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PREFÁCIO

Ao lecionar Direito Internacional, o professor é confrontado com questões fundacionais do


início do curso. O direito internacional afeta o comportamento do Estado, e, em caso
afirmativo, como isso ocorre? Qual a razão de os Estados darem importância ao direito
internacional quando ausentes mecanismos coercitivos de cumprimento? O que se quer dizer
quando se refere que o direito internacional é “cogente”, dado que os Estados podem, quase
sempre, escolher violá-lo? Todo professor da matéria deve encontrar uma maneira de
responder a estas questões, se somente através destas a classe possa se inteirar do
aprendizado das regras de direito internacional.

Mas, independente da forma pela qual estas questões são tratadas, não há como escapar de
sua importância. Aqueles que estudam o direito internacional tendem a acreditar que o
mesmo pode influenciar a conduta dos Estados e que, geralmente, pode-se valer dele para
resolver sérios problemas entre as nações. Entretanto, se nos aventurarmos fora da
confortável comunidade dos juristas que estudam direito internacional, este credo é
desafiado. E o é corretamente. Em que pese os seus esforços, o direito internacional
permanece quase que inteiramente sem mecanismos coercivos de cumprimento - a ferramenta
principal para gerar cumprimento no sistema doméstico. Assim, aqueles de nós que acreditam
no direito internacional devem fornecer uma explicação persuasiva de por quê e quando o
direito internacional funciona. O presente livro perscruta exatamente isto.

Certamente não sou o primeiro a aceitar este desafio, e aqueles que o fizeram antes de mim
subsidiam o meu pensamento. A contribuição que este livro pretende apresentar é a sólida
base compreensiva e teórica do direito internacional, a partir de uma perspectiva da teoria da
escolha racional. Procura-se explicar como o direito internacional é capaz de coagir os
Estados, ainda quando estes sejam egoístas e desprovidos de preferência para cumprir com os
requerimentos do direito internacional. Construir esta teoria é lançar luz sobre uma gama de
questões de direito internacional. A teoria explica porque os argumentos propagados pelos
céticos em direito internacional são insuficientes para alcançar a conclusão de que o direito
internacional é impotente e porque muitas visões do direito internacional precisam ser
adaptadas para se coadunar com o que a teoria nos ensina.

Os débitos acadêmicos perduram por uma vida toda e jamais podem ser apropriadamente
quitados, e eu certamente tenho minha parte. Os meus primeiros esforços na carreira jurídica
tomaram assento sob a coordenação de Lucian Bebchuk, quem forneceu inequívocos
conselhos e quem investiu em meu desenvolvimento intelectual, em que pese o fato de meu
substantivo interesse divergir do dele. Muitos outros mentores guiaram-me, também, nos
momentos iniciais de minha carreira e ajudaram-me a encontrar o meu caminho como um
professor de direito internacional. Dentre eles, estão Louis Kaplow, Steven Shavell, Anne-
Marie Slaughter, Elizabeth Warren, David Wilkins, e Joseph Weiler.

A lista de pessoas que contribuíram para o livro, pela leitura do esboço, discussão de idéias, e
pelo feedback, é longa, refletindo a enorme quantidade de suporte intelectual que tenho
recebido dos colegas. Dentre aqueles a quem eu tenho uma dívida de gratidão estão Ken
Abbot, Jose Alvarez, Jeff Atik, Dan Bodanski, Margaret Boittin, Richard Buxbaum, David
Caron, Howard Chang, Stephen Choi, Allison Danner, Miguel de Figueiredo, Dan Farber,
Allen Ferrel, Jesse Freid, Jack Goldsmith, Ryan Goodman, Joanne Gowa, Laurence Helfer,
Robert Keohane, Benedict Kingsbury, Christopher Kutz, Gillian Lester, Margo Meyer, Erin
Murphy, jide Nzelibe, Anne Joseph O`Connel, Eric Posner, kal Raustiala, Giesela Ruhr,
Anne sartori, Paul Schartz, Beth Simons, David Sklansky, Anne-Marie Slaughter, Michael
Stein, Richard Steinberg, Paul Stephan, Edward Swaine, Alan Sykes, Eric Talley, Anne van
Aarken, Erik Voeten, Joseph Weiler, John Yoo e Frank Zimring.

Eu tenho usado os esboços deste livro para dar aulas de teoria do direito internacional na
Berkeley Law School e na University of Hamburg. Os estudantes destas instituições
ajudaram-me a refinar minhas idéias e apresentação, fornecendo-me valioso feedback.

Eu recebi, na realização da pesquisa, magnífica ajuda de Leah Granger, Raechel Groom e


Michelle Mersey. Jennifer Zahgkuni conferiu invariável assistência. Devo um agradecimento
especial a Timothy Meyerm, de quem a pesquisa e os comentários críticos foram
indispensáveis e cujo incansável trabalho melhorou fantasticamente o livro. Agradeço,
também, a Dedi Feldman e David McBride, os meus editores na Oxford University Press,
pelo encorajamento e pela orientação ao longo do processo de publicação.
Finalmente, e acima de tudo, nada do que faço seria possível sem o amor e o apoio de minha
mulher, Jeannie Sears, e nossos filhos, Nicholas e Daniel Guzman. O que quer que seja que o
direito internacional alcance a mais, eu espero que ajude a minha geração a entregar à
geração de meus filhos um mundo mais pacífico e próspero.

COMO O DIREITO INTERNACIONAL FUNCIONA


Capítulo 1

INTRODUÇÃO

O Direito Internacional em Funcionamento

Em junho de 1993, José Ernesto Medellín participou do estupro e do homicídio de duas


meninas em Houston, Texas. Ele foi, subseqüentemente, preso pela polícia do Texas, tendo
informado aos policiais que era um cidadão mexicano. Ele foi condenado por homicídio em
setembro de 1994 e sentenciado à morte em outubro do mesmo ano. Medellín apelou à Corte
de Apelação do Estado do Texas, que confirmou a condenação e o senteciamento à morte.

Em abril de 1997, os agentes consulares do México tomaram ciência da situação de Medellín.


Poucas semanas depois, Medellín impetrou habeas corpus à Corte estadual, no qual
argumentou, pela primeira vez, que foram a ele denegados os seus direitos previstos na
Convenção de Viena sobre Relações Consulares (VCCR, na sigla em inglês), um tratado
internacional do qual Estados Unidos e México eram Estados-Partes. De acordo com este
tratado, as autoridades encarregadas do cumprimento da lei devem informar aos estrangeiros
que se encontram no país, quando do ato de sua prisão, os seus direitos de contatar o
respectivo consulado e de ter os agentes consulares notificados do ato da prisão.1 Na
oportunidade de sua detenção, Medellín não fora informado de seus direitos.

O habeas corpus impetrado por Medellín em sede estadual foi denegado, ao que se seguiram
o improvimento do respectivo recurso, a denegação do habeas corpus impetrado na esfera
federal, bem como o improvimento do recurso a esta medida concernente.2

Enquanto estes procedimentos aconteciam no âmbito doméstico, o México propunha a


questão no nível internacional, levando o caso, contra os Estados Unidos, à Corte
Internacional de Justiça (CIJ). O México alegou violações à VCCR no caso de Medellín e,
ainda, nos casos de outros 53 mexicanos sentenciados à morte nos Estados Unidos. A
competência para o julgamento foi embasada no artigo 1º, do Protocolo Opcional, da VCCR,
do qual ambos os Estados envolvidos na referida questão eram partes, que prevê que as
disputas relativas à VCCR devem ser submetidas à jurisdição da Corte Internacional de
Justiça.

A CIJ proferiu sua decisão, no que ficou conhecido como o caso Avena, em 31 de março, de
2004.3 Decidiu que os Estados Unidos não haviam cumprido com suas obrigações, sob a
VCCR, ordenando-o a conceder, aos indivíduos vítimas de sua violação, a revisão das
condenações e dos sentenciamentos, “com o intento de determinar se, em cada caso, a
violação do artigo 36... causara, realmente, um prejuízo”.

Estribado na decisão Avena, Medellín renovou seu pedido de habeas corpus na esfera federal,
mas, novamente, teve o pleito negado pelo Fifth Circuit. Em dezembro de 2004, a Suprema
Corte dos Estados Unidos deferiu o pedido para que analisasse (certiorari) se os Estados
Unidos devem seguir a decisão proferida pela CIJ.4

A esta atura dos acontecimentos, o Presidente Bush tinha diversas opções, incluindo
simplesmente esperar pelo pronunciamento da Suprema Corte acerca da relevância da
decisão da CIJ para as cortes federais e estaduais dos Estados Unidos. Ao não fazer nada, o
Presidente Bush poderia esperar que a Suprema Corte denegasse, a Medellin e aos demais
mexicanos, a medida ordenada pela CIJ. Com efeito, em 2006, a Suprema Corte pronunciou-
se nesse sentido em outro caso, conhecido como Sanchez-Llamas, referente à VCCR;
prolatou que as decisões da CIJ são “dotadas, tão-somente, de... respeitosa consideração”, não
sendo, per se, vinculantes às cortes americanas.6 Tivesse esta decisão sido proferida para o
caso de Medellín, não haveria qualquer motivo, de acordo com o ordenamento doméstico,
para o presidente inserir-se na questão. Ainda que a decisão da Suprema Corte se desse no
sentido de que as cortes estaduais deveriam proceder de acordo com a decisão Avena, o
presidente poderia ter observado a disputa à distância.

Mais do que esperar, contudo, o Presidente Bush preferiu agir. No dia 28 de fevereiro, de
2005, ele emitiu um memorando, dizendo: “em conformidade com os poderes em mim
investidos, como Presidente, pela Constituição e pelas leis dos Estados Unidos da América...
os Estados Unidos adimplirão suas obrigações internacionais com base em Avena... devendo
as cortes conferirem efeito à esta decisão”. Em outras palavras, o presidente estava ordenando
às cortes que seguissem as instruções da CIJ. Ao fazê-lo, o Presidente Bush deu causa a um
conflito entre a sua administração e os governos e cortes de diversos estados, expondo-se à
acusação de que estaria violando a estrutura federalista dos Estados Unidos.

Ao tempo desta publicação, o Presidente Bush vem perdendo esta batalha para os estados, e o
tem feito de tal forma que, seguramente, gostaria de tê-lo evitado. Por exemplo, quatro juízes
da Corte Criminal de Apelação do Texas concluíram que “o presidente tem excedido a sua
autoridade constitucional ao postar-se entre os poderes independentes do Judiciário.”7 Uma
chamada do The New York Times asseverou: “Corte do Texas rejeita Bush”.8 O ABA Journal,
uma publicação da American Bar Association, anunciou “Corte do Texas diz a Bush para se
afastar.”9 A Suprema Corte dos Estados Unidos aceitou apreciar o caso, o que fará no final de
2007, sendo, dessa forma, razoável supor que o memorando do presidente será visto, em
última análise, como vinculante aos estados.10 Entretanto, ainda que isso venha a ocorrer,
nenhum benefício será colhido pelo Presidente Bush, e a alternativa da derrota demonstrar-
se-á, certamente, politicamente custosa, tal como o inteiro conflito entre o presidente e os
estados.

Analisando-se apenas o lado doméstico, é válido perguntar o motivo de o Presidente Bush


ter-se imiscuído neste caso, quando tinha muito a perder e pouco a ganhar. Sob a ótica
internacional, a procura por respostas que revelem qualquer pressão patente sobre os Estados
Unidos para que seguissem a decisão Avena é improfícua. A Corte Internacional de Justiça
não tem capacidade para fazer cumprir a sua decisão nos Estados Unidos e não havia sequer
uma ameaça de sanção merecedora de créditos partindo de quaisquer outros países. Pode-se
pensar que, talvez, o Presidente dos Estados Unidos desejasse apoiar a CIJ como instituição,
ou assegurar a integridade da VCCR, ou, ainda, que esperasse preservar a sua habilidade para
usar a CIJ futuramente, a fim de proteger os direitos dos cidadãos americanos submetidos à
prisão pelo mundo afora. Todas estas possibilidades resultam descartadas, contudo, pelo fato
de que em 7 de março, de 2005 – uma semana após a emissão do memorando executivo
instruíndo os estados a conferirem efeito à decisão Avena -, os Estados Unidos anunciaram a
sua denúncia do Protocolo Opcional, da VCCR, não tendo de se submeter mais à jurisdição
da CIJ em casos futuros.

Por que os Estados Unidos (através de seu Presidente) agiriam assim? Por que razão o país se
submeteria à decisão da CIJ não estando mais a ela submetido no futuro? Como funciona o
direito internacional?

Uma possível resposta a esta questão é que a decisão Avena gerou uma obrigação jurídica
internacional para os Estados Unidos. No entanto, tal hipótese suscita um questionamento
mais profundo: qual a razão de uma “obrigação jurídica”, para a qual não há óbvios
mecanismos de cumprimento forçado, afetar a conduta do país mais poderoso do mundo? Por
que os Estados Unidos e seu Presidente não optaram por, simplesmente, ignorar a decisão da
CIJ? Como pode o simples fato de os Estados Unidos terem uma obrigação, embasada no
Direito Internacional – e apenas isso -, fazer com que ajam de uma forma que não desejam,
inclusive dando causa a um embate constitucional interno entre os diferentes níveis de
governo?

Por certo, o caso Medellín não vem a ser o único exemplo que se possa encontrar de regras de
direito internacional afetando o comportamento dos Estados. Os órgãos judiciais da
Organização Mundial do Comércio (OMC) têm decidido diversos casos, sendo possível
elencar, em um longo rol, disputas nas quais as respectivas decisões conduziram ao
cumprimento, pelo réu vencido, e à conformação, pelo autor sucumbente (Wilson 2007). Por
exemplo, em 2003, os Estados Unidos retiraram as medidas de salvaguarda ao aço, após
terem sofrido uma derrota no Órgão de Apelação da OMC;11 em 2005, o México passou por
uma reformulação de seu sistema de telecomunicação, a fim de adequar-se à decisão de um
painel da OMC.12 Similares exemplos de mudança de conduta, por parte dos Estados, com o
objetivo de adequação ao Direito Internacional são visíveis em outras áreas. Em 1996, em
uma decisão da CIJ, resolveu-se longa disputa de fronteira entre Namíbia e Botsuana, em
favor desta. A Namíbia, ao consentir com a decisão, colocou fim à contenda.13 Em 12 de
janeiro, de 2000, o governo britânico curvou-se a duas decisões da Corte Européia de Direitos
Humanos (CEDH), proferidas em 1999, ordenando que indivíduos assumidamente
homossexuais fossem admitidos nas forças armadas.14 Em sua fala a Câmara dos Comuns
(House of Commons), o Secretário de Defesa da Grã-Bretanha, Geoffrey Hoone, explicou a
decisão do governo britânico: “A... decisão tornou bastante claro que a atual política em
relação a homossexualidade precisa ser modificada”.15 A CEDH também profere julgamentos
monetários, com base no artigo 41, da Convenção Européia dos Direitos Humanos, os quais
são, rotineiramente, adimplidos pelos Estados (Scott and Stephan 2006).

