos transmitidos se perderam, sobrevivendo apenas indicações
recolhidas sem ordem nem método por alguns escoliastas ou lexicógrafos. Isso
aconteceu devido ao fato de os helenos serem imbuídos de suas tradições e
convencidos de sua supremacia intelectual; o termo “bárbaro” que significa pipilar
dos pássaros era aplicado por eles ao se dirigirem a qualquer língua estrangeira
considerando-as tão ininteligíveis quanto os gorjeios dos alados. Esse termo logo
recebeu, entre os gregos, valor pejorativo, tornando-se uma constante a antítese
heleno/bárbaro que fez passarem despercebidas as semelhanças evidentes entre os
idiomas vizinhos e o grego. O exército de Alexandre Magno voltou das fronteiras da
Índia, sem trazer consigo a revelação do sânscrito.
Os gregos ignoraram os idiomas “bárbaros”, mas dedicaram-se muito
ao estudo de sua própria língua no plano estético (estilo) ou no plano filosófico
(adequação da linguagem do pensamento). O principal problema colocado entre os
filósofos preocupados com a elaboração de uma teoria do conhecimento era definir
as relações entre a noção e a palavra que a designa, isto é, queriam saber se havia
uma relação necessária entre as palavras e a sua significação, entre o significante e
o significado. Platão discute esta questão no Crátilo, sua preferência era a teoria
pela exatidão natural das palavras, em seguimento a muitos outros expõe as teses
antagônicas sem, no entanto, concluir a favor de uma ou de outra; este diálogo teve
como conseqüência o fato de os mais modernos darem demasiada importância à
parte central: “etimologias”. Do ponto de vista da história do pensamento lingüístico,
o principal deve ser procurado no início e na conclusão do diálogo: encontram-se aí
entrevistas, quando não esboçadas, algumas teses (relação do significante com o
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significado, arbitrariedade do signo, valor social da linguagem) que constituem


posições essenciais da Lingüística Contemporânea.
Aristóteles desenvolveu suas pesquisas dando margem a reflexões
sobre linguagem em outras direções, tentando proceder a uma análise precisa da
estrutura lingüística: a constituição da gramática. Ele elaborou como aplicação da
teoria das proposições e dos juízos: uma teoria das frases, a distinção entre as
partes do discurso e a enumeração das categorias gramaticais. Isso faz de
Aristóteles e seus discípulos iniciadores de uma longa tradição, pois ainda exercem
influência sobre a pedagogia e a metodologia de nossos estudos.
Os alexandrinos (egípcios) aperfeiçoaram as teorias gramaticais e as
agruparam num corpo coerente de doutrinas que se tornou, durante séculos, o
modelo. Foi muito bem observado pelos antigos o fato de existirem na língua fatos
contraditórios e tal observação foi utilizada num sentido doutrinário, para opor aos
que queriam construir um sistema gramatical fundado nas analogias aos que, pelo
contrário, se baseavam nas anomalias: “o resultado foi uma série de disputas
estéreis entre os defensores das duas doutrinas, e os analogistas professavam uma
doutrina essencialmente normativa, enquanto os anomalistas se apresentavam
antes como letrados ciosos de respeitar o uso” (LEROY, p. 18).
Os filósofos e gramáticos latinos discípulos dos gregos, também não
tiveram consciência do que poderia representar para o estudo da sua própria língua,
a observação dos falares vizinhos. Em Roma, a sociedade culta era, na maioria,
bilíngüe; os latinos esforçavam-se por adaptar o estudo de sua língua às “regras”
formuladas pelos teóricos gregos. Dentre os latinos, destacou-se Varrão que se
esforçou para definir a Gramática como ciência e como arte ao mesmo tempo. Ele
vislumbrou, com mais lucidez que os gregos, o valor da oposição de aspectos do
verbo.
O interesse dos gregos pela língua era exclusivamente filosófico. As
categorias que instauraram: nome, verbo, gênero gramatical, etc, têm sempre uma
base filosófica. Tudo proclama a filiação da lingüística ocidental à filosofia grega. A
nossa terminologia lingüística é composta em grande parte de termos adotados
diretamente do grego ou de sua tradução latina.
Na Idade Média, o contato do Cristianismo com os povos de língua
“bárbara”, a tradução da Bíblia em gótico no século IV, em armênio no século V, em
eslavo no século IX, ao contrário do esperado, não criou problema de relação entre
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as línguas, pois os evangelizadores consideraram a língua dos gentios como


instrumentos de propaganda e não como assunto de reflexão e de estudo. O
prestígio do latim foi mantido e permaneceu intacto o quadro gramatical de Dionísio
de Trácia, enquanto a Escolástica faz reviver no estudo da gramática a controvérsia
sobre a exatidão das palavras, sob a forma de oposição entre realistas e
nominalistas. Para os realistas as palavras eram apenas o reflexo das idéias
enquanto para os nominalistas, os nomes foram dados arbitrariamente às coisas. Os
modistas (modistae), então, consideraram que a estrutura gramatical das línguas é
una e universal e, conseqüentemente, as regras da gramática são independentes
das línguas em que se realizam.
Neste período medieval surgiu na Itália, Dante, um homem
excepcional, muito avançado para o seu tempo. Os italianos devem a ele não
somente a unidade de sua língua, mas também o fato de terem sido um dos
primeiros povos a discutir sobre os conceitos de dialeto, de língua literária, de língua
vulgar. Dante no seu “De vulgari eloquentia”, escrito em 1903, considerou quatorze
formas de dialetos italianos; no entanto, ele foi um caso isolado e suas idéias não
tiveram eco (LEROY, p. 19, 20).
“Um dialeto, diz Marouzeau, define-se por um conjunto de
particularidades tais que o seu agrupamento dá a impressão dum falar distinto dos
falares vizinhos, a despeito do parentesco que os une” (1933, apud COUTINHO,
1978, p. 26).
No século XVI, a religiosidade ativada pela reforma fez com que
surgisse um clima mais favorável a um estudo lingüístico. O desprezo por longo
tempo direcionado às línguas “vulgares” diminuiu e desapareceu diante do
desenvolvimento de ricas e vigorosas literaturas nacionais. Além disso, devido às
controvérsias teológicas tornou-se necessário o conhecimento do hebraico, língua
semítica de uma estrutura diferente da das línguas européias, o que motivou
forçosamente comparações de ordem lingüística. Viajantes, comerciantes e
diplomatas trazem, de suas experiências no estrangeiro, o conhecimento de idiomas
até então desconhecidos. Em 1502 surge o mais antigo dicionário poliglota, do
italiano Ambrósio Calepino que devido seu grande êxito foi por várias vezes refeito e
enriquecido.
No início da pesquisa, neste século, surgiu um princípio de método que
deveria racionalizar o estudo da relação entre os dialetos: o da comunidade de
18

origem que permitia classificar as línguas em famílias. Os eruditos que se dedicavam


a classificar as línguas partiam não de exames de documentos, mas sim da
preeminência do hebraico; consideravam-na por ser a língua do Velho Testamento,
como a língua primitiva a partir da qual convinha explicar todas as outras, seguindo
assim uma tradição cristã.
No começo do século XVIII, Leibniz combateu essa hipótese de origem
hebraica; ele construiu ao mesmo tempo, sem base séria, um sistema genealógico
no qual as línguas da Europa, da Ásia, da América e da África derivavam de um
protótipo comum.
As reflexões sobre a natureza da linguagem a partir do século XVII e
XVIII e as tentativas de analisar a estrutura lingüística nada mais são do que a
continuação das preocupações dos Antigos. Em 1660, a Grammaire Générale et
Raisonée de Port Royal, de Lancelot e Arnaud, com ilustração notável do prestígio
aristotélico, modelo para outras gramáticas do século XVII; esta gramática quer
explicar os fatos, demonstrar que a linguagem, imagem do pensamento, funda-se na
Razão e que os princípios de análise estabelecidos não se prendem a uma língua
particular, mas servem a toda e qualquer língua.
Segundo Leroy (1967), somente no século XIX é que esses raciocínios
de tipo abstrato desaparecem pouco a pouco diante do alargamento de horizontes
resultante de um conhecimento de um número maior de línguas, provocando um
interesse pelas línguas vivas, pelo estudo comparativo dos falares. É nesse período
que se desenvolve um método histórico, instrumento importante para o florescimento
das gramáticas comparadas e da lingüística histórica. Com base nos princípios
metodológicos que preconizavam a análise dos fatos observados é que se formou o
pensamento lingüístico contemporâneo. O estudo comparativo das línguas
evidenciará o fato de que elas se transformam com o tempo, independentemente da
vontade dos homens, seguindo uma necessidade própria da língua.
Dentre os primeiros comparatistas, Franz Bopp é o estudioso que se
destaca nessa época. A ele coube reunir as provas indiscutíveis do parentesco das
línguas indo-européias e fundar ao mesmo tempo a gramática comparada delas. Em
1816, a publicação da sua obra sobre o sistema de conjugação do sânscrito,
comparado ao grego, ao latim, ao persa e ao germânico, é considerada o marco do
surgimento da Lingüística Histórica e criador do verdadeiro método do estudo da
ciência da linguagem. A esta obra seguiu-se a “Gramática comparada das línguas
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indo-germânicas” onde o pesquisador ampliou o plano dos estudos anteriores e


acrescentou outros idiomas; a publicação desse trabalho começou em 1833 e só foi
terminada em 1852. A descoberta das semelhanças entre essas línguas evidenciou
entre elas uma relação de parentesco, isto é, elas constituem uma família: a indo-
européia, cujos membros têm uma origem comum, o indo-europeu, ao qual se pode
chegar através do método histórico-comparativo.
Segundo Leroy (1967, p. 31), Bopp foi precedido pelo dinamarquês
Rasmus Rask que teve seu estudo, intitulado Pesquisas sobre a origem da antiga
língua norueguesa ou islandesa, terminado em 1814, mas somente publicado em
1818, dois anos após o de Bopp. Também observou que Rask demonstrava a
identidade original das línguas germânicas, do grego, do latim, do báltico e do eslavo
com mais rigor que Bopp, mas ao mesmo tempo se inferiorizava por não saber
sânscrito e que o livro de Rask também não poderia ter a mesma repercussão que o
de Bopp devido ao fato de ele ter sido escrito em dinamarquês.
Outro promotor da gramática comparada foi Jacob Grimm (1822) que,
ao introduzir em Lingüística a noção de perspectiva histórica, aplicou-se aos estudos
dos dialetos germânicos e pesquisas pormenorizadas sobre as histórias fonéticas
dos falares germânicos. Leroy destaca que a lei que leva o seu nome (“a lei de
Grimm”) já tinha sido indicada por Rask em 1818 e por J.H. Bredsdorff em 1821.
A febre da ressurreição do passado conquistou rapidamente adeptos
para a nova ciência, muitos eruditos se entregaram ao levantamento das línguas
indo-européias e ao estudo sistemático de todas as suas manifestações, afirma
Leroy (1965). Curiosamente, esses estudiosos foram vistos com maus olhos pelos
filólogos clássicos que estavam no apogeu; eles os consideravam intrusos que
auxiliados pela apresentação de línguas desconhecidas e em nome de um método
que não podiam dominar, se pronunciavam sobre questões de gramática grega e
latina. Esta hostilidade aumentou ainda mais devido ao fato de que certos
comparatistas, empolgados com as suas pesquisas, pecaram por vezes pela
imprecisão e construíram teorias em fatos insuficientemente controlados.
Ele destaca como parte de uma segunda geração dos comparatistas,
Augusto Schleicher, pois este se revelou um grande mestre e exerceu influência
profunda no desenvolvimento da ciência lingüística. Seu ponto de vista consistiu em
considerar as línguas como elementos naturais tais como as plantas: nascem,
crescem... A Lingüística aparece desde então como ciência natural e Schleicher quis
20

definir-lhe as leis com o mesmo rigor das leis físicas e químicas, e explicar-lhe a
evolução, aplicando-lhe as teorias de Darwin. Desde então se falou da vida e da
morte das línguas. São consideradas línguas vivas as que estão servindo como
meio de comunicação diário entre os elementos de uma comunidade, como o
português, o francês, o espanhol, etc. Línguas mortas são as que já não são faladas,
mas deixaram documentos que comprovam sua existência, como o latim e o grego.
Uma língua só se conserva uniforme quando é falada por um pequeno agrupamento
humano, pois há uma unificação de interesses. Schleicher dedicou-se ao lituano.
Sua descrição foi tão bem ordenada e tão completa, que sua “Litauische
Grammatik”, de 1856, ainda é consultada por especialistas em línguas bálticas. A
concepção naturalista fez com que muitos lingüistas da época abandonassem as
preocupações românticas dos pioneiros de Gramática Comparada e se esforçassem
para introduzir em suas pesquisas um rigor e uma precisão irrepreensíveis,
preparando assim o caminho para os neogramáticos.
O nome de Schleicher está intimamente ligado a duas empresas bem
aceitas pelo público culto: de um lado, a de determinar as relações que unem as
várias línguas da família indo-européia e, por outro, a de estabelecer um método de
classificação das línguas do mundo. Ele classificou as línguas do mundo em três
classes: línguas isolantes, aglutinantes e flexivas e, para tal classificação, baseou-se
em critérios propriamente lingüísticos, na estrutura morfológica das línguas
consideradas.
De acordo com Leroy (1967, p. 37) essa idéia de tripartição é anterior a
Schleicher e parece remontar a Guilherme Schlegel: “As línguas que são faladas
ainda hoje e que foram faladas por diferentes povos de nosso globo, dividem-se em
três classes; as línguas sem nenhuma estrutura gramatical, as línguas que
empregam afixos e as línguas de inflexões” , diz-nos ele.
Essa teoria, quando não se encontra modificada nas obras posteriores
de Lingüística, com certeza não está ausente de nenhuma especulação a esse
respeito, pois cada língua conhecida no mundo estaria em um desses estádios,
conforme o momento de evolução em que é conhecida.
Popularizada por Max Muller, a teoria da tripartição das línguas do
mundo destacou-se: ela fornecia um fio condutor a quem quisesse desmanchar este
emaranhado dos inumeráveis falares humanos. Neste momento, afirmou-se que a
Lingüística é a ciência do homem e não da natureza daí a impossibilidade de
21

reduzir-se a quadros sinóticos como os das ciências exatas. Schleicher e Max Muller
deram à Gramática comparada um impulso, que, dissipados certos erros de
perspectivas, poderá chegar a resultados construtivos.
Em 1875, mais um impulso foi dado, por Whitney, norte-americano
autor de A vida da linguagem. Logo após, surgiu uma nova escola: a dos
neogramáticos. Seus fundadores eram todos alemães. O mérito dessa escola foi
colocar em perspectiva histórica todos os resultados da comparação e não se viu
mais na língua um organismo que se desenvolve por si, mas um produto do espírito
coletivo dos grupos lingüísticos. Daí Hermann Paul (1920) afirmar: “que não há outro
estudo científico da língua senão o histórico” e que o que se entende por estudo
não-histórico, se bem científico, das línguas “não é mais, em suma, do que
deficiência histórica, por culpa, em parte do observador e, em parte, de um material
falho” (apud CÂMARA JUNIOR, 1967, p. 39).
Em 1878, o Memoire, de Ferdinand de Saussure, mostrou novos
caminhos para a Gramática Comparada e esteve nas fontes do desenvolvimento
desta disciplina pelos neogramáticos. A investigação sobre a linguagem feita por
Saussure – a Lingüística – passa a ser reconhecida como estudo científico. Quando
morreu, em 1913, não tinha publicado uma linha sobre os problemas que tinham
absorvido grande parte de suas reflexões e de suas atividades. Em 1916, três
alunos dele: Charles Bally, Albert Sechehaye e Riedlinger, com auxílio de notas
pessoais e de cadernos de estudantes publicaram um “Cours de linguistique
générale” – “Curso de lingüística geral”, obra fundadora da nova ciência. Para
Eduardo Prado Coelho (1968. p. XV), crítico português, a grande descoberta de
Saussure é “o caráter dialógico da linguagem”, em primeiro lugar; em segundo lugar
é que esse diálogo atravessa toda a obra saussuriana como uma conversão entre a
unidade (identidade) e a diferença.
O século XX operou uma mudança central e total quanto às atitudes
dos estudiosos da época, os quais submetiam a Lingüística às exigências de outros
estudos como a lógica, a filosofia, a história, a retórica ou à crítica literária. Foi neste
século que a Lingüística começou a ser estudada com um caráter científico, com
seus novos estudos centrados na observação dos fatos.

O método científico supõe que a observação dos fatos seja anterior ao


estabelecimento de uma hipótese e que os fatos observados sejam
examinados sistematicamente mediante experimentação e uma teoria
22

adequada. O trabalho científico consiste em observar e descrever os fatos a


partir de determinados pressupostos teóricos formulados pela Lingüística,
ou seja, o lingüista aproxima-se dos fatos orientado por um quadro teórico
específico. Daí ser possível que para o mesmo fenômeno haja diferentes
descrições e explicações, dependendo do referencial teórico escolhido pelo
pesquisador. (PETTER, 2006, p. 13).

Se é fácil para pessoas medianamente esclarecidas delimitar os


territórios entre a pintura e a literatura, não é fácil mesmo para pessoas afeitas pelos
fenômenos da língua estabelecer os limites entre ciências tão afins quanto a
Lingüística, a Filologia e a Gramática.

Sob um certo prisma podemos dizer que a filologia constitui uma


modalidade e uma etapa histórica da lingüística (Lingüística Diacrônica).
Mas se ambas as disciplinas se interessam pelo mesmo “objeto material”, a
linguagem, cada uma delas se distingue da outra pela especificidade do seu
“objeto formal”, isto é, pelo seu particular ângulo de enfoque.
O primeiro interesse do filólogo não coincide com o primeiro interesse do
lingüista. Aquele busca encontrar num texto antigo (um documento escrito)
o seu significado, à luz dos conhecimentos daquela etapa cultural. Mas o
lingüista antepõe ao estudo da modalidade escrita de um idioma o estudo
da sua modalidade oral e (embora julguemos mais do que discutível a
legitimidade desse desideratum) pode antepor, igualmente ao estudo do
significado, a investigação exclusiva da forma de expressão desse idioma.
De modo análogo, o lingüista não vê por que deva estudar com a
exclusividade do gramático a norma culta de uma única língua. (LOPES,
2001, p. 25; 26)

1.2 LINGUÍSTICA E NORMA

De acordo com Lopes (2001), não cabe ao lingüista ser contra ou a favor da
normatividade, o que lhe compete é insistir no fato de que a problemática da
gramaticalidade é matéria puramente lingüística, pois as línguas são um produto das
convenções e dos valores sociais, de onde derivam as regras para que haja
comunicação. Qualquer utilização da língua por um falante tem que ser por ele
planejada para que atinja seus objetivos. As regras lingüísticas são regras do
comportamento social dos indivíduos e por isso são transmitidas de uma geração a
outra. O problema da gramaticalidade, da norma culta de uma língua é, do ponto de
vista histórico-geográfico, apenas o falar próprio de uma região, de grandes centros,
e do ponto de vista social, é apenas o falar de um grupo, a classe favorecida.
23

A Lingüística, ao contrário da Gramática, não é prescritiva, nem


normativa, ela é uma ciência descritiva e explicativa, não visa somente a uma língua,
mas se interessa por todas, vivas ou mortas. Há duas modalidades de expressão
lingüística, a falada e a escrita e comparando-as veremos que a escrita é bastante
recente dada a antiguidade da fala. A fala é universal, não há um só exemplo de
algum povo que não fala, mas há muitos que desconhecem a escrita. Este é o
motivo da advertência de Saussure (1972, p. 45): a única razão de ser da escrita é o
seu caráter de representação da fala.

1.3 O ESTRUTURALISMO

Para Saussure a Lingüística tem por único e verdadeiro objeto a


língua considerada em si mesma e por si mesma. As concepções de Saussure
foram a mola propulsora do estruturalismo europeu. A palavra “estruturalismo”
designa algumas correntes da Lingüística moderna a qual surgiu após Saussure,
entre as duas Grandes Guerras: a Escola de Genebra, o Círculo Lingüístico de
Praga, o Círculo Lingüístico de Copenhague, na Europa, e a Escola Mecanicista de
Leonard Bloomfield, na América do Norte.
O termo “estrutura” foi empregado pala primeira vez em Lingüística no
1º Congresso dos Filólogos Eslavos (Praga, 1928), numa das teses dos russos
Jakobson, Karcevsky e Trubetzkoj (cf. FAGES 1968,p. 169 e BENVENISTE 1966, p.
94; apud LOPES 2001, p. 39). O espécime mais puro do estruturalismo é o
representado pela Escola Binária, a qual tinha Jakobson como mentor; mais do que
uma escola, o estruturalismo provou ser uma excelente “hipótese de trabalho”, e
uma metodologia dotada de rigor científico, quando corretamente empregado.
Nenhuma escola, nenhuma hipótese ou doutrina monopoliza a
verdade. As melhores teorias são as que trazem a possibilidade de serem
contestadas, pois é na crítica a que se submetem que está a razão de ser do
alcance transcendental da própria ciência do homem.
Segundo Lopes (2001), quem melhor definiu estrutura foi Hjelmslev
(1971, p. 28)
24

Compreende-se por Lingüística Estrutural um conjunto de pesquisa que


repousa sobre a hipótese de que é cientificamente legítimo descrever a
linguagem como sendo essencialmente uma entidade autônoma de
dependências internas, em uma palavra, uma estrutura (...). A análise dessa
entidade permite constantemente isolar partes que se condicionam
reciprocamente, cada uma delas dependendo de algumas outras, sendo
inconcebível e indefinível sem essas outras partes.

Maurice Leroy (1967, p. 104) afirma que Hjelmslev ao considerar a


língua como uma totalidade que se basta a si própria e possuidora de uma estrutura
sui generis, insiste muito na distinção saussuriana: “a língua é uma forma e não uma
substância”. Quanto à estrutura, define-a como uma trama de funções, mais tarde,
propôs a seguinte definição: É estrutura uma entidade autônoma de dependências
internas.

1.4 O GERATIVISMO

Segundo Petter (2006) o que contrapõe o estruturalismo clássico à


teoria gerativo-transformacional é uma diferente concepção dos fins da teoria
lingüística, sobretudo, do papel nela representado pela sintaxe. Implícita ou
explicitamente, o estruturalismo relegou a sintaxe a uma obscura posição. Esta
contraposição iniciou-se em meados do século XX, quando o norte-americano Noam
Chomsky procurando uma formalização dos níveis lingüísticos, seguindo os métodos
da lógica formal, procedeu a uma análise bem aprofundada da estrutura gramatical.
Em seu livro “Syntactic Structures” (1957, p. 13), afirma: “Doravante considerarei a
Linguagem como um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em
comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elementos”.
Na definição de linguagem de Chomsky, toda língua natural possui um
número finito de sons e um número finito de sinais gráficos que os representam, se
for escrita; mesmo que as sentenças distintas da língua sejam em número infinito,
cada sentença só pode ser representada como uma seqüência finita desses sons ou
letras. Para ele a linguagem é uma capacidade inata e específica da espécie,
transmitida geneticamente e própria da espécie humana.
A revolução chomskyana foi um retorno consciente a estágios mais
antigos dos pensamentos lingüísticos. As idéias que pareceram mais originais na
25

sua teoria: as concepções de produtividade, competência / performance “atuação”, e


a dos universais lingüísticos, provêm da gramática tradicional dos séculos XVI e XVII
(Port-Royal, Descartes, Huarte e Humboldt).
Chomsky distingue competência de desempenho da mesma maneira
que Saussure separa língua de fala. Competência lingüística é o conhecimento que
o falante tem do seu sistema lingüístico e que lhe permite produzir um conjunto de
sentenças; é um conjunto de regras guardadas em sua mente durante a infância que
lhe permitem a aquisição da linguagem. O desempenho corresponde ao
comportamento lingüístico, resultante não somente da competência lingüística do
falante, mas também de outros fatores não lingüísticos como convenções sociais,
crenças, atitudes emocionais do falante em relação ao que diz, pressupostos sobre
as atitudes do interlocutor, etc. e também do funcionamento dos mecanismos
psicológicos envolvidos na produção dos enunciados.
As teorias lingüísticas elaboradas dentro de um espírito sociológico e
atento às relações que unem linguagem e sociedade, fizeram com que muitos
pesquisadores se afastassem da teoria inicial. Toda a teoria de Saussure estava,
sem dúvida alguma, imbuída do espírito sociológico, levando sempre à consideração
da linguagem como um fato social.
Segundo Benveniste:

Estabelecendo o homem na sua relação com a natureza ou na sua relação


com o homem, pelo intermédio da linguagem, estabelecemos a sociedade.
Isso não é coincidência histórica, mas encadeamento necessário. De fato, a
linguagem se realiza sempre dentro de uma língua, de uma estrutura
lingüística definida e particular. Língua e sociedade não se conhecem uma
sem a outra. Uma e outra são dadas. Mas também uma e outra são
aprendidas pelo ser humano, que não lhes possui o conhecimento inato. A
criança nasce e desenvolve-se na sociedade dos homens. São homens
adultos, seus pais, que lhe inculcam o uso da palavra. A aquisição da
linguagem é uma experiência que vai a par, na criança, com a formação do
símbolo e a construção do objeto. Ela aprende as coisas pelo seu nome;
descobre que tudo tem um nome e que aprender os nomes lhe dá a
disposição das coisas. Mas descobre também que ela mesma tem um nome
e que por meio dele se comunica com os que a cercam. Assim desperta
nela a consciência do meio social onde está mergulhada e que moldará
pouco a pouco o seu espírito por intermédio da linguagem. À medida que se
torna capaz de operações intelectuais mais complexas, integra-se na cultura
que a rodeia. (BENVENISTE, 2005, p. 31).

Em entrevista concedida por Benveniste a Guy Damur (1968) traduzida


por Eduardo Guimarães, ele afirma que a contribuição de Saussure consiste no dito:
“A linguagem é forma, não substância”. Não há nada de substancial na linguagem. O
26

que diferencia a lingüística de qualquer outra disciplina científica é que elas


encontram seu objeto constituído enquanto a lingüística se ocupa de algo que não é
objeto, não é substância, mas que é forma. Nas sociedades há uma capacidade de
distanciamento, de abstração, de afastamento entre as línguas e os objetos
concretos, que se pode construir línguas sobre línguas, metalínguas, línguas que
servem para descrever uma língua como única função. A Gramática que descreve o
uso das formas da língua é uma metalinguagem: falar de substantivo, de adjetivo, de
vogal, de consoante. O vocabulário da metalinguagem só encontra aplicação na
língua. A filologia, em particular, só se ocupa do teor dos textos, da sua transmissão
através dos tempos, etc. A lingüística se ocupa do fenômeno que constitui a
linguagem sem negligenciar a escrita. (BENVENISTE, 2006; p. 31,35).
J. Mattoso Câmara Jr. (1967, p. 19) destaca o norte-americano
Edward Sapir e acentua sua declaração sobre linguagem que ”não se trata de uma
atividade simples, executada por meio de órgãos biologicamente a elas destinados”,
mas de um esforço criador da humanidade.

Sapir conclui que a linguagem em si mesma não é e nem pode ser


localizada de maneira definida, pois consiste numa relação simbólica toda
peculiar, e fisiologicamente arbitrária, entre todos os elementos de nossa
experiência, de um lado, e de outro lado, certos elementos selecionados,
localizados nas regiões auditiva, motriz, etc., do cérebro e do sistema
nervoso”. (SAPIR, 1921, p. 9).

Mattoso Câmara (1967) observa que quer do ponto de vista mental ou


vocal, a linguagem não foge à concepção de que é elaborada pelo esforço criador
do homem, como uma Arte, elaborada pelo homem.
Lopes (2001) afirma que Saussure parte do conceito de que a
linguagem humana é uma abstração, uma capacidade: consiste na capacidade
humana de comunicar-se entre eles através de signos verbais, abrangendo assim
fatores físicos, fisiológicos e psíquicos.
Por ser um bem social, um contrato coletivo, a língua preexiste a todos
os seus falantes; o homem, ao nascer, já encontra formada e funcionando a língua
que deverá falar.
A língua é imposta pela sociedade como um código a ser usado caso
queiram ser entendidos.
27

A língua em ação por um falante em cada uma de suas situações


comunicativas concretas foi chamada por Saussure de parole (língua ou discurso).
Eugênio Coseriu propôs um conceito afim entre langue e parole: o
conceito de norma. “Sendo a língua um conjunto de possibilidades – explica Borba
(1970, p. 67) -, a norma aparece como um conjunto de realizações dela. A norma
precisa ser comprovada concretamente – é aquela que seguimos por fazermos parte
de um grupo.” (LOPES, 2001, p. 80).
Para Lopes, uma das teses mais controvertidas de Saussure é a que
afirma ser o signo lingüístico arbitrário. Arbitrário pode significar coisas diferentes,
mas o que equivale melhor, neste caso é imotivado, já que o significante não guarda
nenhum vínculo do tipo natural com o significado.
Essa tese é bem exemplificada na reportagem de Luiz Costa Pereira
Junior, na revista “Língua Portuguesa”, que trata do relançamento da obra de
Monteiro Lobato: “A gramática de Emília” com revisão, e escreve, separadamente, o
seguinte:

EM SINTONIA COM SAUSSURE


O batismo do rinoceronte Quindim é uma das traquinagens da
boneca de pano criada por Monteiro Lobato, em Emília no País da
Gramática. Em livro anterior, Reinações de Narizinho (1931), o personagem
já aparecia, sem nome. O diálogo que dá registro a Quindim acompanha um
conceito caro ao lingüista suíço Ferdinand de Saussure: a arbitrariedade do
signo.
“Nisto dobraram uma curva do caminho e avistaram ao longe o
casario duma cidade. Na mesma direção, mais para além, viam-se outras
cidades do mesmo tipo.
-- Que tantas cidades são aquelas, Quindim? – perguntou Emília.
Todos olharam para a boneca, franzindo a testa. Quindim? Não havia
ali ninguém com semelhante nome.
-- Quindim – explicou Emília – é o nome que resolvi botar no
rinoceronte.
-- Mas que relação há entre o nome Quindim, tão mimoso, e um
paquiderme cascudo destes? – perguntou o menino, ainda surpreso.
-- A mesma que há entre a sua pessoa, Pedrinho, e a palavra Pedro –
isto é, nenhuma. Nome é nome, não precisa ter relação com o “nomado”.
Eu sou Emília, como podia ser Teodora, Inácia, Hilda ou Cunegundes...”
(PEREIRA JR, in LÍNGUA PORTUGUESA no 27,
2007, p. 36).