Os esforços perpetrados pelos Estados a fim de adequarem-se ao Direito Internacional não


são circunscritos à maneira como reagem às decisões judiciais. Há diversos exemplos
atestando a modificação levada a efeito pelos Estados na legislação doméstica, de molde a
atender demandas em sede de acordos internacionais. Nesse sentido, em resposta à
Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção e Estocagem de Armas
Bacteriológicas, Biológicas e a Base de Toxinas e sua Destruição, de 1972, requerendo aos
signatários que assegurassem que as proibições fundamentais existentes no tratado fossem
passíveis de execução no âmbito doméstico, A Grã-Bretanha adotou, em 1974, o Biological
Weapons Act.16 Em seguida às negociações do Acordo de Livre Comércio da América do
Norte (NAFTA), Estados Unidos, Canadá e México executaram um conjunto de mudanças
em leis importantes. Para listar apenas uma, vale citar a mudança realizada pelos Estados
Unidos nas regras de imigração para profissionais de Canadá e México.17 A Convenção sobre
a Proibição do Uso, Armazenamento, Produção e Transferência de Minas Antipessoal e sobre
sua Destruição, de 1997, contém a exigência de que “cada Estado Parte tomará todas as
medidas legais, administrativas e outras apropriadas, inclusive a imposição de sanções penais,
para prevenir e reprimir toda atividade proibida” por esta Convenção.18 Até o ano de 2004, 36
países tinham aprovado legislação doméstica para dar cumprimento ao tratado e outros 23
estavam em vias de fazer o mesmo.19 Em 1994, os Estados Unidos aprovaram o Foreign
relations Authorization Act;20 a seção 506, desta lei, prevê a implementação de legislação
para a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes.21 Esta legislação emendou o título 18 ao US Code, a fim de estabelecer sanções
criminais para pessoas que tenham cometido ou tentado cometer tortura fora dos Estados
Unidos. O Chemical Weapons Convention Implementation Act prevê que o governo dos
Estados Unidos (através do Departamento de Estado) lance mão de um mandado de busca,
em resposta a pedido da Organização para a Proibição de Armas Químicas, baseado em
denúncia recebida, a fim de inspecionar qualquer instalação pública ou privada.22 O Acordo
da Basiléia (Convergência Internacional de Mensuração de Capital e de Padrões de Capital),
uma soft law que estabelece padrões que governam a razão capital-ativo mantida pelos
bancos centrais, foi assinado, inicialmente, pelos países do G-10 e Luxemburgo, mas foi,
subseqüentemente, implementado por mais de 100 Estados.23

Por óbvio, até mesmo a implementação de legislação doméstica não se constitui em garantia
absoluta de que um Estado adimplirá as suas obrigações. Isso porque faz-se possível,
futuramente, a modificação da legislação implementada. Contudo, as transformações da
legislação doméstica, em resposta a um acordo internacional, são evidências robustas de que
o mesmo exerce alguma influência.

Outras evidências de como o Direito Internacional afeta o comportamento dos Estados podem
ser encontradas pelo exame de decisões individuais tomadas pelos Estados e, também, ao
inferir se tais decisões foram motivadas ou não pelas regras de Direito Internacional. Por
exemplo, resulta-se amplamente aceito que o Helsinki Final Act, uma soft law que incluiu
Estados Unidos, Canadá, países europeus e a União Soviética, serviu para reduzir a tensão da
Guerra Fria e consolidar as fronteiras nacionais então existentes. Em seguida a cada uma das
sucessivas rodadas de negociação da OMC e de seu predecessor, o Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (GATT), os Estados cumpriram com as obrigações assumidas reduzindo os níveis
de tarifa e implementando outras mudanças em seus sistemas domésticos. Os tratados de
extradição lideram, não-raro, a situação em casos bastante controvertidos. Em julho, de 2006,
por exemplo, a Grã-Bretanha definiu que Gary McKinnon, um cidadão britânico acusado de
“hackear” computadores militares americanos, deveria ser extraditado para os Estados
Unidos. Tal decisão foi tomada a despeito de qualquer preocupação acerca das potenciais
violações de direitos humanos que este cidadão viesse a sofrer dos americanos, bem como de
qualquer repulsa que os britânicos sentissem sobre os termos do próprio tratado. Inúmeros
outros casos de estados celebrando acordos e modificando, em conseqüência, seu
comportamento poderiam ser, aqui, listados.

Aos estudiosos do Direito Internacional não surpreende a força deste para afetar a conduta
dos Estados, embora os cientistas sociais demonstrem-se, por vezes, mais céticos. Entretanto,
desimporta a perspectiva que se tenha do Direito Internacional, a sua habilidade para alterar o
comportamento dos Estados levanta algumas questões críticas – como o Direito Internacional
consegue fazê-lo? Salvante raras exceções, não há força coercitiva a ser aplicada a fim de
fazer com que os Estados se coadunem com o Direito Internacional. De fato, em alguns
casos, não há qualquer mecanismo para executá-lo.
Deslindar o enigma de como o Direito Internacional faz com que estados soberanos alterem a
sua conduta é o que motiva o presente livro.

Há tempos, os estudiosos de Direito Internacional acreditam que este tem o condão de afetar
a conduta dos estados e muitos dos mais eminentes juristas que atuam neste campo têm
escrito sobre isso (Chayes and Chayes 1995; Franck 1995; Henkin 1979; Koh 1997). Embora
a existência dessas contribuições lancem luz sobre o Direito Internacional e ajudarem a
entender o sistema jurídico internacional, tais escritos não fornecem uma convincente teoria
acerca de como e quando os estados cumprem o Direito Internacional ou quando este tem
mais ou menos chances de funcionar.

Os cientistas sociais – mais salientemente, os cientistas políticos – valem-se de diferentes


instrumentos metodológicos para examinar o Direito Internacional. A literatura apresenta
uma gama de importantes insights para o sistema jurídico internacional (Downs, Rocke, and
Barsoom 1996; Keohane 1984; Krasner 1999; Lipson 1991; Mearsheimer 1995; Mercer
1996; Morgenthau 1973; Morrow 1994), contudo, geralmente, não tem sido focada no Direito
Internacional como tal e não tem ensejado uma compreensão prática dessa área.

Por fim, há juristas que, ao trabalharem na intersecção entre direito e ciências sociais (com
freqüência, sob o título “Direito Internacional e Relações Internacionais), têm estudado o
funcionamento do sistema jurídico internacional (Abbott 1989; Brewster 2006; Dunoff and
Trachtman 1999; Ginsburg and McAdams 2004; Goldsmith and Posner 2005; Hathaway
2002; Raustiala 2005; Scott and Stephan 2006; Setear 1997; Slaughter 2004; Swaine 2002;
Sykes 2004). O presente livro enquadra-se mais facilmente na moldura desta terceira
categoria e, como os respectivos trabalhos, vale-se dos juristas tradicionais e dos cientistas
sociais.

Em pese as importantes contribuições dadas pelos autores aqui listados e de muitos outros, o
campo do Direito Internacional permanece, largamente, sem uma teoria que seja
compreensível e coerente, que busque explicar como funciona o sistema de Direito
Internacional em sua totalidade. O presente livro oferece, exatamente, esta teoria.

Este livro explica como o Direito Internacional é capaz de afetar o comportamento dos
estados inobstante a falta de mecanismos coercitivos de cumprimento. Em contraste com a
literatura existente, no presente livro busca-se explicar as várias fontes do direito
internacional com base em um único arcabouço. De fato, conforme elucidarão os próximos
capítulos, os acordos e as práticas que não são considerados “lei” – as soft laws e algumas
normas – devem integrar o debate do direito internacional, caso deseja-se realmente entender
de que forma o sistema jurídico internacional influencia o comportamento dos estados. Mais
especificamente, tratados formais, soft law, direito internacional costumeiro e normas
internacionais, todos operam por meio do mesmo conjunto básico de mecanismos. A
diferença existente entre estas fontes de regras jurídicas ou quase-jurídicas é de grau, muito
mais do que quanto ao tipo. Os tratados formais repousam em uma extremidade do espectro
de comprometimento, os tratados meramente normativos na outra e, no meio, o direito
internacional costumeiro e as soft laws. A questão da forma jurídica – tratado, soft law ou
costume -, contudo, constitui-se apenas em um fator capaz de afetar o impacto causado pelo
direito internacional. Os estados contam com uma miríade de formas para elevar ou reduzir a
credibilidade de suas promessas (e.g., mecanismo de resolução de controvérsia, cláusula de
escape, reservas, monitoramento, etc.) e tais instrumentos devem ser parte daquilo que
necessita ser entendido.

A teoria desenvolvida ao longo deste livro explica de que maneira aquilo que chamo de “Os
três R’s do Adimplemento” – reputação, reciprocidade e retaliação – permite aos acordos
jurídicos internacionais alcançarem a cooperação internacional. Pelo fato de a reputação, em
contraste com a reciprocidade e a retaliação, ser insuficientemente compreendida e teorizada,
desenvolve-se, neste livro, um modelo de reputação a fim de explicar como e quando
questões reputacionais oferecem aos estados o correto incentivo para adimplir às regras
jurídicas internacionais.

O estabelecimento de uma abordagem teoricamente mais satisfatória do direito internacional


rende, imediatamente, uma recompensa. Ao não desmerecer os tratados, o presente livro
demonstra (entre outras coisas) que tanto os acordos bilaterais quanto os multilaterais têm o
condão de afetar o comportamento dos estados; como os estados escolhem entre os
instrumentos de hard e soft law (e porque não há razão para tratar estas formas como
conceitualmente distintas); como conteúdo e forma substantivos interagem em um acordo
internacional; e porque os acordos variam, amplamente, tanto em extensão quanto aos seus
membros. Não menosprezando o direito internacional costumeiro, no presente livro resulta
demonstrado que o modelo da escolha racional, referente ao comportamento dos estados, é
completamente consistente com as regras jurídicas costumeiras que afetam as ações dos
mesmos, e que o modelo do direito internacional dos costumes necessita repensar algumas
das abordagens tradicionais á matéria, inclusive o próprio conceito de direito internacional
costumeiro e o papel das ações dos estados em sua criação. Questões doutrinárias específicas
do direito internacional costumeiro, até mesmo as doutrinas do persisten and subsequent
objectors e o tratamento a novos estados sofrem uma reformulação em vista deste modelo.

Igualmente importante, cabe ressaltar as pretensões que o presente livro não tem. Aqui não se
afirma que o direito internacional é sempre respeitado ou, em todas as vezes, é efetivo. Tal
pretensão demonstrar-se-ia extremamente difícil de ser feita em termos teóricos e, ainda,
estaria no sentido contrário daquilo que se observa. Da mesma forma, o presente livro não
tem pretensões empíricas acerca do direito internacional. O resultado máximo de uma
discussão teórica, como a proposta no presente livro, vem a ser a elucidação de como o
direito internacional pode influenciar os estados. Não se pode comparar o poder do direito
internacional com as demais pressões a que os estados são submetidos e, por isso, não se
pode tirar conclusões acerca de quão efetivo é o direito internacional na prática. Os críticos
do direito internacional podem sustentar que eu não consegui rebater as alegações de que o
direito internacional é irrelevante. Isso é verdade, mas a mim parece que esta acusação
direciona o ônus da prova para o lado errado do debate do direito internacional. A evidência
empírica que nós temos – inobstante imperfeita – é no sentido de que o direito internacional
afeta deveras a conduta dos estados.

Deve-se alimentar uma convicção muito forte acerca da irrelevância do direito internacional
para se concluir que o ônus da prova deve recair sobre aqueles que acreditam em sua
relevância. Diversos estudiosos têm levado a cabo estudos de casos que fornecem exemplos
do direito internacional em funcionamento. Mitchell (1994) estuda o papel do direito
internacional no contexto da poluição causada pelo derramamento de petróleo e conclui que
tratados internacionais têm o condão de, sob certas condições, induzir o adimplemento dos
estados. Haas (1990) examina as causas de adimplemento do Plano de Ação do Mediterrâneo,
um regime de proteção ambiental para o Mar Mediterrâneo, e conclui que a própria existência
do regime tornou os estados mais comprometidos com os padrões substantivos de emissão de
poluentes. Roberts (1994) explora o papel das leis da guerra na Primeira Guerra do Golfo,
concluindo que resultaram eficazes na constringir os movimentos das tropas de coalizão.
Tomz (2007) analisa os casos de que um país aceita abrir mão de sua soberania para cumprir
uma obrigações e conclui que, mesmo não havendo sanção, os estados honram os seus
compromissos.
O estudo de casos pode, por certo, vir a ser criticado, pela razão de que não representam uma
escolha randomizada de condutas ou porque as conclusões se dão com base nas apreciações
subjetivas do autor que o realizou. Abordagem alternativa, que não sofre dos aludidos
problemas, vale-se de ampla base de dados e de técnicas econométricas. Estudos que
adotaram abordagem deste tipo têm, da mesma forma, evidenciado que o direito internacional
importa. Nesse sentido, Simmons (2000b) demonstra que as obrigações legais causam efeito
na conduta dos estados no direito monetário internacional. Tomz, Goldstein and Rivers
(2005) demonstram que o GATT levou a um aumento no comércio. Neumayer and Spess
(2004) fornecem evidências de que os tratados bilaterais de investimento promovem um
aumento nos investimentos estrangeiros diretos entre países desenvolvidos e em
desenvolvimento. Morrow (2006) encontra evidências de que o direito humanitário
internacional influencia a conduta dos estados. Leeds, Lond and Mitchell (2000) evidenciam
que os acordos de aliança são honrados de forma mais freqüente do que estudos anteriores
demonstravam, sugerindo que os acordos de aliança constringem o comportamento dos
estados em maior grau do que se pensava; enquanto que Leeds (2003) analisa as condições
sob as quais adimplemento e violação vêm a ocorrer. Em que pese algumas destas evidências
serem passíveis de controvérsia (Rose 2004; Tobin and Rose-Ackerman 2004; Von Stein
2005) existe um crescente conjunto de evidências acerca do condão do direito internacional
em afetar, em alguns casos e sob certas circunstâncias, o comportamento dos estados.

A atitude dos estados e dos outros atores referente ao direito internacional demonstra que esta
instituição tem relevância. Aparentemente, todo indivíduo e todo estado que se envolvem em
negociações internacionais levam o direito internacional a sério, sugerindo que a instituição
da lei é dotada de alguma força. O direito internacional é ainda mais apoiado em razão dos
notáveis recursos destinados à criação de regras internacionais, bem como às discussões
acerca do cumprimento das mesmas. Assim, caso o direito internacional fosse desprovido de
sentido, por que razão os estados investiriam tantos recursos para a criação de regras
internacionais, para avaliar a legalidade de suas condutas, para persuadir os observadores
internos e externos de que as suas condutas são compatíveis com o direito internacional, para
monitorar a conduta externa dos atores e, ainda, para discutir o conteúdo deste direito? Não
estariam os estados em uma posição melhor (better off) ao alocarem tempo e dinheiro aos
demais problemas que enfrentam?

Colocando a questão de forma simples, constituindo-se o direito internacional em custosa


tarefa, por que os estados da mesma participariam? Qual o motivo de, por exemplo, um
estado pretender, persistentemente, resolução do Conselho de Segurança que o autorize a
utilizar a força? Por que os Estados Unidos argumentaram, de forma tão agressiva e por tanto
tempo, que existe um costume jurídico internacional que requer “pronta, adequada e efetiva”
compensação quando os investimentos estrangeiros são objeto de expropriação? Por que o
governo dos Estados Unidos tem investido em acordos multilaterais sobre o meio-ambiente,
tanto para encorajar a sua formação quanto para exonerar a participação norte-americana?
Qual a razão de os Estados unidos manterem uma estrutura de advogados no Departamento
de Estado, e em outros departamentos, gastando o seu tempo avaliando a legalidade da
conduta norte-americana, bem como dos demais atores internacionais?

A resposta, pelo menos dentro de modelo da escolha racional, deve ser a de que o direito
internacional, de alguma forma, tem relevância. Vale dizer, os estados devem experimentar
algum benefício ao engajarem-se no sistema do direito internacional, e este ganho deve
superar o que foi investido. A interpretação mais clara é a de que os estados auferem
benefícios na forma de comprometimento confiável dos outros estados. Em assim sendo, o
direito internacional deve causar um efeito.

Em que pese ser esta a mais óbvia inferência, outras mostram-se possíveis. Pode ser que, por
exemplo, o engajamento internacional de um estado favoreça o seu líder, frente aos seus
constituintes domésticos, sem, contudo, afetar a conduta dos outros estados. Entretanto, isso
somente se mostrará verdadeiro caso os eleitores mais importantes sejam persuadidos de que
o comprometimento internacional do estado serve aos seus interesses, ainda que, de fato, o
engajamento não cause efeito no comportamento. Por exemplo, se os acordos de direitos
humanos falharem ao afetar a conduta de um estado, podem ser explicados pelo desejo de
seus proponentes em persuadir os seus eleitores que estão promovendo ações para melhorar o
tratamento internacional aos direitos humanos. Não se desconsidera a existência de tais casos,
mas torna-se de difícil crença a assertiva de que podem explicar a formulação de regras
internacionais em diversas áreas para as quais existem leis ou, ainda, que isso poderia ser
verdadeiro para todo e qualquer estado que figura no sistema internacional.

Outra possibilidade é a de que o direito internacional serve, primordialmente, para conferir


forma a preferências e expressar visões de estados ou de outros atores internacionais. De
volta ao exemplo dos direitos humanos, os estados podem estar preparados para investir em
acordos de direitos humanos como parte de um esforço para mudar as preferências e
prioridades de outros estados ou atores situados em outros estados. Sob esta ótica, os acordos
não demonstram causar impacto direto na conduta dos estados, mas, ao reverso, influenciá-la
indiretamente através do encorajamento da adoção doméstica de certas normas.

Essas alternativas ensejam a flexibilização das premissas adotadas pelo modelo da escolha
racional, apresentadas ao longo do presente livro. A fim de parecerem persuasivas, as teorias
alternativas a este modelo teriam de ser elaboradas de forma mais compreensível do que se
tem visto até então. Desnecessário dizer, contudo, que este não é o propósito do livro e,
então, eu as trato como um plus.

Com efeito, a única tentativa, até onde eu saiba, de reconciliar a visão de que o direito
internacional falha ao afetar a conduta dos estados com o entusiasmo demonstrado pelos
estados em criar e discutir normas jurídicas internacionais assevera que a atividade do estado
nesta área é cheap talk (Goldsmith and Posner 2005). Em essência, defende-se que o
engajamento do estado no sistema internacional (ou em partes deste sistema) em nada afeta o
seu comportamento, mas deixa marcada uma posição, vez que custa, praticamente, nada e a
não participação na dança retórica passará, aos demais estados, a impressão de ser não-
cooperativo. Um problema derivado desta noção é que não haverá razões suficientes para que
o estado queira evitar o estigma de não-cooperativo em relação ao direito internacional, se,
por meio deste, o estado não consegue atingir seus objetivos. Outro problema é que participar
do sistema jurídico internacional custa, de fato, muito caro. Para ilustrar, diversos países
pobres deslocam poucas pessoas para as suas missões na OMC, ao se comparar com o
número de agentes deslocados, para a mesma missão, pelos países ricos. Esta limitação – uma
expressão do custo de participar do sistema da OMC – afeta a habilidade dos estados pobres
de participar das, e influenciar as, atividades da OMC. Para estes países, figura-se,
simplesmente, demasiado caro alocar recursos adicionais à Organização Mundial do
Comércio. Por fim, se participar do sistema jurídico internacional equivale a uma cheap talk,
não há motivos para outros estados concluírem que o não engajamento de certo estado no
sistema internacional trará a ele (estado) a pecha de não-cooperativo.24

Todo o acima exposto sugere que o direito internacional afeta a conduta dos estados em, pelo
menos, algumas circunstâncias e que este sistema tem um importante papel a cumprir em
facilitar a cooperação entre os atores internacionais. A teoria aqui esposada ajuda-nos a
entender como o direito internacional poderá fazê-lo.

Além de ser direcionado aos céticos em relação ao direito internacional, o presente livro fala
àqueles, incluindo os tradicionais professores da matéria, que acreditam que o sistema
influencia os estados. O estudo do direito internacional tem (vagarosamente) adotado, desde
1989 (Abott 1989), a metodologia científica social, e o presente livro representa um passo
adiante nessa direção. Iniciando com um conjunto de premissas da teoria da escolha racional,
este livro busca desenvolver uma teoria que se destina a entender como o direito internacional
funciona. Em algumas das vezes, o saber convencional do direito internacional não pode ser
compatível com a teoria emergente. Preferivelmente a tentar defender o convencional saber,
procuro explorar o motivo de o mesmo poder estar errado e, ainda, qual visão alternativa,
consistente com a teoria e que resulta observada no mundo, demonstra-se capaz de substitui-
lo. Às vezes, tal intento conduz a mim a discordar das visões dos estudiosos do direito
internacional e das relações internacionais, bem como de seus operadores. É minha esperança
que o que se defende neste livro estimulará a discussão entre todos aqueles interessados no
direito internacional.

Antes de adentrar na discussão metodológica, cabe dizer uma breve palavra acerca da União
Européia. Há sessenta e cinco anos atrás, a Europa estava envolta na II Guerra Mundial – o
conflito mais mortífero que o mundo já presenciou. Atualmente, a União Européia (UE)
representa, talvez, o único grande exemplo de cooperação internacional nas áreas política,
social e econômica que o mundo jamais viu. Estados que foram os mais aversos rivais por
séculos juntaram-se em uma união política, promovendo a livre circulação de bens, pessoas,
serviços e capitais. A evolução da Europa é um notável caso de estados cooperando em um
mundo anárquico. Ironicamente, o dramático sucesso da UE a torna um problemático modelo
para a cooperação entre estados, pelo menos, como discutido neste livro. Pelo fato dos
estados europeus terem delegado, com sucesso, autoridade às instituições européias, como s
Comissão européia (CE), o Conselho da União Européia e o Parlamento Europeu, o
consentimento de cada um dos membros não é requisito para o estabelecimento de regras que
governam a sua conduta. Isso conduz a União Européia a assumir características que são
normalmente vistas como pertencentes a estados, incluindo as suas próprias leis, cortes e
regulamentos. Outrossim, a União Européia representa um nível tão elevado de integração
que questões de consentimento e discórdia assumem um caráter diferente. As decisões do
estado são informadas pelo fato de que está engajado no grande projeto de construção da
Europa. Até o ponto em que uma nova Europa oferece a todos os estados significantes
benefícios, há forte incentivo para se aceitar custosos arranjos individuais.

As feições da União Européia - a presença de um governo europeu e a crescente incentivo


para a cooperação – tornam-na um caso problemático para a análise que segue. As lições
derivadas da experiência européia – pelo menos as mais recentes – provavelmente terão
aplicação genérica, em razão dos traços peculiares da Europa. Por outro lado, ao se
considerar este exemplo extremo de cooperação, cria-se o ensejo para importantes questões e
oferecem-se luzes acerca daquilo que torna a cooperação possível. Ultimamente, eu tenho
escolhido focar menos a mais na questão européia. Não há, no presente livro, espaço
suficiente para se fazer uma discussão adequada da Europa, tendo em vista o contexto da
teoria aqui apresentada e, ainda, o uso extensivo dos exemplos europeus fazem-me ter menos
elementos persuasivos ao ilustrar um ponto genérico sobre cooperação entre estados.
Contudo, a decisão de focar a cooperação fora do caso europeu não implica que a teoria aqui
esposada não seja válida para o contexto da Europa. O direito internacional tem exercido
eminente função nesse continente, e eu acredito que a teoria desenvolvida doravante venha a
nos ajudar a explicar este desempenho. Pelo fato de a Europa ser o mais avançado exemplo
de cooperação no direito internacional, ela oferece um interessante e relevante estudo de
caso. Pode ajudar a todos nós, por exemplo, a entender se (e sob quais condições) a ampla
cooperação torna a reputação mais valiosa e estimula ainda mais a própria cooperação; ou,
então, ajudar-nos-á a compreender as razões pelas quais os estados, às vezes, prontificam-se a
comprometerem-se no âmbito internacional, mesmo que, para tanto, relativizem a soberania
nacional. A fim de dar adequado tratamento a tais questões, entretanto, um outro livro seria
necessário, e tal projeto fica para outro dia.

METODOLOGIA

Até mesmo a mais despretensiosa análise do sistema internacional é capaz de demonstrar que
os estados nem sempre cumprem com as suas obrigações legais. Qualquer teoria sensata do
direito internacional deve, então, além de levar em consideração, procurar explicar os casos
de adimplemento e violação.25 Por exemplo, o argumento simples e corriqueiro de que os
estados devem cumprir a lei (pacta sunt servanda) demonstra-se, por vezes, inadequado para
uma teoria versando sobre como o direito funciona. Aliás, tal argumento jamais poderia ser
uma teoria, porque nada nos diz acerca de em quais situações os estados adimplirão e quando
não o farão. Da mesma forma, seria falha em dizer qual o motivo de os estados cumprirem, e
se deveriam cumprir, a lei.
O fundamental para se entender o direito internacional é ter em mente que o mesmo é apenas
um dos fatores que influenciam os incentivos dos estados. Pelo fato de o curso de ação de um
estado depender de diversos fatores relevantes (mais do que apenas do direito internacional),
as regras jurídicas que interessam podem fazer muito pouco em favor do adimplemento. O
direito internacional, por certo, não pode relegar todas as demais questões à irrelevância.

Uma das formas de explicar a cooperação entre os estados, que é consistente com a
observação de que o direito internacional não exclui as demais fontes de incentivos dos
mesmos, é assumir que os estados têm uma preferência pela cooperação ou que eles têm uma
preferência correlata capaz de alcançá-la. Por exemplo, poder-se-ia presumir que os estados,
de alguma forma, acreditam ser custoso violar o direito internacional, simplesmente por seu
status de Direito.

A mais desenvolvida versão dessa abordagem é feita por Chayes e Chayes (1995), os
fundadores da “managerial school” do direito internacional. Argumentam que o foco em
questões de cumprimento forçado e de sanções em direito internacional não está bem
ajustado. Acreditam que a principal fonte de não-cumprimento, pelos países, do direito
internacional vem a ser a ambigüidade dos acordos e a capacidade de o estado adimpli-los.
Corolário disso é que a ocorrência de adimplemento com mais freqüência será devido à
melhoria do fluxo de informação, maior clareza das regras, maior capacidade, dentre outros
fatores, mais do que por meio da melhoria nos instrumentos de cumprimento forçado.

Uma visão crítica à abordagem dos Chayeses é a que dá conta de que existe “propensão geral
dos estados em cumprir com as obrigações internacionais”26. Sob essa ótica, a resolução de
problemas de cooperação torna-se facilitada, porquanto o simples ato de realização do acordo
altera os custos e benefícios das decisões dos estados. Especificamente, impõe-se um custo
aos estados que violarem o acordo. Ao se assumir a existência desta subjacente preferência à
cooperação, então, a abordagem feita pelos Chayeses pode tornar alguns intrincados
problemas em enigmas de fácil solução.

Traduzido para a linguagem deste livro, a propensão ao cumprimento do direito internacional


converte alguns problemas de cooperação em problemas de cooperação, de fácil solução.
Entretanto, parece claro que muitos dos vários desafiadores problemas nas relações
internacionais (direitos humanos, proteção ambiental, usa da força, proliferação nuclear,
dentre outros) não comportam a transformação em simples problemas de coordenação, pela
simples assinatura de um documento legal. Assim, em que pese a abordagem dos Chayeses
seja uma estrutura sensível através da qual está posta uma certa classe de problemas
cooperativos, e embora dentro desta classe tal abordagem complemente a discussão no
presente livro, ainda remanescem outros difíceis problemas de cooperação em relação aos
quais a visão managerial apresente-se de limitado uso.

Um problema adicional trazido por esta abordagem é que não oferece qualquer teoria de base,
ou explicação, de o porquê os estados preferirem adimplir as obrigações de tomadas no
âmbito do direito internacional. Tampouco ajuda-nos a entender quando esta preferência pelo
adimplemento superará outras preocupações e em que momento não prevalecerá. Figura-se
concebível que uma teoria possa vir a ser, nestes moldes, desenvolvida. Pode haver razões
históricas, comportamentais, antropológicas ou sociológicas que expliquem a sua existência.
Contudo, não tenho ciência da existência de qualquer literatura discutindo a solidez da
preferência do estado pelo cumprimento, os fatores que a alimentam ou diminuem, a sua
fonte e assim por diante.

Em contraste com a abordagem dos Chayeses, eu não assumo que os estados tenham
preferência em cumprir o direito internacional. Pelo contrário, no presente livro, adota-se um
conjunto de premissas da escolha racional. Assume-se que os estados ajam de forma racional,
em busca de seus interesses e que sejam capazes de identificá-los e persegui-los. Estes
interesses são uma função da preferência dos estados, a qual se assume ser exógena e fixa. Os
estados não se preocupam com o bem-estar dos outros estados, mas, ao reverso, buscam
maximizar os seus próprios ganhos e recompensas. Dessa forma, a preferência dos estados
pelo adimplemento das obrigações jurídicas internacionais não é inata, não sendo afetadas
pela “legitimidade” da regra jurídica (Franck 1995). O fato de já, alguma vez, já terem
cumprido uma regra de direito internacional não assegura que tornarão a agir assim e não há
presunção de que as autoridades tenham internalizado a norma de cumprimento do direito
internacional (Koh 1997).

Essas suposições contam com duas coisas a seu favor. A primeira refere-se a que são o
padrão entre cientistas sociais e muitos estudiosos do direito internacional (exemplos desta
categoria incluem Abott 1989; Brewster 2006; Dunoff e Trachtman 1999; Ginsburg e
McAdams 2004; Goldsmith e Posner 2005; Hathaway 2002; Scott e Stephan 2006; Setear
1997; Swaine 2002), indicando que são vistas como úteis, embora sejam, por certo,
aproximações imperfeitas da realidade. Segundo, e mais importante, as suposições são,
basicamente, hostis à cooperação. Implicam que os estados somente engajar-se-ão na
cooperação quando o resultado da mesma lhes traga mais recompensas. Sob tais suposições,
torna-se, relativamente, fácil construir cenários em que a cooperação fracassará (como sói
acontecer no mundo). Promover a cooperação é, no entanto, tarefa mais árdua. Pelo fato de o
modelo estar estribado sobre premissas que tornam a cooperação difícil de acontecer, poder-
se-á realmente confiar quando os seus resultados apontarem formas pelas quais a cooperação
poderá ocorrer. Se a cooperação pode ser alcançada em um modelo como esse, da mesma
forma, poderá vir à tona sob uma gama de presunções mais amistosas à sua promoção.

Em que pese a abordagem da escolha racional seja convencional na economia e nas relações
internacionais e esteja ganhando popularidade entre os juristas, não está livre de críticas. Há
certa dificuldade em relação ao criticismo, e não se trata de equívoco ou inexatidão, mas que
não há conjunto de presunções infalível, que seja capaz de satisfazer todas as dimensões. É
possível, para pessoas racionais, discordar do conjunto preferível de suposições. Entretanto,
não deverá haver qualquer desacordo em relação ao fato de que o progresso requer que algum
conjunto de premissas seja formado, e as premissas da escolha racional, neste livro utilizadas,
oferecem um razoável ponto de partida. Dito isso, cabe examinar algumas das possíveis
objeções.

Considere, por primeiro, a crítica realista. A suposição realista básica acerca das relações
internacionais é que a segurança é o interesse precípuo dos estados e que eles valorizam essas
preocupações de forma mais relativa do que absoluta. Assim, por exemplo, se todos os países
se beneficiassem, em termos absolutos, de uma ação cooperativa, como resultado de um
aumento no crescimento econômico, aqueles que minimamente beneficiaram-se sentirão que,
relativamente, perderam, tendo em vista o beneficio atingido pelos outros países, e, então,
tentarão mitigar a cooperação. Isso implica que a uma cooperação sólida é difícil de ser
alcançada e, também, que o direito internacional e as relações internacionais são, geralmente,
incapazes de influenciar o comportamento dos estados (Mearsheimer 1995; Morgenthau
1973; Waltz 1979).