1.5 A LINGUISTICA TEXTUAL


28

Neis (1981) afirma que as descrições, tanto da lingüística estrutural


quanto da gerativo-transformacional, que sempre se ativeram a pesquisar problemas
relativos à frase ou aos componentes frasais, orientaram as aplicações da lingüística
ao ensino de línguas e a traduções.
Constatando a existência de relações específicas interfrasais e a
possibilidade de se definir um texto como um todo coerente, lingüistas modernos
passaram a estabelecer princípios de novos modelos de descrição lingüística
ultrapassando o âmbito frasal; e procuraram elaborar gramáticas que dêem conta
dos problemas de coerência textual e que sejam adequadas para caracterizar os
diferentes aspectos dos diferentes tipos de textos e produção de textos elaboradas
de acordo com determinada língua.
Os teóricos de literatura ou da lingüística textual, entre eles Barthes,
Chabrol, Greimas, Schimdt, Van Dijk, propuseram uma integração dos estudos sobre
a narrativa na gramática textual. Neste sentido, afirma Van Dijk (1973, p. 185) “que
uma gramática literária pode basear-se numa gramática textual, mas não pode ser
reduzida a ela, porque possui termos interpretados e regras ausentes de uma
gramática textual não literária”. Chabrol (1973, p. 15) questiona sobre a possibilidade
de se poder descrever qualquer texto por meio de uma só gramática. (NEIS, 1981, p.
24).
A Lingüística de Texto busca uma fundamentação sólida para suas
pesquisas, para a verificação de suas hipóteses, para suas conclusões e
generalizações. Seguindo a metodologia científica, visa a elaborar uma teoria,
procura estabelecer um número finito de regras que possam escrever ou gerar o
conjunto infinito dos textos possíveis de uma língua.
Segundo Neis (1981) pode-se afirmar com Van Dijk (1973, p. 179)
que, entre as teorias lingüísticas, foi a gramática gerativo-transformacional a que
melhor realizou uma teorização de acordo com os critérios metodológicos da
lingüística textual.
A lingüística gerativa legou-nos, além de uma descrição explícita de
sistema de línguas e de seu conhecimento ideal (a competência), uma revolução
metodológica, pelo fato de orientar as pesquisas desta área para a utilização de
métodos hipotético-dedutivos.
A gramática gerativa de Chomsky, Syntactic Structures (1957) que
havia sido essencialmente sintática e morfofonológica, sofreu sua primeira evolução
29

com Aspects of the Theory of Syntax (1965), integrando a semântica sob a forma de
componente destinado a interpretar a estrutura profunda. Tal componente, no
chamado modelo standard, são as regras semânticas de projeção, denominadas
“regras interpretativas”, cuja função é a de converter as estruturas profundas
sintáticas em conjuntos de leituras, através da integração de itens lexicais sob a
forma dos traços marcadores e distintivos propostos por Katz e Fodor (CHABROL,
1973, p. 12; in NEIS, 1981, p. 25).
Em decorrência da introdução da semântica na gramática pelo modelo
standard, alguns lingüistas passaram a atribuir à semântica um papel primordial
iniciando assim nova fase na evolução da lingüística gerativa, concretizada através
do esboço da teoria semântica gerativa.

A semântica gerativa parecia ser um modelo de descrição mais adequado


do que o modelo standard: explicaria melhor muitas categorias
tradicionalmente introduzidas na estrutura sintática para poderem
desencadear transformações particulares, considerando-as como
semânticas ou semântico-lógicas; definiria melhor problemas de relações
funcionais entre as categorias de uma frase; teria um tratamento mais
produtivo para noções como pressuposição, tema/rema, lógica natural,
postulado de sentido, mundos possíveis; em suma, produziria um modelo
melhor para a competência lingüística. (NEIS, 1981, p. 25).

Segundo Van Dijk (1973), ligeiras modificações no modelo standard,


resultaram no reconhecimento de que a estrutura superficial, pós transformacional,
pode contribuir para o sentido da frase. Para verificá-lo basta considerar fenômenos
de contraste, de ênfase, de foco, de tematização. (in NEIS, 1981).
É na Lingüística Gerativa que se encontra um conjunto de
procedimentos metodológicos e de descrições empíricas que servirão de base sólida
para se proceder à extensão da gramática frasal para a gramática textual.
Outra modificação importante introduzida na lingüística, e que está na
base da teoria do texto, é a pragmática. A pragmática lingüística estuda aspectos da
linguagem do ponto de vista do seu uso, relaciona a linguagem com seus usuários,
descreve o ato da fala ou enunciações comunicativas, levando em consideração
tanto o contexto, ou entorno verbal, quanto à situação de fala/comunicação, ou a
inserção do domínio não verbal.
Segundo Schmidt (1978, in NEIS p. 27) a lingüística do texto, teórica e
metodologicamente, só pode extrair seus objetos dos “integrais comunicativos”; e
30

para que não se esqueça dos aspectos pragmáticos fazendo falsas abstrações nas
análises ou descrições, o ponto de partida da teoria do texto deve situar-se em
“entidades complexas de comunicação lingüístico-social”. Grande parte da gramática
do texto basear-se-á nas teorias pragmáticas relacionadas com os atos de fala.
Neis (1978, p. 27-28, afirma que se supõe nos falantes uma espécie de
“competência comunicativa” que lhes permite servir-se efetivamente da faculdade de
fala de acordo com os objetivos que têm em mente e com as diferentes situações de
comunicação.
A lingüística pragmática relaciona a gramática/competência com o uso
direto e concreto do sistema lingüístico para fins de comunicação. Deverá
compreender também uma semântica no sentido lógico-semiótico, ou teoria da
referência, cuja tarefa será a de especificar quais são as regras que relacionam a
apresentação semântica (no sentido lingüístico) e as estruturas referenciais.
Há a necessidade de evidenciar-se que a lingüística detém-se somente
na investigação científica da linguagem verbal humana, a qual, como todas as
linguagens, são sistemas de signos usados para a comunicação. À ciência que
estuda todo e qualquer sistema de signos, Saussure denominou Semiologia; Peirce
chamou-a de Semiótica. A lingüística estuda a principal modalidade dos sistemas
sígnicos, as línguas naturais, que são a forma de comunicação mais altamente
desenvolvida e de maior uso. As línguas naturais possuem, entre outras, as
propriedades de flexibilidade e adaptabilidade.

1.6 A ANÁLISE LINGÜÍSTICA

A lingüística não se compara ao estudo tradicional da gramática; ao


observar a língua em uso o lingüista procura descrever e explicar os fatos: os
padrões sonoros, gramaticais e lexicais que estão sendo usados, sem avaliar aquele
uso em termos de um outro padrão: moral, estético ou crítico. A metodologia da
análise lingüística focaliza, principalmente, a fala das comunidades e, em segunda
instância, a escrita. Essa prioridade dada à língua falada é devido à necessidade de
corrigir os procedimentos de análise da gramática tradicional que usava a língua
literária como modelo único.
31

O prestígio dado à língua escrita em nossa sociedade, muitas vezes é


obstáculo para os principiantes nos estudos da Lingüística devido à dificuldade de
considerar a língua falada independente de sua representação gráfica.
Os resultados obtidos através de coletas, organização, seleção e
análise dos dados lingüísticos, são correlacionados às informações disponíveis
sobre outras línguas com o objetivo de elaborar uma teoria geral da linguagem.
Distinguem-se dois campos de estudos: a lingüística geral e a descritiva.
Segundo Petter (2006) a lingüística geral oferece os conceitos e os
modelos que fundamentarão a análise das línguas; a lingüística descritiva fornece os
dados que confirmam ou refutam as teorias formuladas pela lingüística geral. Não
pode haver lingüística geral ou teórica sem a base empírica da lingüística descritiva.
Uma descrição lingüística, entretanto, pode ter outros objetivos como: o trabalho de
descrição de uma língua, a produção de uma gramática ou um dicionário com o
objetivo de dotá-la de instrumentos para a sua difusão na forma escrita, como no
caso de línguas indígenas, africanas ou outras que ainda não circulem no meio
escrito.
Como muitas áreas de estudo se interessam pela linguagem, o estudo
do fenômeno lingüístico na interface com outras disciplinas criou várias áreas
interdisciplinares: a etnolingüística (relação entre língua e cultura), a sociolingüística
(interação entre língua e sociedade), a psicolingüística que estuda o comportamento
do indivíduo em relação ao processo de aquisição da linguagem ou da
aprendizagem de outra língua.
Ao comparar as línguas em qualquer que seja o aspecto observado,
fonologia, sintaxe ou léxico, o lingüista constata que elas não são melhores nem
piores, são simplesmente diferentes.
A lingüística histórica, estudando profundamente as transformações da
linguagem, mostrou que as mudanças lingüísticas, freqüentemente, têm sua origem
na fala popular: muitas vezes o errado de uma época passa a ser consagrado como
a forma correta da época seguinte.
A abordagem descritiva da lingüística entende que as linguagens não
padrão do português caracterizam-se por um conjunto de regras gramaticais que
simplesmente diferem do português padrão. A lingüística como qualquer ciência
descreve seu objeto como ele é, não especula e nem faz afirmações de como a
lingüística deveria ser.
32

De acordo com Petter (in FIORIN, 2006, p. 21):

Com o objetivo de descrever a língua, a Lingüística desenvolveu uma


metodologia que visa analisar as frases efetivamente realizadas reunidas
num corpus representativo (conjunto de dados reunidos com a finalidade de
investigação). O corpus não é constituído apenas pelas frases “corretas”
(como a gramática normativa), também inclui as expressões “erradas”,
desde que apareçam na fala dos interlocutores nativos da língua sob
análise. A descrição dos fatos assim organizados não tem nenhuma
intenção normativa ou histórica, pretende tão somente depreender a
estrutura das frases, dos morfemas, dos fonemas e as regras que permitem
a combinação destes.

Desta postura decorre o caráter científico da Lingüística que se


fundamenta em dois princípios: o empirismo e a objetividade.
A Lingüística é empírica porque reúne dados verificáveis por meio da
observação; é objetiva porque examina a língua livre dos preconceitos sociais ou
culturais.
As análises lingüísticas até 1950, feitas pelos seguidores de Saussure
(Europa) e de Bloomfield e Harris (norte-americanos), julgavam que somente a
descrição dos fatos era suficiente para explicá-los (teoria descritiva).
Petter (2006) afirma que para Chomsky, a partir de 1950, não é
suficiente observar e classificar os dados, há a necessidade de uma teoria
explicativa que preceda os dados e que possa explicar não só as frases realizadas,
mas também as que potencialmente seriam produzidas pelo falante; para ele um
fenômeno só é explicado quando se pode deduzí-lo de leis gerais: teoria da
gramática.
A teoria da gramática trata de todas as frases gramaticais que
pertencem à língua; não se confunde com a gramática normativa porque não dita
regras, apenas explica as frases, a gramaticalidade e a agramaticalidade das
mesmas. A gramaticalidade é competência do falante.
A gramática é gerativa porque de um número limitado de regras
permite gerar um número infinito de sentenças. Os gerativistas preocupam-se em
depreender na análise das línguas propriedades comuns, universais da linguagem,
que constituem a gramática universal (GU).
33

1.7 O FUNCIONALISMO

Outra proposta de explicação do fato lingüístico é apresentada pela


gramática funcional, fundamentada nos princípios do funcionalismo, que não separa
o sistema lingüístico das funções que seus elementos preenchem. Esta gramática
leva em consideração o uso das expressões lingüísticas na interação verbal; inclui
na análise da estrutura gramatical toda a situação comunicativa: fala, participantes e
o contexto discursivo.

A explicação de uma língua particular historicamente inserida, feita com


base em reflexões sobre dados, representa a explicitação do próprio
funcionamento da linguagem. Isso exclui qualquer atividade de
encaixamentos em moldes pré-fabricados, tanto os que constituem uma
organização de entidades metalingüísticas alheias aos processos reais do
funcionamento quanto os que representam modelos para submissão escrita
e normas lingüísticas sem legitimidade instituídas. (NEVES, 2006, p. 16).

O funcionalismo ocupa-se das funções dos meios lingüísticos de


expressão e a linguagem destaca-se como um centro condutor de reflexão, que é a
noção de “função”. Rejeita a preocupação com a pura competência para a
organização gramatical de frases, a reflexão se dirige para a multifuncionalidade dos
itens.
O funcionalismo liga-se historicamente às propostas da Escola Lingüística
de Praga, que segundo Neves et al, (1997, in NEVES, 2005,p. 18), “concebiam a
linguagem articulada como um sistema de comunicação, preocupavam-se com os
seus usos e funções, rejeitavam as barreiras intransponíveis entre diacronia e
sincronia e preconizavam uma relação dialética entre sistema e uso”.
Neves (1997) considera pontos centrais numa gramática funcionalista: o
uso (em relação ao sistema), o significado (em relação à forma) e o social (em
relação ao individual).
Os diversos desdobramentos do funcionalismo na atualidade redundam na
concordância de que a língua é, antes de tudo, instrumento de interação social,
usada para estabelecer relações comunicativas entre os usuários. A Sociolingüística
inclui o comportamento lingüístico na noção mais ampla de interação social
aproximando-se assim do ponto de vista do funcionalismo. Essas abordagens
34

lingüísticas contribuem para outras abordagens que consideram o contexto, a


sociedade, a história.
No Brasil, em 1960, os estudos de lingüística eram muito pouco
desenvolvidos; hoje se faz lingüística de bom nível: lançam-se bases para uma
descrição coerente, empiricamente adequada e teoricamente sofisticada de todos os
aspectos da língua, de seu uso, variação, aquisição, evolução histórica e assim por
diante.
Através de novas descobertas e da reinterpretação das velhas, houve
um aprendizado maior sobre a nossa língua, sobre a realidade lingüística do país e
sobre a linguagem em geral.
O homem, por ser social, para sobreviver, necessita comunicar-se com
seus semelhantes, daí o fato de ele possuir a faculdade de recriar e manipular
sistemas de comunicação. O homem é um ser de linguagem e esta lhe serve não
somente para comunicação, mas também para estruturar seu mundo interior (pensar
e conhecer), construir no espírito o que vai exteriorizar.
Toda comunicação realiza-se por meio de um sistema de sinais
convencionados (língua). Toda língua é um sistema para propiciar a comunicação
entre as pessoas. Nas línguas artificiais esses sistemas são fixos, sem variantes;
nas línguas naturais eles são mais flexíveis, abertos a variações no tempo e no
espaço. A língua evolui junto com o homem.
Todas as línguas têm seu próprio sistema lingüístico (amplo, abstrato)
e as normas (particulares, concretas) no seu uso. O esquema, base invariante, é o
suporte que permite que as línguas evoluam sem se autodestruírem; atrás do
eventual ou do novo há um seguro esquema de referências.
“Toda língua é uma unidade (esquema) na variedade (normas)”,
segundo Celso Pedro Luft (2002, p. 17).
A adaptação do esquema lingüística-norma bifurca-se em coletiva e
individual. A língua só existe de verdade na cabeça de cada falante e este partilha
esse bem com os seus semelhantes: a língua é um bem comum.
O sistema de regras nos quais os falantes se baseiam para
construírem frases, é um saber intuitivo, o próprio saber lingüístico ou competência
idiomática de cada falante, a gramática natural.
35

1.8 CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA

A gramática artificial é, primeiramente, a descrição desse saber


lingüístico e, secundariamente, uma obra, manual onde se registra essa descrição.
À gramática, cujas bases é herança greco-latina, chamamos gramática
tradicional, e à que a ela se contrasta, gramática moderna, fruto dos progressos da
ciência lingüística.
Segundo Franchi (1991), o que capacita o falante a construir ou
interpretar quaisquer frases da língua é a gramática. É muito importante ao tratar-se
de gramática saber o que se entende por gramática e, de acordo com cada
concepção, o que seria saber gramática e o que é ser gramatical. A gramática
tradicional tem duas orientações: normativa e descritiva conforme a preocupação
dominante de: impor as regras de um padrão lingüístico considerado modelo (uso
culto formal, sobretudo escrito) e expor os fatos da linguagem.
A gramática normativa é concebida como um manual com regras de
bom uso da língua a serem seguidas por aqueles que querem se expressar
adequadamente.
Franchi escreve sobre gramática normativa:

Gramática é o conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever,


estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado
pelos bons escritores.
Dizer que alguém “sabe gramática” significa dizer que esse alguém
“conhece essas normas e as domina tanto nocionalmente quanto
operacionalmente”.
Um bom gramático seria aquele que diz como se deve escrever, seja
baseado numa certa “lógica”, seja baseado no “uso” legitimado por algum
critério (FRANCHI, 1991, p. 16, 17).

Segundo os gramáticos normativos, os primeiros tratados de gramática


escritos em língua portuguesa datam do século XVI - Fernão de Oliveira: Gramática
da Linguagem Portuguesa, 1536; João de Barros: Gramática da Língua Portuguesa,
1540, mais gramáticas foram escritas posteriormente com o intuito de formar fidalgos
para o convívio da corte e preparar para o estudo do latim.
A preocupação de fazer da gramática do português uma preparação
para o ensino do latim, aparece explicitada desde as gramáticas do século XVI, mas
36

no século XIX era ainda, muito forte. Esta afirmação é comprovada através de uma
passagem que consta na introdução de um compêndio que teve grande circulação
na época, o de Bento José de Oliveira:

O sistema que em nossa gramática seguimos na exposição das doutrinas é


quase o mesmo da Gramática Latina do Sr. Alves de Souza, para a qual
esses elementos poderão servir de introdução.
E com isto entendemos haver prestado serviço aos que, depois do exame
de português, passaram a estudar o latim; porque aprendidas primeiro no
próprio idioma, as regras gerais da linguagem, basta-lhes para entrar na
tradução latina, saber, na etmologia declinar e conjugar bem, e na sintaxe o
uso geral dos casos...(ILARI e BASSO, 2006, p. 205).

Já, na dedicatória da Origem da Língua Portuguesa, de Dante Nunes


de Leão (1604), é demonstrada a preocupação de formar linguisticamente os
fidalgos no bom uso da linguagem:

Como a maior demonstração que os homens de si dão e de seu


entendimento são as palavras porque exprimem seus conceitos e suas
vidraças por que se transluzem e vêem seus ânimos, procuram sempre os
princípios que a avantagem que no estudo e na grandeza levam os homens
baixos e plebeus se enxergasse na polícia e estilo de seu falar, porque, tão
indecente é sair da boca de um homem de alto lugar e nobre criação ua
palavra rústica e mau composta, como de ua bainha de ouro ou rico esmalte
arrancar ua espada ferrugenta. (ILARI e BASSO, 2006, p. 206).

No século XVIII, a preocupação de formar as elites numa linguagem


castiça é reafirmada em Verdadeiro método de estudar (1746), de Luís Antônio de
Verney, obra pedagógica do iluminismo português.
No domínio da nossa língua, o conhecimento de gramática era capaz
de distinguir as pessoas bem criadas das mais “baixas”. Os gramáticos que tomaram
para si essa tarefa contribuíram para a uniformidade da língua e para frear suas
mudanças (noções de construções corretas ou viciosas).
Essa representação gramatical está presente até hoje nas expectativas
da sociedade quanto aos profissionais de linguagem: a concepção de gramática
normativa ou prescritiva. Nessa concepção, gramatical é o que obedece, que segue
as regras do bom uso da língua, configurando o falar e o escrever bem, é a língua
padrão ou língua culta. Tudo o que foge a esse padrão é “errado” (agramatical), o
que atende é “certo” (gramatical).
37

Nessa concepção de gramática há vários modos de perceber e definir


“norma culta” mobilizando argumentos de diferentes ordens. Esses argumentos,
segundo Travaglia (2006, p. 26, 27), são sobretudo de natureza:
a) estética: as formas e usos são incluídos ou excluídos da norma culta
por critérios tais como: elegância, colorido, beleza, finura, expressividade, eufonia,
harmonia; evitando vícios com a cacofonia, a colisão, o pleonasmo vicioso, o eco;
b) elitista ou aristocrática: contraposição do uso da língua que é feito
pela classe de prestígio ao uso das classes populares. Castilho (1988, p. 55), diz “há
um forte sentimento de estratificação social, e, sobretudo de diferença social”. Isto
acontece quando as gramáticas registram usos da linguagem popular condenando-
os e não registrando como uma variedade. O plebeísmo (como vício de linguagem)
ocorre desta oposição, em contraposição à elite (como qualidade de boa linguagem)
(cf. CEGALLA, 1976; p. 410 - 412). Há também o critério de autoridade (gramáticos
e bons escritores) que devido ao prestígio cultural estabelece as regras do bom uso
da língua;
c) comunicacional: nesse caso, os critérios se referem ao efeito
comunicacional, à facilidade de compreensão. Há necessidade de que as
construções e o léxico escolhido resultem na “expressão do pensamento” com
clareza, precisão e concisão, pois a gramática normativa no seu caráter prescritivo
foi construída segundo a concepção de linguagem como expressão de pensamento.
d) histórica: o critério para excluir formas e usos da norma culta é a
tradição. Esse critério leva a exigências absurdas e não há nada de objetivo que
defina quando ele se aplica ou não. Inclui-se também neste caso a concepção
naturalista de língua, que a considera um organismo vivo que nasce, se desenvolve
e, junto com a sociedade que dele não cuida adequadamente pode entrar em
decadência, deteriorar-se;
e) política: os critérios são, basicamente, o purismo e a vernaculidade.
Pretende-se excluir da Língua Portuguesa tudo que não seja de origem grega, latina
ou vinda de épocas remotas da língua. Caçam-se e condenam-se todos os
estrangeirismos: os galicismos (formas do francês), anglicismos (do inglês),
germanismos (do alemão), etc. a preocupação, neste caso, é com a dominação
cultural e com a ameaça à nacionalidade: o fato de uma nação não manter sua
língua (marca de identidade), tornar-se-á facilmente dominada. Há, portanto, a
necessidade de muito critério quanto ao julgamento do estrangeirismo como
38

necessário e bem vindo ou como ameaçador da nacionalidade, por ser


desnecessário. Às vezes, os países chegam a editar leis relacionadas a esta
questão.
O trabalho dos normativistas é a produção de tratados: “gramáticas”,
nos quais sistematizam o conjunto de preceitos que devem ser seguidos para falar e
escrever corretamente.
A gramática tradicional não contém somente “normas”: ela possui
também um componente descritivo, esta é a segunda concepção de gramática: a
gramática descritiva.
Bem diferente da gramática normativa e a que se dedica à descrição
da estrutura e funcionamento da língua, de sua forma e ação. A gramática seria
então “um conjunto de regras que o cientista encontra nos dados, à luz de
determinada teoria e método”. Essas regras seriam as “utilizadas pelos falantes na
construção real de enunciados”. (NEDER, 1992, p. 49; apud TRAVAGLIA, 2006, p.
27).
A gramática descritiva é uma disciplina científica que registra e
descreve (daí o ser descritiva, por isso não lhe cabe definir) um sistema lingüístico
em todos os seus aspectos (fonético-fonológico, morfossintático e léxico).
(BECHARA, 2001, p. 52).
Para construir esse componente descritivo da gramática, segundo
Franchi, os estudiosos analisam as estruturas das expressões de uma língua (ou
mais) dividindo-a em unidades simples e associando cada uma dessas unidades por
diferentes critérios categoriais, a diferentes classes; organizam essas diferentes
classes em subclasses; verificam quais as relações (os modos de conexão) que se
estabelecem entre essas diferentes unidades e classes, possibilitando a construção
de unidades complexas; definem os papéis específicos que essas unidades
desempenham ao entrar nas construções complexas em que se relacionam; por
último, consultam como se emprega na língua considerada, as diferentes palavras,
locuções, formas, paradigmas, construções, funções, estabelecendo a partir desse
uso um conjunto de regras de boa formação ou de bom uso das expressões.
Aqui, não se trata mais de um conjunto de regras para falar e escrever
bem, mas sim de todo um processo descritivo. A definição de gramática
corresponde, aproximadamente, a:
39

Gramática é um sistema de noções mediante as quais se descrevem os


fatos de uma língua, permitindo associar a cada expressão dessa língua
uma descrição estrutural e estabelecer suas regras de uso, de modo a
separar o que é gramatical do que não é gramatical.
“Saber gramática” significa, no caso, ser capaz de distinguir, nas
expressões de uma língua, as categorias, as funções e as relações que
entram em sua construção, descrevendo com elas sua estrutura interna e
avaliando sua gramaticalidade. (FRANCHI, 1991, p. 52-53; 2006, p. 22-23)

Embora a gramática descritiva pareça mais neutra, mais científica, o


ponto de vista normativo pode introduzir-se na gramática descritiva. Isso pode
acontecer quando quem está descrevendo uma língua, desconsidera a linguagem
coloquial. O gramático, também, pode reintroduzir os conceitos sociais de uso para
excluir todas as expressões que não correspondem ao uso “consagrado”. Assim, a
gramática descritiva se transforma em um instrumento da gramática normativa.
Sendo o objetivo desta gramática estudar a estrutura da língua
portuguesa, é indispensável que se estudem certos pontos teóricos, pois de acordo
com Mario Perini (2006) “o estudo da gramática de uma língua não pode dispensar o
estudo da teoria e da metodologia lingüísticas”. A gramática descritiva se reveste de
várias formas segundo o que examina mediante uma metodologia empregada.
Dessa concepção fazem parte as gramáticas baseadas nas teorias
estruturalistas que privilegiam a descrição da língua oral e as gramáticas feitas
segundo a teoria gerativa-transformacional que trabalha com ideais, produzidas por
um falante-ouvinte ideal. O que essas correntes lingüísticas têm em comum é o fato
de proporem uma homogeneidade do sistema lingüístico, abstraindo a língua de seu
contexto, elas trabalham com um sistema formal abstrato que regularia o uso que se
tem em cada variedade lingüística (ILARI e BASSO, 2006).
A partir da década de 60 sobressaíram-se várias correntes do estudo
da língua: Lingüística Textual, Análise do Discurso, Análise da Conversação,
Semântica Argumentativa, Sociolingüística em diferentes correntes, Pragmática que
podem ser agrupadas sob o título Lingüística da Enunciação ou do Discurso, e não
tratam somente do sistema formal, mas também se dedicam a uma lingüística que
considera a variação lingüística, bem como a relação da língua com a situação de
comunicação.
Nas últimas décadas do século XX, foram elaboradas sobre a Língua
Portuguesa algumas gramáticas diferentes, numa perspectiva descritiva. As
gramáticas descritivas foram escritas por um só autor como a Gramática descritiva
40

do português, de Mario Perini (1995), mas mais comuns foram os trabalhos


produzidos em equipe onde se encontram capítulos escritos por diversos autores, de
temas distintos e, muitas vezes, até com enfoques diferentes. É assim a Gramática
da língua portuguesa de Maria Helena Mira Mateus e outros, editada em 2003, em
Lisboa, e a Gramática do português culto falado no Brasil de Ataliba Teixeira de
Castilho e outros.
Embora as boas gramáticas normativas produzidas no século XX,
como, por exemplo, Cunha e Cintra (1987) sejam mais ricas e mais interessantes
que as anteriores, adotam o mesmo “roteiro padrão”: as classes de palavra, a
morfologia flexional e derivacional, a concordância, a sintaxe da oração e a sintaxe
do período. Esse roteiro vem sendo ultrapassado, em vários sentidos pelas
gramáticas descritivas, por exemplo, pela inclusão de capítulos sobre os
mecanismos de coesão e coerência textual, sobre os atos de fala, etc.; essa
ampliação é um dos pontos altos da Gramática da língua portuguesa, de Mario
Villela e Ingedore Koch, lançada em 2001, em Portugal.
As noções de que se valem, para a descrição, as mais recentes
gramáticas, também são novas, e isso tem efeitos importantes na superação de
alguns impasses que remontam às origens da gramática portuguesa e a influencia
da gramática latina.
Contrapondo-se às concepções anteriores de gramática temos uma
noção mais contemporânea: a terceira concepção de gramática. É a que,
considerando a língua um conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade de
acordo com o exigido pela situação de interação comunicativa em que o usuário da
língua está engajado, percebe a gramática como um conjunto de regras que o
falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar (TRAVAGLIA, 2006, p. 28).
Todos os lingüistas, hoje, concordariam que uma perspectiva
normativa ou descritiva está muito distante de dar conta da natureza da gramática,
das regras gramaticais e do modo pelo qual as crianças as dominam. Deixando de
lado o rigor dessas gramáticas, espera-se ganhar muito em comunicabilidade.
Não podemos esquecer que a linguagem é um patrimônio da
humanidade e que independe de fatores sociais, de raça, de cultura, de situação
econômica, de circunstancias de nascimento ou de diferentes modos de fazer-se
parte de uma sociedade. Qualquer criança que tenha acesso à linguagem, domina-a
41

nos primeiros anos de vida, ou seja, domina todo um sistema de regras que lhe
permite ativar ou construir a gramática de sua língua.

A linguagem não é algo que se aprende ou algo que se faz: é algo que
desabrocha e se desenvolve como uma flor (na bonita metáfora de Noam
Chomsky), que amadurece no curso dos anos, desde que se assegurem à
criança mínimas condições de acesso às manifestações lingüísticas de seus
pais e de sua comunidade lingüística ( FRANCHI, 1991, p. 54, 2006, p. 24).

Todo falante, independente da modalidade de linguagem que usa,


possui uma gramática interna de natureza biológica e psicológica que, pelo menos, a
interioriza já em tenra idade, dependendo de suas experiências lingüísticas. Não
existem livros dessa gramática, pois ela é o elemento de descrição, daí ser chamada
de gramática internalizada.
Os termos “gramática”, “regra gramatical”, “saber gramática”, ganham
sentidos diferentes nessa concepção:

Gramática corresponde ao saber lingüístico que o falante de uma língua


desenvolve dentro de certos limites impostos sobre a sua própria dotação
genética humana, em condições apropriadas de natureza social e
antropológica.
“Saber gramática” não depende, pois, em principio, da escolarização, ou de
quaisquer processos de aprendizado sistemático, mas da ativação e
amadurecimento progressivo (ou da construção progressiva), na própria
atividade lingüística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e de seus
princípios e regras ( FRANCHI, 1991, p. 54, 2006, p. 25).

Nessa concepção de gramática não há o erro lingüístico, mas a sua


inadequação da variedade lingüística usada em uma determinada situação de
interação comunicativa. Ela não ignora os problemas de variação lingüística. Estar
em desacordo com a regra gramatical não significa, pois, ser uma expressão
excluída por uma “norma padrão”, de natureza social, mas ser excluída pela
gramática lingüística do falar próprio de uma comunidade. Esta concepção tem
bases humanistas: “todo homem, sejam quais forem suas condições, nasce dotado
de uma faculdade de linguagem, como parte de sua própria capacidade e dignidade
humana”, segundo Franchi (1991). Conclui-se, portanto, que todas as crianças
desenvolvem uma gramática interna, o que exclui qualquer forma de discriminação
preconceituosa da modalidade popular.
Todo o nosso comportamento social está regido por normas a que
devemos obedecer se quisermos ser considerados “corretos”. O mesmo acontece
42

com a linguagem apesar de suas normas serem mais complexas. Para simplificar,
Jespersen (1947) define o “linguisticamente correto” como aquilo que é exigido pela
comunidade lingüística a que se pertence. O que difere é o “linguisticamente
incorreto”. Ou, com suas palavras: “falar correto significa o falar que a comunidade
espera, e erro em linguagem significa o desvio dessa norma, sem relação alguma
com o valor interno das palavras ou formas”. (apud CUNHA&CINTRA, 1985, p. 6)

Na linguagem é importante o pólo da variedade, que corresponde à


expressão individual, mas também o é o da unidade, que corresponde à
comunicação interindividual e é garantia de intercompreensão. A linguagem
expressa o individuo por seu caráter de criação, mas expressa também o
seu ambiente social e nacional, por seu caráter de repetição, de aceitação
de uma norma, que é ao mesmo tempo histórica e sincrônica: existe o falar
porque existem indivíduos que pensam e sentem, e existem “línguas” como
entidades históricas e como sistema e normas ideais, porque a linguagem
não é só expressão, finalidade em si mesma, senão também comunicação,
finalidade instrumental, expressão para outro, cultura objetivada
historicamente e que transcende ao indivíduo. (COSERIU, 1956, apud
CUNHA&CINTRA, 1985, p. 7)

Há necessidade de distinguir entre “gramática interna” do sentido de


“gramática”. Gramática é um trabalho analítico e reflexivo sobre a linguagem, a
construção de sua estrutura para “modelo” e de seu funcionamento: é uma atividade
metalingüística. Gramática interna é um sistema de princípios e regras que
correspondem ao próprio saber lingüístico do falante: ele se constrói e se
desenvolve na atividade lingüística.
Essa gramática internalizada, a que constitui e dá forma ao que se
chama de competência gramatical ou lingüística do usuário da língua é a que
permite ao mesmo construir um número infinito de frases e julgar sua
gramaticalidade no ensino da gramática descritiva. Não podemos, no entanto,
considerar a gramática internalizada somente o nível de frase ignorando assim os
elementos constitutivos da gramática da língua em outros âmbitos como os
princípios que nos permitem fazer uso da língua através dos textos, tais como os
princípios de construção, interpretação e uso de textos em conformidade com
situações diferentes de interação comunicativa, os princípios que regem a
conversação, etc. Com esta afirmação pretende-se esclarecer que o usuário da
língua precisa saber, e sabe, muito mais do que as regras de construção de frases
para ter uma competência comunicativa e que faz parte da gramática da língua,
muito mais do que a teoria lingüística trata ao estudar os elementos da fonologia e a
43

fonética, da morfologia e da sintaxe. A gramática internalizada é a que constitui não


só a competência gramatical, mas também sua competência textual e sua
competência discursiva e, portanto, a que possibilita a competência comunicativa.
Apesar da discussão sobre a necessidade de reorganização do ensino
fundamental no Brasil ser muito antiga, somente nos anos 80 tornou-se mais
consistente. Isto aconteceu quando as pesquisas produzidas por uma lingüística
independente de uma tradição normativa e filológica e os estudos desenvolvidos em
variação lingüística e psicolingüística possibilitaram avanços na área da educação e
psicologia da aprendizagem.
Todo avanço nos estudos de gramática deveu-se aos progressos da
ciência lingüística. Foi através dela que o ensino de gramática, no caso a normativa,
que era concentrado em uma metalinguagem, passou a respeitar também o conjunto
de regras dominadas pelos falantes. Essa gramática interna, de natureza biológica e
psicológica, é também objeto de estudo da gramática moderna e exclui qualquer
forma de preconceito baseado na gramática normativa. Essa é uma das principais
contribuições da lingüística para o ensino de gramática.

1.9 INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO

O objetivo do ensino de língua materna como forma de interação, é


desenvolver a competência comunicativa do aluno, levando-o a adequar a língua às
mais diversas situações. Nesse contexto a unidade de ensino só pode ser o texto,
propulsor da reflexão critica e imaginativa dele como leitor e produtor.
A afirmação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua
Portuguesa quando foram divulgados pelo MEC, motivou várias discussões sobre o
ensino da língua materna em todos os seus níveis. Segundo Koch (2005) a
postulação básica deste documento é o ensino centrado no texto, quer em termos
de leitura, quer em termos de produção.
A discussão sobre se há ou não necessidade de ensinar gramática é
considerada falsa tendo-se como verdadeira é o que, para que e como ensiná-la.
Existe aí uma preocupação quanto ao direcionamento do ensino da gramática
considerando que o ensino a respeito dela não é reconstruir o quadro descritivo dos
44

manuais. “O que deve ser ensinado não responde às imposições de organização


clássica de conteúdos na gramática escolar, mas aos aspectos que precisam ser
tematizados em função das necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades
de produção, leitura e escrita de textos”.
O modo de ensinar deverá corresponder a uma prática que parte de
uma reflexão produzida pelos alunos que pela mediação do professor deverá passar
de uma terminologia simples e se aproximar do conhecimento gramatical produzido.
A mediação do professor é fundamental no ensino da língua e no ensino da
gramática.
Os estudos e reflexões de Bakhtin (2003) trouxeram nova luz ao
problema, pois para ele a linguagem não pode ser vista apenas como sistema. Para
ele a língua é vista como um fenômeno social, histórico e ideológico, no qual “a
palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou
vivencial”. Afirma que a verdadeira essência da linguagem é a interação verbal,
realizada pela enunciação. Aprender a falar significa aprender a construir
enunciações.

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados ( orais e escritos)


concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo
da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas
e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático)
e pelo estilo de linguagem, ou seja, pelas seleções dos recursos lexicais,
fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua
construção composicional. (BAKHTIN, p. 271)

Humboldt, século XIX, não negou a função comunicativa da linguagem,


colocou-a em segundo plano; em primeiro plano promoveu a função da formação do
pensamento, independente da comunicação. Vossler colocou em primeiro plano a
chamada função expressiva, resumindo sua essência à expressão do mundo
individual do falante, reduzindo-a a criação espiritual do indivíduo.
A partir da premissa de interação verbal há uma visão inovadora
quanto à prática de produção textual nas escolas, baseada na interação
comunicativa, embora na obra de Bakhtin (1995) não haja uma definição do conceito
de texto. Ele postula uma concepção de linguagem, dialógica, isto é, toda palavra,
enunciação, texto, possui um caráter de duplicidade, sendo fundamental a presença
do outro, cujo contexto social não pode ser ignorado. Cada enunciado é um elo na
corrente complexamente organizada de outros enunciados.
45

Em sua reflexão, Bakhtin tem por objetivo conhecer o homem de uma


forma abrangente, no concreto de suas relações sociais, considerando as
experiências acumuladas e a interação dessas experiências. Pode-se dizer que é
através da fala de outro com quem se compartilha aprendizados, que se organizam
as idéias e procura-se tirar o melhor proveito sobre elas, criando as próprias idéias.
É a partir dessa interação que tudo se agiliza e que há a internalização de um saber
construído por outro. Isso é aplicado em qualquer situação da vida; em uma sala de
aula em que professor e aluno são sujeitos que encerram em si dialogicidade, ou
seja, experiências individuais que interagem em um mesmo contexto social. O
ouvinte na sua contribuição passiva (parceiro do falante) não corresponde ao
participante real da comunicação discursiva.

O discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de


determinados falantes, sujeitos do discurso. O discurso sempre está fundido
em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso,
e fora dessa forma não pode existir. Por mais diferentes que sejam as
enunciações pelo seu volume, pelo conteúdo, pela construção
composicional, elas possuem como unidades da comunicação discursiva
peculiaridades estruturais comuns, e antes de tudo absolutamente precisas.
(...) O falante termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar
lugar à sua compreensão altamente responsiva. O enunciado não é uma
unidade convencional, mas uma unidade real, precisamente delimitada da
alternância dos sujeitos do discurso ao qual termina com a transmissão da
palavra ao outro. (...) Essa alternância dos sujeitos do discurso que cria
limites precisos do enunciado nos diversos campos da atividade humana e
da vida, dependendo das diversas funções da linguagem e das diferentes
condições e situações de comunicação, é de natureza diferente e assume
formas várias. (...) O diálogo é a forma clássica da comunicação discursiva.
(BAKHTIN, p. 274-5).

Considerando a oração como unidade da língua há a necessidade de


abordar sua distinção em face do enunciado como unidade de comunicação
discursiva. A oração é um pensamento relativamente acabado, pois o falante faz
uma pausa para passar em seguida ao seu pensamento subseqüente. As pausas
entre as enunciações não são de natureza gramatical e sim real, depois delas
espera-se uma resposta ou uma compreensão responsiva de outro falante. Em seu
livro, Bakhtin explica:

Muitas pessoas que dominam magnificamente uma língua sentem amiúde


total impotência em alguns campos de comunicação precisamente porque
não dominam na prática as formas de gênero de dadas esferas. (...) ao
falante não são dadas apenas as formas da língua nacional (a composição
46

vocabular e a estrutura gramatical) obrigatórias para ele, mas também as


formas de enunciado para ele obrigatórias, isto é, os gêneros do discurso:
estes são tão indispensáveis para a compreensão mútua quanto as formas
da língua. Os gêneros do discurso, comparados às formas da língua, são
bem mais mutáveis, flexíveis e plásticos; entretanto, para o indivíduo falante
eles têm significado normativo, não são criados por ele, mas dados a ele.
(...) Quando escolhemos um tipo de oração, não o escolhemos apenas para
uma oração, não o fazemos por considerarmos o que queremos exprimir
com determinada oração; escolhemos um tipo de oração do ponto de vista
do enunciado inteiro que se apresenta à nossa imaginação discursiva e
determina a nossa escolha. (BAKHTIN, p. 284-5-6).

Culioli (1973, p. 86) afirma que “um texto não tem sentido fora da
atividade significante dos enunciadores” ( apud INDURSKI, p. 54).
Segundo a visão bakhtiniana, é no fluxo da interação verbal que a
palavra se concretiza como signo ideológico, que se transforma e ganha diferentes
significados, de acordo com o contexto em que ela surge.
Luciene Fontão em seu artigo “Texto, Linguagem e Ensino” comenta:

O estudo e o ensino de uma língua não podem deixar de considerar as


diferentes instâncias sociais, pois os processos interlocutivos se dão no
interior das múltiplas e complexas instituições de dada formação social. A
língua enquanto produto desta história e enquanto condição de produção da
história presente vem marcada por usos e pelos espaços sociais destes
usos. (GERALDI, 1996, p. 28). Por isso, a língua não é um produto
acabado, é um eterno processo ininterrupto, um processo vivo de interação.
Sempre há o que dizer ou o que escrever e maneiras diferentes de fazê-los,
com base na história discursiva de cada sujeito envolvido no processo de
interação. Por conseguinte, não há textos totalmente inéditos, nem
discursos totalmente não comprometidos; e, além do mais, existem sempre
maneiras diferentes de se falar e linguagens diversas, refletindo as múltiplas
experiências sociais.

A linguagem confere às organizações e atividades humanas uma


dimensão particular, que justifica que sejam chamadas de sociais, no sentido estrito
do termo.

O Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD) permite o acesso


aos textos disponíveis no inventário sociohistórico para serem atualizados à medida
que o usuário da língua entre em interação por meio de uma atividade de linguagem.
A linguagem é, portanto, uma característica da atividade social humana, cuja função
maior é de ordem comunicativa ou pragmática. Tanto a atividade social como a
atividade de linguagem pode ser tomada sob o ângulo psicológico da ação, como
47

ação de linguagem, imputável a um agente, e que se materializa na entidade


empírica que é o texto singular. O ISD define atividade de linguagem como um
fenômeno coletivo de elaboração e prática de circulação de textos, que tem como
objetivo estabelecer uma compreensão do contexto e das propriedades das
atividades em geral.

Toda língua natural apresenta-se como estando baseada em um código ou


um sistema, composto de regras fonológicas, lexicais e sintáticas
relativamente estáveis, que possibilita a intercompreensão no seio de uma
comunidade verbal. (...) Uma língua natural só pode ser apreendida através
de produções verbais efetivas, que assumem aspectos muito diversos,
principalmente por serem articuladas a situações de comunicação muito
diferentes. São essas formas empíricas diversas que chamamos de textos.
(BRONCKART, p. 69)

A noção de texto utilizada pelo ISD assemelha-se à noção bakhtiniana


de enunciado/texto/discurso, trata-se da unidade comunicativa verbal: oral ou
escrita, gerada por uma ação de linguagem, acumulada historicamente “no mundo
das obras humanas”, que os indivíduos utilizam para interagirem nos diferentes
ambientes discursivos da sociedade (BALTAR, 2004).
Segundo Bronckart (2007), apoiadas em um posicionamento
epistemológico, foram elaboradas abordagens e métodos tradicionais de ensino de
línguas que preconizavam em primeiro lugar a realização de uma abordagem
gramatical destinada a dotar os alunos de uma consciência explícita das principais
categorias e estruturas do sistema da língua. Pensavam que assim os alunos
desenvolveriam uma maestria textual tanto em relação aos aspectos de produção
quanto aos de compreensão-interpretação. A utilidade dos conhecimentos
gramaticais para o de maestria textual não pode ser demonstrada até hoje. A
conceitualização das categorias e das regras gramaticais foi modernizada, mas não
provocou o questionamento da tese do primado do sistema sobre o funcionamento
textual. Houve uma revalorização do ensino textual visando a desenvolver no aluno,
primeiramente, capacidades sólidas de produção, para depois se centrar em
capacidades de leitura e de interpretação.
Bronckart (2007) afirma: o que em uma língua “constitui sistema” não
pode ser considerado senão como produto de um procedimento de abstração
operado sobre essas entidades funcionais e empiricamente observáveis que são os
textos:os textos são primeiros e o sistema da língua é um construto secundário, a
cuja elaboração se consagraram gerações de gramáticos. Baseando nessa
48

modificação radical de perspectiva teórica visualiza-se uma abordagem didática


ideal, que consistiria em iniciar o ensino da língua pelas atividades de leitura e de
produção de textos e somente depois articularia atividades de inferência e
codificação das regularidades observadas no corpus de textos mobilizado. A
atividade de inferência e codificação incidiria sobre a organização das frases e as
categorias de unidades disponíveis na língua; sobre algumas regras restritivas da
morfossintaxe, cujo conhecimento é necessário para o domínio da ortografia
gramatical. Esse esquema ideal de ensino da língua não parece aplicável como tal.
A atual Proposta Curricular do estado de São Paulo (2008 p. 42),
quanto ao ensino de Língua Portuguesa, demonstra uma preocupação com o ensino
da língua como objeto e como meio para o conhecimento. Na mesma medida em
que se deveria apresentar como matéria a ser analisada, proporcionaria ao sujeito a
construção e compreensão de conhecimentos do mundo. Por esse motivo não
poderia ser pensada de modo fragmentado, como mera decodificação de conteúdos
e reprodução de idéias, desconsiderando as experiências de vida de seus
interlocutores, descontextualizando o ensino no exercício mecânico e repetitivo,
desvirtuando a gramática ao valorizar regras específicas em detrimento de muitas
outras existentes.
De acordo com essa proposta, a disciplina de Língua Portuguesa pode
centrar-se no conjunto de regras que nos leva a produzir frases e dali chegar aos
enunciados, ou nos enunciados que circulam efetivamente no cotidiano e que
seguem regras específicas as quais permitem a comunicação.
No intuito de deixar mais claro, exemplifica:

Texto 1
Maria,

Eu vô chega tardi in casa ogi pruque


o patrãum aviso qui vo percisá fase
hora eistra.

Texto 2
Maria,

Provavelmente chegarei tarde à casa


hoje porque fui informado de que
precisarei fazer hora extra.

Texto 3
49

patrão,

podre no Maria extra informado à


precisarei today porque fui pelo boss chez
moi de que temprano fazer hora chegar.

Essa proposta observa que mesmo com as dificuldades no uso da


norma padrão no texto 1, identificam-se as intenções do texto porque ele segue
regras próprias da língua portuguesa. O problema, do ponto de vista da
comunicação, está no 3.
Os autores da Proposta Curricular de São Paulo explicam que os
textos 1 e 2 comunicam, mas ao circularem na sociedade, diante das possibilidades
de interpretação dos outros, provocam reações diferentes. Apontam a necessidade
de se saber lidar com os textos nas diversas situações de interação social. Para eles
essa habilidade de interagir linguisticamente por meio de textos, nas situações de
produção e recepção em que circulam socialmente, permite a construção de
sentidos, desenvolve a competência e promove o letramento. O nível de letramento
é determinado pela variedade de gêneros textuais que a criança ou adulto
reconhecem.
Todos os textos surgem na sociedade pertencendo a diversas
categorias ou gêneros textuais que relacionam os enunciadores com atividades
sociais específicas. A proposta de estudar a língua considerada como uma atividade
social, espaço de interação entre pessoas, num determinado contexto de
comunicação, implica a compreensão da enunciação como o eixo central de todo o
sistema lingüístico e a importância do letramento, em função das relações que cada
sujeito mantém em seu meio. Os textos verbais fazem uso de estruturas gramaticais
e muitos desses textos necessitam da gramática para a sua correta organização na
sociedade.
A concepção interacionista da linguagem confirma que o texto é um
instrumento fundamental de se adquirir conhecimento, capacidade produtiva,
comunicativa de estruturação gramatical tendo em vista sua ampla possibilidade de
fazer o ser social assimilar e compreender a partir das palavras, estabelecendo a
ponte entre a linguagem e a vida, pois produzir um texto seja oral ou escrito, é
dialogar com outrem, é instaurar o elo entre o sujeito e o mundo onde vive através
da intertextualidade e da intersubjetividade, de acordo com Fontão.
50

Se o professor for um estruturalista, estará mais interessado em ditar


regras e normas para o ensino da língua e estará mais familiarizado com a
concepção de língua como instrumento de comunicação. Se for um tradicionalista,
estará mais propenso a desenvolver suas atividades a partir da visão de língua
como expressão do pensamento; e se optar por uma linha de trabalho interacionista,
usará na sua prática de sala de aula uma visão voltada para os postulados de uma
incessante interação verbal.
Alguns professores dizem ser necessário aprender as regras da
gramática normativa para se escrever bem. Na visão sóciointeracionista essa não
pode ser a preocupação. Interessa é o jogo dialógico da interação, com os
discursos/ textos se construindo na troca de visões de mundo de uns e outros.
Segundo Bakhtin, na sua Estética da criação verbal, (1995, p. 410), a
vida do texto não está no apego a regras do sistema lingüístico, a vida do texto está
mesmo é nas relações dialógicas que ele condensa e no diálogo que ele suscita
diálogo que não tem fim. A prática pedagógica de ensino da gramática deve ter
como objetivo alcançar o envolvimento existencial dos alunos, como pessoas
concretas, na experiência de serem autores e de serem leitores participantes ativos
do infindável diálogo cultural.
O grande filósofo russo disse nas suas reflexões finais:

Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto
dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites).
Nem os sentidos do passado, isto é, nascidos no diálogo dos séculos
passados, podem jamais ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez
por todas): eles sempre irão mudar (renovando-se) no processo de
desenvolvimento subseqüente, futuro do diálogo. Em qualquer momento do
desenvolvimento do diálogo existem massas imensas e ilimitadas de
sentidos esquecidos, mas em determinados momentos do sucessivo
desenvolvimento do diálogo, em seu curso, tais sentidos serão relembrados
e reviverão em forma renovada (em novo contexto). Não existe nada
absolutamente morto: cada sentido terá sua festa de renovação. Questão
do grande tempo.

Bakhtin não pretendeu ser teórico do ensino, conforme Pernambuco


(2007), mas suas reflexões servem para fundamentar um trabalho produtivo com o
ensino da gramática, pois coloca o ensino gramatical a serviço do aprimoramento da
habilidade de interação sociodiscursiva do aluno.
De acordo com Pernambuco (2007), o ensino de Língua Portuguesa
tem como objetivo levar o aluno a usar a língua expressando o seu próprio mundo,
51

fazendo dela o seu instrumento de ação. O caminho para se atingir esse objetivo é o
texto. O ensino de língua materna deve ter como objetivo a apropriação pelos alunos
dos recursos lingüísticos por conta própria para a sua vivência social. Não se ensina
gramática como um fim em si mesma; gramática é meio, não fim. A língua não se
resume ao conhecimento gramatical. Ela, a gramática, tem de ser o que ela
pretende ser: serva do uso da língua. Ela também não tem culpa pelo que com ela
fazem, quando a colocam no centro do ensino da língua. A vantagem do
Interacionismo Sociodiscursivo é exatamente tentar mudar o foco do ensino para a
interação humana pelo domínio dos recursos que a língua dispõe para todos os seus
usuários.
Pernambuco (2007) diz: “a gramática não é rainha, ela deve ser tratada
como uma serva do uso da língua”. Nessa fala o professor sintetiza o que até agora
foi exposto neste capítulo, a gramática prescritiva precisa deixar de ser a parte mais
importante no estudo da nossa língua materna, ela é necessária, mas não pode ser
o foco central dele. Neste caso, estamos nos referindo à gramática normativa com
suas normas e conceitos nem sempre lógicos.
52

2 DIFICULDADES DO ENSINO DE GRAMÁTICA

“Entre o porquê e o por quê há mais bobagem gramatical do que sabedoria


semântica.”
(Millôr Fernandes)

Neste capítulo trataremos do atual ensino de gramática, suas


dificuldades e conseqüências e, sobretudo, os problemas encontrados pelos
professores no seu trabalho, pois os alunos, geralmente, têm uma verdadeira
aversão pela disciplina de Português em todos os graus de ensino.

2.1 CAUSAS DO FRACASSO ESCOLAR

Os fatos relacionados ao fracasso escolar têm sido alvo de discussões


e de críticas da sociedade brasileira e grande parte da culpa é atribuída ao ensino
de Língua Portuguesa. Essas críticas aparecem constantemente nos meios de
comunicação e suscitam pesquisas e estudos direcionados à prática pedagógica do
ensino de gramática.
Pernambuco (1993), em seu artigo Situação atual do ensino de Língua
Portuguesa nas escolas brasileiras, cita o fato de a Fundação Carlos Chagas ter
publicado em dois de seus Cadernos Pesquisa (1977, p. 19 e 23), duas seções
especiais sobre redações nos exames vestibulares com cerca de doze trabalhos a
respeito de pesquisas realizadas sobre os mais diferentes aspectos: morfológicos,
sintáticos, lexicais, semânticos e sociolingüísticos das dissertações elaboradas por
milhares de vestibulandos. Essas pesquisas constataram o fraco desempenho dos
estudantes quanto à escrita da língua, independente de qualquer variável
extralingüística como sexo, idade, posição social ou escola de origem.
53

Rocco (1981, apud PERNAMBUCO, 1993) em “Crise na linguagem: A


redação no vestibular”, baseada na pesquisa de mais de 1500 redações de
vestibulandos, chegou à conclusão de que há uma crise no desempenho lingüístico
escrito, pois, apesar de estarem na faixa etária de 19 a 23 anos, apresentam
redações que demonstram o nível de organização mental na faixa de 9 a 12 anos.
Segundo Camacho (1987), existe na escola um conflito entre a
variedade dialetal e a norma lingüística que a escola exige que todos os estudantes
dominem como sendo a única. Há, portanto, necessidade de que as escolas
abandonem esse mito da “unidade” do português no Brasil e passem a reconhecer a
verdadeira diversidade lingüística de nosso país.
Miriam Lemle (1979, apud PERNAMBUCO, 1993) em seu artigo
“Heterogeneidade dialetal: um apelo à pesquisa” destaca: “Nunca é demais frisar: o
objetivo a ser proposto não é aprenda a norma culta em vez do português que você
fala e sim aprenda a norma culta além do português que você fala e utilize um ou
outro segundo as circunstâncias”. Isso significa que a escola deve aceitar a língua
que o aluno usa, não como exemplo de fala errada, de algo que deve ser corrigido,
mas através da própria linguagem oral do professor, levá-lo a perceber que há
diferentes maneiras de se falar e que cada uma corresponde ao local em que a
pessoa se encontra.
Segundo Bagno (2002) não é difícil encontrarmos intelectuais
renomados que lamentam a “corrupção” do português falado no Brasil, língua de
“matutos”, de “caipiras infelizes”, arremedo tosco da língua de Camões. Esses
intelectuais são pessoas que ainda se prendem ao português arcaico, e àqueles
brasileiros que porventura não se adaptam a ele, ou à chamada língua padrão, dão-
lhes títulos depreciativos como estes.
Arnaldo Niskier, presidente da Academia Brasileira de Letras, num
artigo publicado na Folha de São Paulo (15/01/98) declara:

[...] pode-se registrar o fato, facilmente comprovável, de que nunca se


escreveu e falou tão mal o idioma de Rui Barbosa.
[...] A classe dita culta mostra-se displicente em relação à língua nacional, e
a indigência vocabular tomou conta da juventude e dos não tão jovens
assim, quase como se aqueles se orgulhassem de sua própria ignorância e
estes quisessem voltar atrás no tempo. (apud BAGNO, 2002, p. 21).
54

Declarações desse tipo baseiam-se em posturas preconceituosas, não


em análises científicas acuradas dos fatos lingüísticos.
A associação entre uma determinada variedade lingüística e a escrita é
o resultado de oposições entre grupos sociais “usuários” das diferentes variedades.
Escrever nunca será igual ao falar; a fixação de uma variedade na escrita precedeu
de alguns séculos a associação de tal variedade com a tradição gramatical greco-
romana, o que foi um passo fundamental no processo de “legitimação” de normas
lingüísticas. A partir de uma determinada tradição cultural, foi definida uma
variedade lingüística usadas em grupos de poder. Esta variedade foi reproposta
como algo de central na identidade nacional como portadora de uma tradição e de
uma cultura.
M. Bakhtin e V. Volóshinov (1929, apud GNERRE, 2002, p. 10)
apontavam quatro princípios orientadores de uma típica visão “oficial” e
conservadora da linguagem dentro da tendência que ele chamava de “objetivismo
abstrato”:

1. A língua é um sistema estável, imutável, de formas lingüísticas


submetidas a uma norma fornecida tal qual à consciência individual e
peremptória para esta.
2. As leis da língua são essencialmente leis lingüísticas específicas, que
estabelecem ligações entre os signos lingüísticos no interior de um sistema
fechado. Estas leis são objetivas relativamente a toda consciência subjetiva.
3. As ligações lingüísticas específicas nada têm a ver com valores
ideológicos (artísticos cognitivos e outros). Não se encontra, na base dos
fatos lingüísticos, nenhum motor ideológico. Entre a palavra e seu sentido
não existe vinculo natural e compreensível para a consciência, nem vínculo
artístico.
4. Os atos individuais de fala constituem do ponto de vista da língua,
simples refrações fortuitas ou mesmo deformações das formas normativas.
Mas são justamente estes atos individuais de fala que explicam a mudança
histórica das formas da língua; enquanto tal, a mudança é, do ponto de vista
do sistema, irracional e mesmo desprovida de sentido. Entre o sistema da
língua e a sua historia não existe nem vínculo nem afinidade de motivos.
Eles são estranhos entre si. (1979, p. 68).