Os méritos e deméritos do realismo são fonte de acalorados debates dentro dos departamentos
de ciência política. Com efeito, a desavença entre realistas e institucionalistas é um dos temas
centrais do estudo das relações internacionais, tendo os últimos desafiando as suposições
realistas, bem como criticando-as em seus próprios termos (Legro and Moravicsik 1999;
Milner 1998). A rediscussão de tais questões e críticas, aqui, não será provitosa, até mesmo
porque o presente livro não tem a intenção reabrir os debates de décadas atrás. Ao invés
disso, simplesmente observo que, em última análise, não considero a pressuposição realista,
acerca dos ganhos em termos relativos, apropriada para muitos dos contextos em que o
direito internacional atua. Esforços para promover o comércio internacional ou a cooperação
em termos de meio-ambiente, por exemplo, não são estritamente ligados a questões de poder
e segurança – os pontos para os quais os realistas mais despendem atenção. Até mesmo no
terreno da segurança, o impasse bipolar da Guerra Fria vem sendo substituído pela
multilateralidade das interações e dos conflitos, fato que faz com que simples cômputos de
recompensas relativas pareçam irrelevantes. Com muitos players importantes, nem mesmo a
abordagem realista exclui a possibilidade de cooperação bilateral. Caso dois (ou alguns)
estados atuem, de alguma forma, cooperativamente, pode ser que ambos sejam beneficiados,
ainda que em vigor a abordagem realista dos ganhos relativos. Isso porque um estado poderá
preocupar-se com a sua posição referentemente a todos os outros estados que da atuação
cooperante não participaram, e não, tão-somente, em relação àqueles com os quais interagiu
em um acordo particular. Se dois estados, A e B, alcançam ganhos absolutos, como resultado
de sua cooperação, e os estados C e D, que não participam do acordo, de tais ganhos não se
aproveitam, então, A e B podem ter um motivo para a cooperação, ainda que sob suposições
realistas.

Outras abordagens ao comportamento dos estados são mais complementares à abordagem


institucionalista, que é adotada no presente livro. O Liberalismo, por exemplo, abre a caixa-
preta do estado e leva em conta a atuação dos atores sub-estatais (Moravcski 1997). A jurista
de maior proeminência a trabalhar com essa tradição é Anne-Marie Slaughter (2004),
afamadamente argumentando que o estado moderno é “desagregado”, no sentido de que as
redes informais de contato dos agentes governamentais empenham-se na governança jurídica
internacional. Tais conexões são, na opinião de Slaughter, fundamentais para a compreensão
do direito internacional. De maneira mais geral, a teoria liberal, bem como a sua prima
próxima, a teoria da escolha pública (public choice), intenta oferecer modelos mais realísticos
de comportamento através do relaxamento das suposições institucionalistas (e realistas),
segundo as quais o estado é o primordial ator e a principal entidade. Isso permite maior
flexibilidade, como se pode considerar, por exemplo, a interação do legislativo com o
executivo na elaboração de políticas públicas, ou avaliar a relativa influência de grupos de
interesses concorrentes.
Contudo, a flexibilidade dessas abordagens não emerge sem encargos. Para se construir um
modelo liberal do comportamento internacional requer-se, por primeiro, a construção de um
modelo acerca dos laços íntimos do estado e dos atores sub-estatais. A atividade dos grupos
de interesse é extremamente complexa e o seu resultado pode não ser estável ao longo do
tempo. Mostra-se difícil, até mesmo impossível, a construção de uma teoria liberal da tomada
de decisão política em um único estado, que seja geral, controlável e previsível, deixando de
lado outra que capture as interações entre diversos estados. Além disso, em que pese o insight
de Slaughter acerca do importante papel que as conexões informais desempenham na
governança internacional, estar-se-ia abrangendo demais o seu argumento ao se asseverar que
o Estado não mantém uma medida substancial de coesão. Afinal, os governam mantêm linhas
verticais de contabilidade, e, atualmente, com exceção da Europa, as instituições
supranacionais apresentam-se relativamente fracas, em termos de sua capacidade para
influenciar resultados, relativamente àquelas sob comando estatal. Não desconsiderando tais
questões e querendo oferecer um modelo previsível de comportamento estatal, o presente
livro, em sua maior parte, vale-se da suposição de um estado unitário.

Crítica alternativa pode ser feita do ponto de vista construtivista. O Construtivismo propugna
que as preferências e, portanto, os objetivos do estado não são exógenos ao sistema. As
instituições internacionais, nas quais se incluem regras de direito internacional, assim, não
são, simplesmente, estruturas inertes estabelecidas pelos estados, mas, ao contrário, são
participantes do sistema jurídico internacional que influenciam as normas e as atitudes dos
mesmos. Em termos descritivos, há uma atraente plausibilidade nisso. Embora as instituições
internacionais sejam criadas e controladas por estados, elas adquirem um tipo de vida própria
que as possibilita à condição de jogadores no âmbito internacional. Dentre as organizações
internacionais, pode-se pensar na Organização das Nações Unidas (ONU), na OMC, no FMI,
na União Africana, dentre outras que se expressam, internacionalmente, com a própria voz.
Os construtivistas argumentam, ainda, que os acordos e as regras internacionais podem
influenciar atitudes e credos. Apenas para ilustrar com um exemplo popular, acordos
internacionais sobre direitos humanos, tal como a Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos (PIDCP), não são, simplesmente, ferramentas que objetivam afetar as recompensas
dos estados; eles também exercem uma função expressiva e têm o potencial de alterar as
crenças e os objetivos dos estados (Lutz and Sikkink 2000). Mais uma vez, tal perspectiva
tem o condão de ser uma descrição acurada em alguns casos. Por certo, as normas importam
nas relações e no direito internacional, e o construtivismo intenta demonstrar que elas podem
mudar ao longo do tempo.

As abordagens construtivistas têm uma conexão come este livro parecida com àquela das
abordagens liberais. O Construtivismo, com a ênfase no papel das normas, rejeita o
pressuposto de racionalidade defendido neste livro (Finnemore and Sikkink 1998; Mercer
1996; Wendt 1999). Tal como é verdadeiro para o liberalismo, o construtivismo conta com
suposições mais flexíveis que o permite, pelo menos em princípio, descrever o
comportamento do estado de forma mais acurada. E, também como é verdadeiro para o
liberalismo, tal flexibilidade torna árdua a tarefa de construção de teoria geral e controlável
acerca do comportamento do estado. Os construtivistas não desenvolveram, até o presente
momento, um modelo geral para explicar o comportamento estatal. Enquanto este modelo
não existir, não se faz possível valer-se do construtivismo para estudar a integralidade do
campo do direito internacional com base em apenas uma única base estruturante.

Em que pese adotarem-se neste livro os pressupostos institucionalistas, reconheço valor nas
abordagens liberal e construtivista. A abordagem mais sensível, ao se estudar o direito
internacional, é a que reconhece que diferentes estruturas adéquam-se a distintas tarefas. O
Construtivismo, por exemplo, pode ser uma parte importante para explicar as amplas
mudanças no comportamento dos estados, quando considerados longos períodos de tempo.
Desde a Segunda Guerra Mundial, os estados levam muito mais a sério as questões de
direitos humanos, e as preocupações com os cidadãos de outros estados têm sido mais aceitas.
Tal mudança é difícil de ser explicada sem recorrer ao entendimento de que as normas e as
preferências modificam-se ao longo do tempo. Da mesma forma, a discussão construtivista
sobre as normas é uma maneira profícua para se considerar como os direitos humanos podem
ser melhorados futuramente (Goodman and Jinks 2004).

Tanto o liberalismo quanto a teoria da escolha racional podem, em algumas vezes, oferecer
uma explicação para eventos que, do ponto de vista da racionalidade, são difíceis de serem
explicados. O modelo de comércio internacional da escolha racional, por exemplo,
freqüentemente não se constitui em sólida base para explicar o motivo pelo qual as regras de
comércio internacional são da maneira que são. Uma abordagem que reconhece o fato de que
as lideranças políticas podem ter interesses discrepantes dos interesses dos cidadãos que
governam, pode, às vezes, explicar esses eventos (Skypes 1991).
Tanto o liberalismo quanto o construtivismo podem ser harmonizados, pelo menos de forma
parcial, com a abordagem institucionalista. Esta assume que as preferências do estado são
dadas e estáveis. Pode-se pensar o liberalismo e o construtivismo como teorias que nos
ajudam a entender como tais preferências emergem. Considere, primeiramente, a abordagem
liberal, segundo a qual se pressupõe que a atuação dos grupos de interesse domésticos
determina as preferências políticas dos estados. Uma vez que o processo político doméstico
de tomada de decisão exaure-se, contudo, o estado deve perseguir tais objetivos políticos no
âmbito internacional, de forma racional e unitária. De acordo com essa perspectiva, o modelo
liberal serve de insumo ao modelo institucionalista. Da mesma forma, o construtivismo pode
ser complementar ao institucionalismo. Se assumirmos que as normas sociais importam, mas
modificam-se vagarosamente (ou raramente), e se moldarmo-nas como uma forma de
preferência, então, é razoável pensar as preferências como estáveis, pelo menos em certo
horizonte de tempo.

No entanto, nem o liberalismo nem o construtivismo podem ser ajustados em todos os pontos
com o institucionalismo. Caso se considere que os atores sub-estatais engajam-se, eles
próprios, nas interações transnacionais com outros atores sub-estatais, o liberalismo está, pelo
menos parcialmente, em desacordo com a abordagem feita neste livro. E se as normas
mudarem rapidamente, então, o pressuposto das preferências estáveis, necessários para a
abordagem da escolha racional, torna-se defectível.

Neste livro, faz-se o que, virtualmente, todos os escritos na matéria devem fazer – escolher os
pressupostos e torná-los explícitos. Por óbvio, selecionei as suposições que acredito serem as
mais promissoras para o estudo do direito internacional. Ao meu sentir, os pressupostos da
escolha racional ensejam uma teoria que se mostra mais parcimoniosa e previsões que são
mais claros e passíveis de verificação do que no caso de outras abordagens. Entretanto, não
integra o propósito do presente livro apresentar uma defesa da teoria da escolha racional ou
articular um ataque às outras metodologias. Há, evidentemente, dentro do estudo do direito
internacional, espaço para uma multiplicidade de metodologias. Nosso entendimento acerca
do direito internacional tendo sido, e pode continuar a ser, aperfeiçoado por sérios
questionamentos realizados com base em cada uma das abordagens referidas (bem como em
outras, sem dúvida). Valendo-nos dos pressupostos da escolha racional, contudo, o objetivo
do livro é explorar até onde poderemos ir.
Pelo fato de começar com um conjunto de pressupostos, ao invés de observações, acerca do
comportamento dos estados, a análise é, primordialmente, teórica. Ao longo do livro, no
entanto, encontrar-se-ão exemplos de eventos ocorridos no mundo. Estes servirão para
ilustrar os argumentos teóricos, bem como para contextualizar a discussão. Com os mesmos,
não se intenta, e nem se poderia, produzir provas acerca do que se estará alegando. Os
eventos do mundo real são, não-raro, complexos e multifacetados, e, normalmente,
impassíveis de serem explicados com base em, tão-somente, uma única visão teórica. Em
assim sendo, praticamente todos os exemplos disponibilizados neste livro podem ser
contestados. Poder-se-á argumentar que, em qualquer dos casos que serão mencionados,
outros fatores afetaram os ganhos dos estados e que o fator trazido pela discussão ilustrada
pelo exemplo, não fora importante para o desfecho do respectivo caso. Esta é uma
característica inevitável dos exemplos e dos estudos de casos (embora os últimos tenham
grande capacidade para responder às críticas). Dessa forma, os exemplos devem ser
considerados meras ilustrações. A fim de se fazer relações causais mais robustas acerca de
como e quando o direito internacional afeta os resultados, requer-se mais formal investigação,
o que se constitui em exercício para outra oportunidade.

CUMPRIMENTO E EFETIVIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL

Faz-se útil, neste estágio inicial do livro, elucidar uma questão terminológica que é recorrente
ao longo do texto. O impacto do direito internacional sobre os estados é, com freqüência,
discutido em termos de “cumprimento” de suas regras. De fato, os juristas têm se apressado
em estabelecer a conexão entre a alta taxa de cumprimento do direito internacional e
obrigatoriedade do comportamento dos estados. Henkin, quem cunhou a, possivelmente, mais
famosa linha na doutrina jurídica internacional, “quase todas as nações observam quase todos
os princípios do direito internacional e quase todas as suas obrigações quase o tempo todo”
(Henkin 1979), é, às vezes, injustamente acusado de confundir cumprimento com efetividade.

A fim de se bem compreender o impacto causado pela lei, requer-se mais do que a
observação de que os estados cumprem as normas na maior parte das vezes. Faz-se mister
determinar se e quando o direito internacional modifica o comportamento dos estados.
Quando isso ocorre, o direito pode ser considerado efetivo, e é sobre esta efetividade que o
presente livro se interessa. Em termos econômicos, o direito é relevante na medida em que
gera um aumento marginal em seu cumprimento. Ao avaliarmos o império da lei, o problema,
por certo, é que, enquanto podemos (às vezes) verificar se houve ou não o cumprimento, não
podemos diretamente observar se o direito está sendo efetivo, no sentido de influenciar a
conduta dos estados. Isso constitui um desafio para a empiria, tanto na forma de investigações
qualitativas quanto quantitativas. Para o meu propósito, o problema é, primordialmente,
terminológico. Ambos os termos cumprimento e efetividade serão utilizados no presente
livro. As discussões serão referidas em termos de cumprimento, mas far-se-á menção a
“improved compliance” ou a se o cumprimento é “incentivado”. Proposições nesse sentido
deverão ser entendidas em referência ao impacto causado por uma regra ou um
comportamento no âmbito do cumprimento. Vale dizer, são concernentes a maneira pela qual
a taxa de cumprimento é afetada, o que é, por óbvio, o mesmo que perguntar se a regra, em
questão, é efetiva.

THE SCOPE OF THE BOOK

O presente livro tem interesse nas questões relativas ao cumprimento do direito internacional
e à cooperação nas relações internacionais. Essa área vem sendo objeto de considerável
estudo pela ciência política, economia e direito, não podendo, possivelmente, ser analisado
em toda a sua complexidade aqui. É necessário, assim, delimitar, de alguma forma, o
problema. Para tanto, o livro foca no direito internacional e, mais especificamente, nas fontes
convencionais deste: os tratados e o direito internacional dos costumes. Examina, também,
soft law, incluindo acordos internacionais que carecem de instrumentos formais, mas que, por
outro lado, procuram influenciar a conduta dos estados.27 Embora não são se encontrem entre
as fontes clássicas do direito internacional, não se duvida que os instrumentos de soft law
sejam parte importante da estrutura jurídica internacional que auxilia os estados na
organização de suas relações. Contudo, a partir do momento em que tais instrumentos
começam a ser levados em consideração, a distinção entre “direito” internacional e outras
instituições internacionais começa a acinzentar-se. Por exemplo, soft law abrange as
resoluções da Assembléia Geral das Nações Unidas. Todavia, para se compreender tais
resoluções, requer-se uma teoria das organizações internacionais, o que nos forçaria a uma
digressão.
Da mesma forma, o livro aborda o papel de normas que carecem de qualquer definição de
direito internacional. Similarmente ao caso da soft law, a linha entre as normas que são
consideradas relevantes para a discussão em direito internacional e as que não o são (talvez,
pelo fato de serem consideradas “cultural” ou “política”) é impossível de ser desenhada com
precisão.

A única abordagem, então, é a pragmática. O livro tratará de ferramentas convencionais do


direito internacional – tratados e direito internacional dos costumes, bem como as relativas à
soft law e às normas -, mas não se proporá a oferecer uma abrangente teoria acerca de todas
as forças que impactam o comportamento estatal. Eu reconheço que não há clara distinção
entre o que será objeto do livro e o que não faz parte de seu escopo, mas as diretrizes aqui
expostas são suficientes para pavimentar um caminho profícuo, contanto que não sejam
desconsideradas as outras forças que estão, concomitantemente, em atuação.

Por fim, o objetivo do presente livro é avançar o nosso conhecimento do direito internacional,
alcançando tal desiderato através da metodologia convencional das ciências sociais. Creio
que os pressupostos da teoria da escolha racional, utilizados neste livro, são adequados aos
fins a este se destina. O desafio aqui é desenvolver uma coerente e geral teoria de como o
direito internacional influencia o comportamento dos estados. Espero que a discussão e as
análises que seguem sejam do interesse de advogados e cientistas sociais interessados em
direito internacional, e, na verdade, a todos os interessados no sistema jurídico internacional.

CAPÍTULO 2

UMA TEORIA GERAL DO DIREITO INTERNACIONAL

O direito internacional manifesta-se sob diversas formas. Incluem-se tratados, soft law,
direito internacional dos costumes, princípios gerais do direito e, talvez, mais. Embora haja
grande quantidade de teorias de direito internacional intentando explicar uma ou mais dAs
mencionadas categorias, ainda remanesce a necessidade para uma teoria que explique o
comportamento dos estados em todo o espectro do direito internacional e dos instrumentos
legais. É o propósito deste capítulo a construção de tal teoria. Objetiva-se demonstrar como
as obrigações de direito internacional influenciam o comportamento dos estados; quando as
obrigações internacionais são passíveis de fazer – ou provavelmente não o farão –diferença; e
começar a nosso exploração – continuada nos capítulos posteriores - acerca de como esta
teoria é aplicada ao longo de todas as áreas e fontes do direito internacional.

OS JOGOS QUE OS ESTADOS JOGAM ou O JOGO JOGADO PELOS ESTADOS

A subseção que segue descreve um jogo em que os estados acham relativamente fácil
cooperar, ainda que sob os pressupostos da escolha racional. Essas situações oferecem, tão-
somente, um modesto teste acerca da relevância do direito internacional. A seguinte subseção
a esta analisa o dilema dos prisioneiros, situação em que a cooperação é muito mais difícil. É
no contexto desse dilema que a teoria é aplicada ao longo do presente livro.

FORMAS SIMPLES DE COOPERAÇÃO

Até mesmo em um mundo dotado de estados egoístas, haverá oportunidades em que eles
tenham interesses comuns, o que é capaz de tornar a cooperação valiosa e fácil de ser
alcançada. Considere, por exemplo, a relação entre o Canadá e os Estados Unidos. Por uma
variedade de motivos, nenhum dos dois estados posiciona-se de modo a obter vantagens de
um embate militar. O Canadá, por certo, desejaria evitar tal confronto, porque poderia não
esperar sair dele vitorioso, ao passo que os Estados Unidos, inobstante sua superioridade
bélica, não têm interesse em utilizar a sua força contra o Canadá. O corrente relacionamento
entre esses dois estados é melhor para os Estados Unidos do que o relacionamento que
adviria como resultado do uso da força. Canadá e Estados Unidos poderiam optar por assinar
um acordo reafirmando, expressamente, a obrigação jurídica de um não atacar o outro, mas
não resulta esclarecido o que, realmente, tal tratado alcançaria.1 Esses estados atuariam,
possivelmente, da mesma forma, tivessem ou não assinado um tratado, pelo fato de
compartilharem o interesse em evitar o conflito armado. Embora possa ser assinado um
tratado nesses termos, cumpriria o mesmo uma função de pouca relevância, gerando não mais
do que um bom pressentimento entre os estados e seus respectivos cidadãos, promovendo um
sinal barato de boas intenções, o que se coaduna com as expectativas de cada parte.

Quando tratados ou acordos internacionais são assinados em situações como a aludida, pode-
se esperar uma maior taxa de cumprimento, mas não se pode concluir que o direito
internacional esteja atingindo alguma coisa. Um acordo nesses moldes assemelha-se a um
tratado que preveja que os cidadãos das partes signatárias respirarão oxigênio e expirarão
dióxido de carbono. O tratado é, de certa forma, respeitado, mas não é capaz de alterar nada.2
Jogos como esses conduzem à cooperação, mas tal é mais o resultado dos ganhos substanciais
obtidos (e.g., tanto Canadá quanto Estados Unidos percebem ganhos maiores em furtando-se
de ações militares com tra o outro) do que qualquer influência do acordo internacional
assinado. Um acordo internacional que estatui uma obrigação às partes, no sentido de que
devem agir da mesma forma que o fariam na inexistência do mesmo, em nada contribui para
o progresso da cooperação internacional, e, dificilmente, pode ser considerado direito
internacional efetivo.

O direito internacional funciona levemente melhor em jogos de coordenação pura. Trata-se


de jogos nos quais todos os jogadores têm o incentivo para cooperar, mas a cooperação é
atingida, tão-somente, se eles coordenarem as suas ações. Um exemplo clássico desse tipo de
cooperação é o sistema de regras e regulamentações a respeito dos vôos e da segurança aérea
internacionais. Uma série de acordos internacionais, começando pela Convenção Para a
Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional (A “Convenção de
Varsóvia”), objetiva harmonizar a gama de padrões existentes.3 A celebração desses acordos
representa a bem-sucedida solução do jogo de coordenação que as viagens aéreas
representam aos reguladores. Neste e em outros jogos de coordenação, os jogadores (i.e., os
estados) importam-se com a coordenação que conduza o seu interesse a um resultado
específico. Os benefícios advenientes da coordenação na regulamentação das viagens aéreas
são óbvios. Se as aeronaves estivessem submetidas a um certo conjunto de normas de
segurança na França, que fosse distinto do conjunto de normas vigente nos Estados Unidos, o
custo de voar (especialmente, pelo fato de um único vôo cruzar diversos países) aumentaria
drasticamente. Até mesmo para ações cotidianas, tais como, identificação de bagagens, a
coordenação torna a operação da aviação internacional mais eficiente e sua regulação mais
efetiva.

Pode-se pensar no motivo pelo qual os estados preocupam-se em assinar acordos formais, a
fim de tratar problemas de cooperação desse tipo, quando estratégias mais simples
alcançariam os mesmos resultados a um custo inferior. Os estados podem (e fazem-no), por
exemplo, valer-se de formas muito simples de comunicação internacional, tais como, o
memorando conjunto ou uma troca de cartas, objetivando o cumprimento. Pesquisas na
ciência econômica têm sugerido que métodos cooperativos de coordenação são superiores a
métodos não-cooperativos, métodos de “market leadership” de geração de cooperação (Farrel
e Saloner 1998). Em que pese essas medidas de cooperação possam ser descritas como
formas de acordos, não nos deteremos na questão semântica.

Em muitas situações, os estados não se valem de acordos formais para resolver os problemas
de coordenação. Assim, um encontro em que dois chefes de estado reunir-se-ão, envolverá
credibilidade e expensas de recursos de ambos os lados, mas não será, tipicamente, o produto
de um tratado formal ou de um acordo internacional significante. O encontro será marcado e
os oficiais de ambos os estados trocarão informações de todos os tipos, mas nenhum acordo
internacional digno de nota será celebrado.

Em outros casos, contudo, os estados valem-se acordos mais formais. Uma das explicações
para tanto é que interações que aparentam ser jogos de coordenação, são, na verdade, outro
tipo de jogo. Os estados estão interessados em certeza e previsibilidade nas suas relações e,
dessa forma, podem querer um acordo que lhes ofereça segurança acerca do comportamento
de outros estados na eventualidade de os resultados esperados, futuramente, modificarem-se.
Em outras palavras, uma vez considerado o potencial para futuros avanços o jogo não de
coordenação pura, e os estados que buscam certeza para as cooperações posteriores, podem
requerer um acordo mais formal, a fim de incentivar a cooperação. Eu discutirei esta
possibilidade, com maior riqueza de detalhes, mais adiante neste capítulo. Explicação
alternativa e consistente é a de que a criação de um instrumento formal para facilitar a
coordenação custa muito pouco. Por exemplo, o NAFTA é, primordialmente, um acordo que
trata de comércio e investimento, mas inclui uma cláusula estatuindo que a Free Trade
Comission, composta por representantes ministeriais de cada parte signatária do acordo,
reunir-se-á, pelo menos, uma vez ao ano, e cada parte, sucessivamente, presidirá a sessão da
Comissão. Esta previsão específica é, tão-somente, uma forma de assegurara que as reuniões
ocorrerão com regularidade. O mesmo resultado poderia ser alcançado via acordo informal,
mas, uma vez que os estados já estavam em meio às negociações do NAFTA, resultou
conveniente e não-oneroso resolver, no mesmo documento, o problema de coordenação
acerca de quando e onde os estados reunir-se-iam. Por fim, os estados podem usar um acordo
formal para resolver um problema de coordenação caso haja incerteza no que tange aos
ganhos que cada um obterá. Se um estado não tem essa certeza, ao interagir com outro
estado, terá em mente que o que tem aparência de jogo de coordenação, pode ser, na verdade,
um problema de cooperação de mais difícil solução. A realização de um acordo formal
fornecerá salvaguardas nesse sentido.
Os jogos de coordenação podem ser distinguidos uns dos outros de acordo com o grau de
tensão existente entre os interesses das partes (Ginsburg e McAdams 2004). No jogo
denominado batalha dos sexos, por exemplo, as partes enfrentam um conflito distribucional.
Ambos preferem coordenar, ao invés de não coordenar, as suas ações, mas com equilíbrios
distintos. Após a escolha de um ponto focal (significando uma solução que pareça natural ou
relevante às partes), as partes não têm incentivo para agir diferente, mas o processo que
conduz à escolha do resultado específico pode ser sensível ao poder de barganha de cada
jogador (Krasner 1991). A alocação de freqüências de rádio e de políticas que tratam de
satélites de comunicação é um alegado exemplo de tal situação (Krasner 1991). Outros
exemplos de jogos de coordenação são facilmente encontrados. Trens que partem da Espanha
em direção ao resto da Europa devem passar pela França, embora, historicamente, as bitolas
dos trilhos espanhóis sejam maiores do que as bitolas de padrão internacional usadas na
França. O resultado é que os trens que percorrem os trilhos espanhóis de bitola maior devem
passar pela mudança de bitolas ao cruzarem a fronteira. A fim de resolver tal ineficiência,
novos trilhos e trens de alta velocidade, ligando a Espanha à França e ao resto da Europa, têm
sido construídos de acordo com a bitola de padrão internacional.

Considere mais um exemplo, a hospedagem dos Jogos Olímpicos. Os estados que desejam
ser a sede dos jogos olímpicos, em um determinado ano, têm interesses conflitantes. Se Paris
sediar os jogos, Nova Iorque não poderá fazê-lo. A cooperação é mais difícil de ser alcançada
do que em um jogo de coordenação pura, porque os Estados Unidos desejarão que os jogos
ocorram em Nova Iorque, ao passo que a França terá interesse em que os jogos realizem-se
em Paris. Até que seja escolhida a sede, os interesses das partes serão, então, de alguma
forma, divergentes. Uma vez escolhida a sede, nenhum dos estados têm incentivo para agir
contrariamente. Caso a cidade de Nova Iorque seja a escolhida para sediar as Olimpíadas, a
França terá maior recompensa se enviar os seus atletas para disputá-las em Nova Iorque do
que se boicotar os jogos ou, até mesmo, tentar sediar, em paralelo, uma competição esportiva
em Paris.4

Com efeito, embora os estados utilizem, às vezes, o direito internacional para resolver jogos
como esses, há muitas outras formas para que o mesmo fim seja atingido. Poderá ser feito por
meio de ações unilaterais, práticas repetidas, acordos formais ou tácitos, intervenção de
terceiros, dentre outros. No caso das Olimpíadas, o Comitê Olímpico Internacional, que é
uma Organização Não-Governamental (ONG), sobre a qual os estados não exercem qualquer
tipo de controle, determina o estado e a cidade-sede. Uma vez anunciada tal decisão, nenhum
estado – incluindo aquele que foi preterido – tem incentivo para não a acatar. A cooperação é
alcançada sem que seja necessário qualquer tipo de cumprimento forçado, qualquer
compromisso jurídico internacional, ou, ainda, qualquer ação por parte dos estados.

O conjunto desses três jogos (interesse comum, coordenação pura e batalha dos sexos) não
exaure o rol de situações em que a cooperação é diretamente alcançada e o cumprimento
forçado não se faz necessário.5 Entretanto, tal conjunto é suficiente para ilustrar o ponto de
que, em certas circunstâncias, cooperar é fácil. Nestas, o direito internacional não atua
diretamente e pode ser considerado, até mesmo, supérfluo. Pode servir para facilitar a
cooperação, mas, mesmo assim, exercerá modesto papel. O direito internacional vale a pena
ser estudado, tão-somente, quando exerce função mais relevante.

Note-se que se poderia esperar maior nível de cumprimento do direito internacional caso uma
maior parte de seus compromissos existisse para resolver problemas de coordenação. Isso
ilustra porque, para além de a possibilidade de o direito internacional requerer que os estados
façam aquilo que já o fariam independentemente de sua existência (Downs, Rocke e Barsoon
1996), a observada alta taxa de cumprimento (Henkin 1999) pode não indicar que o direito
internacional gera significante efeito no comportamento estatal.

DIFÍCIL COOPERAÇÃO: O DILEMA DOS PRISIONEIROS

Muitos dos problemas internacionais são de mais difícil solução do que os representados
pelos jogos acima mencionados. São essas situações, que abrangem problemas desafiadores,
o principal interesse do presente livro. O maior valor do direito internacional, em última
análise, é a sua habilidade para facilitar a cooperação em um mundo anárquico, e tal é
especialmente verdadeiro quando a cooperação é difícil de ser alcançada por qualquer outro
meio. Direcionar o foco para situações em que cooperar é difícil, constitui-se em uma
prestimosa forma de análise. Caso o direito internacional seja capaz de gerar cooperação
nessas situações, é porque estará causando impacto sobre o comportamento dos estados.

O dilema dos prisioneiros, do qual participam dois jogadores, destina-se ao entendimento de


como o direito internacional pode tratar os problemas em que se torna mais difícil cooperar.
Questões e problemas de cooperação similares ocorrem em contextos multilaterais. Nestes, a
cooperação gera, da mesma forma, desafios adicionais, dos quais tratarei mais adiante.

Como alguns leitores já devem saber, o dilema dos prisioneiros é um jogo em que as partes
podem maximizar seu ganho total conjunto caso cooperem, mas, individualmente, o melhor
resultado advém da não-cooperação. O resultado familiar é que, em um jogo estático, jogado
uma só vez, o único equilíbrio decorre, para ambos os jogadores, da não cooperação,
conduzindo a ganhos individuais menores.

As negociações bilaterais de controle de armas fornecem um claro exemplo de dilema dos


prisioneiros em funcionamento, no contexto do direito internacional. Embora qualquer acordo
envolvendo armas pudesse ser considerado, o foco aqui recairá sobre as negociações entre
Estados Unidos e União Soviética referente ao Tratado de Mísseis Anti-Balísticos (AMB, na
sigla em inglês), de 1972. Inobstante ambos os países tivessem muitas postulações
conflitantes, compartilhavam o interesse em restringir a corrida armamentista nuclear. Uma
séria de acordos para o controle dos armamentos, tanto bilaterais quanto multilaterais (os
Tratados para a Limitação de Armas Estratégicas, SALT I e SALT II; Tratado de Não-
Proliferação Nuclear (TNP); Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares) foi
negociada ao longo dos anos 1960 e 1970. O ABM destinava-se a resolver um problema
especial na seara do controle de armas. A aquisição de armas e de tecnologia por ambos os
países representava significante escoadouro de recursos. E como ambos os estados estavam
operando da mesma forma, tais aquisições não significavam aumento na segurança para
nenhum deles. Além disso, se um dos lados desenvolvesse um sistema ABM capaz de
protegê-lo contra mísseis anti-balísticos, o outro lado investiria, pesadamente, a fim de
desenvolver o seu próprio sistema ABM ou, então, mísseis que pudessem penetrar o sistema
ABM do opositor. Assim, um sistema ABM tinha o potencial de acelerar, enormemente, a
corrida armamentista. Enquanto ambos os lados esperavam ganhar com o controle de armas,
da mesma forma, cada um teria muito a ganhar se optasse por não cooperar após a assinatura
do acordo. Isso porque, caso um dos lados pudesse continuar com o seu programa nuclear,
estando o outro paralisado, perceberia os enormes ganhos, em potencial, destinados àquele
que desenvolvesse a habilidade de eliminar a capacidade de reação do outro. O problema,
então, era o clássico dilema dos prisioneiros. O melhor desfecho seria a solução cooperativa
(controle de armas), mas a estratégia dominante de cada jogador era não cooperar (corrida
armamentista). O tratado ABM representou uma tentativa de superar esse dilema, para
permitir que os estados alcançassem o desfecho cooperativo, controlando, mutuamente, as
armas.