A maioria dos cidadãos têm uma possibilidade reduzida de acesso ao


código da escrita usada pelo poder, constituída pela escola e pela “norma
pedagógica” ali ensinada. O fator da pronúncia é considerado como uma marca da
proveniência regional, e às vezes social, e esta área da produção lingüística
dificilmente é apagada pela instituição.
55

A variedade considerada culta é associada à escrita e também à


tradição gramatical; é inventariada nos dicionários e é a portadora de uma tradição
cultural e de uma identidade nacional.
No Brasil, a norma presente nas gramáticas é um conjunto de opiniões
sobre como a língua deveria ser, segundo os gramáticos.
Antonio Houaiss observa:

“a realidade nua e crua é que, malgrado o numero ponderável de estudos


gramaticais, não sabemos efetivamente o que é e como é a língua
portuguesa, sobretudo no Brasil, e assistimos estarrecidos ao divorcio
crescente entre a norma gramatical canônica e a criação literária viva” (in
CASTILHO, 1973).

O autor ainda lembra que talvez José de Alencar tenha sido o


intelectual mais conhecido que defendeu, nos seus escritos, implícita e
explicitamente, a idéia de língua “brasileira”. Segundo ele a língua “brasileira”
deveria se adequar à “simplicidade” de pensamento e de expressão do índio e do
sertanejo.
Mas convenhamos que nas sociedades complexas como a nossa,
torna-se necessário um amplo aparato de conhecimentos sócio-políticos para poder
ter acesso à compreensão e principalmente à produção de mensagens de nível
sócio-político.

2.2 TIPOS DE GRAMÁTICA

A posição antinormativa dos lingüistas foi estabelecida como uma visão


abstrata segundo a qual todos os dialetos têm um valor intrínseco igual em termos
lingüísticos. O que Bakhtin/Voloshinov (1929) chamou de “objetivismo abstrato”,
aprofundou a distância entre os lingüistas e os professores de língua. A gramática
normativa escrita é um resto de época em que as organizações dos estados eram
explicitamente autoritárias e centralizadas.
A difusão da educação e do conhecimento da variedade lingüística visa
a reduzir a distância entre grupos sociais para uma sociedade de oportunidades
56

iguais para todos. A importância disto está no fato de que as habilidades lingüísticas,
às vezes, são fatores de discriminação.
A Constituição Brasileira afirma que todos os indivíduos são iguais
perante a lei, mas essa mesma lei é redigida numa língua que só uma parcela
pequena de brasileiros consegue entender. A discriminação social começa no texto
da Constituição, (GNERRE, 1998).
Gnerre não quis dizer que a Constituição deveria ser escrita em língua
não-padrão, mas sim que todos os brasileiros deveriam ter acesso mais amplo e
democrático a essa “língua oficial”. Os falantes das variedades desprestigiadas
deixam de usufruir diversos serviços a que têm direito por não compreenderem a
linguagem empregada pelos órgãos públicos.
Muitos pesquisadores têm mostrado em seus estudos que os falantes
das variedades lingüísticas desprestigiadas têm sérias dificuldades para
compreenderem as mensagens enviadas pelo poder público, pois este se serve
exclusivamente da língua padrão.
Segundo Lo Piparo, 1979 (apud GNERRE, 1998 p. 32), a tendência
das gramáticas normativas escritas é abraçar todo um território nacional e todo o
“volume lingüístico” com a finalidade de criar um conformismo lingüístico unitário
porque cria um esqueleto mais forte e homogêneo para o organismo lingüístico
nacional, do qual cada indivíduo é o reflexo e o interprete.
A gramática normativa é a expressão da sociedade civil em um
momento de consenso das normas lingüísticas de grupos sociais homogêneos. Para
Gramsci (1975, in GNERRE p. 32) a realidade lingüística nacional é formada pela
junção destes dois tipos de gramática: gramática normativa escrita e gramática
normativa oral.
A estratificação sócio-cultural se espelha numa estratificação
lingüística, só ascendendo o nível sócio-cultural crescerá o nível de linguagem do
individuo. Filhos de pais analfabetos aprendem com eles a sua linguagem e é com
esse material que o professor terá que começar.
O professor tem que ter um realismo lingüístico, pois a língua é como
é, não como deveria ser, como o professor queria que fosse, como os gramáticos
pretendem impor que seja, presos a modelos do passado.
Em sociedades econômica e culturalmente heterogêneas, é inevitável
a heterogeneidade no campo da linguagem. Mesmo visando a uma homogeneidade
57

lingüística culta, a escola tem que trabalhar a partir da realidade gramatical


heterogênea dos alunos.
Até a década de 90, as dificuldades enfrentadas pelos alunos e
professores nas escolas, quanto ao processo ensino-aprendizagem, eram bem
menores, pois a maioria do corpo discente era formada por alunos de camadas
sociais mais favorecidas sócio-economicamente, conforme Pernambuco (1993).
Esses alunos já traziam de seu ambiente familiar uma variedade lingüística muito
próxima da variedade prestigiada pela escola, portanto aos professores competia
somente fornecer meios para esses alunos expandirem o uso da sua linguagem.
A escola, segundo o mesmo autor, abriu suas portas para as camadas
populares que dominam uma forma diferente da que é prestigiada pela sociedade,
há o domínio da variedade inculta contrapondo-se ao “falar culto” da classe
dominante. A escola não se adaptou ou mesmo não conseguiu adaptar-se a essa
circunstância. Incompetente para tal, a escola passou a estigmatizar as
manifestações orais e escritas desses alunos provenientes das classes mais pobres.
Para Possenti (1996) é interessante sabermos que na realidade são os
gramáticos que consultam os escritores para saberem as regras que devem seguir e
não, os escritores que consultam os gramáticos. Em conseqüência disto, não faz
sentido ensinar nomenclaturas a quem não domina habilidades de utilização
corrente e não traumática da língua.
Ele afirma também que para muitas pessoas ensinar língua é ensinar
gramática ou, diferentemente, ensinar gramática é a mesma coisa que ensinar
língua. Por ensino de gramática entende-se a soma de duas atividades que se
relacionam, não obrigatoriamente. Essas atividades são: estudos de regras de
construção de palavras ou frases (regras ortográficas, de concordância, regência,
etc.) e a análise mais ou menos explícitas de determinadas construções (vogais,
consoantes, análise sintática da oração, etc.). Do ponto de vista do ensino da língua
padrão a primeira atividade evidencia o tentar consolidar o uso de uma variedade de
prestígio e a segunda só se justifica por critérios independentes do ensino da língua.
A discussão sobre língua e gramática é muito antiga, mas também
atual, pois embora tivesse ocorrido muita mudança de discurso, a prática escolar
continua a mesma. Possenti admite a necessidade de saber o que é gramática
embora a noção de gramática seja controvertida: nem todos os que se dedicam a
esse estudo a definem da mesma maneira. Ele destaca três maneiras de entender a
58

definição de gramática: como “conjunto de regras”: conjunto de regras que devem


ser seguidas, conjunta de regras que são seguidas e conjunto de regras que o
falante da língua domina. Nas duas primeiras maneiras as regras se referem à
organização das expressões utilizadas por um membro de uma comunidade
linguística; a terceira refere-se à hipóteses sobre aspectos da realidade mental dos
mesmos falantes. Caracteriza essas noções em três tipos de gramática: a normativa,
a descritiva e a internalizada.
As gramáticas normativas correspondem à noção de que gramática é o
conjunto de regras que devem ser seguidas, é a mais conhecida dos professores de
primeiro e segundo graus, pois é a definição encontrada nas gramáticas
pedagógicas e nos livros didáticos, onde apresentam como objetivo da gramática:
levar o leitor a “falar e escrever corretamente. Estes livros apresentam regras para a
variedade padrão escrita e oral. Essas gramáticas também recebem o nome de
gramáticas prescritivas e são as mais conhecidas.
As gramáticas descritivas são as relacionadas à definição de gramática
como conjunto de regras que são seguidas. Essa gramática orienta os trabalhos dos
lingüistas para descreverem e/ou explicarem as línguas tais como são faladas.
Exemplificando: algumas formas verbais como “vós fostes”, “vós iríeis”,etc., só
existem na escrita, pois as formas mais usadas na oralidade são: vocês foram,
vocês iriam. Há muitas diferenças quando se trata do sistema pronominal: quando
as formas pronominais de terceira pessoa estão em posição de objeto direto
“o/a/os/as” quase não se ouvem mais, às vezes, aparecem na escrita. Na oralidade,
o que ocorre em seu lugar, apesar de parecer um escândalo a certos ouvidos, é
“ele/ela/eles/elas”.
Quando se fala de pronomes em português do Brasil, as regras de
colocação de pronomes átonos encontradas nas gramáticas e ensinadas na escola
como desejáveis são decorrentes de uma visão equivocada da língua.
A gramática internalizada é a da terceira definição de gramática:
conjunto de regras que o falante domina. São hipóteses sobre os conhecimentos
que habilitam o falante a produzir frases ou seqüências de palavras compreensíveis
e reconhecidas como pertencendo a uma língua, como: “Os meninos apanham as
goiabas” ou “Os menino (a)panha as goiaba”, quem fala português sabe que são
frases em português, não espanhol, inglês, etc.
59

Estes conhecimentos podem ser de dois tipos: lexical e sintático-


semântico. Lexical quanto à capacidade de empregar as palavras adequadas,
sintático-semântico tem a ver com a distribuição das palavras na sentença para que
tenham sentido. À medida que as palavras têm exigências em relação ao outro nível,
o léxico tem implicações na sintaxe-semântica. Há a necessidade de saber-se o que
significa, por exemplo, a palavra “dizer” para empregá-la, embora saber o que ela
significa exige que esse verbo tenha um sujeito de tal tipo, complemento de outro
tipo, etc. Na sentença “E a raposa disse para o corvo...” o falante pode achar a frase
estranha já que raposas não falam, ou colocar-se em outro mundo.
Uma versão sobre a aquisição do conhecimento gramatical diz que
aprendemos por repetição, falamos o que ouvimos. As crianças produzem algumas
formas nunca ouvidas, tipicamente não regularizadoras de formas irregulares como:
“eu sabo”, “eu cabo”, “eu fazi”, “ele iu”, etc. Isto acontece porque as crianças
aprenderam regras de conjugação verbal, é o resultado da aplicação de regras
conhecidas, internalizadas.
Uma gramática descritiva é tanto melhor quanto mais ela for capaz de
explicitar o que os falantes sabem, ou quanto mais ela for o retrato da internalizada.
Possenti (1996) afirma: se “o objetivo da escola é ensinar o português
padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja
aprendido”, há necessidade de que entendamos que devemos trabalhar o ensino de
Língua Portuguesa convencidos de que o domínio efetivo e ativo de uma língua
dispensa o domínio de uma metalinguagem. Também devemos levar em
consideração que conhecer uma língua é uma coisa e conhecer gramática é outra.
Nenhum dos dois conhecimentos isolados serve como base de aprendizagem, eles
se completam e há uma grande necessidade de saber-se usá-los. A ineficiência
quanto ao conhecimento da relação de dependência existente entre língua e
gramática pode levar-nos a fracassar no ensino da língua materna.

2.3 O TRABALHO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR

O problema do fracasso escolar de Língua Portuguesa não se atém só


ao âmbito da variação lingüística. A escola tem falhado para ensinar a variedade
60

padrão da língua: partindo da concepção da linguagem como instrumento de


comunicação, adota práticas pedagógicas que exigem do aluno uma assimilação do
conteúdo ministrado, criando atitudes mecânicas e passivas responsáveis pelo
desinteresse diante do processo ensino-aprendizagem.
O modelo de trabalho do professor de Língua Portuguesa na escola
brasileira consiste numa repetição de atividades desinteressantes para o aluno e
improdutivas no sentido de promover a expansão da habilidade lingüística de que
ele já é possuidor quando entra para a escola.
Uma criança com sete anos de idade que entra na escola para se
alfabetizar, já entende e fala a língua portuguesa nas diversas circunstâncias
apresentadas pela vida. Afirmação esta facilmente comprovada ao observar-se os
diálogos mantidos entre as crianças na hora do recreio. Neste caso, trata-se de
crianças normais.
Segundo Cagliari (2002), as dificuldades específicas de aquisição de
linguagem só ocorrem quando a criança apresenta problemas biológicos seríssimos.
Para uma criança aprender uma linguagem não há necessidade de
organizar esta linguagem em ordem alfabética. A criança não entra para o mundo da
linguagem da mesma forma que um adulto inicia-se no aprendizado.
“Quando se diz que uma criança já é um falante nativo de uma língua,
significa que ela dispõe de um vocabulário e de regras gramaticais”. (CAGLIARI.
2002, p. 18).
“Mas o que é ensinar português para pessoas que já sabem falar o
português?” indaga Cagliari, após afirmar que “ensinar português é ensinar
português e não fazer disso um campo de prova de teorias ou hipóteses
psicológicas, pedagógicas, ou seja, lá o que for”. (CAGLIARI, 2002, p. 22)
No início do ano letivo o professor faz seu planejamento e traça
objetivos a serem alcançados como resultado do seu trabalho e enumera itens do
conteúdo programático a ser desenvolvido, não se atém, não se preocupa com os
conhecimentos que os alunos já tenham adquiridos quer em casa ou na escola.
Ainda hoje, a concepção de gramática predominante na maioria das práticas
escolares em nossas escolas é a da gramática tradicional apenas com alguns
termos substituídos. Outras finalidades como a de preservar a língua original de
determinadas comunidades fez com que a gramática assumisse uma feição mais
prescritiva e perdura até hoje.
61

Os manuais de gramática passaram a ditar a língua, como se ela não


fosse anterior à gramática. Embora se saiba que a língua é extensa demais, seus
usos são complexos e plurais e não caberiam em nenhum manual, sempre
aventura-se pela consulta a eles.
Sendo a linguagem um patrimônio característico de toda a
humanidade, qualquer criança tendo acesso a ela, domina-a nos primeiros anos de
vida com todos os seus sistemas de princípios e regras que lhe permitem ativar ou
construir inteiramente a gramática de sua língua.
Segundo Antunes (2007, p. 36) “Qualquer pessoa que fala uma língua
fala essa língua porque sabe a sua gramática, mesmo que não tenha consciência
disso”, ela ilustra essa afirmação com o relato do fato:

Uma criança de dois anos e quatro meses, ao ser interrogada se queria


falar pelo telefone com a avó, respondeu prontamente:
-- Quero.
Observemos que essa criança não disse “queremos”, “quis”, “querem”, nem
outra coisa qualquer que não fizesse sentido nessa situação específica.
Pelo contrário, usou o verbo nas flexões de tempo, modo, pessoa e número
adequados, omitiu o pronome sujeito, omitiu o complemento do verbo, uma
vez que esses elementos estavam contidos no contexto da interação.
Certamente se a pergunta tivesse sido:
-- Quem quer falar com a vovó? – o garoto não teria omitido o pronome e
teria respondido:
-- Eu quero! – ou, simplesmente:
-- Eu.

Neste exemplo, ela demonstra como a gramática da língua, nesse


sentido de “gramática interiorizada” faz parte do conjunto de saberes que as
pessoas desenvolvem desde cedo.
Scherre (in ANTUNES, 2007, p. 27), afirma: ”com três anos de idade,
qualquer criança de qualquer parte do mundo se comunica com estruturas
lingüísticas complexas”. Toda língua em qualquer condição de uso é regulada por
uma gramática, afirmação que contradiz a idéia de que somente a norma culta
segue uma gramática.
Quando é exigido pelo professor o aprendizado puro e simplesmente
da gramática normativa, causa frustração de ambos os lados, no professor e no
aluno. O aprendiz por não conseguir dominar e usar todas as regras gramaticais
passa sua dificuldade para a disciplina achando-a muito difícil.
Embora haja outras disciplinas tanto ou até mais difíceis que gramática
(matemática e química para alguns, história para outros, etc.), nenhuma delas tem o
62

alto índice de rejeição obtido pela gramática. Pode-se observar claramente que
alguns professores, alunos e pais de alunos defendem a supressão do ensino
gramatical e que há também os que radicalizam: uns consideram que a gramática
“não serve para nada”, enquanto outros afirmam que “sem gramática não é possível
aprender português”. Tudo isso reflete que há algo errado quanto ao ensino de
gramática. Existe neste aprendizado, sofrimento de alunos e professores, pois
ambos sentem-se frustrados. O primeiro por achar que não consegue ensinar e o
outro por não se sentir capacitado a aprender.
Se perguntarmos aos jovens que freqüentam o segundo grau e já
estão fazendo planos para o futuro qual faculdade pretendem cursar, com certeza,
alguns responderão que pretendem cursar direito, outros geologia, outros
engenharia, mas dificilmente encontraremos algum que pretende ser gramático.
Uma observação importante é de que ao aluno de matemática exige-se que tenha
pré-requisitos para uma determinada série, já um professor de português não pode
entrar na sala esperando que seus alunos dominem análise sintática, distingam as
classes gramaticais, embora este conteúdo faça parte do desenvolvido nas séries
anteriores, pois isto será motivo para decepção por parte do professor. Se os alunos
estudam o assunto há oito anos ou mais e não o sabem, conclui-se que alguma
coisa está errada.
É muita preocupante a maneira usada para ensinar-se a língua
materna. Considerando-se a língua um duplo sistema, sendo: um sistema de sinais
(vocábulos, expressões) e outro de combinação desses sinais ao que chamamos
“gramática”, notaremos que não há língua sem gramática, “Amar uma língua é amar
sua gramática” (LUFT, 2006, p. 11).
A obsessão gramaticalista, a idéia de que ensinar uma língua seja
ensinar a escrever “certo” relegando-se a prática da língua, e a postura opressora e
repressiva desse ensino origina o desânimo dos professores dessa matéria, pois o
malogro desse ensino é comprovado em concursos, em testes falados e escritos dos
nossos diplomados universitários.
Atualmente, no Brasil, o aluno passa 8 (oito) anos no Ensino
Fundamental, 3 (três) no Ensino Médio, freqüenta cursinho, cursa até quatro anos de
faculdade e se um especialista fizer uma pesquisa séria para saber o que este aluno
aprendeu em todos esses anos, ficará decepcionado. Nestes anos todos, o que o
aluno aprendeu na escola? Para Cagliari (2002), o aluno não aprende porque a
63

escola não ensina e não sabe ensinar e os que aprendem o fazem, em grande parte,
apesar do que a escola ensina.
Luft (2006) observa: se perguntarmos a pessoas não especializadas
ainda que cultas: o que é gramática? Todas responderão “É um livro onde se
aprende a escrever certo” ou “são regras que ensinam a falar e a escrever
corretamente”. Na verdade, estes livros são tentativas de registros da autêntica
gramática, a vital, a verdadeira: conjunto de regras que sustentam o sistema de
qualquer língua, com ela nascem, evoluem e morrem. Não há língua sem gramática.
A preocupação é a maneira de se ensinar a língua materna, as noções falsas da
língua e gramática, a obsessão gramaticalista, a postura opressora e repressiva,
alienada e alienante desse ensino, como, em geral, de todo o nosso ensino em
qualquer nível ou disciplina.
Antunes (2007) coloca como subtítulo de sua obra Muito além da
gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho e inicia seu livro com o
poema de Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho”, devido ao modo
usado para ensinar-se gramática ser baseado na gramática tradicional, isso faz com
que os alunos a considerem uma verdadeira pedra no caminho.
É a concepção de gramática normativa, muito antiga, que ainda está
muito presente nas escolas. Neste caso, um bom gramático seria aquele que diz
como se deve escrever. Desta definição parte o conceito de mau e bom uso da
língua sendo que o “mau uso” da língua é formado pelo maior número de pessoas e
o “bom uso” corresponde à elite, à maneira de falar da parte mais sadia da corte e à
maneira de escrever de acordo com os escritores da época.
A compreensão deturpada que se tem da gramática da língua e de seu
estudo tem funcionado como um obstáculo à ampliação da competência dos alunos
para a fala, a escrita, a leitura e escrita de textos adequados e relevantes. Há um
grande equívoco em relação à dimensão da gramática de uma língua, em relação às
suas funções e às suas limitações. Com a finalidade de conservar o ensino de
gramática no currículo, muitos professores dizem e acreditam que a gramática leva o
aluno a ler e escrever melhor, ou seja, a um domínio adequado da linguagem padrão
escrita.
É bastante verossímil e, portanto, importante, citarmos os exemplos de
Cagliari (2002, p. 23, 24) sobre o que a escola ensina:
64

O aluno passa anos e anos, diariamente, em aulas de português, e o que


aprende? Sempre as mesmas coisas: o que significa a palavra... telúrico?
Como se escrevem as palavras... exceção, extenso e estender? Qual o
plural de... cidadão? a que categorias gramaticais pertencem as
palavras...mal e mau? O que é substantivo... concreto, abstrato? Qual o
coletivo de. lobo? Qual é o sujeito das orações... ”Caiu no jardim a bola”,
“Há vidros na grama”? O que o autor quis dizer com a expressão... seu
idiota? [...]

Após afirmar que é isso que acontece nas escolas e em muitos cursos
superiores de Letras, Cagliari (2002) faz uma comparação entre as perguntas
citadas e uns testes para motoristas de ônibus urbanos em que se perguntasse aos
candidatos se sabem distinguir uma rua de uma calçada. Os candidatos, com
certeza, achariam que era brincadeira ou então se sentiriam ofendidos.
Muitas vezes este tipo de avaliação não é usado para avaliar o
desenvolvimento intelectual do aluno, mas como um subterfúgio para lhe dizer que
nada sabe e os que sabem são os professores, o autor, a escola.

“O professor de português deve ensinar aos alunos o que é uma língua,


quais as propriedades e usos que ela realmente tem, qual é o
comportamento da sociedade e dos indivíduos em relação aos usos
lingüísticos, nas mais variadas situações da vida”. (CAGLIARI, 2002, p. 28)

Infelizmente, as escolas têm se apegado às regras estabelecidas pela


gramática normativa e à metodologia que visa preparar o aluno para ser promovido
em concursos que só levam isso em consideração.
Na tentativa de saber o motivo pelo qual a gramática normativa tem
tanta força a ponto de se manter como padrão de ensino, e o porquê de um
preconceito lingüístico tão violento apesar dos vários trabalhos desenvolvidos em
lingüística, Britto (1997) afastou-se da sala de aula para que melhor pudesse
analisar esta questão. Nesta análise, descobriu vários fatores que sustentam a
tradição normativa e entre eles destaca: o ensimesmamento da escola que se define
da própria tradição escolar; a imprecisão quanto ao conceito de gramática como
expressão de norma, ou como um conhecimento lingüístico nato, ou como teorias
que se fazem sobre a língua no nível da frase; o vinculo entre norma culta e tradição
escrita; a confusão entre padrão lingüístico e norma canônica e a forte influência de
estância de poder que atuam como formadores de opinião sobre o senso comum
(mídia, vestibulares e os materiais didáticos).
A análise desenvolvida levou-o a concluir:
65

__ A gramática, entendida como uma teoria sobre a língua, se limita


historicamente ao nível da frase, não dando conta de muitas questões
relativas à linguagem. A confusão entre preceptismo e descritivismo sempre
esteve presente nos estudos de linguagem e na prática pedagógica e só
passou a ser realmente questionada a partir do advento da lingüística
moderna, o que no entanto ainda não foi suficiente para romper com o
preconceito lingüístico.
__ A chamada gramática tradicional estabelece, com base em critérios
subjetivos, uma norma canônica que serve de referência de correção para
textos escritos e fala de pessoas “cultas”. Isto faz com que se confunda
“norma culta” com “padrão de escrita”, o que leva muitas pessoas a
defender que é preciso ensinar a norma culta na escola.
__ Do ponto de vista do uso real da linguagem, nem todas as formas são
avaliadas da mesma maneira, de modo que há erros (erro aqui entendido
como a realização de uma forma não admitida pela norma canônica)
admissíveis __ aqueles próprios da classe média; e erros inadmissíveis __
aqueles identificados como próprios de segmentos sociais menos
favorecidos (BRITTO, 1997, p. 13).

O pesquisador declara também que não faz sentido insistir que o


objetivo da escola é ensinar o chamado português padrão e afirma que “o papel da
escola deve ser o de garantir ao aluno a acesso à escrita e aos discursos que se
organizam a partir dela”.
Ainda, segundo Britto, a escola tem optado a um programa
enciclopédico e uma perspectiva conteudística, resultado do fascínio da informação.
Essa opção é sustentada por dois mitos: o da precocidade e o da
superespecialização.
O mito da precocidade traz a idéia da velocidade e competitividade, ou
seja, “quanto antes melhor”, presentes no orgulho de pais e professores com
crianças alfabetizadas aos cinco anos. Essa precocidade é interpretada como prova
de inteligência, essa criança é vista como mais capaz e mais inteligente que as
outras; a escola que começa mais cedo a ensinar o conteúdo é melhor que as
outras.
Apoiado no mito da precocidade, o mito da superespecialização
(quanto mais especializado melhor) invade as escolas em todos os graus. A partir do
terceiro ano as matérias são divididas e os professores passam a especializar-se
nos ensinos de português, ou de matemática, etc. Cada matéria acaba sendo um
mundo encerrado em si mesmo e jogando no aluno um excesso de informação. A
superespecialização camufla as deficiências do sistema educacional e transfere
suas dificuldades para a criança: é ela que não aprende, ela que tem problemas
fonatórios, problemas de adaptação, cabendo aos especialistas as soluções. É cada
66

vez maior o número de crianças indicadas para acompanhamento especial de


psicólogo, fonoaudiólogo, psicopedagogo, etc. sendo em maior número nas escolas
de classe média.
Os mitos da precocidade e da superespecialização realimentam o
ensino informativo e reforçam o espírito competitivo e anticriativo. Para o senso
comum, o que é preciso aprender já está estabelecido pela ciência.

2.4 FALHAS NO ENSINO DA GRAMÁTICA

De acordo com Perini (2001, p. 49), o ensino escolar da gramática


apresenta três defeitos e estes o inutilizam como disciplina: objetivos mal colocados,
metodologia inadequada e a necessidade de organização lógica da matéria.

2.4.1 Considerações sobre os objetivos da disciplina de Português..

Os objetivos da disciplina estão mal colocados: há muitos professores


que, de fato, acreditam ser a gramática um dos principais instrumentos para levar o
aluno a ler e a escrever melhor, ou que através dela terão um domínio adequado da
língua padrão. Todas as evidências existentes sobre este assunto somente servem
para comprovar o contrário. Se é preciso saber gramática para escrever bem,
logicamente, quem escreve bem, sabe gramática.
Perini (2001), para exemplificar e obviamente comprovar que esta
afirmação não é verdadeira, cita Luís Fernando Veríssimo, afirma que ninguém
escreve melhor que ele, mesmo ele não sabendo praticamente nada de gramática,
ter sido um mau aluno, abandonado a escola e não ter cursado curso de letras.
Veríssimo não sabe nada de gramática porque ninguém sabe gramática, observa.
Este “não saber gramática” não impede que escrevamos razoavelmente bem ou
mesmo, como Veríssimo, muito bem.
Luft (2006) comenta que com a preocupação de que os professores
entendam que a língua deve ser vista, analisada e ensinada como entidade viva,
67

Maria Glória Bordini (1982) publicou uma seleção de crônicas de Luis Fernando
Veríssimo com o título de “O gigolô das palavras” (L&PM Editores). Este livro de
Bordini recebeu muitos elogios, mas também uma critica desfavorável e preocupada
entre os estudiosos da língua mais conservadores.
A crônica “Gigolô” publicada no jornal “Zero Hora” de Porto Alegre
surgiu como resposta à pergunta feita durante uma entrevista (destas que muitos
professores mandam seus alunos fazerem com os autores):
— Considera o estudo de gramática indispensável para aprender a
nossa ou qualquer outra língua?
Veríssimo narra o fato e comenta-o na referida crônica:

O gigolô das palavras


[...] Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de
comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitada
algumas regras básicas da gramática, para evitar os vexames mais
gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não
de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo.
Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo mas é claro, certo? O
importante é comunicar. E quando possível surpreender, iluminar, divertir,
comover... Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada
a ver com Gramática. A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina
nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores
de Latim, gente em geral pouco comunicativa. [...]
E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia a minha
pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas __ isto
eu disse __ vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão dispensável
que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na
matéria. [...] A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é
que manda. (VERÍSSIMO, Luís Fernando, apud LUFT, 2006, p. 14).

Nessa ocasião, Luft considerou que o cronista tinha suas idéias


afinadas com as dele, as quais eram trabalhadas em suas salas de aulas na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Considerando as afirmações de Luft concluímos que essa crônica
mostra-nos que:
- o mais importante em uma língua é a comunicação e não como
pensam alguns estudiosos que transformam a língua em gramática;
- as redações dos alunos deveriam ser julgadas tendo como objetivo a
comunicação e não as regras normativas da gramática;
- qualquer ato de comunicação obedece a regras, mas estas são
naturais, da gramática natural, interior, dos falantes. Todas as regras que não
68

contribuem para que haja uma comunicação eficiente dão ao aluno a idéia de que
“aula de Português é uma chateação”, não serve para nada;
- a língua é sempre uma questão de uso, somente o costume pode
determinar o que é certo ou errado e não gramáticos em evidência;
- a norma de uma língua é determinada pelo costume, não por outros
critérios como origem, lógica, autoridade.
- o “uso” brasileiro consagrou um novo princípio, uma nova regra, um
princípio usual contra um princípio lógico;
- todos nós falamos com a intenção de comunicarmos algo, o
importante é que isto seja feito com a maior clareza possível;
- é indispensável aprendermos a língua que contém a gramática e não
estudar gramática simplesmente. O importante é estudar, praticar, desenvolver a
língua, não regras de gramática;
- o talento não está ligado ao domínio da gramática, pois raros são os
escritores familiarizados com regras de Gramática e raros são os familiarizados com
a Gramática que sejam escritores;
- um ensino gramaticalista abafa os talentos naturais, torna-os
inseguros quanto à linguagem, gera aversão ao estudo do idioma e medo à
liberdade de expressão.
Muitos professores confundem estudar a língua com estudar
Gramática, expressão escrita com “fazer redação” tornando assim espinhoso o
caminho do ensino da língua materna. Ao começar os estudos a criança é levada a
lidar com a língua, a ler e contar histórias oralmente ou escritas (textos
espontâneos). Mais tarde, seus escritos ficam cheios de correções, sua linguagem é
censurada e submetida a normas gramaticais e como conseqüência ela perde a
espontaneidade, fica tolhida, murcha. As correções baseadas na gramática
normativa, e geralmente em vermelho, tolhem o aluno, deixa-o frustrado,
desencanta-o, ele perde o prazer de escrever e, muitas vezes, sente-se incapaz da
mais simples produção.
Segundo Cagliari (2002) “é preciso não corrigir demais as crianças:
deve-se dar tempo para que aprendam e incentivar a autocorreção, a autocrítica”.
É muito importante ao ensino da língua materna que no seu
desenvolver, isso desde o início, o aluno aprenda a lidar com a língua com os
poderes de expressão, que possa expandir-se através de sua criatividade lingüística,
69

que a meta a ser atingida seja o desenvolvimento e o aperfeiçoamento crescente da


sua gramática de comunicação.
Não foi Veríssimo o primeiro escritor a confessar sua pouca
familiaridade com a Gramática. Entre vários casos, o narrado por Medeiros e
Albuquerque (Quando eu era vivo, RJ, Record, 1981, apud LUFT , 2006, p. 23):

Era eu diretor de instrução e queria imprimir ao estudo de Português da


Escola Normal, um cunho essencialmente prático. Tendo, por outro lado de
aproveitar Valentim Magalhães, mandei convidá-lo. À queima-roupa
desfechei-lhe esta pergunta:
__ Você sabe gramática?
Valentim empertigou-se, um pouco formalizado. Expliquei então o que eu
queria dizer: que ele, decerto, não conhecia toda a rebarbativa e complicada
tecnologia gramatical. Confessou-me que tal era a sua situação.
__ Nesse caso __ disse-lhe eu __ aceite a cadeira de Português dos dois
primeiros anos da Escola Normal.
Valentim julgou que eu gracejava. Expliquei-lhe que não. Precisava de um
professor que soubesse escrever e ensinasse a escrever, mas que não
ensinasse gramática ora, por comodidade, todos os professores faziam
descambar o ensino para a aprendizagem de gramática [grifos meus]. Ele
que não a conhecia, não podia fazer isso. E nomeei-o.
À tarde, na Rua do Ouvidor, encontrando Machado de Assis, contei-lhe o
fato. Machado exclamou sorrindo: “Por que V. não me nomeou? Eu servia
perfeitamente”. E referiu-me que abrira, dias antes, a gramática de um
sobrinho, e ficara assombrado da própria ignorância: não entendera nada!

Podemos concluir após a leitura desse texto que se Machado, um


clássico da nossa língua, não entendera nada de gramática, então, o nosso
professor de português, que sabe tudo ou quase tudo de gramática, com certeza,
escreverá textos melhores que os de Machado. Que engano! Muitos dos nossos
professores só entendem de regras, nomenclaturas, quase nunca escrevem e
quando o fazem, geralmente, por não possuírem desenvoltura necessária para o uso
da língua, não o fazem bem. Isso acontece normalmente com professores que se
esquecem que ensinar a língua é fazer falar e escrever com clareza e eficiência.
Outro escritor com dificuldades em gramática: Monteiro Lobato, foi
reprovado em Português! Há muitos escritores que mandam seus textos para a
redação cheios de erros, segundo os puristas. Existe, portanto a profissão de revisor
exercida pelos que em suas aulas aprenderam que saber Português é colocar
acentos, vírgulas, crases, fazer corretamente as concordâncias, etc.
Luft (2006) declara que sua experiência como professor ensinou-o que
os alunos mais talentosos em linguagem, futuros escritores, são os mais avessos às
aulas de gramática.
70

Tudo isso acontece porque muitos professores desvirtuam o verdadeiro


objetiva do ensino da língua materna que é desenvolver no aluno a capacidade de
escrever com precisão e clareza e que para isso ele não pode desvalorizar a
gramática interiorizada que o aluno traz para a escola. O professor precisa entender
que a sua função é fazer com que o aluno some conhecimentos e não que anule o
que já sabe considerando o famoso “certo e errado".
Considerando-se a língua uma realidade essencialmente variável, não
há formas nem expressões intrinsecamente erradas. Na escola onde o aluno deverá
aprender uma variante que não domina, ocorrem dois tipos de “erros escolares”: o
aluno usa a linguagem não padrão em situações em que a padrão é exigida.
Considera esses usos inadequados, marcas de incompetência ou “burrice”, produz
como único resultado a resistência que assume como real o papel que lhe é
atribuído por preconceito. O segundo tipo de “erro escolar” decorre do fato de o
aluno estar aprendendo uma variante nova. Como uma variante nova só se aprende
pela formulação de hipóteses pode ser que uma delas formuladas pelos alunos
sejam inadequadas. Por mais distante que a linguagem do aluno esteja da padrão,
ela é complexa, articulada sem ser um falar rudimentar e pobre. Se a escola
desconsiderar essa riqueza lingüística que a criança sempre traz, estará pecando
pela base (ILARI / POSSENTI, 1985).

2.4.2 Metodologia inadequada

Segundo Perini (2001, p. 51), a metodologia é inadequada, em vez de


metodologia deveria falar de “atitude diante da matéria”. Comparando o ensino de
gramática com o de outras disciplinas ele demonstra a coerência de sua afirmação:
um professor de história poderá explicar a um aluno como ficou sabendo o conteúdo
que ensina, ou seja, em documentos da época dita, em escavações arqueológicas,
etc. Mas, em gramática, é diferente. O professor diz que o futuro do subjuntivo do
verbo ver é quando eu vir, etc. assim “devemos” (ou deveríamos) dizer quando eu te
vir amanhã... O aluno sabe que ninguém fala assim, o que o professor está
ensinando não bate com a realidade, pois todos dizemos: quando eu te ver. A única
resposta a uma indagação do aluno sobre a forma quando eu vir será é assim que é
71

certo. Essa resposta não tem fundamento racional, trata-se somente de uma ordem:
faça assim. É essa situação que Perini tinha em mente quando afirmou que a atitude
diante da matéria, é inadequada.
Também encontramos em Antunes (2007, p. 39-40) um exemplo de
uso de metodologia inadequada no ensino de línguas descrito por Cecília Meireles
em uma crônica. Nela Cecília descreve toda a sua ansiedade por entrar em um
curso de inglês, para logo poder ler as obras de poetas ingleses a que ela tivera
acesso. Esta ansiedade foi duplamente frustrada quando, por duas vezes
sucessivas, o que encontrou foram professoras solícitas em ensinar o verbo to be. O
acesso à língua para ler os poemas foi adiado.
Deste exemplo podemos concluir que para aprender-se uma língua, as
regras de gramática não são suficientes para que haja comunicação; elas são
necessárias, importantes, mas não suficientes.
É bem conhecida a rejeição pela gramática até de professores e
educadores. Isso acontece porque a renovação de uma concepção de gramática
não é feita de um momento para o outro. A rejeição pode ser conseqüência da
renovação ou inconseqüência de uma prática dos mesmos exercícios antigos sob
outras capas.
Não podemos ignorar sobre este assunto a opinião de Rubem Alves
(1999): educador, escritor e psicanalista, professor emérito da Universidade
Estadual de Campinas, um crítico do sistema de ensino brasileiro. Sua opinião,
exposta em uma entrevista concedida à revista Época (1999) é que: o problema da
escola é que ela não leva em consideração o desejo de aprender das crianças e
está respondendo às perguntas que somente os adultos acham importantes.
Crianças fazem perguntas incríveis, mas essa curiosidade investigativa, que leva o
aluno a estudar, está longe dos programas escolares. Ele declara que não é de hoje
que a escola é “chata”, que sempre foi assim e isso acontece porque as coisas são
impostas às crianças. Completa: é evidente que as crianças gostam da escola por
causa da sociabilidade, dos amigos, do recreio. Rubem pergunta: -- Você acha que
um adolescente, vivendo na periferia, pode ter interesse em dígrafos? – e responde:
Nenhum. Explica que na escola a criança está vivenciando problemas que não tem
nada a ver com os assuntos das aulas e que os professores se justificam dizendo
que o programa afirma que é aquilo que deve ser ensinado.
72

Perante tal afirmativa há necessidade de que nos remetamos a


trabalhos que antecedem esta crônica, já citados nesta pesquisa, como o de Carlos
Franchi (1988), Sírio Possenti (1996). Estes trabalhos foram publicados nas
Propostas Curriculares para o ensino de Língua Portuguesa do Centro de Estudos e
Normas Pedagógicas do estado de São Paulo. Em 1993 o trabalho Repensando o
ensino-aprendizagem da gramática no 1º grau desenvolvido por Zuleica de Felice
Murrie já demonstrava uma grande preocupação a esse respeito e destacava a
importância de se repensar o processo de ensino de gramática com finalidade de
levar o aluno a interagir com a linguagem criando descrições coincidentes ou não
com a gramática tradicional. Para isso propõe a reflexão sobre os fatos da língua
oral e escrita, através da intuição de falante nativo, observando e descrevendo
ocorrências gramaticais. Em 1998, o MEC distribuiu para todo o Brasil, os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O PCN de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª
série, à página 28, cita em “Reflexão gramatical na prática pedagógica” a
inexistência de justificativa para tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas
de linguagem e que quando a gramática é ensinada de forma descontextualizada
torna-se emblemática de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve
para ir bem nas provas e passar de ano. Trata-se de uma prática pedagógica que
vai da metalingua para a língua por meio de exemplificação, exercícios de
reconhecimento e memorização de terminologia.
Certamente, a professora citada “mascarou” o dito, fingiu obedecer,
usou uma prática pedagógica não recomendada por especialistas da época. O
ensino de gramática sugerido na Proposta Curricular é um complemento às ações
de aprendizagem da língua. Através de atividades de linguagem como falar, ouvir,
ler, escrever, o aluno adquire mecanismos de articulação da língua e esses
conhecimentos lingüísticos não devem nunca ser esquecidos pelo professor.
Há uma grande preocupação por parte dos estudiosos dos problemas
existentes no ensino da Língua Portuguesa e recebe uma atenção especial por parte
deles o ensino da gramática, muitas vezes ensinada fora do texto como principal
parte da língua.
Desde os anos 70, os estudos de lingüística começaram a visitar o
ensino da língua materna e esses estudos começam a pressionar a escola rumo a
mudanças significativas, nem sempre devidamente compreendidas ou aplicadas. Os
73

postulados ficam no campo meramente teórico, sem deixar transparecer sua prática,
a fim de possibilitar um ensino de língua em qualquer nível de escolarização.

2.4.3 Ausência de organização lógica.

Perini (2001, p. 52) observa: a matéria carece de organização lógica.


Ele explica que não está dizendo que a gramática não tem lógica, que fala da
matéria que se ensina na escola com o nome de “gramática” e não da gramática
enquanto disciplina racional. Comprova esta afirmação usando exemplos da
gramática de Celso Cunha e Cintra, mas completa declarando que poderia usar
qualquer das gramáticas atualmente utilizadas nas escolas, pois todas apresentam
os mesmos defeitos. Considera os autores de gramáticas vítimas de uma tradição.
Exemplifica o dito anteriormente com a definição de sujeito:
Sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração. (p. 119)
A própria gramática não respeita essa definição, pois à pagina 125
dizem:
Algumas vezes o verbo não se refere a uma pessoa determinada, ou
por se desconhecer quem executa a ação, ou por não haver interesse no seu
desenvolvimento. Dizemos então que o sujeito é indeterminado.
Se o sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração, nada tem a
ver com quem pratica a ação. No caso, teríamos sujeito indeterminado quando não
se sabe, ou não se quer dizer, sobre quem se faz a declaração. Os gramáticos não
se atêm a esse detalhe e pulam para outra concepção de sujeito.
Na página 122, encontra-se a frase:
Quem disse isso?
Nesta frase o pronome quem vem marcado como sujeito. Essa
pergunta não contém uma declaração, portanto não deveria ter sujeito. O autor
desrespeita a própria definição.
À pagina 126, encontramos a frase:
Na sala havia ainda três quadros do pintor.
Essa frase é classificada como sem sujeito. Essa frase contém uma
declaração sobre nada ou sobre a sala e também sobre seus quadros. Se ela não
74

tem sujeito, será que há outros termos na oração sobre os quais se faz uma
declaração?
A esta altura existe uma impossibilidade de se usar a gramática para
aprender-se sobre a estrutura da língua, pois: o que é realmente o sujeito? O
problema das gramáticas escolares, não só neste ponto, é que não são organizadas
de maneira lógica. Isto faz com que ninguém tenha segurança nessa matéria e
ninguém goste dela.
Perini (2001, p. 54) indigna-se ao ver a que ponto o ensino da língua
portuguesa chegou e apela ”dada a necessidade urgente de resgatá-la do poço, nós,
que somos os amigos, precisamos nos conscientizar dos problemas da gramática,
antes que os inimigos o façam”.
Em momento algum se propõe um roteiro metodológico podendo
somente ser executados por pessoas altamente especializados. Sua execução
depende apenas do bom senso, um pouco de capacidade de observação e
disposição para abrir mão de atitudes puristas em relação à língua. Se os
professores observassem sua própria linguagem em situações diversas perceberia o
quanto ela varia. Isto não é sinônimo de incompetência profissional, isso indica que
são falantes normais capazes de se adaptarem às circunstancias, É importantíssimo
que o professor se conscientize de que o material prioritário de trabalho é a
produção lingüística do aluno. O objetivo é fazer com que o ensino de português
deixe de ser visto como a transmissão de conteúdos prontos e passe a ser uma
tarefa de construção de conhecimentos.
Segundo Cagliari (2002, p. 34), há muitas considerações baseadas em
palavreados de cunho pedagógico, psicológico ou mesmo metodológico que soam
como palavras bonitas e sensatas, mas inadequadas ao ensino de língua
portuguesa, pois não consideram o seu funcionamento e seus usos. Ele completa
esta afirmação observando que sem uma base lingüística verdadeira, as pessoas
que ensinam português ou acatam velhas tradições ou apóiam-se em concepções
inadequadas de linguagem.
“A Língua Portuguesa, como qualquer língua, tem o certo e o errado
somente em relação à sua estrutura. Com relação a seu uso pelas comunidades
falantes, não existe o certo e o errado linguisticamente, mas o diferente”.
(CAGLIARI, 2002). Ele exemplifica: se um falante da língua portuguesa diz “Carta eu
longa escrevi uma” em vez de “Eu escrevi uma longa carta” é um erro porque o
75

sistema da língua não permite que as palavras fiquem nessa ordem. Também há
erro lingüístico quando em vez de cavalo alguém diz panela. São erros porque vão
contra o sistema, a estrutura da própria língua. Esses erros não são comuns aos
falantes nativos. Se o português, como qualquer língua, é um fenômeno dinâmico
que evolui com o tempo, então, pelo uso diferente no tempo e nos diversos grupos
sociais a língua começa a existir como um conjunto de falares diferente.
Para a escola a variação lingüística é vista como uma questão
gramatical de certo ou errado. O diferente não tem lugar em sua avaliação, a escola
não entende esses fatos corretamente e por isso comete grandes injustiças com os
alunos.
Precisamos reconhecer que estudar gramática não é um dos meios de
se chegar a ler e escrever melhor. A gente aprende a escrever escrevendo, lendo,
relatando e reescrevendo.
Assim como a biologia revela alguns aspectos da estrutura e do
funcionamento dos seres vivos, a geografia leva o aluno a conhecer o planeta onde
vive, a gramática traz conhecimentos de linguagem, esse maravilhoso e complexo
mecanismo que lhe permite comunicar-se com seus semelhantes. Deve-se estudar
gramática para saber mais sobre o mundo e não para solucionar problemas práticos
como ler e escrever. É assim que Perini sugere que seja reformulado o objetivo da
gramática na escola.
Para que se possa alcançar novos objetivos propostos, necessitamos
de melhores gramáticas atualizadas com o saber lingüístico das pessoas e não
imposições, normas, regras ou receitas de como deveríamos falar ou escrever.
Segundo Luft (2006, p. 32), “os gramáticos devem observar e registrar
os fatos da língua e deles depreenderem as regras que os explicam, regras que
geraram os fatos (como diria um lingüista moderno)”.
Muitos professores atribuíram à intromissão da lingüística na sala de
aula, os fracassos atuais, isso porque eles ignoram que a lingüística não é um
método de ensino e que seu objetivo é o estudo da linguagem. Deve-se considerar,
por exemplo, que a teoria chomskiana representa um enorme avanço nos estudos
de linguagem, mas não foi feita para ensinar português na escola.
O professor competente, conhecedor do trabalho que realiza, deve
conhecer as teorias e conscientizar-se de que elas não são uma metodologia de
ensino. Já, os professores que foram aplicando as ultimas novidades da Lingüística
76

sem, no entanto, adequá-las ao ensino, procederam de maneira irresponsável e


leviana (cf. CAGLIARI, 2002, p. 41).
O uso da lingüística no ensino de português tem que ser planejado em
conjunto por lingüistas e professores de português, com a colaboração de
pedagogos, psicólogos, cada um na sua função. Ao lingüista caberá o conteúdo e as
técnicas de investigação; aos professores e demais colaboradores do processo
escolar, a dosagem do ensino, sua programação na seqüência conveniente e
motivações para o aluno estudar português.
77

3 CONCEPÇÕES DE ENSINO E MODOS DE ATUAÇÃO DO DOCENTE

“A liberdade não tem qualquer valor se não inclui a liberdade de errar”.


(Mahatma Gandhi)

Com o intuito de investigar o pensamento do professor sobre as


práticas pedagógicas que ele adota e, de fato, o seu modo de atuar em sala de aula,
elaboramos um questionário a ser respondido por professores e alunos da Rede
pública e privada. Buscamos descobrir através dos enunciados de suas respostas, a
sua concepção sobre o trabalho, seus conhecimentos quanto às prescrições
reguladoras de sua atividade e o que realmente consegue fazer a serviço da
linguagem. Por ser o trabalho do professor alvo de muitas críticas quanto ao ensino
da Gramática achamos por bem desenvolver essa pesquisa com objetivo de verificar
aproximações e distanciamentos entre o trabalho prescrito, realizado e
representado. Nosso objetivo é verificar o conhecimento que o professor tem do que
é prescrito para o seu trabalho, o que ele consegue realizar e o que ele expressa
sobre sua atividade funcional. Além disso, procuramos averiguar se, de fato, os
objetivos propostos por eles são alcançados e até onde os professores conseguem
atingir os alunos através de seu ensino.
A nossa pesquisa foi feita através de um questionário cujas perguntas
foram direcionadas ao ensino/aprendizagem de português, especificamente ao
ensino/aprendizagem de gramática nas salas de 5ª a 8ª séries ou de 6º a 9º anos.
Ela foi desenvolvida com professores e com alunos que freqüentam as referidas
séries em uma escola pública e uma escola particular do município de Sertãozinho –
SP. Alguns professores são destas escolas, outros já pertencem ao quadro docente
de outras escolas devido serem poucos os professores de português em cada
unidade de ensino; isso acontece porque as escolas são pequenas e têm somente
um ou dois professores de português que ministram todas as aulas. Esse é motivo
pelo qual só foram entrevistados 10 professores.
A quantidade de alunos entrevistados foi aleatória, pois responderam
às perguntas somente os alunos que quiseram:
78

5ª série ou 6º ano ______________ 15 alunos


6ª série ou 7º ano ______________ 18 alunos
7ª série ou 8º ano ______________ 18 alunos
8ª série ou 9º ano ______________ 15 alunos
Total de alunos entrevistados ______ 66 alunos
Ambos os questionários, tanto o dirigido aos professores, como o
dirigido aos alunos, foram formulados com perguntas simples pretendendo com isso
respostas simples e objetivas.

3.1 ENTREVISTAS COM OS PROFESSORES:

Conteúdo:
A entrevista direcionada aos professores, primeiramente, constou de
dados para identificação como o nome do professor, escola em que atua e a data.
As questões para serem respondidas foram as seguintes:
1) Para você, o que significa ensinar português?
2) Que importância você atribui ao ensino de gramática?
3) Para você, a gramática auxilia o texto ou o texto é base para o ensino
de gramática?
4) Você acha que o uso do livro didático é necessário?
5) Qual livro didático você indicaria para a aprendizagem de gramática?
Por quê?

Objetivos:
As questões que propusemos aos professores tiveram como objetivo
sondar a concepção que o professor de Português tem sobre o significado do ensino
que ele conduz, conhecer o seu pensamento a respeito do papel da gramática em
relação ao texto que o aluno produz e saber da importância do livro didático no
ensino de língua portuguesa. Com estas indagações esperamos levar o professor a
demonstrar o que realmente pensa, o que faz no seu dia-a-dia, como ele age dentro
da sala de aula, o que ele entende por “ensino de português”, onde ele coloca
verdadeiramente o ensino de gramática, se é professor bitolado pelo livro didático.
79

Declarando sua preferência por determinado autor também poderemos saber o tipo
de gramática que ensina em sua aula e como o faz.

Condições de produção das respostas ao questionário:


O questionário foi entregue e a proposta foi que os professores
respondessem às perguntas ao mesmo tempo em que os alunos, em sala de aula.
Somente dois dos professores encontravam-se em local não definido, pois levaram-
no e o entregaram em outro dia.
As respostas dadas para cada uma das perguntas foram as seguintes:

Pergunta 1;
Para você, o que significa ensinar Português?

1) Significa dar vida às palavras e aos textos. É transpor as barreiras do


outro e mergulhar na riqueza do diálogo.
2) A língua portuguesa, como língua materna, deve-se ter em mente o
amor e “passar” isto para os alunos. Tanto a gramática, tanto textos para
interpretação, como a técnica de redação.
3) Significa ensinar a língua materna e a partir daí, proporcionar aos
alunos uma inserção no mercado de trabalho e como se comportar nas
mais variadas situações diárias.
4) Para mim, ensinar Português significa ampliar o conhecimento sobre a
nossa língua incentivando os alunos a aprimorarem a bagagem que já
trazem de seu convívio familiar desde o nascimento.
5) Ensinar Português é algo como esclarecer um significado obscuro, é
mostrar a luz do entendimento, da compreensão de tudo o que o mundo
pode nos mostrar.
6) Eu acredito que como professora de Português, a minha função é
sempre oferecer estímulos (livros e filmes) para aprimorar a imaginação
(poder de criação) orientando como montar sua produção oral ou escrita
usando as regras gramaticais.
7) Melhorar o uso da língua já falada pelos alunos que chegam ao
colégio.
80

8) Ensinar Português é um processo que alia a estrutura da língua à


semântica e o que isso implica para a reflexão sobre a língua.
9) Para mim, ensinar a Língua Portuguesa é a base de tudo, pois é
fundamental, já que somos “obrigados” até mesmo a aprender outras
línguas... Então, temos que dominar muito bem a nossa!
10) Ensinar Português é de fundamental importância, pois a língua é um
dos veículos de sustentação da personalidade da pátria.

Observações:
Percebe-se pelos textos das respostas que o professor sente-se
desafiado a dar uma resposta que ele sabe que é esperada por estudiosos do
assunto e pela pesquisadora. É notória uma grande preocupação por parte dos
professores em “melhorar” o uso da língua, na “correção” da linguagem trazida pelos
alunos do seu meio familiar ou social. Pode-se observar que essa preocupação
direciona-se também à linguagem escrita e à metalinguagem. Houve, por parte
deles, uma ligação entre a vida, o dia-a-dia e o aprendizado, direcionando o ensino
da língua diretamente ligado à inserção dos alunos no mercado de trabalho e à
comunicação.

Pergunta 2
Que importância você atribui ao ensino de gramática?

1) O indivíduo falante de uma língua já traz parte da gramática


sistematizada. Mas, é muito importante que o educador abra os horizontes
diferentes dessa gramática, ensinando-a com sentido ao educando.
Acredito ser impossível ensinar uma língua sem valorizá-la, pois ela é
parte da Língua.
2) A gramática é uma parte de um todo, constitui-se de modo primordial
no ensino de língua portuguesa. A gramática é essencial, incluindo a
linguagem da norma culta e a popular.
3) A gramática é importante porque é a própria língua. Não devemos é
ficar só em nomenclaturas e mostrar a língua em um modo real e seus
problemas.
81

4) A gramática é hoje colocada em segundo plano mas através dela é que


reestruturamos todos os conhecimentos previamente adquiridos para
podermos ler. Escrever e compreender melhor tudo o que nos é oferecido
pala sociedade.
5) A gramática é de fundamental importância para uma boa escrita
proporcionando assim um bom entendimento do texto.
6) Através do conhecimento da gramática as pessoas podem ter uma
leitura mais aprimorada de diversos textos.
7) É um diferencial do conhecimento, ajuda o aluno a participar
ativamente da sociedade.
8) A importância do ensino da gramática é que ela é um meio de auxilio
estrutural que nos faz refletir as intenções da nossa língua materna.
9) A gramática é muito importante, pois toda língua possui suas regras,
suas normas. Conjugar um verbo de forma correta, escrever corretamente,
tudo isso já ajuda no processo de comunicação de um indivíduo, no seu
uso pessoal, pois saberá se expressar melhor.
10) Sem o domínio da Gramática, é impossível escrever, interpretar, falar,
enfim, comunicar-se bem.

Observações:
Muitos professores consideram a gramática como a própria língua e
colocam-na em primeiro plano. Eles demonstram suas crenças na impossibilidade
de “falar-se bem” e “escrever bem” sem ter um vasto conhecimento das regras
gramaticais. Há, sim, os que consideram a gramática como auxiliar para o domínio
da língua, mas estes são uma minoria. Está bastante presente a tendência para a
gramática normativa (língua padrão), mesmo sabendo que os PCNs (1998) criticam
o uso do texto para ensinar valores morais ou como pretexto para o tratamento de
aspectos gramaticais e a apresentação de uma teoria gramatical inconsistente.

Pergunta 3:
Para você, Gramática auxilia o texto ou o texto é base para o
ensino de Gramática?
82

1) Não faço tal separação. A gramática auxilia dando base para o


entendimento do texto e o texto exemplifica cada função. Entretanto, não
devemos usar um texto só para fins gramaticais, pois um texto é muito
mais que formas fixas de palavras e funções gramaticais.
2) Tanto a gramática e o texto estão ligados, uma dependência entre eles
para um bom entendimento/compreensão.
3) Os dois pontos são importantes, mas é no texto que os principais
problemas surgem. Você tem que ter a teoria para saber como aplicá-la.
4) As duas coisas, uma ampara a outra. A gramática ajuda na melhor
construção do texto e o texto contribui para uma melhor aprendizagem da
gramática.
5) O texto é base para o ensino da gramática.
6) O texto é a base para o ensino da gramática.
7) Um completa o outro.
8) O texto é a base para ensino da gramática, pois só assim será possível
refletir o porquê das escolas lingüísticas, enfim entendem o porquê das
escolhas gramaticais em determinados contextos.
9) Na verdade, um depende do outro. Ler somente um texto, sem ter
noção de que o autor escolheu antes todo um campo lexical, que nada
escrito ali é por acaso, não tem graça. Mas quando observamos tudo isso,
percebemos que a gramática também tem a sua beleza e aprendemos
mais.
10)Só se escreve bem se houver domínio da gramática. Portanto, a
Gramática auxilia o texto. É claro que para se conhecer bem gramática,
tem que se conhecer os textos dos grandes mestres. Portanto, um auxilia
o outro.

Observações:
Na opinião destes professores há uma dependência entre o texto e a
gramática. Alguns deles priorizam o valor do texto para o ensino da gramática e
outros acreditam que somente sabendo gramática pode-se escrever bons textos.
Segundo os PCNs espera-se que o aluno amplie progressivamente, o conjunto de
conhecimentos discursivos, semânticos e gramaticais envolvidos na construção dos
83

sentidos. Esse objetivo será mais facilmente alcançado priorizando o texto que é a
resposta de alguns professores.

Pergunta 4:
Você acha que o uso de um livro didático é necessário?

1) O livro didático é um complemento direcionado para a fixação dos


conteúdos explicados. O mesmo deve funcionar como um instrumento a
mais e não como o único a ser utilizado pelos alunos.
2) Um bom livro didático auxilia nas aulas de Português. Tanto em
gramática, com exercícios de fixação, para que os alunos façam
exercícios em casa; quanto em textos, para que os alunos façam varias
leituras para compreensão e interpretação. Mas sempre é bom usar
outros recursos, como jornal, revista, outros livros didáticos, paradidáticos,
etc.
3) É necessário, mas não é o mais importante. O mais importante é você
mostrar a língua em funcionamento e nem sempre isso está nos livros
didáticos.
4) Ele deve ser considerado um apoio mas se trouxer diversidade de
textos e explicações claras e fáceis auxilia muito no trabalho do dia-a-dia
e na compreensão do conteúdo.
5) Só para apoio de leitura e conhecimento de textos diversos.
6) Sim para a realidade das salas de aulas com 40 alunos.
7) É importante, direciona o trabalho do professor.
8) Sim, ele é fundamental para pesquisas teóricas.
9) Até certo ponto sim, mas não podemos nos prender somente a ele,
tentando sempre trazer coisas novas, recortes de jornal, musica, etc.
10)Sim, o livro didático é um poderoso aliado do estudioso da língua.
Deve ser visto como material de apoio do professor e guia para o aluno.