Para ilustrar como a cooperação pode ser alcançada no contexto do ABM, bem como em
outros dilemas dos prisioneiros, considere-se uma versão simplificada da matriz de ganhos de
Estados Unidos e União Soviética. Se ambos os estados cumprirem o que prometeram, cada
um perceberá o ganho, relativamente alto, de 100, significando um mundo em que o esforço
econômico da corrida armamentista restaria reduzido. Por outro lado, caso os estados
violarem o acordo, nenhum deles ganharia uma vantagem estratégica sobre o outro, mas
amos iriam ter de suportar o encargo econômico de continuar a corrida armamentista. Tal
comportamento propiciaria um ganho menor de 80, por exemplo. Caso os EUA cumprissem
o acordo, mas a União Soviética não, os americanos sofreriam grande perda, relativa, de
poder – precisamente, o resultado que os EUA desejavam evitar ao participarem da corrida
armamentista. A União Soviética, por outro lado, beneficiar-se-ia com a adoção de sua
estratégia não-cooperativa ao tempo em que os EUA estivessem cumprindo o acordo. Os
ganhos desta situação advenientes, se comparados com os ganhos, para ambos os estados,
percebidos em razão da cooperação mútua, seriam elevados para os soviéticos e muito baixos
para os americanos. Esses resultados podem ser representados pelos ganhos de 200 e – 50,
para os Estados Unidos e União Soviética, respectivamente. (está trocado, 200 para URSS e-
50 para os EUA) Por fim, caso os Estados Unidos violem o acordo, ao tempo em que a União
Soviética cumpre-o, os ganhos seriam de 200 e -50, respectivamente.6 Esse resultado está
expresso na tabela 1.

Trata-se de um clássico dilema dos prisioneiros. Embora a estratégia cooperativa proporcione


o maior resultado adveniente da soma dos payoffs, cada jogador tem o incentivo para não
cooperar, independentemente do que a outra parte fizer.

TABELA 1 – O Dilema dos Prisioneiros do Tratado AMB

O resultado conhecido da modalidade estática desse jogo é que ambos os lados escolherão
“violar”, e a cooperação, portanto, falhará. Da mesma forma, não se pode esperar que um
acordo de direito internacional venha a afetar o resultado desse jogo estático. Um acordo é,
simplesmente, uma troca de promessas. Sem que haja um sistema de tribunais e de polícia,
capacitados para forçar o cumprimento do direito das partes resultante do Tratado AMB, tal
troca de promessas não causará impacto algum sobre os ganhos de cada parte e, então, não
afetará o seu comportamento.

Sob essas suposições, caso um acordo entre em vigor, esperar-se-iam violações contínuas.
Qualquer cumprimento que venha a ocorrer deve ser atribuído à causa diversa da existência
do próprio tratado. Com efeito, pelo fato de o tratado servir a propósito nenhum, poder-se-ia
esperar que estados racionais não fossem sequer seus signatários.

O verdadeiro curso dos eventos, contudo, diferia bastante da previsão feita. O Tratado AMB
não somente entrou em vigor, mas, também, foi honrado por ambos os estados durante um
bom tempo. De fato, o grau de cooperação por esse tratado estimulado, entre inimigos
mordazes, é impossível de ser conectado com o simples jogo estático do dilema dos
prisioneiros. Algo a mais deve ter havido.

Esse algo a mais foi a natureza repetitiva do jogo que estava sendo jogado. Ambos os estados
interessavam-se por futuras negociações, bem como ambos tinham interesse na cooperação
contínua e recíproca. A opção de violar comprometeria o acordo alcançado no Tratado AMB
e, ainda, a habilidade do violador de fazer promessas acerca de seu comportamento no futuro.
Dessa forma, esta situação mitigaria a cooperação em relação tanto ao cumprimento do
tratado quanto de futuras negociações.

A natureza dinâmica das interações entre Estados Unidos e União Soviética possibilitou que a
cooperação viesse à tona. Cada país valorizou a cooperação não somente para o momento em
que viviam, mas, igualmente, para oportunidades futuras. Essa constatação conferiu às partes,
pelo menos, três razões para cumprirem o tratado. Por primeiro e, talvez, o mais importante, a
reciprocidade. A violação por um lado provocaria, provavelmente, a violação pelo outro.
Aquele que violasse primeiro desfrutaria dos ganhos de apenas um período, mas, depois
disso, o tratado ruiria, caso em que ambas as partes retornariam para o desfecho não-
cooperativo. Segundo, os dois estados queriam permanecer aptos a comprometerem-se, no
futuro, com credibilidade. Ao cumprirem as suas promessas, cada estado reforçou a sua
reputação de estado que é capaz de honrar os seus compromissos e, por conseguinte, a sua
habilidade de fazê-lo, novamente, em outras oportunidades. Terceiro, a violação tinha o
potencial de promover alguma forma de ação retaliatória, o que poderia elevar ainda mais o
custo de quebrar a promessa.
Os três custos – reputação, reciprocidade e retaliação, aos quais me refiro como os Três R’s
do Cumprimento – são fundamentais para o entendimento do porquê de os estados
cumprirem as suas obrigações internacionais.

OS TRÊS R’S DO CUMPRIMENTO

A reputação pode ser definida como o julgamento, a respeito da conduta passada de um


agente, usado para prever o seu comportamento no futuro (Miller 2003). No presente livro,
estou interessado, primordialmente, na reputação de um estado para o cumprimento do direito
internacional, mais do que em outros tipos possíveis de reputação (cientistas políticos, por
exemplo, freqüentemente focam na reputação para RESOLVE ou para a resistência; Huth
1997; Mercer 1996; Nalebuff 1991). A reputação de um estado para o cumprimento das
obrigações legais consiste no julgamento acerca de seu comportamento passado e em
previsões no tocante à conduta futura, com base em seu desempenho. A menos que haja a
especificação de outro significado, utilizarei o termo “reputação”, ao longo do livro, em
referência a este tipo particular de reputação. Discuto a relação existente entre a reputação
para o cumprimento do direito internacional e os demais tipos de reputação no próximo
capítulo.

O termo “sanção reputacional” refere-se ao custo imposto a um estado quando a sua


reputação estiver manchada. Assim, as sanções reputacionais não se constituem,
propriamente, em punições, ou, pelo menos, não são compreendidas nesse sentido. Quando
um estado toma uma decisão de cumprimento (i.e., quando tem de decidir entre cumprir ou
violar), emite um sinal respeitante à sua disposição de honrar as suas obrigações jurídicas.
Outros estados valem-se dessa informação para ajustarem a sua própria conduta. O estado
que tende a cumprir as suas obrigações, desenvolverá boa reputação para o cumprimento, ao
passo que um estado que, com freqüência, viola as obrigações, terá má reputação. A boa
reputação é valiosa pelo fato de tornar as promessas mais confiáveis e, dessa forma, torna a
cooperação futura mais fácil e menos dispendiosa.

A “Reciprocidade” diz respeito a ações que, tal como a reputação, serão realizadas sem a
intenção de sancionar o violador. Em reação a uma violação, os estados poderão deixar de
cumprir as suas próprias obrigações, decorrentes do acordo internacional, pelo fato de que,
quando a violação ocorre, o acordo não mais cumpre os fins a que se destinava. Uma ação
recíproca não é dispendiosa para o estado que a comete. É, ao contrário, um ajuste em seu
comportamento, motivado pelo desejo de maximizar os seus ganhos, em vista de novas
circunstâncias ou informações.7

A “Retaliação”, em contraste, descreve ações que são custosas para o estado que a pratica e
intenta punir o estado violador. Ações reputacionais podem incluir, por exemplo, sanções
econômicas, diplomáticas ou, até mesmo, militares. Embora a retaliação e a reciprocidade
exerçam importante função ao encorajarem o cumprimento, lança-se mão de argumentos
reputacionais para fins de compreensão desses comportamentos. Por isso, discuto-os por
primeiro.

REPUTAÇÃO

O uso de argumentos reputacionais para explicar o comportamento dos estados é familiar nas
áreas da ciência política (Axelrod 1984; Keohane 1984) e da economia (Abreu e Gul), mas
remanesce subdesenvolvido na literatura jurídica, não tendo sido aplicado, ainda, de forma
sistemática às questões centrais do direito internacional. Dessa forma, algumas partes das
questões seguintes revisitarão noções de reputação que são familiares a alguns leitores.
Outras, no entanto, constituem-se em novos insights acerca de como a reputação pode elevar
a taxa de cumprimento do direito internacional.

A intuição mais simples de reputação é a de que um estado que cumpre com as obrigações
advenientes do direito internacional desenvolve boa reputação e, também, é visto como um
bom parceiro, ao passo que um estado que falha no cumprimento das obrigações jurídicas
internacionais terá má reputação, bem como será visto como um parceiro não-confiável.
Concretamente, a quebra de um compromisso hoje afetará a maneira pela qual o estado será
reputado amanhã. Um estado que é conhecido por honrar os seus compromissos encontrará
mais parceiros quando procurar estabelecer arranjos futuros, estará mais capacitado para
alcançar concessões mais generosas em troca de suas promessas e, ainda, terá mais habilidade
para solucionar problemas de cooperação do que um estado que goze de reputação menos
favorável.

Se o estado observador soubesse de todas as ações cometidas pelo estado atuante, incluindo
até que ponto este prefere gozar de ganhos presentes em detrimento de ganhos futuros (i.e., a
sua taxa de desconto), podendo mensurar isso em todas as interações possíveis, seria apto a
calcular os ganhos do estado atuante e, de forma precisa, definir as suas ações. Pelo fato de
essas coisas não serem passíveis de observação, contudo, os estados observadores formam
um julgamento sobre a “reputação” do estado atuante, o que é representativo de sua
disponibilidade de cumprir com suas obrigações jurídicas internacionais.

A fim de entender como as questões reputacionais podem afetar o comportamento, requer-se


alguma compreensão sobre o porquê de os estados interessarem-se pela reputação. Poder-se-
ia assumir que os estados preferem ter a reputação de que cumprem o direito internacional,
caso em que estariam dispostos a abrir mão de ganhos em troca de obterem ainda melhor
reputação. O problema dessa abordagem é ser ad hoc e não nos fornece uma forma de
considerar como e quando um estado valorizará a reputação mais do que menos; ou quando a
reputação será mais ou menos importante.

Em assim sendo, a teoria aqui exposta assume que os estados não têm nenhum gosto, em
particular, para a boa reputação, mas preferem, mais que isso, manter boa impressão dentro
da comunidade internacional tão-somente na medida em que modificar a impressão ou a
reputação fizer com que seus ganhos sejam maiores.

A fim de ilustrar como uma boa reputação pode ser valiosa para um estado, pense-se em sua
reputação como uma estimativa de sua taxa de desconto. Tal estimativa é feita por estados
observadores e, dessa forma, pode não estar perfeitamente em acordo com a verdadeira taxa
de desconto de um estado observado; além disso, o estado atuante poderá agir
estrategicamente, esforçando-se para influenciar a reputação. Quando um estado viola uma
regra de direito internacional, poderá sofrer uma perda reputacional na medida em que os
outros estados adaptem as suas crenças quanto ao estado violador. Um estado com melhor
reputação é tido como mais paciente e, assim, mais propenso a cumprir com o direito
internacional, além de sacrificar ganhos presentes em troca da habilidade de celebrar,
gozando de credibilidade, arranjos cooperativos no futuro. Pelo fato de os estados não
poderem se fiar nos mecanismos externos de cumprimento forçado, a reputação representa
uma das poucas maneiras de fazer promessas idôneas. Como diz Schelling, “um potente meio
de comprometimento, e, algumas vezes, o único, é garantia da reputação de um estado”
(1960, p.29).

Quanto maior a reputação de um estado, maior a sua capacidade de comprometer-se em um


particular curso de ação, mais fácil será para celebrar arranjos cooperativos, mais vantagens
poderá obter em um procedimento de barganha e mais facilmente poderá encontrar outros
estados com os quais cooperar (Lahno 1995).

A intuição pode ser vista através das lentes da básica teoria da barganha. Quando duas ou
mais partes celebram um contrato, fazem-no com um olho no sentido de maximizar os seus
ganhos conjuntos, levando os custos de transação em conta. A habilidade de celebrar
contratos é valiosa às partes, o que, no âmbito doméstico, recai sobre o poder de as cortes
darem-lhe cumprimento. A habilidade para celebrar acordos é, da mesma forma, valiosa aos
estados, mas o cumprimento dos acordos internacionais recai sobre base compromissória
mais fraca. Na ausência de mecanismos de cumprimento forçado, devem as promessas ser
estribadas na reputação, tido como um mecanismo de disciplina a fim de encorajar o
cumprimento. Quanto mais forte a reputação de um estado, mais fácil será para fazer
promessas com credibilidade e, também, para solucionar problemas de cooperação.

Se a melhoria na reputação de um agente permite que passe a ter mais valor, na forma de
maiores ganhos, então, os estados têm incentivo para desenvolver e manter boa reputação.
Podem fazê-lo ao cumprirem as obrigações que prometeram cumprir, ainda que, não fosse
pela reputação, seu interesse seria violá-las. Pode-se pensar nas decisões que conduzem ao
cumprimento em tais situações como sinais que se destinam a melhorar a reputação do estado
de adimplente. O sinal é efetivo porque distingue quem, no futuro, repetirá, provavelmente, a
sua conduta de adimplemento daqueles que não o farão.

A fim de explorar, com mais detalhes, os aspectos da reputação, cabe valer-se de um exemplo
específico, e o caso ABM, previamente discutido, pode ser revisitado com esse propósito. Eu
intencionalmente escolhi um exemplo envolvendo dois estados apenas, com o intuito de
manter a discussão simples. A teoria e as conclusões alcançadas, contudo, podem ser
generalizadas, continuando a ser válida, e sem dificuldades, com qualquer quantidade de
estados.

O acordo pode ser modelado como um jogo de dois estágios.8 No primeiro, os estados
negociam o conteúdo da lei e seu nível de comprometimento. A negociação pode envolver
uma barganha acerca das cláusulas, uma proposta do tipo “pegar-ou-largar” (take-it-or-leave-
it) de uma parte para a outra, uma decisão para aderir a um acordo preexistente cujas
cláusulas já estejam formuladas, ou, ainda, uma negociação coercitiva, em que uma das
partes não tem outra escolha além de consentir com o acordo proposto. A maneira pela qual a
negociação é desenvolvida terá importantes implicações para o acordo no que tange às
cláusulas que dele deverão constar, ao uso de mecanismos de resolução de controvérsias, à
escolha entre soft law e hard law, e mais. Essas questões são deixadas de lado por um
momento. Basta notar aqui que as partes aproximam-se e tentam chegar a um acordo. Em
caso de insucesso, as suas obrigações jurídicas restam inalteradas; para os propósitos desse
exemplo (e por razões de simplificação), referirei esse resultado como uma situação em que
as partes não são compelidas pelo direito internacional. Em uma discussão mais realista,
pode-se argumentar que os estados permanecem ligados por quaisquer outras regras de direito
internacional aplicáveis ao caso. Esse pressuposto simplificador, contudo, não tem impacto
sobre a análise ou sobre os resultados.

No segundo estágio do jogo, são tomadas decisões visando ao cumprimento. Cada parte do
acordo decide se irá ou não levar adiante as suas obrigações do pacto decorrentes. Neste
estágio, há três resultados possíveis. No primeiro, os interesses das partes podem conduzi-las
ao cumprimento, desimportando os termos do acordo. No contexto do controle dos
armamentos, por exemplo, um estado pode escolher limitar a sua aquisição de armamentos
suficientemente para realizar o cumprimento, mas esta decisão pode ser totalmente estranha
aos termos do acordo. Há cumprimento nessa situação, em que pese não poder ser atribuída à
existência do acordo. Outra possibilidade é que as partes alcancem ganhos que as conduzirá à
violação do acordo. Caso os ganhos advenientes da deserção, no contexto do tratado ABM,
superem os ganhos decorrentes do cumprimento, as partes violarão o acordo. Por fim, pode
ser que o próprio acordo cause uma mudança no comportamento das partes, fazendo com que
cooperem. O acordo, per se, pode ter feito com que Estados Unidos e União Soviética
limitassem a sua aquisição de armamentos. É este último resultado que se reveste de maior
interesse. Se o direito internacional importa, deve ser capaz de gerar, pelo menos, algum
comportamento cooperativo que, de outra forma, não ocorreria.