Observações:
Foram unânimes em aprovar o uso do livro didático quer como apoio,
como auxiliar ou mesmo como base de direcionamento do trabalho. Destacaram a
84

necessidade e a importância de outras leituras como jornais, revistas para


complementação do livro.

Pergunta 5:
Qual livro didático você indicaria para a aprendizagem de
Gramática? Por quê?

1) Gosto de vários. Um dos meus preferidos é a gramática do William


Roberto Cereja. É uma gramática dinâmica com textos interessantes.
2) Para o ensino de gramática do autor Cereja, mas há outros muito bons,
seria melhor ainda se o professor utilizasse vários, para que o aluno
usufruísse de varias formas e maneiras de teorias e exercícios de fixação.
3) O livro mais próximo de como se ensinar português é o autor William
Cereja, mas não me lembro o título, porque é um livro que mostra a
gramática em uma visão mais atual, que não seja aquela tradicional
normativa.
4) Acho que a escolha é particular de cada profissional mas, muitas
vezes, ele (o professor) acaba tendo que se adequar àquilo (material) que
lhe é oferecido.
5) Gramáticos como Bertolim e Siqueira tornam a gramática mais fácil de
ser entendida através de exercícios práticos e fáceis.
6) Este ano adotamos o livro “Projeto Arariba” Português e os testes que
fiz foram bem satisfatórios. Porque as atividades são baseadas em textos
curtos que levam o aluno primeiro a uma interpretação e depois os ligam
as regras gramaticais.
7) “Gramática – Texto, Reflexão e uso” A gramática é apresentada a partir
de textos.
8) Gramática Reflexiva – Tereza Cochar Magalhães e Willian Roberto
Cereja. “todos deles”.
9) Eu indicaria a “Gramática Reflexiva”, pois ela trabalha o texto junto com
a gramática, desenvolvendo no indivíduo realmente uma reflexão, não
trazendo nada “mastigado”.
10) Como há tempos não trabalho com livro didático (apenas com
apostila), não conheço os atuais. Eu já usei muito o “Cegalla”.
85

Observações:
Citaram o livro didático “Gramática – Texto, Reflexão e uso” e a
“Gramática Reflexiva” de Tereza Cochar Magalhães e William Roberto Cereja pelo
fato de ter texto e gramática juntos, pela apresentação da gramática através do texto
e ainda por levar o aluno a uma reflexão. Embora os professores prefiram esses
livros, usam os indicados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

3.2 ENTREVISTAS COM OS ALUNOS:

Tal como as entrevistas dos professores, primeiramente, estas também


constaram de dados para identificação dos alunos e das escolas e para que eles
tivessem maior liberdade nas suas respostas, foi-lhes dito que não precisariam
assinar os seus nomes.
As questões direcionadas aos alunos foram:
1) Você tem aulas especificas de gramática?
2) Você gosta de aulas de gramática?
3) Como são as aulas de gramática a que você assiste?
4) Você sente dificuldade para aprender algum conteúdo de Gramática?
Qual ou quais?
5) Você sabe por que e para que aprende gramática?
6) Onde você aplica seus conhecimentos gramaticais?

Objetivos:
Através das respostas dos alunos poderemos saber se os objetivos
dos professores foram alcançados, se eles conseguiram dos alunos o que
almejavam. Poderemos também diagnosticar se as aulas de português estão
conscientizando os alunos do que, de fato, é importante no falar, no escrever, no ler,
ou seja, na comunicação.

Condição de Produção das Respostas:


86

As questões foram entregues aos alunos nas escolas durante o


período de aulas. Muitas salas estavam com aulas de português, então, os
professores e os alunos responderam ao mesmo tempo. Após responderem e
entregarem as folhas, essas não foram lidas por nenhuma pessoa ligada à escola,
conforme foi dito aos alunos que seria feito.

Pergunta 1
Você tem aulas especificas de Gramática?

5ª série ou 6º ano à 8ª série ou 9º ano

A resposta “sim” foi quase unânime. Somente 5 dos 66 alunos


entrevistados responderam que tinham aulas de Português e que nestas aulas
estudavam Gramática, a tradicional ou normativa.

Observações:
Os alunos responderam que tinham aulas especificas de gramática
devido os professores esclarecerem a eles, no momento que respondiam as
questões, que as aulas nas quais se estudava somente gramática são especificas
embora não façam parte do currículo.

Pergunta 2

Você gosta de aulas de gramática?

5ª série ou 6º ano

Dentre os 15 alunos entrevistados, dois disseram que “não”, um “mais


ou menos” e o restante que “sim”, muitos justificaram as respostas. As justificativas
apresentadas foram: a necessidade de dominar a língua para melhor comunicar-se
com os outros, para aprender a falar certo ou pelo fato de usá-la no dia-a-dia.

6ª série ou 7º ano
87

Metade dos alunos entrevistados atestam “não gostarem das aulas de


gramática embora saibam que é importante”. Alguns alunos que responderam “sim”,
justificaram suas respostas, dizendo que “estudar gramática é melhor que
matemática”, ou que “se interessam pela língua portuguesa”, ou que “nessas aulas
aprendem novos conhecimentos” e até mesmo porque “a matéria é importante”.

7ª série ou 8º ano

Nesta série 18 alunos foram entrevistados e 5 deles afirmaram


categoricamente que “não”. Os demais alunos responderam que “sim” ou “mais ou
menos”. Alguns deles “gostam das aulas porque gostam das professoras”, outros já
responderam “mais ou menos devido às regras que são muitas, eles não
conseguem guardar e acabam confundindo-as”. Este comentário dos alunos
comprova que a gramática tradicional é a trabalhada pelos professores.

8ª série ou 9º ano

Dos 15 alunos entrevistados, 8 disseram “não” e alguns explicaram que


“ficam confusos e que embora saibam que têm que aprender a falar a própria língua,
têm dificuldades na aprendizagem”. Quanto ao restante, os que responderam
afirmativamente dizem que é pelo fato da “gramática ser a matéria que mais
utilizarão no dia-a dia”, também “pela importância de se aprender a falar e a
escrever corretamente” ou até porque “as aulas são importantes para torná-los
cidadãos cultos”.

Observações:
Percebe-se claramente que os alunos consideram a gramática como o
principal fator para melhorar a comunicação entre as pessoas. Atribuem como sua
principal função fazer com que as pessoas saibam ler e escrever corretamente e que
é para isso que existem as regras.

Pergunta 3
Como são as aulas de gramática a que você assiste?
88

5ª série ou 6º ano

Todos disseram que “são boas, legais, explicativas”. Alguns citaram


como a aula desenvolve-se: “a professora manda fazer quadros enormes de verbos
que depois de explicados dá para entender; a gente faz redação, a professora
corrige e depois nos vemos os erros; sempre aprendemos coisas novas como
classes gramaticais; é só copiar no caderno; é muita lição”.

6ª série ou 7º ano

Os alunos desta série acham “legais” as aulas de gramática e


completaram com algumas observações como: “a professora faz algumas
explicações, observa se os alunos entenderam e depois passa as questões; uma
boa explicação e muitos exercícios para entender melhor; as professoras explicam
muito bem”.

7ª série ou 8º ano

As opiniões deles não são muito diferentes. Acham essas aulas “boas,
legais, tranqüilas, às vezes entediantes; que as professoras explicam bem e depois
dão os exercícios, que são muito importantes, pois os conhecimentos dados nessas
aulas são necessários para o futuro”.

8ª série ou 9º ano

“Embora legais acham as aulas cansativas”. “A professora passa o


ponto na lousa e explica ao mesmo tempo, depois ela passa os exercícios do livro
didático”; a mesma coisa foi dita de maneira diferente por 11 alunos dos 15
entrevistados e também citaram que “nessas aulas é que eles aprendem a falar
corretamente”.

Observações:
Ficou bem claro como se desenvolvem as aulas de gramática, o
professor coloca o ponto na lousa, explica e dá os exercícios do livro didático. É
89

grande o número de alunos que disseram que os seus professores explicam muito
bem e aprendem a falar corretamente o português nessas aulas.

Pergunta 4
Você sente dificuldade para aprender algum conteúdo de
gramática? Qual ou quais?

5ª série ou 6º ano

A maioria disse “não sentir dificuldades no aprendizado de gramática,


pois este é facilitado com a explicação do professor e também pela dedicação do
próprio aluno”. Os que afirmam sentir dificuldades, sentem-nas principalmente em
pronomes, leituras ou em decorar as regras.

6ª série ou 7º ano

Os que sentem dificuldades para aprender gramática sentem-nas


principalmente na análise sintática e análise morfológica. Alguns alunos atribuem à
falta de atenção, os seus erros nas provas.

7ª série ou 8º ano

As dificuldades encontram-se na aprendizagem de vozes verbais,


agente da passiva, voz passiva, ativa, reflexiva, sintaxe, orações coordenadas. Dos
18 alunos entrevistados, 11 afirmam “não sentir dificuldades neste aprendizado”.

8ª série ou 9º ano

Somente 5 alunos dos 15 entrevistados afirmam “não sentir


dificuldades”. Os demais, segundo eles, apresentam dificuldades em sintaxe,
morfologia, orações subordinadas, orações reduzidas, verbo transitivo direto. Verbo
transitivo indireto, conjugações, regências, orações subordinadas e substantivas.

Observações:
90

Não existe dúvida quanto às dificuldades que os alunos sentem ao


aprender gramática. São dificuldades próprias do estudo de análise sintática, e
outras partes gramaticais ligadas a regras e memorizações.

Pergunta 5
Você sabe por que e para que aprende gramática?

5ª série ou 6º ano

Os alunos entrevistados desta série afirmaram saber porque estudam


gramática. Disseram que “estudam gramática porque sem o domínio da língua não
podem se comunicar, para aprender palavras novas e ampliar o vocabulário, para
falar e escrever certo, para arrumar emprego, para aprender as classes gramaticais,
para não falar errado no dia-a-dia”.
6ª série ou 7º ano

“Não sei” foi a resposta taxativa de seis alunos. Os outros alunos que
disseram que sabiam responderam que “é para melhorar o conhecimento, aprender
significados das palavras, para falar melhor, para ler e escrever direito e assim não
tirar vermelho, para conseguir interpretar textos e também para passar no vestibular,
para procurar um emprego”.

7ª série ou 8º ano

Com exceção de um aluno, todos dizem que sabem por que e para
que: “para dialogar melhor, escrever corretamente, saber mais sobre as regras da
nossa língua, para ficarmos inteligentes, quando formos dar entrevistas para
emprego, é muito importante para um ensino fundamental, para ter maior
conhecimento sobre a língua, para ler, escrever e interpretar textos”.

8ª série ou 9º ano

Nesta série todos declaram saber o por que e para que aprendem
gramática: porque “servirá para fazer redações, textos, relatórios; escrever textos
91

corretos e fazer provas; para ser pessoa culta; para conhecer melhor a língua; para
utilizar em textos do vestibular; para poder aplicar no dia-a-dia, para conseguir um
emprego melhor”.

Observações:
Destaca-se nestas respostas a preocupação dos alunos com empregos
e vestibulares, eles demonstram esta preocupação juntamente com a necessidade
de falar e escrever bem. Os alunos acham que somente aprendendo gramática é
que poderão falar e escrever “certo” e consequentemente conseguirem um emprego.

Pergunta 6
Onde você aplica seus conhecimentos gramaticais?

5ª série ou 6º ano
“No dia-a-dia, nos textos, poesias, diálogos, no desempenho escolar e
trabalhista, redações, dentro e fora da escola”, foram as respostas dos alunos da
referida série.
6ª série ou 7º ano

Os alunos desta série acham que “aplicam seus conhecimentos


gramaticais em casa, na rua, na escola; para fazer textos, em provas, em testes para
arrumar emprego, para escrever cartas”.

7ª série ou 8º ano

“Na hora de pesquisar, fazer testes, em lugares importantes, nos


diálogos, nas reportagens, nas avaliações, em cartas formais, nas provas de
português, futuramente no trabalho”.

8ª série ou 9º ano

“No dia-a-dia, em aulas e concursos de redação, textos, leituras,


diálogos, nos exercícios passados pelas professoras, nos exercícios dos livros, na
hora da escrita, na hora de falar e escrever, em ocasiões especiais”.
92

Observações:
A estas perguntas juntaram-se as afirmações e preocupações da
anterior. eles aplicam os conhecimentos gramaticais em todas as atividades do seu
cotidiano, desde diálogos familiares até cartas formais, sem esquecer a
preocupação com emprego e vestibulares.

3.3 O PERFIL DO PROFESSOR

As respostas dadas nas entrevistas permitem-nos delinear as aulas de


português e concluir que o professor prioriza o ensino da gramática normativa
direcionado à norma culta, embora muitos estudos tenham sido desenvolvidos,
muitas orientações tenham sido apresentadas através dos PCNs e mais
recentemente da Proposta Curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo.
Nesta parte da pesquisa procuramos analisar o trabalho do professor
levando em consideração três itens: o trabalho prescrito, o trabalho realizado e o
trabalho representado.
Há por parte do professor uma grande preocupação quanto ao uso da
língua pelos alunos e, principalmente, em melhorar suas expressões lingüísticas.
Observa-se em suas respostas que seu trabalho é direcionado à linguagem escrita e
ao ensino da norma culta.
Os referidos professores consideram o ensino de gramática como
sendo o ensino da própria língua e consequentemente é a ela que dedicam suas
atenções. O aprendizado de português é avaliado pelo grau de assimilação dos
conteúdos gramaticais ensinados. Acreditam que para os alunos conseguirem falar e
escrever corretamente, devem dominar as regras gramaticais. Ao estabelecerem
relações entre textos e gramática consideram-no como base e que há uma
interdependência entre eles. No trabalho deles, então, é bastante equiparada a
leitura (textos) e as lições de gramática.
O livro didático, de acordo com suas respostas, é um ponto de apoio
para o professor e que muitas outras fontes são usadas em suas aulas. Como livro
didático auxiliar indicam um livro que reflete como gostariam de trabalhar, ou melhor,
como pensam que devem ser desenvolvidas suas aulas. Os livros didáticos que
93

usam não são os almejados por eles, somente um professor indicou o mesmo livro
adotado na sua escola.
Pela análise das respostas dos alunos, concluímos que as aulas a que
eles assistem não correspondem às aulas que foram prescritas para o trabalho dos
professores.
Em suas aulas o ensino de português é embasado no ensino da
gramática e elas desenvolvem-se na seguinte ordem: primeiramente é colocado o
ponto (gramática) na lousa, depois o professor explica e dá os exercícios do livro
didático para fixação, de acordo com as respostas dos alunos. O professor, no caso,
trabalha com a concepção de que a língua é somente um instrumento de
comunicação e que para isso depende exclusivamente do aprendizado das regras
gramaticais. Acreditam que somente quando se sabe gramática é que se consegue
comunicar bem e, portanto, um dos motivos da aprendizagem das regras
gramaticais é sair-se bem nas entrevistas para serem aceitos em determinados
trabalhos. O ensino das regras gramaticais é tão importante para eles que chegam a
ligá-lo ao sucesso profissional. Alem dessa afirmação, os alunos declaram que
necessitam aprender a gramática tradicional, ligada à norma culta, para serem
aprovados nos vestibulares. Os objetivos do ensino de gramática são, neste caso,
falar e escrever bem e é elucidado aos alunos que somente aprendendo a gramática
normativa é que conseguirão.
O trabalho representado pelo professor é aquele em que os textos os
levarão ao aprendizado da gramática e que esta não esta ligada a certo ou errado e
sim a leituras diferenciadas. Os alunos, portanto, aprendem através da observação
de textos retirados de várias fontes. Os alunos são passivos e não criativos.
Analisando o trabalho realizado pelos professores percebemos a
grande valorização dada à gramática normativa e consequentemente à norma culta.
Eles atêm-se à prescrição da gramática e não à analise dos fatos da língua. Os
conteúdos programáticos, conforme as entrevistas dos alunos, têm uma excessiva
preocupação com a metalingüística. O ensino de gramática não pode ter uma
finalidade em si mesmo, ele tem que auxiliar no ensino da leitura e da produção de
texto.
Um ensino baseado em estudos de regras e exceções gramaticais,
conceitos, nomenclaturas gramaticais, não ajuda o aluno a melhor utilizar a língua,
principalmente na escrita.
94

Se formos às salas de aulas de português encontraremos as práticas


pedagógicas de leituras, interpretação de textos e gramáticas, presentes, mas sem
um direcionamento comum que seria levar o aluno a apropriar-se da língua como
forma de ação sobre o outro e sobre o mundo.
O objetivo do ensino da língua deve sempre estar ligado a levar o
aluno ao domínio do instrumento verbal para poder comunicar-se e interagir com o
seu grupo social.
Os professores, nas entrevistas, deixaram claro os seus objetivos
quanto ao ensino da língua, o mesmo dito anteriormente, mas, suas aulas retrataram
o ensino de uma gramática tradicional, normativa e pura, desligada da sua função de
auxiliar do texto. Sabemos que muitas vezes, na sua maioria, os professores são
obrigados a se prenderem ao livro didático e desenvolverem somente o que está no
seu conteúdo e como lá se encontra. Isso acontece principalmente quando se trata
de ensino apostilado “ele tem que acabar a matéria”. Salas repletas, uma realidade
social diferente, tudo dificulta para que ele possa desenvolver suas aulas da maneira
como gostaria.
O mais preocupante de toda esta análise e que depois de tantos
estudos lingüísticos, tantas propostas, pouco ou nada mudou no ensino de
gramática, da língua materna. Esse resultado é demonstrado ao compararmos a
nossa pesquisa com a pesquisa feita por Pernambuco (1993), desenvolvida na sua
tese de doutorado. Ambas as pesquisas possuem os mesmos objetivos o que torna
viável esta comparação.
Pernambuco (1993) realizou uma ampla pesquisa com 85 professores
em 35 cidades diferentes de três estados brasileiros: estado de São Paulo,
Amazonas e Pará. Primeiramente oito de suas perguntas continham dados pessoais
dos entrevistados e quatro versavam sobre a formação profissional dos mesmos,
somente depois é que eram apresentadas 20 perguntas que formaram o então
chamado “Questionário para professor de Português” e com elas pretendia abarcar
todo o conjunto de ideologia, metodologia e atividades do professor que ensina
português.
As perguntas, por serem em número bem maior que as da nossa
pesquisa proporcionaram uma melhor observação do pensamento e do
desenvolvimento do trabalho do professor.
95

Apesar dos coincidentes objetivos, somente três perguntas puderam


ser destacadas na íntegra e mesmo assim nós as adaptamos para que pudéssemos
melhor fazer as comparações.

Questão 1:

PARA QUE SERVE O ENSINO DE LINGUA MATERNA? (1993)


O QUE SIGNIFICA ENSINAR PORTUGUÊS? (2007)

Respostas 1993 2007


1 ensinar a norma culta 67% 50%
2 conhecer a tradição e desenvolver a cultura 8% 10%
3 integrar a criança ao meio ambiente 8% 10%
4 ensinar a pensar 5% 0%
5 promover a ascensão social do aluno 5% 10%
6 aperfeiçoar a língua do aluno 7% 20%

Podemos observar nesta primeira questão que ao mesmo tempo em


que diminuiu o número de professores que achavam que o ensino de português ou
da Língua Materna era ensinar a norma culta (67% para 50%), aumentou o numero
dos que acham que é aperfeiçoar a língua do aluno (7% para 20%), na verdade eles
respondem o mesmo usando palavras diferentes. Resumindo, o percentual dos
professores que acham que o ensino de Língua Materna serve para que os alunos
aprendam a norma culta e assim aperfeiçoar a língua usada por eles diminuiu
somente 4% depois de tantos trabalhos e orientações.
Neves (2005) desenvolveu esse tipo de pesquisa e concluiu que de
acordo com as respostas dos professores quanto à utilização da gramática
ensinada, reúnem: para os alunos serem aprovados em concursos e vencer na vida;
para que se expressem corretamente e assim serem bem aceitos na sociedade;
para que usem a língua padrão/norma culta e ser bem sucedido na vida. Afirma que
na maior parte dos casos, é a tradução para termos práticos: “bom desempenho
profissional e social”, “segurança”, ”elevação social”, “melhor desempenho
lingüístico”, “maior correção de linguagem”, equivalentes a 80% das finalidades ,
número aproximadamente o mesmo das pesquisas de 1993 e 2007.
96

Questão 2:

QUAL O SEU MÉTODO DE TRABALHO?


respostas dos professores (1993)
COMO SÃO SUAS AULAS DE GRAMATICA?
respostas dos alunos (2007)

respostas 1993 2007


1 aulas expositivas com o apoio do livro didático 81% 100%
2 explorando a gramática do texto 6% 0%
3 leitura e gramática 6% 0%

Quanto à segunda questão é bastante visível que as aulas expositivas


com o auxilio do livro didático caracteriza mais o ensino atual. O aluno ainda não
constrói o seu saber, pois, segundo Neves (2005), “as aulas de gramática consistem
numa simples exposição de conteúdos expostos no livro didático em uso”. Ela
verificou em suas entrevistas que “partir do texto” representa “retirar de textos”
unidades (frases ou palavras) para análise e catalogação. A freqüência das
atividades praticadas é a seguinte por ordem de freqüência: leitura do texto,
exercícios; leitura do ponto, exercícios; explicação, exercício...; concluiu que a maior
parte dos professores aponta que inicia o processo com explicação da matéria e a
maioria aponta a exercitação como último passo do processo.

Questão 3:

O QUE VOCÊ ACHA DO LIVRO DIDÁTICO? (1993)


VOCÊ ACHA QUE O USO DO LIVRO DIDÁTICO É NECESSÁRIO? (2007)

respostas 1993 2007


1 apoio para o professor 60% 60%
2 válido com restrições 24% 20%
3 indispensável 13% 10%
4 importante 3% 10%

Nessa terceira questão ficou claro a necessidade que os professores


sentem de possuírem o livro didático para auxiliá-los, em ambas as pesquisas.
Neves (2005) revelou, em sua pesquisa, que a grande maioria dos
docentes recorre à parte gramatical do livro didático, já outros não se limitavam ao
que o livro oferece.
97

Os lingüistas defendem a necessidade do ensino da gramática na


escola, mas não a que é tradicionalmente ali é estudada ou do que se entende por
gramática. A gramática pela perspectiva da lingüística não é a prescrição de regras
e sim a descrição de uma língua nas diferentes variações lingüísticas evidenciando
que não se deve levar em consideração somente uma variante, a norma padrão
utilizada por determinado grupo social, segundo De Campos (2007 ).
O domínio dos diferentes níveis de concretização da língua viabiliza a
ampliação do conhecimento sobre as atividades de escrita e de leitura, e através
delas o educando pode e deve ganhar certa autonomia como leitor-produtor de
textos.
O papel da escola e dos professores é prioritário na fecundação do
exercício do ensino-aprendizagem da Língua Materna.
Discussões foram implantadas e intensificadas nos anos 80 quando os
materiais didáticos foram modificados. Ganharam novas roupagens, mas quase
nada mudou, continua o ensino de regras gramaticais.
Há embates possíveis de serem travados para que o professor se sinta
mais realizado como profissionais de ensino e um deles é colocar em pratica os
fundamentos epistemológicos das orientações teóricas que norteiam o ensino de
língua materna na contemporaneidade.
Sabia-se que este tipo de ensino não estava dando certo desde 1993,
mas muitos professores até hoje, mantêm as aulas sistemáticas de gramática como
um ritual e continuamos com os mesmos problemas; a educação brasileira nunca
esteve em tão baixo nível.
O desânimo e o desencanto verificado nos professores, Neves declara
que se encontram na seguinte situação geral: os professores ganham mal,
trabalham muito (dois períodos e muitas vezes em escolas diferentes), não têm
tempo de estudar, de ler, não se consideram respeitados nem pelo governo nem
pela sociedade nem pelas famílias dos alunos; os alunos têm problemas de
comportamento, são desatentos e dispersivos, não se dedicam aos estudos e não
valorizam a oportunidade que têm de aprender; a instituição perde-se na burocracia,
não tem papel orientador, não valoriza o professor, não oferece condições para uma
continuidade de trabalho e assim propicia a fragmentação dos programas. Ela afirma
que apesar do desestímulo ser muito grande, nota-se no professor muita vontade de
acertar e melhorar seu desempenho.
98

Para que isso aconteça, a valorização do aluno deve ser o fator


principal embasando uma mudança. É preciso que os professores se conscientizem
quanto a essa necessidade de renovação. As propostas para isso já fazem parte dos
PCNs da Língua Portuguesa (1998) e das Propostas Curriculares do estado de São
Paulo, que somente poderão sair do papel, se eles assim o desejarem.
Segundo Possenti (2006) “as únicas pessoas em condições de encarar
um trabalho de modificação das escolas são os professores” e que qualquer projeto
fracassará se não considerar o professor como prioridade e este considerar seus
alunos como tal.
99

4 PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO PRODUTIVO DA


GRAMÁTICA PARA OS DIAS ATUAIS

“Pois a linguagem planta suas árvores no homem e quer vê-las cobertas de


folhas, de signos, de obscuros sentimentos...”
( Carlos Drummond de Andrade)

Neste capítulo apresentaremos alguns princípios para uma proposta de


ensino com base nas descobertas que fizemos com a pesquisa. É evidente que não
pretendemos, nem podemos propor soluções para todas as dificuldades que os
professores enfrentam quando se propõem a ensinar o uso da língua para os
alunos.

4.1 TIPOS DE ENSINO

Halliday et al (1974) desenvolveram um trabalho sobre língua materna,


no caso, o inglês, que denominaram “estudo da língua materna” que pode ser
aplicado ao ensino de Português. Nesse trabalho eles identificam como principal
problema do ensino de Língua Materna o desequilíbrio entre o ensino prescritivo e
proscritivo de um lado, e o descritivo e, principalmente, o produtivo do outro. Acha
que é muito importante que se distingam os três tipos de ensino ou de abordagem
da língua: o produtivo, o prescritivo e o descritivo.
O ensino produtivo da língua é um ensino de novas habilidades. Inclui
o ensino das línguas e, em se tratando da língua materna, ressalta-se o ensino da
leitura e da escrita. No ensino produtivo, o importante é que se levem em
consideração as habilidades que os alunos já têm.
O ensino prescritivo, segundo Halliday et al (1974) é a interferência nas
habilidades existentes com a finalidade de substituir um padrão de atividade já com
sucesso, por outro. O conceito de “prescritivo” inclui o “proscritivo”, pois cada “faz
isso” implica um “não faz isso”.
100

O ensino descritivo é a demonstração do funcionamento da língua


suas habilidades já adquiridas, sem procurar alterá-las, mas mostrando como usá-
las. Esse ensino passa por etapas que são correspondentes à idade e experiência
da criança.
Há críticas específicas ao ensino de língua materna nas nossas
escolas: o ensino prescritivo é superestimado em prejuízo do ensino produtivo. A
língua falada é desprezada, ignoram-se os registros não literários; a teoria lingüística
e a descrição da língua materna não despertam o interesse dos professores.
Os três tipos de ensino da língua materna podem ter seus lugares nas
aulas desde que estejam de algum modo equilibrados, com peso maior para o
produtivo. Cada um deles tem uma resposta diferente à pergunta: “para que
ensinamos a língua materna?”
Para o prescritivo: “para ensinar as crianças a substituírem aqueles de
seus próprios padrões de atividades lingüísticas que são inaceitáveis por outros
padrões aceitáveis”.

Quaisquer padrões lingüísticos nativos que a criança normal dominou, no


sentido de usá-los da maneira como são usados por aqueles de quem os
aprendeu, são “exatamente como tão bons” enquanto linguagem, quanto os
que se espera que ela substitua aos primeiros. Isto se aplica a qualquer
nível da linguagem: à gramática, ao léxico, à fonologia ou à fonética.
(HALLIDAY et al, 1974, p. 261).

O ensino prescritivo significa selecionar os padrões privilegiados


socialmente e usar práticas padronizadas de ensino, para persuadirem as crianças a
se conformarem àqueles padrões. Algumas normas abrangem a fala e a escrita,
mas a maioria refere-se ou à fala, ou à escrita. No caso da escrita refere-se à
transcrição da linguagem falada para a linguagem escrita, principalmente nas fases
iniciais dessa aprendizagem.
O ensino da leitura e da escrita é por si mesmo produtivo e não
prescritivo; só será prescritivo se se ensinar às crianças que nem sempre na escrita
são aceitáveis certos padrões que da fala.
101

Alguns professores acham que seria mais produtivo para a criança se


se permitisse que elas escrevessem tal como falam; já outros acham que as
convenções da linguagem escrita devem ser ensinadas desde o começo.
Halliday et al (1974) afirmam que a correção de erros ortográficos nas
escritas das crianças é uma atitude semelhante à do professor de aritmética que
considera errado uma soma correta só porque a escrita do número foi feita de trás
para diante, desconsiderando a habilidade aritmética. Há sem dúvida no ensino da
língua materna uma implicação lingüística não relacionada à idéia de uma liberdade
ortográfica, mas demasiadas correções podem gerar nas crianças, insegurança na
hora de escrever, além de julgarem que há uma nova língua imposta que é diferente
da que conhecem.
Se o ensino prescritivo ocupar muito ou todo o tempo no ensino da
língua materna, o aluno terá uma falsa imagem da natureza da linguagem. E, além
disso, se o ensino for proscritivo, criar-se-á uma geração de analfabetos e de
pessoas que pronunciam as palavras de modo errado.
Alunos que saem das escolas secundárias conhecendo tão pouco do
modo como sua língua funciona e o papel que desempenha na vida dos homens, é
vergonhoso. Não é culpa deles se sua imagem da “língua materna” é esta: “Indique
o que está errado nas seguintes frases”.
Provavelmente muitos professores de língua materna saúdem uma
mudança que se afaste do ensino prescritivo, desde que haja algo melhor para se
colocar em seu lugar, como o ensino descritivo e produtivo.
O segundo componente do ensino da língua é a descrição. A finalidade
da linguística descritiva é saber: o que está sendo ensinado e o modo como a
linguagem funciona e como determinada língua funciona. Nesse ensino tem o papel
principal a língua materna por ser a língua que o aluno melhor conhece, pois é um
principio pedagógico geral correlacionar, sempre que possível, a instrução com a
própria experiência da criança. Quando a criança entra pela primeira vez na escola,
ela já tem um grande acervo de experiências da língua materna, suficiente para que
lhe seja dada uma instrução descritiva da linguagem, informativa e interessante, em
qualquer etapa de sua carreira escolar. Ensinamento lingüístico descritivo consiste
em mostrar à criança como a língua funciona, mediante a exposição, a ordenação e
os aspectos relativos ao seu uso da língua materna.
Halliday et al (1974, p. 270 e 271) afirmam:
102

Se o lingüista pode dizer alguma coisa sobre os materiais e os métodos


usados nas aulas, isto se dá porque –- e na medida em que – esforçou-se
para aprender uma nova disciplina, a da teoria e da pratica pedagógicas.
Nossa finalidade aqui consiste em encorajar o ensino lingüístico descritivo.
Não estamos procurando dizer ao professor como deve ensinar. (...) É uma
indicação do que nos parece ser o modo como o tempo aplicado à língua
materna na escola deveria ser usado para levar as crianças a aprenderem o
funcionamento de sua língua e, mediante isso do lugar que ocupa, na vida.

Os autores declaram que muita coisa pode ser feita com o mínimo de
terminologia. A atividade de brinquedo oferece oportunidades para encorajar a
compreensão linguística, por exemplo, a de uma loja. Este brinquedo serve para
ilustrar contrastes gramaticais conhecidos, singular e plural, etc.; o importante nessa
situação é que as crianças observem o resultado do que dizem e qual a causa que
conduz a esse resultado.
A língua usada normalmente pela criança quando fala não é o material
mais fácil pelo qual se deve ensiná-la a ler e a escrever, mas é uma vantagem se a
introdução da criança na linguagem escrita puder ser mais estritamente ligada ao
seu próprio uso da língua falada. Se for possível expor a gramática e o léxico da
língua apelando para as situações em que a linguagem é usada, exploraremos o
significado contextual da língua, para esclarecer seu significado formal e isto será
útil em qualquer fase do aprendizado da língua pelos alunos.
O terceiro tipo de ensino da língua é o chamado produtivo.
Para Hallday et al, 1974, p. 276):

O ensino produtivo da língua interessa-se por ajudá-lo a estender o uso da


sua língua materna de maneira mais eficiente. Ao contrário do ensino
prescritivo, o produtivo não pretende alterar padrões que o aluno já adquiriu,
mas aumentar os recursos que possui, e fazer isso de modo tal que tenha a
seu dispor, para uso adequado, a maior escala possível de potencialidades
de sua língua, em todas as diversas situações em que tem necessidade
delas .

A criança aprende a gramática e o léxico de sua língua pátria tal como


aprende a fonologia e a fonética, antes de entrar para a escola. Na escola aprende
novos vocábulos e alguma coisa de gramática, mas ainda como alargamento de sua
experiência geral. A criança precisa aprender as variedades da língua adequadas a
diferentes situações. A amplitude e o uso de seus registros e línguas restritas. Mais
103

cedo ou mais tarde a criança aprende que certos padrões encontrados na fala não
se encontram na linguagem escrita.
De acordo com Halliday et al, (1974) “é a amplitude e o uso das
diferentes variedades da língua materna, mais do que a real introdução de novos
padrões e elementos, que constitui o foco de ensino lingüístico produtivo”.
Embora o aluno aprenda o que é novo em sua língua materna fora da
sala de aula, também pode encontrar alguns aspectos pela primeira vez na sua aula
e muitos que já tenha encontrado, só pode aprender a usar e compreender na sua
aula de língua materna.
Se o professor de português não ensinar os usos literários da língua,
não haverá ninguém mais que o faça; o aluno apreciará a literatura, se puder
compreender e extrair o máximo da sua língua em seus usos literários.
O ensino produtivo é um aspecto habitual da língua pátria, mas existe
uma forma adequada e eficiente de se usar a língua para determinado propósito, a
capacidade de falar e escrever a língua materna que o ensino produtivo pode criar.
“Se tem de manter seu lugar no programa do curso, o ensino da língua
materna deve relacionar-se com ”o modo como usamos a linguagem para viver”.
(HALLIDAY et al, 1974, p. 280).
As relações entre língua falada, leitura e escrita é que leitura e escrita
são atividades escolares e do uso normal da língua no dia-a-dia. Fora da escola, lê-
se por prazer (lazer, televisão, livro) ou por necessidade ( na rua para adquirir
informações. Na escola, infelizmente lê-se por obrigação ( cumprir tarefas, responder
questões), isto é, não se tem a verdadeira vivência da leitura. Quanto à linguagem, a
escola valoriza a escrita e a norma padrão, o que para Neves (2006) não seria
problema já que ninguém pode negar que a escola é uma instituição que prevê
ascensão social. À escola cabe capacitar o aluno a produzir enunciados adequados,
eficientes, “melhores”nas diversas situações de discurso, nas diversas modalidades
de uso. O tratamento da língua padrão na escola, ao contrário de considerar que
essa modalidade seja algo divorciado do uso lingüístico, deve assumir que ela nada
mais é que uma das variantes da língua em uso.
Segundo Pernambuco (1993), a escola deve ajudar o aluno a crescer
linguisticamente e alerta: ele só fará isso como parte de um crescimento global, com
maturidade intelectual e emocional. Em sua proposta de ensino de Português, o
autor destaca o fenômeno da variação lingüística, pois a escola não tem conseguido
104

equacionar este problema e trata como deficiência o que é apenas diferença de


linguagem entre falantes de diferentes origens sociais.
Diz o pesquisador “se uma criança aprendeu espontaneamente a
língua do seu meio, com certeza aprenderá a variante padrão que a escola deseja
que ela aprenda se a ela forem oferecidas as mesmas formas de aprendizagem do
seu meio ambiente” (PERNAMBUCO, 1998).
É evidente que em uma sociedade econômica e culturalmente
heterogênea há uma heterogeneidade no campo da linguagem e a escola que visa a
uma homogeneidade lingüística culta, tem que trabalhar a partir da realidade
gramatical heterogênea dos alunos.
Continua o autor: “as práticas pedagógicas usadas em nossas escolas
não levam em consideração a aprendizagem natural da língua pela criança e é por
isso que muitos alunos sentem um total desgosto nas aulas de português o que
consequentemente leva o ensino ao fracasso. É isso que necessariamente conduz a
um crítico diante do problema e uma busca de soluções para obtermos um ensino
eficiente da língua como forma de ação do homem” (PERNAMBUCO, 1995).
Se o ensino da Língua Materna tem como objetivo ensinar o aluno a
usar a sua língua, isto é, falar e ouvir falar, escrever e ler a língua, então, o aluno
deverá aprender gramática, a ciência da língua. Aebli (1982) afirma que embora haja
muitas concepções sobre gramática, há uma unanimidade entre os autores de que
se trata de teoria da língua, portanto teoria sobre a língua. Afirma que temos um
“método gramatical” que faz o aluno aprender o sistema da gramática da língua e
num outro extremo temos o “método direto” que recusa ensinar conceitos
gramaticais aos alunos, pretendendo fazê-los aprender a língua mediante o uso.
Para Pernambuco (1995), o profissional de ensino deveria estar
tecnicamente capacitado a detectar os contrastes entre as regras da língua culta e
as regras dos outros níveis gramaticais, ele deveria ter conhecimentos da gramática
contrastiva. Essa gramática ocupa-se das correspondências entre duas ou mais
línguas, ressaltando as diferenças nos diversos planos dos respectivos sistemas:
sintaxe, morfologia, léxico, semântica, fonologia. Sendo toda língua uma soma de
“dialetos”, é fácil compreender a utilidade de análises constrastivas no ensino de
língua materna.
A compreensão deturpada que se tem da gramática da língua é um
entrave à ampliação da competência dos alunos para a fala, a escrita, a leitura e a
105

escrita de textos adequados e relevantes. São inúmeros os casos de pessoas que


falam muito bem uma língua, sem nunca terem aprendido gramática. Aebli (1982)
diz: “a essência do ensino da língua é o seu uso vivo em situações reais de ação,
percepção e vivência”.
Segundo Antunes (2003), para que haja mudança, para uma
reorientação, há, antes de tudo, necessidade de determinação, vontade e empenho
de querer mudar. Supõe-se uma ação ampla, fundamentada, planejada, sistemática
e participada, para que se chegue a uma escola que, de fato, cumpra seu papel
social e capacite as pessoas para o exercício pleno e consciente de sua cidadania.
Nesta escola já não há mais lugar para o professor simplistamente repetidor,
passivo, à espera que lhe digam como fazer, como “passar” ou “aplicar” as noções
que lhe ensinaram. O novo perfil do professor é aquele do pesquisador que, com
seus alunos produz conhecimento.
A complexidade do processo pedagógico impõe o cuidado em se
preverem e se avaliarem concepções, objetivos, procedimentos e resultados, de
forma que todas as ações se orientem para um ponto comum e relevante: conseguir
ampliar as competências comunicativo-interacionais dos alunos. A aproximação do
estudo da língua deste ideal de competências para a cidadania é o começo de uma
mudança, pois já concretiza a intenção dos professores de querer adotar uma
atividade pedagógica realmente capaz de oferecer resultados mais positivos e
gratificantes. Os professores que assumem a orientação ou a atividade de ensino de
Português, do Fundamental ao Ensino Médio, têm que possuir elementos que os
ajudem a descobrir “novos jeitos de ver a língua e, automaticamente, de ver-se
como professor da aula de Português”. É importante que se conscientize que não
existe prática eficiente sem fundamentação num corpo de princípios teóricos sólidos
e objetivos.
Antunes (2003) também afirma que deriva da concepção interacionista,
funcional e discursiva da língua, o principio geral de que “a língua só se atualiza a
serviço da comunicação intersubjetiva, em situações de atuação social e através de
práticas discursivas, materializadas em textos orais e escritos”.
As aulas de nossas escolas denominam-se aulas de português e são
aulas de “português do Brasil”, mas aplicam-se regras do “português europeu”. Por
exemplo, a aplicação das regras de colocação pronominal do português europeu
gera uma série de incompatibilidades que apenas reafirmam a idéia de que o
106

brasileiro fala mal. Além desta, existem várias outras questões. A chamada “norma-
padrão” deve ter como parâmetro os usos próprios do Brasil nos diferentes
contextos do funcionamento da língua, do contrário, cria-se um problema sem
solução.

4.2 ESCRITA E LEITURA

A escrita é uma atividade interativa, isto é, é realizada conjuntamente


por duas ou mais pessoas numa inter-ação (ação entre), portanto é tão interativa,
tão dialógica, dinâmica e negociável quanto a fala. A atividade escrita é uma
atividade interativa de expressão, de manifestação verbal das idéias, informações;
ter o que dizer é condição primordial para o êxito da atividade de escrever. As
palavras são apenas a mediação, ou o material com quem se faz a ponte entre
quem fala e quem escuta entre quem escreve e quem lê.
A crescente competência para a escrita vai ficando por conta da prática
de cada dia, do exercício de cada evento, com as regras próprias de cada tipo e de
cada gênero do texto. O grande equívoco em torno do ensino da língua é acreditar-
se que ensinando análise sintática, nomenclatura gramatical, os alunos ficarão
competentes para ler e escrever textos, conforme as diversificadas situações sociais.
A escrita existe para servir à comunicação entre sujeitos em interação.
Sem o outro, do outro lado da linha, não há linguagem. Pela escrita alguém informa,
avisa, adverte, anuncia, documenta, faz literatura, etc. Socialmente, não existe a
escrita “para nada”, “para não dizer”, “para não ser um ato de linguagem” e é por
isso que em nenhum grupo social, há escrita de palavras ou frases soltas, de frases
inventadas, de textos sem propósitos, sem a clara e inequívoca definição de sua
razão de ser.
Assim como não existe padrão único de fala, não existe padrão único
de escrita: falamos e escrevemos com maior ou menor formalidade, mais ou menos
à vontade, com maior ou menor espontaneidade e fluência. A principal diferença é
que a fala é mais informal e a escrita é mais formal. Produzir um texto escrito não é
uma tarefa que implica apenas o ato de escrever, ao contrário, passa por várias
etapas, interdependentes e intercomplementares, que vão desde o planejamento,
107

passando pela escrita propriamente, até o momento posterior da revisão e da


reescrita.
As práticas de “redações” escolares devido ao limite escasso de tempo,
à improvisação e à ausência de objetivos mais amplos, levam o aluno a produzir
textos de qualquer maneira, sem planejamento e sem uma revisão em busca da
melhor forma de dizer o que se pretende comunicar.
Pobreza de repertório, falta de informação, não ter o que dizer, não são
problemas que se solucionam com regras de gramática e nem com exercícios de
analise sintática. Para escrever bem, é preciso, antes de tudo, ter o que dizer,
conhecer o objeto sobre o qual vai se discorrer. O tempo destinado a exercícios
como procura de dígrafos, de encontros consonantais, classificação das funções do
que e outras questões semelhantes, poderia ser bem mais aproveitado com a leitura
e análise (diária) de textos interessantes, ricos, sejam eles literários ou não.

A leitura possibilita a experiência gratuita do prazer estético, de ler pelo


simples gosto de ler. Para admirar. Para deleitar-se com as idéias, com as
imagens criadas, com o jeito bonito de dizer literariamente as coisas. Sem
cobrança, sem a preocupação de qualquer prestação de contas posterior.
Apenas sentindo e, muitas vezes, dizendo: “Que coisa bonita!” (ANTUNES,
2003, p. 71).

É para este plano de leitura que se destinam os textos literários:


romances, crônicas, contos, poemas principalmente; reduzi-los a objetos de análise
sintática, a pretexto para exercício de ortografia, é esvaziá-los de sua função poética
e ignorar a arte que se pretendeu com o arranjo diferente de seus elementos
lingüísticos. Como ilustração da sua afirmativa, Antunes (2003, p. 73) transcreveu
uma proposta de atividade apresentada em um livro didático, sobre a poesia “Ave
Alegria” de Sylvia Orthof.
Na proposta de exploração desse texto havia a observação “Ave =
salve (é uma interjeição”), indicar a classe gramatical a que pertence a palavra,
“Escreva três substantivos e forme frases com eles”,etc. Essa atividade além de
matar toda a “poesia” do texto, porque nem a reconhece, favorece ao aluno
exercitar a “competência” de formar frases soltas, o que vai na direção oposta da
textualidade.
Existem outras motivações para a exploração do texto, como começar
pela sua intertextualidade e recuperar a clara alusão que se faz no poema à oração
108

“Ave Maria”, poderia ainda recuperar outros pequenos textos ou expressões que
remetem para outras preces bem conhecidas e também poderia ser feita a
exploração da associação semântica entre as palavras do texto. Poderia ser
comentado o uso de tantos pontos de exclamação. Evidentemente, todo esse
trabalho deve depois de uma emocionada leitura e releitura do texto, para que, antes
de tudo, possamos desenvolver no aluno o gosto e o afeto pela apreciação da
literatura.
Antunes (2003) confirma que é pela leitura que se aprende o
vocabulário específico de certos gêneros de textos, os padrões gramaticais
(morfológicos e sintáticos) peculiares à escrita, as forma de organização seqüencial
e de apresentação dos diversos gêneros de textos escritos. A exposição, pela
leitura, é claro, a bons textos escritos é fundamental para a ampliação de nossa
competência discursiva em língua escrita, mas é bom lembrar que “bons textos” não
são apenas os textos corretos gramaticalmente. A aprendizagem das regularidades
próprias da escrita acontece no contacto com textos escritos, da mesma maneira
como a aprendizagem da fala acontece com a exposição do aprendiz a experiências
de oralidade.
Quando alguém é capaz de falar uma língua, também o é de usar as
regras fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas dessa língua, pois não
existe falante sem conhecimento de gramática. Ensinar ou não ensinar gramática
nem é uma questão já que não se pode falar nem escrever sem gramática. O
importante é discernir sobre o objeto do ensino: as regras( mais precisamente: as
regularidades) de como se usa a língua nos mais variados gêneros de textos orais e
escritos.
A distinção entre “regras de gramática” e “nomenclatura gramatical” é
muito importante. As regras implicam o uso, destinam-se a ele, orientam a forma de
como dizer, para que este dizer seja interpretável e inteligível. A nomenclatura
corresponde aos “nomes” que as unidades, as categorias, os fenômenos da língua e
suas classificações têm. Infelizmente, a maioria das pessoas quando se referem ao
ensino de gramática na escola, referem-se a esse ensino da nomenclatura, da
análise sintática e similares.
Nem mesmo as provas do vestibular, do ENEM ( Exame Nacional do
Ensino Médio) e de alguns outros concursos, feitas fundamentalmente em cima da
compreensão de textos, têm conseguido fazer as pessoas entenderem qual a função
109

da gramática de uma língua e deixar a obsessão pelo estudo da nomenclatura


gramatical.
Muitas vezes o aluno que aprende a sua língua materna numa forma
regional, pode transferir grande número de regras de construção para a língua
erudita padrão; mas certas regras causam dificuldades como o caso da
concordância do plural, da colocação dos pronomes oblíquos, etc.. Para se obterem
condições adequadas ao processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa,
todos os trabalhos desenvolvidos deverão estar centrados no texto. Ele deverá ser o
ponto de partida e o ponto de chegada de qualquer prática de ensino que pretenda
levar o aluno a falar e a escrever a língua conforme as normas socialmente aceitas.
Segundo Pernambuco (1995):

A metodologia de trabalho do texto deve ser aquela que faça da prática


pedagógica diária uma oportunidade de troca e existência em comum de
valores díspares tendo a linguagem como veículo de interação. Este
trabalho com o texto e pelo texto pretende levar o aluno a ter uma visão
crítica da realidade com percepção dos conteúdos ideológicos destinados a
mascarar a essência do real, a função do professor será a de conduzir o
aluno a fazer textos que falem de textos, instrumentalizando-o para ocupar
seu espaço na sua comunidade.

4.3 PROPOSTA CURRICULAR DE SÃO PAULO

A ineficiência do ensino levou a Secretaria de Educação do estado de


São Paulo, em 2008, a elaborar um projeto que visa propor um currículo para os
níveis do ensino Fundamental – Ciclo II e Médio. A sociedade do século XXI é cada
vez mais caracterizada pelo uso intensivo do conhecimento. Na sociedade de hoje
não é aceito nenhum tipo de exclusão, tanto pela falta de acesso a bens materiais
quanto pela falta de acesso ao conhecimento e aos bens culturais. A qualidade da
educação oferecida nas escolas públicas também ganha importância, pois para elas
acorrem as camadas mais pobres da sociedade brasileira.
Os currículos das escolas têm que levar em conta os princípios centrais
desta Proposta Curricular: a escola que ensina e aprende, o currículo como espaço
de cultura, as competências com eixo de aprendizagem, a prioridade da
competência de leitura e de escrita, a articulação das competências para aprender a
contextualização no mundo do trabalho.
110

A Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a disciplina de


Língua Portuguesa visa a formar os alunos para o mundo do conhecimento, por
meio da linguagem. A proposta de ensinar a língua como uma atividade social,
espaço de interação entre as pessoas, num determinado contexto de comunicação,
implica a compreensão da enunciação como o eixo central de todo o sistema
lingüístico.
Centrar o ensino de Língua Portuguesa no texto requer o
desenvolvimento de habilidades que ultrapassem uma visão reducionista dos
fenômenos lingüístico e literário. Estudar uma frase mesmo que incorporando esse
estudo ao texto, não responde a todas as necessidades daquele que faz uso da
língua nas mais diversas situações. Há o aspecto social da língua que, como
organismo vivo e pulsante, se transforma a toda hora e relaciona os textos, literários
ou não, com o momento de produção da leitura.
É importante que a atividade da Língua Portuguesa evite que o aluno
se sinta um estrangeiro a utilizar-se de sua própria língua e das literaturas que essa
língua produziu.
Essa proposta, em consonância com os parâmetros e com os avanços
feitos até o momento, parte do estudo do texto como base para o estudo de
conteúdos, o desenvolvimento de habilidades e competências – especialmente de
leitura e escrita – e propostas metodológicas de ensino e aprendizagem. Os
mesmos conteúdos de uma série serão apresentados nas séries seguintes com
aspectos organizadores: o desenvolvimento das habilidades de leitura, de escrita, do
falar, do ouvir e as relacionadas aos aspectos gramaticais da língua. No que diz
respeito aos aspectos gramaticais da língua: haverá momentos de sistematização,
com destaque maior para os temas que geram mais problemas de uso para os
falantes. Além disso, o olhar gramatical seguirá a organização tradicional
apresentada pelos livros didáticos tendo o cuidado de expor os temas dentro da
perspectivas das variedades lingüísticas e textuais.

4.4 SISTEMA DE AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO ESCOLAR DO ESTADO DE SÃO


PAULO (SARESP)
111

A necessidade de citar-se essa avaliação deve-se ao fato da mesma


ter sido elaborada considerando um ensino de gramática não normativo, com a
preocupação de verificar o nível de leitura e de compreensão de textos por parte dos
alunos.
A Secretaria de Educação do estado de São Paulo (SEE) avalia a
educação básica do Estado desde 1996, por meio do Sistema de Avaliação de
Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). Esse exame tem como
finalidade avaliar as competências e habilidades desenvolvidas pelos alunos ao
longo do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
Quanto aos tipos de provas: as de redação foram do tipo narrativo-
descritivo no EF e dissertativo-argumentativo no EM.
Quanto às correções das provas: antes, houve capacitação para os
professores que participariam da correção. Recebemos o Manual para a avaliação
das redações do Saresp/2008 e este continha todas as orientações necessárias,
orientações estas que muito colaboraram com a aprendizagem dos professores
participantes.
Primeiramente destacou-se a necessidade de compreender qual foi a
situação de produção de texto proposta para depois definir critérios para a avaliação,
pois cada situação de produção de texto, dependendo da sua finalidade exige
competências diferentes dos alunos.
No Saresp/2008 procurou-se observar a construção da proposta
atrelada a um determinado gênero textual. Com base em Bakhtin, pode-se dizer que
os gêneros são formas relativamente estáveis e padronizadas de enunciação,
diretamente relacionadas a determinadas esferas discursivas e a determinadas
formas de circulação social do texto. Podem ser reconhecidos pelo tipo de autoria,
por um conteúdo temático próprio, pela estrutura e organização de sua composição
e, portanto, pelos recursos lingüísticos e textuais que tendem a mobilizar.
A proposta nas provas do Saresp/2007 estava situada em uma
proposição de tipos textuais como a narração e a argumentação. Estes tipos foram
associados aos gêneros e de acordo com as indicações das Matrizes curriculares
para a avaliação de Língua Portuguesa do Saresp/2008, da seguinte forma:
4ª série (5º ano) do Ensino Fundamental: produzir um relato de
experiência pessoal vivida com base em proposta que estabelece tema, gênero,
linguagem, finalidade e interlocutor do texto.
112

6ª série (7º ano) do Ensino Fundamental: produzir uma carta pessoal


vivida com base em proposta que estabelece tema, gênero, linguagem, finalidade e
interlocutor do texto.
8ª série (9º ano) do Ensino Fundamental: produzir um artigo de opinião
com base em proposta que estabelece tema, gênero,linguagem, finalidade e
interlocutor do texto.
3ª série do Ensino Médio: produzir um artigo de opinião com base em
proposta que estabelece tema, gênero, linguagem, finalidade e interlocutor do texto..
Esse é o diferencial dessa proposta que faz com que a produção de
determinado gênero delimite, mesmo que de forma simulada, a competência do
aluno em produzir um texto que reflita a sua preocupação com as expectativas do
leitor a quem ele se dirige, identificável por marcas características como valores,
referências e formulações. Essa proposta caracteriza-se pela proposição de um
tema em determinado gênero, definindo um provável leitor do texto produzido, esfera
de circulação e finalidade social. Mesmo antes de o aluno produzir a redação e de o
professor avaliá-la, a compreensão da proposta de redação é essencial.
Em todas as séries serão avaliadas quatro competências dos alunos:
tema, gênero, coesão/coerência e registro; a proposição é uma competência que faz
parte da avaliação do ensino médio.
Os outros objetivos da avaliação em Língua Portuguesa promovida
pelo Saresp são essencialmente diagnósticos, trata-se de aferir as capacidades e
habilidades em leitura e escrita que os alunos puderam desenvolver no contexto da
rede estadual de ensino, tomando-se como referências os objetivos de ensino
definidos para as diferentes séries avaliadas.
A redação nas provas do Saresp se expressa pela proposição de uma
situação-problema, cujo desafio é o desenvolvimento, por parte do aluno, de um
texto escrito. Para tanto, o aluno necessita, primeiro, ler a proposta. Ler implica
compreender e interpretar, ou seja, atribuir um significado aos diferentes aspectos
apresentados na proposta da redação. Neste momento, o que está escrito na
proposta de redação é um meio ou um recurso para a produção de uma outra
escrita, a do próprio aluno, que deve mobilizar tudo o que ele sabe, nos limites
espaciais e temporais disponíveis para isso. Mas atribuir um significado à proposta
implica, igualmente, destacar aquilo que o aluno considera relevante, aquilo que o
toca, que o instiga e, portanto, se torna motivo de consideração.
113

Planilha de correção 4ª, 6ª e 8ª EF e 3º EM


competências Nível1 Nível 2 Nível 3 Nível 4
Insuficiente Razoável Bom Muito bom
C1 Tema Apresenta Compreende Compreende Compreende
dificuldades em razoavelmente a bem a proposta muito bem a
Desenvolver o texto,
compreender a proposta de de redação e proposta de
de acordo com as
proposta de redação e desenvolve redação e
determinações
redação e desenvolve bem o tema, desenvolve muito
temáticas e
desenvolve um razoavelmente o apresentando bem o tema, com
situacionais da
texto que tema, indícios de um base na definição
proposta de redação
tangencia o parafraseando os projeto de um projeto
tema. textos da temático temático pessoal.
proposta ou pessoal.
apresentando
uma série de
idéias associadas
(listas) ao tema.
CII Gênero Apresenta Compreende Compreende Compreende
dificuldades em razoavelmente a bem a proposta bem a proposta
Mobilizar, no texto
compreender a proposta de de redação e de redação e
produzido, os
proposta de redação e desenvolve desenvolve muito
conhecimentos
redação e desenvolve bem os bem os
relativos aos
apresenta razoavelmente os elementos elementos
elementos
indícios do elementos constituintes do constituintes do
organizacionais do
gênero constituintes do gênero mesmo gênero.
gênero
gênero indicado. que com
desvios.
CIII Organiza Compreende Organiza bem Organiza muito
Coesão/Coerência precariamente as razoavelmente as partes do texto bem as partes do
Organizar o texto de partes do texto, partes do texto, apresentando texto e
forma lógica e apresentando apresentando problemas demonstra um
produtiva, grande redundâncias ou pontuais na bom domínio no
demonstrando dificuldade em inconsistências articulação uso dos
conhecimento dos articular as constantes, mas entre as partes elementos
mecanismos proposições; e com alguns elos e/ou as coesivos
lingüísticos e demonstra pouco entre partes e preposições, e
textuais necessários domínio na proposições do demonstra um
para sua construção utilização dos texto, bom domínio
recursos demonstrando no uso dos
coesivos um domínio recursos
básico na coesivos
utilização dos
recursos
coesivos
C IV Registro Apresenta muitas Apresenta Demonstra no Demonstra no
inadequações, no inadequações no registro do registro do texto,
Aplicar as registro do texto,
registro do texto, texto, bons bom domínio das
convenções e referentes à norma
referentes à domínios das regras
normas do sistema gramatical, à
norma escrita das
regras normativas do
da escrita.
gramatical, à palavras, à normativas do sistema de
escrita das segmentação de sistema de representação da
palavras, à palavras e frases representação escrita.
segmentação de e/ou à pontuação da escrita,
palavras e frases mas com indícios mesmo que
e/ou à de seu domínio apresente
pontuação. básico alguns desvios
recorrentes no
uso dessas
regras.
114

C V Proposição Elabora proposta Elabora proposta Elabora Elabora proposta


de intervenção de intervenção proposta de de intervenção
Elaborar proposta de
precariamente razoavelmente intervenção muito bem
intervenção para o
relacionada ao relacionada ao bem relacionada ao
problema abordado
tema. tema, mas relacionada ao tema e muito
demonstrando um
incipientemente tema, mas bem articulada à
posicionamento
EM articulada com a ainda pouco argumentação
crítico e cidadão a
argumentação articulada do necessária ao
respeito do tema,
necessária ao ponto de vista posicionamento
considerando os
posicionamento da crítico.EM
valores humanos e a
crítico. EM argumentação
diversidade
necessária ao
sociocultural. EM
posicionamento
critico.EM
( Manual para a avaliação das redações do SARESP, 2008, p. 9)

As partes consideradas mais importantes na redação, dessa prova, são


o Tema e o Gênero. Se o aluno não atendeu à proposta de redação, isto é, escreveu
sobre outro tema ou escreveu em outro gênero, sua produção se enquadra no
conceito 1 – Insuficiente em todas as competências. O momento de transição entre
a leitura da proposta de redação e sua referência na produção do texto é
fundamental. O professor deve estar atento para esta transição. Seja qual for a
temática desenvolvida pelo aluno, a redação deve manter um elo com a proposta
solicitada.
Os alunos do atual 7º ano teriam que responder a uma carta do primo
André. Nesta carta ele dizia que ia se mudar para perto deles, falava sobre a escola
que freqüentava, seus amigos, e perguntava sobre a escola deles, pois seria a que
ele iria freqüentar.
A proposta de redação para os alunos do 9º ano foi produzir um artigo
de opinião tendo como tema: A escola pública em discussão: a escola que eu tenho
e a escola que eu gostaria de ter. Foram apresentados alguns textos publicados em
um blog da internet com algumas opiniões sobre o assunto e as seguintes
recomendações:
Ao desenvolver o tema, procure utilizar conhecimentos adquiridos e as
reflexões feitas ao longo de sua formação. Selecione, organize e relacione
argumentos, fatos e opiniões para defender o seu ponto de vista, elaborando
propostas para a solução do problema discutido em seu texto.
Podemos observar que o aluno para fazer uma boa redação, precisa
ter criatividade e o mais importante é que seu professor seja um adepto do ensino
115

produtivo. Durante a orientação para a correção disseram-nos sobre a importância


dos aspectos lingüísticos e a pouca importância das regras da gramática normativa.
Estas provas vieram ao encontro das idéias dos lingüistas que acham
que está na hora de mudarmos a nossa maneira de ensinar, devemos mudar nossos
valores, nossas crenças, direcionar nossos objetivos levando em consideração os
alunos, eles sempre deverão estar em primeiro lugar.
Podemos aqui dizer que o professorado de português vive uma
situação muito incômoda, pois as opiniões de respeitados estudiosos convergem
para a posição de que o ensino de Português deve privilegiar o texto com as novas
contribuições lingüísticas, focalizando gêneros diversos sem ater-se ao livro didático.
A gramática tradicional tem o seu lugar no ensino, mas não é um
caminho ideal para desenvolver o desempenho na leitura e na escrita.