No exemplo do ABM, relembre-se que os ganhos do dilema dos prisioneiros, estaticamente


jogado, são representados conforme dispostos na tabela 2.

Para entender a função da reputação, faz-se mister comparar ganhos presentes e futuros e,
assim, devemos atentar para o fato de que os estados preferem ter os ganhos hoje a tê-los
amanhã. O “r” representa a taxa de desconto dos estados, significando que sejam indiferentes
a ganhos de 1 hoje e ganhos de 1 + r amanhã. Assumimos que cada estado saiba, tão-
somente, a sua própria taxa de desconto e, dessa forma, apenas estima a taxa de desconto dos
outros estados com base na observação do comportamento dos mesmos. Para fins de
simplificação, a variável “r” será usada em referência à taxa de desconto de ambos os
estados, o que implica assumir que tenham a mesma taxa de desconto. Tecnicamente, cada
estado deveria ter a sua própria taxa de desconto, que poderia ser alcançada pela adição de
apropriado subscrito. Eu omito este pedaço da notação, para fins de simplificação. Isso não
terá impacto sobre os resultados nem sobre a análise.

A estimativa da taxa de desconto de outro estado pode ser considerada a sua reputação. Como
discutirei depois, a reputação significa mais do que a taxa de desconto, mas considerá-la
como tal é uma forma útil para iniciar.

O valor total dos ganhos para os estados, caso ambos desertem em cada vez que o jogo é
praticado, é, então, 80 + 80/(1+r) + 80/(1+r)2 +...= 80 (1+r)/r.9 Isso é o que cada estado recebe
quando ausente a coooperação.

INSERIR TABELA 2

Para que um acordo internacional tenha influência sobre os resultados, tem-se que a sua
violação abarque como conseqüência alguma forma de custo. Se as sanções reputacionais
podem elevar os custos da não-cooperação, a cooperação torna-se possível.

Ao tempo das negociações do Tratado ABM, Estados Unidos e União Soviética esperavam
beneficiar-se do acordo que reduziria os custos da corrida armamentista. Se ambos os lados
respeitassem-no, receberiam um ganho de 100 em cada período. Valendo-se do mesmo
cálculo acima, o valor descontado desse resultado é 100 (1+r)/r. Para as partes, esse resultado
é, claramente, melhor do que a deserção mútua. O problema é que em qualquer dado período,
cada parte terá melhor resultado se desertar. Ante de escolher violar o acordo, contudo, um
estado deve considerar o impacto da deserção em seus ganhos futuros. Caso a violação
originar custos futuros, estes podem ser suficientes para a obtenção da cooperação.

Como pode a violação gerar custos? No próximo capítulo, apresento mais detalhada
discussão acerca de como e quando há alteração na reputação, mas, para o momento,
simplesmente assumir-se-á que quando um estado pratica a violação a um compromisso, os
outros estados tomam nota do fato e a, por conseqüência, a reputação do violador sofre.
Quando um estado assina um tratado, representa à outra parte que tem preferência pela
cooperação mútua do que pela não-cooperação. Ao fazê-lo, tem esperança que a sua
promessa seja revestida de credibilidade. Em termos de taxa de desconto, o estado assevera
que a sua taxa de desconto é tal que cooperará. Em sendo a sua promessa passível de
credibilidade, o outro estado também assinará o acordo. Mas, caso viole o acordo, a sua
habilidade para fazer novas promessas críveis resultará prejudicada no futuro. Isso é o que
significa uma perda de reputação – o estado torna-se menos capaz de fazer promessas, acerca
de sua propensão ao cumprimento, nas quais as outras partes confiam (ilustrado aqui através
das promessas sobre a taxa de desconto).

A perda de reputação é relevante porque torna as promessas futuras menos confiáveis. Os


potenciais parceiros terão menos confiança de que o estado resistirá às oportunidades para
violar o acordo e, assim, obter recompensas imediatas. Nesse exemplo, a mancha na
reputação mitigará a força de futuras negociações sobre os armamentos, além de impor maior
dificuldade para a celebração de outros tipos de acordo. Na medida em que isso acontece, os
ganhos que o estado poderia obter, pela via de futuros acordos, resultarão reduzidos.

Dessa forma, quando um estado pensa em violar o Tratado ABM, os custos do


descumprimento devem ser levados em conta. Ao violar hoje, o ganho do estado será de 200,
o que é preferível ao ganho 100 que obteria caso adimplisse (supondo-se que o outro estado
não viole). Como conseqüência da violação, contudo, a reputação do estado resulta
manchada, e as negociações futuras sobre as questões de controle de armamentos (e, talvez,
acerca de outras coisas) falecidas. Considere-se que a violação conduza a ganhos de 80 em
cada período futuro. Assim, tem-se que o ganho, hoje, dessa situação adveniente é: 200 +
80/(1+r) + 80/(1+r)2+...= 120+80 (1+r)/r.10

Toda a recompensa antecedente pode ser representada em uma única figura. Pelo fato de as
partes saberem as conseqüências de suas decisões, bem como dos ganhos delas advenientes,
e, ainda, porque o jogo não é modificado ao longo do tempo, cada estado, em todo período,
adimplirá (assumindo que o outro estado faça o mesmo) ou desertará. Para simplificar, tem-se
que R=(1+r)/r. Note-se que r é sempre maior do que 1 e quando a taxa de desconto aumenta
(i.e., os estados não dão importância para os acontecimentos futuros), R aproxima-se de 1. A
matriz de ganhos resultante é demonstrada na tabela 3; the headings refer to the state´s action
in the first period. Nos períodos subseqüentes, haverá cumprimento mútuo se, e somente se,
tal foi o que ocorrerra no primeiro período. Caso qualquer dos lados viole o acordo no
primeiro período, haverá violação mútua em todos os demais períodos. Os ganhos refletem o
valor descontado de todos os ganhos presentes e futuros.

Resulta claro da análise da tabela que para certos valores de R ambos os estados têm
incentivos para cumprir o acordo. Em particular, contanto que 100R>120+80R, há um
equilíbrio estável no qual os estados praticam o adimplemento. Dito de outra forma, contanto
que os estados dêem importância ao futuro, o cumprimento mútuo pode ser alcançado nesse
jogo. Nesse exemplo, a taxa de desconto, r, requerida para que seja alcançada a cooperação é
0.2.11 Em outras palavras, contanto que as partes prefiram ganhos de 1.2, no futuro, sobre um
ganho de 1, no presente, a cooperação pode ser sustentada.

A ilustração demonstra que estados que agem racionalmente podem valer-se de acordos
internacionais para resolver o dilema dos prisioneiros. A cooperação é tornada possível em
razão de o não-cumprimento do acordo afetar as expectativas e o comportamento de outros
estados. Quando um estado deserta em um período, os outros estados observam tal atitude e,
desse fato, retiram negativa inferências acerca da possibilidade de um adimplemento futuro.
Vale dizer, a reputação de um estado violador resulta enfraquecida. Esse modelo de
cooperação tem a atrativa característica de que as violações são “punidas”, por meio de tais
sanções, mas as sanções, propriamente ditas, não são custosas para os estados que as aplicam.

Em assim sendo, quando os estados celebram acordos internacionais, estão, na verdade,


oferecendo a sua reputação como forma de garantia de adimplemento. Caso violem o acordo,
essa fiança reputacional resultará menos idônea, e a possibilidade disso ocorrer faz com que a
probabilidade de que venham a adimplir aumente, bem como torna as suas promessas
passiveis de maior credibilidade. Quando maior for o colateral reputacional de um estado,
maior será a credibilidade de suas promessas, e mais fácil será atingir a cooperação. Um
estado que detenha grande garantia reputacional para oferecer, de forma mais fácil, achará
parceiros com os quais celebrar acordos, bem como maior será a sua capacidade para
conseguir, nessa negociação, maiores concessões. O resultado dessa lógica é que os estados,
de tempos em tempos, preparar-se-ão para abrir mão de oportunidades de curto prazo para
violar o direito internacional e desfrutar dos ganhos, na esperança de construir ou preservar
sua reputação e, dessa forma, perceberem maiores ganhos no futuro.
Por certo, caso os estados não dêem valor a sua reputação, nenhum incentivo à cooperação é
gerado. Embora essa constatação sugira que há alguns limites à capacidade adveniente da
reputação para gerar cooperação (conforme será discutido no próximo capítulo), ao que
parece, formou-se um consenso quase universal de que os estados estão, de fato, interessados
em sua reputação. Até mesmo as críticas, provenientes da ciência política, à teoria
reputacional (Mercer 1996, pp. 19-25) e os céticos do direito internacional (Glodsmith and
Posner 2005, p.103) reconhecem tal interesse.

Note-se que o potencial à cooperação é sensível aos substancias ganhos do jogo. No exemplo
antecedente, alguns ganhos requeriam inacreditáveis baixas taxas de desconto de modo a
sustentar a cooperação (de fato, para alguns ganhos, não haverá taxa positiva de desconto
capaz de sustentar a cooperação), enquanto, para outros, a cooperação será alcançada com
uma taxa de desconto que captura, plausivelmente, o trade-off que os estados enfrentam entre
o presente e o futuro.

Assim, tem-se que as sanções reputacionais podem ser fonte de incentivos capazes de
conduzir ao cumprimento das obrigações jurídicas internacionais, modificando o
comportamento dos estados, ainda que ausentes os mecanismos de cumprimento forçado.
Como nenhum outro incentivo, a reputação opera na margem e será, às vezes, tão pequena
que incapaz de afetar o comportamento estatal. Quando um estado enfrenta o processo de
tomada de decisão, concernente a cooperar ou não, leva em conta uma variedade de custos e
benefícios com o direito não relacionados – interesses domésticos, relações políticas com
outros estados, e assim por diante -, mas, da mesma forma, considera as implicações jurídicas
do ato de violar. A possibilidade e a magnitude das sanções reputacionais variarão a depender
do contexto e, desse modo, os estados as avaliarão de acordo com cada caso. Pelo fato de o
direito internacional aumentar o custo de violar, faz a balança pender favoravelmente à
cooperação ou, como se diz, gera um compliance pull.

Ainda quando a quebra ocasiona uma sanção reputacional, pode ser que seja o interesse de
um país violar as suas obrigações. Na ilustração anteriormente feita, por exemplo, se a taxa
de desconto fosse para americanos e soviéticos fosse muito elevada, a cooperação fracassaria.
Os cientistas sociais têm referido as expectativas de cooperação futura como a “sombra do
futuro”.12 As sanções que tomam a forma de reciprocidade ou de retaliação podem
encompridar a “sombra do futuro”, no sentido de que aumentam o custo no futuro de uma
violação praticada no presente. As sanções reputacionais têm o mesmo efeito; contudo, em
contraste com sanções diretas, as quais dependem de reações explícitas por parte dos outros
estados, as sanções (ou benefícios) reputacionais são o produto derivado da informação
produzida pela decisão de adimplemento tomada por um estado.

Antes de dar continuidade, uma nota acerca da teoria dos jogos repetitivos merece destaque.
Como é cediço que os estados interagem repetidamente ao longo do tempo e que não há
previsão sobre quando ocorrerá o último período do jogo, torna-se possível demonstrar que
tal repetição pode, per se, algumas vezes ser suficiente para permitir que os estados dominem
o dilema dos prisioneiros. Essa forma de cooperação pode tomar assento sem que haja
qualquer tipo de regra de direito internacional ou de troca de promessas, podendo, ainda,
ocorrer mesmo quando ambos os estados detêm informações completas. O modelo de
reputação aqui desenvolvido é um tanto diferente. Procura elucidar a questão acerca da
capacidade do direito internacional para afetar o comportamento dos estados. Por exemplo,
pode a assinatura de um tratado afetar o comportamento e os resultados, ainda quando
próprio o tratado seja, tão-somente, um pedaço de papel? Para que o direito internacional
possa ter influência, deve modificar os ganhos dos estados. A teoria reputacional explica
como isso pode ocorrer. O direito internacional envolve a reputação do estado e, dessa forma,
a sua habilidade para realizar promessas críveis no futuro. Essa teoria é aplicada, tão-
somente, quando há assimetria de informação entre os estados. Ao tornarem-se parte
signatária de um tratado, os estados sinalizam algo sobre a sua taxa de desconto, os custos
não-reputacionais que enfrentam, ou os custos reputacionais relevantes.

Em assim sendo, embora a cooperação pode ser alcançada simplesmente pelo fato de o jogo
ser jogado indefinidamente, o foco do presente livro recai sobre como se pode promover mais
cooperação por meio de garantias baseadas na reputação.

RECIPROCIDADE

Em que pese a íntima relação entre reputação e reciprocidade (discutida mais tarde), este
livro, com freqüência, refere aos dois conceitos de forma separada. Isso se dá por três razões.
Primeiro, a reciprocidade exerce importante papel no direito internacional, que é distinto do
exercido pela reputação e, algumas vezes, funciona de forma mais confiável do que as
sanções reputacionais. Segundo, a reciprocidade é tratada diferentemente em muitas
discussões. Ao separá-la da discussão geral da reputação, espero enfrentar aquela literatura de
forma mais direta. Terceiro, a reciprocidade é, com freqüência, considerada uma questão em
separado nas discussões de direito internacional. A Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados, por exemplo, prevê que “[uma] violação substancial de um tratado bilateral por
uma das partes autoriza a outra parte a invocar essa a violação como causa de extinção ou
suspensão do tratado, no todo ou em parte.”13

A reciprocidade pode servir como uma poderosa ferramenta promotora do adimplemento, em


certas circunstâncias. No contexto bilateral, em que a reciprocidade é mais efetiva, ela é, não-
raro, suficiente para gerar a cooperação em um dilema dos prisioneiros. As condições para o
sucesso são as mesmas encontradas em qualquer dilema dos prisioneiros. Se as partes tomam
decisões para o adimplemento de forma repetida ao longo do tempo, se os ganhos oriundos de
uma única deserção são menores do que os ganhos da cooperação e se os atos de violação são
visíveis, então, a ameaça de descumprir a própria promessa, por uma das partes, pode bastar
para induzir o cumprimento da outra. A intuição é, legitimamente, franca. Se ambas as partes
preferem mútua cooperação à mútua deserção, e se a deserção no presente comprometerá a
cooperação no futuro, o estado estará escolhendo entre a cooperação em voga e o singular
ganho oportunista ao qual segue a não-cooperação. A título de ilustração, considere o
Boundary Waters Treaty, assinado em 1909 entre Estados Unidos e Canadá. Este tratado
estabelecia que as águas fronteiriças permaneceriam abertas aos navios comerciais de ambos
os estados, regulando a mudança no curso dessas águas e estabelecendo a International Joint
Comission, a qual conferiu-se jurisdição acerca de matérias concernentes à obstrução e
mudança no curso das águas e, ainda, resultou encarregada de preparar relatórios sobre
matérias de interesse dos governos.14 O problema de fundo que o tratado objetiva enfrentar é
dotado de todas as características do dilema dos prisioneiros. Cada estado tem o incentivo
para mudar o curso das águas para o seu lado, desconsiderando os interesses do outro, mas, se
assim agirem, ambos resultarão em situação pior.

O Boundary Waters Treaty foi exitoso em gerar o comportamento cooperativo em ambos os


estados, e ainda continua sendo. De fato, o adimplemento vem à tona inobstante a ausência de
mecanismo coercitivo de resolução de disputas.15 O que explica o sucesso do tratado é o fato
de que cada lado pode ameaçar, com credibilidade, a sua própria retirada, caso a outra parte
não coopere. Assim, o Canadá escolhe cumprir com os termos do tratado, vez que a sua falha
ocasionaria, muito provavelmente, a interrupção do adimplemento por parte dos Estados
Unidos. Da mesma forma, os Estados Unidos têm incentivos análogos. O cumprimento
mútuo é conseguido por meio da ameaça crível de retirada.