O grande perigo é transformar a gramática – uma disciplina já em si um


tanto difícil – em uma doutrina absolutista, dirigida mais ou menos
exclusivamente à “correção” de pretensas impropriedades lingüísticas dos
alunos. A cada passo, o aluno que procura escrever encontra essa arma
apontada sobre sua cabeça: “Não é assim que se escreve (ou se fala)”,
“Isso não é português”e assim por diante. Daí só pode surgir aquele
complexo de inferioridade lingüístico tão comum entre nós: ninguém sabe
português – exceto, talvez, alguns poucos privilegiados, como os que se
especializam em publicar livros com listas de centenas ou milhares de
“erros” de português” ( PERINI,1995, p. 13).

4.5 GRAMÁTICA E ENSINO

Muitas dicotomias têm cercado a noção de gramática. Dentre elas, a


mais problemática das dicotomias do estudo lingüístico é: certo x errado. Segundo
Neves (2006, p. 155), pode-se argumentar que cabe à escola preservar seus
educandos da discriminação social que, com certeza, será vítima se não receberem
a devida orientação escolar; o temor do erro é uma questão mal conduzida, pois
mesmo os que pregam a liberdade sobre o modo de falar ou escrever dos usuários
da língua, possuem preconceitos lingüísticos.
Outra dicotomia muito discutida é a uso x norma-padrão, é a mais
legitima confrontação quando se trata da atuação escolar no trabalho com a
linguagem. Por ser uma norma socialmente legítima, essa norma padrão merece
116

reflexão profunda e precisa estar sob consideração o espaço escolar que a língua
materna deve ocupar. Para as situações informais de fala no seu próprio meio
social, todos estão minuciados desde que aprenderam a falar, mas o
monodialetalismo é a maior fonte de barreiras para a mobilidade social, além de
constituir fonte inegável de frustração pessoal.
Neves (2006) afirma ser necessário que não nos iludamos quando,
demagogicamente, em nome de “somos todos iguais”, condenarem o cuidado da
escola com a língua escrita e com a norma prestigiada, pois estarão pregando que
as desigualdades de oportunidade e realização pessoal sejam mantidas e
alimentadas. Não é legítimo que se apregoe condição de inferioridade para os
alunos que ingressam na escola sem nenhuma versatilidade quanto, e pela falta de
posse de outro padrão que não aquele de seu grupo familiar, desprestigiado. A
escola está instituída justamente para caminhar em trabalho participativo, para a
colocação de seus alunos em outras situações que acionem outros padrões, aos
quais eles terão que chegar pela construção e pelo aproveitamento de situações de
interação, nunca pelo oferecimento de lições prontas de “boa” linguagem.
A terceira dicotomia – língua falada x língua escrita tem sido
falsamente avaliada principalmente quando se trata de trabalho escolar com a
linguagem. A alfabetização parte do princípio de que alfabetizar é ensinar a codificar
os sons em letras e cadeia sonora em cadeia gráfica. O insucesso no desempenho
escrito, verificado mais tarde, é inevitável, conseqüência do entendimento no trânsito
das normas coloquiais para a padrão e mobilidade entre os diversos registros para a
necessária adequação devam ser obtidos em lições “gramaticais” desvinculadas do
processo de interlocução. A atenção escolar se concentra na produção escrita e o
sistema escolar entende que a desvinculação deve ser imediata, simplesmente não
admitindo que a criança escreva “como fala”, mesmo no inicio de sua atividade de
produção de textos escritos.

O que ocorre na situação escolar de produção escrita é que, com condições


de produção absolutamente rituais, com motivações artificialmente criadas,
com finalidades ditadas do exterior, afinal com total ausência de uma
situação consentida de interlocução, o aluno se põe a produzir um texto
simplesmente na hora em que lhe dizem que está na hora de produzir um
texto, sem mais quê nem por quê. E, afinal, o que a escola obtém, com essa
atitude, é fazer a criança perder o domínio de seu desempenho em
linguagem, e confundir a consciência intuitiva de linguagem que a fala lhe
deu (NEVES, 2006. p. 159)
117

A quarta dicotomia - descriçào x prescrição – pertence ao domínio da


analise lingüística, da investigação sobre o funcionamento da linguagem. Com esta
dicotomia entramos no domínio conceitual, aqui, exige-se muito, discussões
envolvidas serão de ordens tais como a própria concepção de gramática e a
natureza das gramáticas.
Nogueira (1999) buscando “compreender a extensão e a variedade do
conceito de gramática em função de suas implicações pedagógico-didáticas” (p.
104), considera três perspectivas complementares: “descritiva, normativa-prescritiva
e produtiva”. O autor considera indiscutível a distinção entre as duas primeiras
perspectivas porque as línguas naturais são mecanismos cujo funcionamento
decorre do rigor inerente à relação que entre si mantêm os elementos que as
constituem como sistemas e porque as práticas de uso da língua em situações
concretas de enunciação e comunicação implicam por meio dos falantes, a
consciência crítica de que existe uma norma, que até certo ponto determina o
estabelecimento de padrões de correções vigentes em períodos mais ou menos
longos (in NEVES, 2006, p. 160).
O imobilismo da língua é um ideal a ser perseguido, e de uma
concepção ainda sociopoliticamente de que uma língua nacional deve ser
preservada, como instrumento de dominação.
Relacionado à natureza da gramática é o discurso dos manuais de
gramática, que Barros (2001, in NEVES, 2006. p. 161) investiga como “discurso da
norma”, ou seja, “o conjunto de procedimentos discursivos que levam o enunciatário
a acreditar na verdade e na necessidade de certos usos lingüísticos”.

4.6 EM BUSCA DE PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO

Com base em Pernambuco (1995) apresentaremos alguns princípios


que poderão nortear uma proposta de ensino. Segundo este autor, a escola deve
ajudar o aluno a crescer linguisticamente com maturidade intelectual e emocional,
com crescimento de toda a vida, e em todas as demais disciplinas do currículo
escolar. Somente com a ascensão do nível sócio-culltural é que crescerá o nível de
línguagem do indivíduo.
118

Pernambuco ressalta:

O realismo lingüístico é indispensável ao professor: a língua (e a gramática)


é como é, não como deveria ser, como o professor quereria que fosse,
como os gramáticos pretendem impor que seja, presos a modelo do
passado.
Relativismo lingüístico: língua e comportamento gramatical devem ser vistos
e julgados relativamente aos falantes/escreventes, à natureza, objetivos e
circunstâncias de seus atos de comunicação.
O inverso desse relativismo é o absolutismo gramatical do ensino tradicional
ingênuo. (...). Em sociedades econômica e culturalmente heterogêneas, é
inevitável a heterogeneidade no campo da linguagem.

De acordo com o pesquisador, os alunos não falam a mesma


variedade lingüística e nossa proposta defende por parte da escola um trabalho
eficiente no sentido de ampliar a competência lingüística do aprendiz ensinando-lhe
a variedade prestigiada sem menosprezar a variedade lingüística que ele aprendeu
em seu meio ambiente. Se a criança aprendeu-a espontaneamente em seu
ambiente, certamente aprenderá a variante que a escola quer que ela aprenda
desde que as atividades para tal sejam semelhantes.
O fracasso escolar acontece porque a escola não está conseguindo
que o aluno desenvolva a habilidade de domínio da modalidade escrita da língua.
Isto acontece devido ao fato de que tem feito uso somente do ensino prescritivo.
Segundo Pernambuco (1995), para se criarem condições adequadas
ao processo ensino-aprendizagem de língua portuguesa, as atividades pedagógicas
em sala de aula deverão estar centradas nos trabalhos com o texto. Aqui, texto
significa toda a produção verbal, seja ela escrita ou oral, organizada, com sentido e
dentro de um contexto determinado.
Sendo a principal função do professor, ensinar ao aluno como se
produz e como se lê o texto em busca do que dizer e do como dizer, há necessidade
de que ele tenha conhecimento a respeito da concepção do texto que a criança
possui na fase de alfabetização e da influência que tem tal concepção na forma
como estrutura seus textos.
Segundo Koch (2008), os modelos de texto de uma criança nas séries
iniciais de escolarização: a) quanto à forma de estrutura, está ligada ao texto oral,
conversacional, ou a textos narrativos (estórias, “casos”); ao entrar na fase de
alfabetização seu modelo é acrescido pelo texto da cartilha o qual é considerado o
modelo “correto”. Com estes modelos seus textos passam a ser mais artificiais
119

perdendo muito da criatividade de seus primeiros textos. Mais tarde ela encontra
outros modelos de textos: quadrinhos, livros de literatura infantil e modelos de
redação; mesmo assim seus textos continuam cheios de marcas de oralidade que
deverão ser eliminadas por meio da intervenção do professor. b) quanto a
superestrutura ou esquema textual e à macroestrutura ou conteúdo semântico
global: quando narrativas, o esquema textual mais freqüente é o de contos de fada,
das historias tradicionais, estes textos apresentam situação, complicação,resolução
e a coda para finalizar: “E viveram felizes para sempre”. c) tempo verbal inadequado:
em todas as séries, diminuindo sensivelmente nas séries finais.

A metodologia do trabalho com o texto que queremos é aquela que faça da


prática pedagógica diária uma oportunidade de troca e existência em
comum de valores díspares tendo a linguagem como veículo de interação.
O trabalho com o texto e pelo texto que preconizamos pretende levar o
aluno a ter uma visão crítica da realidade com percepção dos conteúdos
ideológicos destinados a mascarar a essência do real (PERNAMBUCO,
1995, p. 110).

O professor tem a função de direcionar o aluno a fazer textos e para


isso ele deverá ser um bom leitor que tenha intimidade com tipos variados de textos.
O professor é o mediador entre o aluno e o texto levando-o a produzir sua própria
leitura, percebendo as várias significações que um texto pode ter e observando suas
estruturas. O sucesso desse trabalho com o texto em sala de aula depende somente
de o professor utilizar alguns procedimentos básicos, ser competente nesse trabalho
e direcionar seu trabalho às finalidades educacionais escolhidas como adequadas
ao seu trabalho docente.

4.6.1 O texto do aluno como ponto de partida

É imprescindível que nesta fase o professor interaja com o seu aluno


para conhecê-lo, é necessário que através da oralidade ele descubra o meio em que
o aluno vive, os seus anseios quanto à escola, seus interesses e gostos. Através
deste diálogo, o professor cria condições adequadas para o desenvolvimento da
oralidade do aluno e também para a produção de textos escritos. O tempo
120

estipulado para esse processo é o necessário para que todos os alunos falem e que
suas falas sejam ouvidas e respeitadas pelos outros alunos.
Como próximo passo será a estimulação para o texto escrito, mas sem
exigências, sem traumas. Após a escrita o ideal será que cada um leia o texto que
acabou de escrever para os demais, pois esta é uma grande oportunidade para os
alunos se desinibirem e para o professor verificar a concepção que cada aluno tem
da modalidade escrita da língua em relação à língua oral.
Para Pernambuco (1995), “é preciso que o professor tenha
conhecimentos seguros a respeito dos processos que acontecem na leitura e na
redação para que sua interferência seja adequada”, pois somente assim ele poderá
conduzir o aluno na produção de textos na modalidade escrita.
Nesta etapa da nossa proposta levamos em conta: o aluno e seu
universo lingüístico (experiências), o processo da fala e da escrita e o professor com
ciência de que ele tem do que seja ler e escrever e ter seu projeto de ensino.
É notório que a chegada à produção do texto escrito é bem mais
complexa do que a aprendizagem da fala, mas o aluno também aprenderá desde
que esse processo seja bem conduzido pelo professor.
Durante o desenvolvimento de sua pesquisa, Pernambuco (1993)
percebeu que ao pedir aos alunos que fizessem alguns textos, confessionais no
caso, que o aluno não encontra dificuldade em escrever sobre suas experiências
pessoais, mas sua escrita é a transcrição da fala. Percebeu também que lendo os
textos com atenção percebe-se que o aluno não está preocupado com a possível
avaliação do professor; escrever para ele é falar através da palavra escrita. A partir
do conhecimento que se tem do aluno através de seus textos é que se deve traçar
um projeto de ensino adequado às necessidades, interesses e gostos para melhor
poder conduzi-lo à aquisição da habilidade da produção de textos. O que importa ao
professor no momento é levar o aluno a aprender a pensar o que seja a modalidade
escrita da língua. Até chegar a essa compreensão ele passa por três fases: “a
escrita é a fala transcrita graficamente, a escrita é diferente da fala porque exige o
uso de palavras mais difíceis e frases mais complicadas, a escrita é outra
modalidade de língua e exige conhecimento de técnicas”.
O contato dos alunos com textos múltiplos e variados com relação à
estruturação e à temática é que vai definindo o tempo necessário para que ele
ultrapasse as etapas.
121

4.6.2 Trabalhar o texto do aluno em todos os aspectos

Muitos aspectos poderão ser observados coletivamente pelo professor


como: paragrafação, pontuação, coesão, coerência, etc.
Segundo Koch (2008) “a concepção de texto que a criança possui tem
reflexos na escrita, em termos da coesão e da coerência do texto. A coesão diz
respeito ao modo como os constituintes textuais se encontram explicitamente
interligados. Geralmente, os problemas apresentados são:
a) a conexão entre os enunciados faz-se por simples justaposição ou
por meio de seqüenciadores típicos do texto oral;
b) encontra-se várias ocorrências de mas, às vezes com função
adversativas, às vezes meramente continuativa;
c) repetições em abundância;
d) referência ambígua.
Quanto à coerência, “ela diz respeito ao modo como os elementos
expressos na superfície textual e aqueles que se encontram explicitados vêm a
permitir aos usuários do texto a construção de um sentido devido à atuação de uma
série de fatores de ordem cognitiva, sociocultural, situacional, interacional (KOCH
2008, p. 181).
Pode-se falar em diversos tipos de coerência: semântica, sintática,
temática, superestrutural e temporal.

4.6.3 Selecionar as dificuldades apresentadas pelos alunos.

Após a leitura dos textos pelo professor que, neste primeiro momento,
só deverá estar preocupado com o conteúdo do texto, deverá ser feita uma releitura
deles. Durante essas releituras, em algum caderno ou folha, o professor deverá
anotar as principais dificuldades dos alunos para depois trabalhá-las uma a uma. O
professor não deve preocupar-se com o tempo que irá gastar com este trabalho,
mas sim com os resultados que deverá obter,.interessa nessa fase conhecer o aluno
122

e sua visão de mundo, sem preocupação excessiva com o domínio que ele possa ter
de correção gramatical.

4.6.4 Propostas de leituras

A seleção de textos é imprescindível para o sucesso de nossa


proposta; para poder fazê-la, naturalmente, o professor deverá ser bom leitor e
conhecer os mais variados tipos de textos, tanto ficção como não-ficção. É de
grande importância a presença no dia-a-dia da sala de aula, de textos como cartas
familiares, diários íntimos, jornais, revistas, diálogos informais, romances, etc. A
literatura infanto-juvenil é uma grande oportunidade para despertar a sensibilidade
no aluno e ampliar a sua visão de mundo. Enredos palpitantes e trama bem
construída é o tipo de livro que proporciona, aos adolescentes, prazer na leitura.
O momento decisivo para o nascimento de um bom leitor, dentro e fora
da aula, é este, daí a necessidade do professor ser um amante da literatura para
crianças e adolescentes. Os textos selecionados não podem ser somente os
voltados para uma pedagogia moral, mas aquele que deixa espaço para a reflexão,
para a busca, para a fantasia da criança e do adolescente.
É inaceitável que o professor trate a literatura como simples obrigação
didática, como instrumento para atribuir notas e conceitos. O professor tem que
despertar no aluno o prazer pela leitura.
Nas Escolas Municipais de Sertãozinho, de primeiro ao nono ano,
temos o “Projeto Sol do Saber”. Ele é desenvolvido nas bibliotecas das escolas e
coordenado por professores que gostam e têm o hábito de ler. Os alunos participam
de uma aula neste local com decoração e mobiliário apropriado, todas as semanas.
Lá, eles ouvem e contam histórias, escolhem livros para lerem em casa, trocam os
livros com os amigos, indicam leituras, assistem a filmes, fazem comparações, etc.
Do aluno é cobrado responsabilidade e cuidados com os livros. A leitura é cobrada
descontraidamente, através de leitura ou reprodução oral, desenhos, textos escritos,
etc. eles não gostam de faltar às aulas no dia que “tem biblioteca”, amam ler. A
criança lê o livro que lhe dá prazer e costumam freqüentar a Biblioteca Municipal
para retirarem livros que não têm na escola e também para fazer pesquisas. Não há
123

atribuição de notas nem conceitos, o aluno gosta de ler. As séries iniciais também
levam livros para lerem em casa com a ajuda dos pais, das mães ou irmãos, muitas
vezes decoram as histórias. Esse projeto, às vezes completa o trabalho do professor
na sala de aula e às vezes é completado por eles, é um trabalho interdisciplinar e
coletivo.

4.6.5 A aula de gramática, laboratório de leitura e escrita.

Segundo Pernambuco (1995), “a aula de português deve funcionar


como uma espécie de laboratório em que o erro ocasional é sempre oportunidade de
uma nova descoberta”. Quando esse processo é bem dirigido não há
constrangimento por parte dos alunos e muitas vezes ele é capaz de perceber sua
próprias falhas em um ou outro aspecto do trabalho.
Há necessidade de o professor se conscientizar de que ele deve ler
cada vez mais, mas não é porque ele gostou do texto que os alunos também irão
gostar, deve ir preparado para a aula para não se decepcionar. “O gosto é do aluno
e para ele não existe autor clássico ou não”, diz Pernambuco (1995)..
O leitor deve ver no texto um todo de estruturação e um todo de
significação; deve enxergar no texto o jogo que se faz com as palavras para a
abertura de caminhos para as diferentes leituras. Logicamente uma prática de leitura
bem conduzida não fará do leitor, obrigatoriamente, um grande produtor de textos,
mas com certeza escreverá textos muito melhores, pois o caminho da modalidade
escrita é a partir do domínio da leitura.
Não se pretende fazer surgir um escritor mas proporcionar aos alunos
situações de aprendizado significativas para que eles se apropriem da língua.

As perguntas que o aluno faz sobre a língua, quando em contato com a


leitura de textos ou durante o processo de produção deles é que devem
constituir o material de ensino do professor.
Da forma como é conduzido, o ensino de língua portuguesa em nossas
escolas causa a impressão de que o que se deseja é fazer do aluno um
autor de gramática normativa da língua, quando, na verdade, o que deveria
estar em foco é a possibilidade de o ensino contribuir para a expansão do
material lingüístico e cultural dos alunos, como forma de crescimento
124

individual e a conseqüente transformação da sociedade. (PERNAMBUCO,


1995,p. 117).

Esta proposta de trabalho com textos pretende alcançar a participação


ativa dos alunos e levá-los a desenvolver um trabalho produtivo, sendo um bom
leitor e produtor de textos. Bons leitores referindo-se à capacidade de o aluno ler
percebendo o sentido do que se disse, usando a língua e, quanto à produção de
textos, pretende-se que o aluno seja capaz de usar a língua produzindo textos orais
e escritos de acordo com as necessidades. Um texto narrativo curto, um convite,
uma carta familiar, um bilhete, uma página de diário, um comentário sobre um texto
lido devem fazer parte dos textos trabalhados até uma quinta série..
Para Pernambuco (1995), o ensino de língua portuguesa deve ter como
objetivo maior levar o aluno a usar a língua entendendo o que está fazendo através
dela e usá-la expressando o seu próprio mundo.
A redação não deve ser usada, prioritariamente para atribuição de
notas, mas, sim, como um elemento diagnóstico para o professor detectar as
dificuldades dos alunos no domínio da modalidade escrita da língua e tentar saná-
las.
Os objetivos e a proposta desenvolvida em nossa pesquisa é a mesma
defendida por Pernambuco em 1995.
125

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Ser conservador em matéria de linguagem é estupidez. E ser totalmente


inovador é ilusão, pois não se abole nada só porque se quer abolir. O
equilíbrio é difícil.”
Glauco Mattoso (1951)

A proposta dessa dissertação foi analisar o trabalho do professor de


português na sala de aula, principalmente no que diz respeito ao ensino da
gramática. Através dessa análise pretendemos desenvolver princípios que dêem ao
aluno, acesso à modalidade escrita da língua, possível a todas as pessoas que já
dominam esta mesma língua, em sua modalidade oral e em diversos dialetos e
registros. A escola assume o papel de ser, na sociedade, mais um dos veículos
divulgadores de uma variedade lingüística considerada como padrão. Nossa
pesquisa buscou investigar como a escola tem agido para ensinar a língua de forma
produtiva.
A escola atual não é capacitada para transmitir uma modalidade
lingüística a um público bastante diversificado social e linguisticamente. A
democratização da escola trouxe um grande número de alunos, e os professores
não estavam preparados metodologicamente para receberem essas crianças
socioeconomicamente diferentes e com uma grande variedade lingüística.
Há uma grande variação quanto às práticas pedagógicas usadas pelos
docentes e uma delas é a predominância do ensino de metalinguagem, através de
exercícios de descrição gramatical, estudo de regras e hipóteses de análises de
problemas, domínios de conceitos. Este tipo de prática está ligada ao conceito de
que para se escrever bem, deve-se saber a gramática normativa. Ensinar português
não se restringe apenas ao trabalho de metalinguagem, é preciso mostrar ao falante
126

que, ao usar a língua, ele estará se sujeitando não somente às normas gramaticais e
semânticas, mas também às normas pragmáticas e sócio-culturais.
O trabalho do professor é de enorme importância, pois ele deve saber
conciliar os objetivos específicos de sua função com sua ação didática. Para que
isso aconteça há a necessidade de que o professor tenha claro o conceito de que
seja uma língua e especificamente do que seja a gramática da língua.
A leitura também faz parte das estratégias de trabalho com os alunos
e, não é uma unanimidade, mas quase sempre o aluno que lê mais escreve melhor.
Os exercícios de redação, também fazem parte das atividades escolares, mas tem
como objetivo principal a correção feita pelo professor, é uma avaliação. Os textos
dos alunos são destinados a um único leitor: o professor. O professor de língua
materna interfere diretamente na formação do indivíduo e este fato deve ser
assumido com todas as suas implicações. . A finalidade que deveria ter uma
redação escolar é a de proporcionar aos alunos condições de domínio da língua
escrita para a sua expressão individual.
Há necessidade de que todos se conscientizem de que ao aprender
uma língua, o falante está aprendendo a refletir, a distinguir a dimensão pessoal da
sociedade e a comunicar experiências e sensações. Dominar a língua é ser capaz
de entender os seus usos, descobrir o que as pessoas podem fazer umas com as
outras usando as palavras, e saber usá-la para se produzir os textos que se quer
produzir, falando ou escrevendo com controle dos recursos que ela oferece aos seus
usuários. Trabalhar com a língua deve ser uma prática social prazerosa e com
sentido.
O preconceito social, lingüístico, sempre esteve e ainda está presente
nas nossas salas de aula. A escola nunca ofereceu condições de igualdade aos
seus alunos, ao contrário, às vezes recrimina, provocando grande reprovação e
evasão deles. O caminho para a igualdade desses alunos começaria pela escola
aceitar a variedade lingüística deles, proporcionando condições para que ocorra o
domínio da variedade considerada padrão em nossa sociedade.
Para que isso ocorra, não será através de regras gramaticais, mas,
sim, que a função do professor seja fundamentada numa metodologia de:

trabalho com o texto e pelo texto que leve o aluno a ter uma visão crítica da
realidade com concepção dos conteúdos ideológicos destinados a mascarar
a essência do real. A função do professor será a de conduzir o aluno a fazer
127

textos que falem de textos instrumentalizando-o para ocupar


adequadamente um espaço na sua comunidade, agindo para a sua
transformação. (PERNAMBUCO, 1986,p. 136).

O professor deve mostrar ao aluno por que fazer, como fazer, sugerir
possibilidades, alternativas, explicitar, corrigir, mostrar caminhos para o
desenvolvimento do texto a ser lido por ele e por outros. Para que o professor efetive
o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos, suas aulas devem
dispor de atividades diversificadas que conduzam os alunos para o domínio dos
diferentes modos de atuação lingüística, para que assim se tornem capacitados para
explorarem a adequação do discurso às diversas situações de comunicação. Cabe
ao professor fornecer meios para que o aluno adquira e aprenda os elementos
lingüísticos correspondentes às diferentes situações comunicativas, pressupondo
que a variação lingüística está ligada a mudanças de situação.
Para que o ensino de português atinja os objetivos almejados, a
concepção de língua adotada deve levar em conta o processo de linguagem na
integração das atividades da gramática, leitura e produção de textos, tornando as
aulas dinâmicas e operatórias.
Há necessidade de que se estabeleça uma conexão entre as
atividades de gramática, de leitura/compreensão e de produção de textos. Os alunos
criticando os seus próprios textos poderão ampliar a teoria gramatical podendo
assim entender as variedades de recursos sintáticos expressivos disponíveis ao
escritor ou ao falante para a composição do sentido dos textos. Trabalhos isolados
com orações, com o intuito de exemplificar os diferentes aspectos gramaticais não
levam o aluno a operar com a linguagem; construindo e transformando os textos os
alunos estão operando e conhecendo os diferentes valores argumentais das
expressões que tem ao seu dispor.
Em vez de dedicar suas aulas às definições de categorias gramaticais,
o professor deve levar o aluno a uma melhor compreensão da função da morfologia
na sintaxe, o caráter relacional das estruturas sintáticas, o valor categorial dos
elementos nas estruturas.
A escola deve configurar situações específicas de linguagem com fins
e propósitos específicos e próprios. É necessário que se criem condições para o
exercício do saber lingüístico e da gramática interiorizada, que se manifesta na
interação.
128

Os PCNs (1998) preconizam que o ensino de Língua Portuguesa deve


ter como objeto central o texto:

Se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e interpretar textos, não é


possível tomar como unidade básica de ensino nem a letra, nem a sílaba,
nem a palavra, nem a frase que, descontextualizadas, pouco têm a ver com
a competência discursiva, que é a questão central. Dentro desse marco, a
unidade básica de ensino só pode ser o texto. Priorizar o texto não significa
que não se enfoquem palavras ou frases nas situações didáticas
específicas que o exijam.

Segundo Koch (2008), a maior “novidade” no ensino da língua materna


é o deslocamento que se vem operando do foco na gramática normativa para o foco
no texto. Justifica : não quer dizer que a gramática não é útil e que não deva ser
ensinada, mas sim que deve ser ensinada dentro das práticas concretas da
linguagem; que não se deve fazer do texto um pretexto para ensinar a gramática;
não significa que deva encher as crianças de conceitos recém aprendidos na
faculdade, mas sim levar o aluno a uma reflexão sobre como se produzem sentidos
na interação por meio da língua, ou seja, por intermédio de textos.
O processamento textual quer em termos de produção ou de
compreensão, depende de uma interação entre produtor e leitor. Compreende da
parte do produtor do texto um “projeto de dizer”. E da parte do leitor, uma
participação ativa na construção do sentido, por meio da mobilização do contexto a
partir das pistas e sinalizações que o texto lhe oferece.
Os PCNs deixam clara a necessidade do recurso do contexto na
produção da linguagem. O contexto abrange não só o co-texto (situação de
interação imediata e mediata), mas também o contexto sociocognitivo dos
interlocutores. As abordagens sociocognitivas do processamento textual vêm
postulando que o contexto físico não afeta a linguagem diretamente, mas sempre
por intermédios dos conhecimentos.
Esta pesquisa envolveu-se com o ensino de gramática e com o
trabalho do professor. Ao final, buscou apresentar, com base nas teorias lingüísticas
que tratam do texto e sua produção, princípios para uma proposta de ensino
produtivo da gramática e do texto.
Esperamos que este trabalho possa colaborar para a ampliação das
habilidades lingüísticas de seus alunos.
129

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