Esse tipo de cooperação é familiar e intuitivamente agradável, mas pode-se perguntar a razão
pela qual o cumprimento mútuo é um resultado constante. Por que o Canadá não poderia
violar o tratado oportunistamente e, depois, reafirmar o seu compromisso em relação ao
tratado e, mais uma vez, prometer o seu cumprimento?É verdade que os Estados Unidos
gostariam de ameaçar a sua retirada como um mecanismo para assegurar o cumprimento por
parte do Canadá, mas não é possível aos Estados Unidos comprometer a si mesmo em tal
curso de ação. Ainda que a violação por parte de um Estado exonere o outro de suas
obrigações jurídicas, as partes estão livres para renegociar o tratado após a violação cometida
pelo Canadá. Assim, após violar o tratado, o Canadá poderia, simplesmente, aduzir que
planeja, no futuro, cumprir com o prometido. A nossa intuição é que uma promessa nesses
moldes não conseguirá persuadir, mas por quê? O problema que o Canadá enfrentará será o
de que a sua credibilidade ao prometer o cumprimento resultará diminuída, por conta da
violação anterior. Caso o Canadá viole o tratado uma vez, será mais difícil convencer os
Estados Unidos de que a promessa de adimplemento futuro deverá ser levada a sério. E ainda
que os Estados Unidos aceite as promessas canadenses, as violações futuras, a serem
cometidas pelo Canadá, terão como resultado mais provável a extinção do tratado por parte
dos Estados Unidos. O argumento aqui é o de que a violação enfraquece a reputação de um
estado em relação ao acordo e ao parceiro de tratado em vigência. Embora os Estados Unidos
estivessem dispostos a fiar-se nas promessas canadenses, ao tempo da assinatura e ratificação
do tratado, resultariam menos propensos a fazê-lo, após a ocorrência das violações
canadenses.

É especialmente fácil perceber a maneira pela qual a reputação afeta o comportamento em


situações desse tipo. As partes assinaram o tratado porque ambas acreditarem que o mesmo
estivesse em seus interesses. Ao exsurgir uma violação por parte do Canadá, o aludido
cálculo pode mudar. Há duas razões para que os Estados Unidos abandonem o tratado. A
primeira foi objeto de anterior discussão – expectativas em relação ao cumprimento do
Canadá são modificadas como o resultado de uma violação. Os Estados Unidos podem
deduzir da violação do Canadá que os incentivos deste país à quebra sejam suficientemente
fortes a compeli-lo a ignorar os seus compromissos e, dessa forma, o Canadá irá,
provavelmente, ignorar o compromisso novamente no futuro. A quebra motiva os Estados
Unidos a atualizar seus credos acerca da reputação canadense, bem com a expectativa de seus
ganhos (reputacionais e não-reputacionais). De posse dessa informação atualizada, os Estados
Unidos podem prever que o ganho esperado adveniente da extinção do tratado supera o ganho
esperado do seu adimplemento.

A segunda possibilidade é que os Estados Unidos podem extinguir o tratado, ainda que
tenham a expectativa de que o Canadá cumpra, no futuro, a sua promessa. Poderá fazê-lo a
fim de estabelecer a sua própria reputação como intolerante a violações. Tal decisão será
custosa aos Estados Unidos, pelo fato de, mediante a mesma, poderem estar virando as costas
para um acordo cooperativo que o façam alcançar uma posição melhor (como evidenciado
por seu acordo original para comprometer-se), mas que pode valer a pena caso conduza a
maior cooperação do Canadá em outras áreas. Eu discuto as ações retaliativas, como essa, em
detalhes na próxima seção.

Em qualquer caso, a ameaça de extinção será suficiente para desencorajar o Canadá de violar
o acordo, contanto que os ganhos no longo prazo, advenientes da cooperação, compensem os
ganhos decorrentes da violação praticada uma única vez. Esse parece ser o caso referente ao
Boundary Waters Treaty, o qual permanece sendo respeitado há quase 100 anos, com ambos
os ainda operando de acordo com as suas previsões.

Embora a retirada do cumprimento recíproco possa ser suficiente para gerar o adimplemento
ao Boundary Waters Treaty, isso não ocorrerá em todas as ocasiões. Pode-se imaginar que,
em um determinado ponto, um dos lados– por exemplo, Canadá – perceberá que poderia
obter ganhos maiores caso violasse o tratado. Em outras palavras, inobstante o tratado ter sido
benéfico para o Canadá, no momento de sua assinatura, pode haver modificação em qualquer
tempo, no futuro, e, neste ponto, a ameaça da retirada recíproca será insuficiente para evitar a
quebra do tratado pelo lado canadense.

Assumindo que essa violação é indesejável, no sentido de que os custos para os Estados
Unidos superam os ganhos obtidos pelo Canadá, as sanções adicionais reduziriam a
possibilidade de uma quebra ineficiente. A presença de sanções reputacionais pode cumprir
esse papel. Ainda que, como parece ocorrer com a maioria dos acordos de direito
internacional, as sanções reputacionais sejam insuficientes para gerar uma estrutura ótima de
incentivos aos estados, estes, não-raro, moverão o sistema nessa direção.

A reciprocidade, da mesma forma, fracassará na indução de cooperação quando a ameaça à


retirada, por um dos lados, de seu adimplemento for carente de credibilidade ou incapaz de
gerar qualquer conseqüência ao potencial violador. Praticamente todo tratado versando, por
exemplo, sobre direitos humanos deve estar estribado em outro mecanismo para além da
reciprocidade. Para concretizar, pense-se no ICCPR (Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos, na sigla em inglês), um dos mais importantes tratados multilaterais referente aos
direitos humanos. Dentre as suas previsões, encontra-se a proibição da aplicação, ex post
facto, da lei penal (art. 15). Suponha-se que um membro desse tratado, a Rússia, inclina-se
para violar tal previsão. Quaisquer que sejam as outras forças previstas para a eficácia do
cumprimento forçado, a reciprocidade e, quase que sem dúvida, irrelevante. Para muitos dos
estados membros, é inconcebível que responderiam a tal violação deixando de cumprir a sua
promessa de não aplicar a lei penal ex post facto. A Nova Zelândia, por exemplo, cumpre
com tal obrigação por motivos que são dissociados das razões pelas quais a Rússia o faz. Não
há nenhuma circunstância em que a violação do tratado pela Rússia acarrete a mudança, pela
Nova Zelândia, de sua política interna acerca da questão. Além disso, ainda que a
reciprocidade fosse bem cogitada para o caso, é improvável que a Rússia importar-se-ia com
a perda desse direito humano em outros estados. Assim, mesmo que a Nova Zelândia
ameaçasse, de maneira crível, dar cabo ao seu próprio cumprimento, tal não teria impacto
algum sobre os ganhos da Rússia.

Os esforços para banir os testes nuclear representam um exemplo em que a reciprocidade


funciona em alguns casos e não em outros. Na relação entre Estados Unidos e União
Soviética, o compromisso de não conduzir testes nucleares resultou beneficiado a partir da
ameaça acerca do não-cumprimento recíproco. O cumprimento do Limited Test Ban Treaty,
por exemplo, foi suportado pela crível ameaça de que se tanto os Estados Unidos quanto a
União Soviética violasse o tratado, o mundo também o faria.16 Note-se o contraste existente
entre essa situação e a função do desincentivo conferido às ambições nucleares do Irã. O Irão
é um membro do NPT, e como tal tem a obrigação jurídica, como um estado livre de armas
nucleares (NNWS, na sigla em inglês) (conforme definição do tratado), de evitar a aquisição
e manutenção de dispositivos nucleares.17 Ainda que haja quaisquer outras forças que
induzem o Irã a cumprir esse tratado, a reciprocidade não exerce papel importante. A
violação do Irã é improvável que desencadeie o não-adimplemento recíproco, por parte dos
outros estados, e, ainda que o fizesse, não resulta claro que tal representaria um significativo
custo ao Irã.

RETALIAÇÃO

Retornando ao exemplo do Boundary Waters Treaty, imagine que, embora haja a quebra do
acordo por parte do Canadá, os Estados Unidos ainda consideram que as promessas de
adimplemento no futuro, feitas pelos canadenses, sejam passíveis de credibilidade. Isto é, as
expectativas que os americanos têm sobre o Canadá e sobre os payoffs que poderão obter com
o tratado não se modificaram em relação ao esperavam à época da assinatura do acordo. A
violação perpetrada pelo Canadá confere aos Estados Unidos a possibilidade de escolher
entre extinguir o acordo ou permitir que o mesmo continue tendo vigência – essencialmente,
a mesma posição que os Estados Unidos tinham quando decidiram assinar e ratificar o
tratado. Em que pesem tais similaridades, os Estados unidos podem escolher retaliar a ação
canadense, dando cabo ao tratado. Por que agiria assim?

De forma geral, por que qualquer estado valer-se-ia de sanções retaliatórias, quando são
definidas como punições explícitas e custosas impostas pela parte agravada contra o
violador? Estas sanções, pelo fato de infligirem um custo ao estado retaliante (bem como ao
estado retaliado), diferem das sanções reputacionais ou de reciprocidade, ensejando a questão
de por que um estado que age racionalmente escolheria suportar o custo de a impor?

A explicação para esse comportamento conduz-nos a considerar, mais uma vez, as


conseqüências reputacionais das ações praticadas pelos estados. Nesse caso, entretanto,
devemos considerar um a preocupação reputacional um tanto quanto diferente. Por hipótese,
os Estados Unidos não reagirá a uma mudança na reputação da parte violadora do acordo
(Canadá). Preferencialmente, os americanos agirão no sentido de preservar um outro tipo de
reputação – a de tratar duramente aqueles que violam as suas obrigações com os Estados
Unidos.

Para entender como as sanções retaliativas funcionam, lembre-se que um estado que age
racionalmente não atua out of spite or anger, devendo, assim, haver algumas outras razões
para escolher suportar o custo de punir o violador. Isso implica que a retaliação somente será
a escolha dos estados quando, ao praticá-la, adquiram alguma vantagem. O estado retaliador
está comunicando ao estado violador, bem como, potencialmente, aos demais estados, que
reagirá quando os seus direitos resultarem comprometidos.18 Caso seja bem-sucedido, o ato
da retaliação recrudescerá a reputação retaliatória de um estado como um agente que pune os
violadores. O impacto de tal reputação, por certo, é o de elevar o custo esperado da violação,
ao se contratar com este estado. Com a prática da retaliação, então, o estado espera gerar o
seu próprio capital reputacional, capaz de induzir os seus parceiros a serem mais propensos a
cumprir as obrigações que com ele venham a assumir. De fato, o estado cuja reputação seja a
de que retalia os parceiros que violam as obrigações com ele assumidas, gera, em seu favor,
uma ferramenta adicional de cumprimento forçado. Por exemplo, em 1993, o Presidente
Clinton, ao referir sobre as possíveis ações para prevenir futuros ataques servos contra a
Bósnia, explicou o interesse americano como “um interesse de postar-se contra o princípio da
limpeza étnica... se analisados os tumultos ao longo da região dos Bálcãs, se analisados
outros lugares no mundo, nos quais esse princípio poderia vigorar, a limpeza étnica não se
restringe apenas à questão da Bósnia.”19 Dito de outro forma, os Estados Unidos poderiam
desencorajar futuras atrocidades, ao agir nesse sentido, vez que estaria demonstrando uma
disponibilidade de punir certas violações ao direito humanitário.

A retaliação pode, também, ser usada em resposta a uma violação presente, caso em que
exerceria a função de persuadir o estado violador a praticar o adimplemento. Note-se que,
primeiramente, o foco aqui recai está posto sobre as custosas ações praticadas pelos estados
retaliadores. Pelo fato de a ação retaliativa ser custosa, o estado retaliador a pratica, tão-
somente, para convencer o estado violador a modificar o seu comportamento, ou para
consolidar a sua reputação como sancionados dos estados violadores, conforme discutido no
parágrafo antecedente. Contudo, o próprio ato de retaliar demonstra-se efetivo apenas se for
capaz de convencer a parte violadora de que outras sanções serão aplicadas, caso prossigam
as violações. A única razão para adimplir é evitar sanções retaliativas futuras. Dessa forma,
quando uma sanção é imposta, resultará bem-sucedida somente se evidenciar a disposição do
estado que a pratica de impor, no futuro, outras sanções custosas.

Enquanto a reputação sobre a qual versei ao longo do livro refere-se ao cumprimento, pelos
estados, de suas próprias obrigações jurídicas internacionais, a reputação que está em jogo
quando uma sanção retaliativa é imposta, refere-se à da punição àqueles que violam as suas
obrigações jurídicas internacionais. A utilidade derivada da primeira justifica-se pelo fato de
que serve para tornar críveis as promessas feitas pelo estado, ao passo que a última é útil em
razão de agregar credibilidade à ameaça de sanção e, dessa forma, encoraja os outros estados
a honrarem os seus compromissos.

As sanções retaliativas podem assumir inúmeras formas. Isso significa incluir algumas ações
econômicas, tais como, proibir as operações de importação com o estado ofensor ou inibir as
operações de exportação para aquele estado; reduzir a cooperação em alguma outra área;
extinguir um acordo (como no exemplo hipotético do Boundary Waters Treaty); e, na maioria
dos casos extremos, valer-se da força militar.

Se a retaliação tem o condão de incentivar o adimplemento, pode-se perguntar por que os


estados, simplesmente, não ameaçam retaliar, até o ponto em que haja um incentivo ótimo ao
cumprimento. Tal questão atinge a mais importante desvantagem das sanções retaliativas: não
são à prova de renegociação (Abreu, Pearce, e Stacchetti 2986; Downs e Rocke 1995). Para
ser efetiva, a ameaça da sanção retaliativa deve ser dotada de credibilidade, e esta depende,
em parte, da reputação do estado que a pratica em punir os violadores. Pelo fato de a
retaliação ser custosa aos estados que dela lançam mão, o incentivo para impô-las em nível
ótimo (ou para desenvolver uma reputação nesse sentido) é escasso, o que acaba por tornar a
ameaça desacreditada. A relação próxima entre retaliação e a minha discussão sobre
reputação, aqui posta, deve, agora, ser elucidada. Um estado que impõe uma sanção, fá-lo
com o objetivo de construir ou proteger a reputação como um estado que sanciona aqueles
que não honram as suas obrigações ou, possivelmente, para dar fim a uma violação que esteja
ocorrendo. O estado aceita suportar um custo no presente na esperança de obter um benefício
no futuro. As forçam que jogam são análogas àquelas que afetam a reputação do
adimplemento. Para que um estado imponha uma sanção retaliativa, por exemplo, deve-se ter
uma taxa de desconto suficientemente baixa, bem como o custo da retaliação deve ser
suficientemente pequeno em relação aos benefícios de encorajar, aos demais estados, uma
mais freqüente prática de cumprimento.

Outro ponto digno de nota é que as sanções podem, às vezes, exercer tanto a função
sinalizadora quanto a função de intimidação (deterrence). Quando a violação foi, e continua
sendo, praticada, as sanções podem sinalizar ao estado violador (e aos demais estados) que o
estado sancionador puni-la-á, mas, também, pode encorajar aquele a praticar o cumprimento.
Uma vez que o cumprimento foi restabelecido, as sanções são, normalmente, retiradas.
Sabendo disso, os estados violadores têm algum incentivo para atuar de forma a adimplir as
suas obrigações. Essa é a forma pela qual o sistema de resolução de disputas da OMC
objetiva funcionar. Quando um estado recusa-se a cumprir com uma recomendação de algum
órgão de resolução de disputa da OMC, ao estado reclamante é conferida a autoridade para
impor-lhe sanções. O propósito de tais sanções é fazer com que o estado violador passe a
praticar o adimplemento. Por exemplo, no caso envolvendo Brasil e Canadá, referente às
fabricantes de aeronaves, o Brasil foi declarado violador das regras de subsídios da OMC, e
ao Canadá conferiu-se a autoridade para impor-lhe sanções no montante exato do subsídio,
não no montante em que o Canadá fora afetado ou, ainda, equiparado ao impacto do dólar no
subsídio.20 Em sua recomendação, os árbitros estatuíram que “uma contramedida é
‘apropriada’, inter alia, se efetivamente induz o cumprimento”.21 Essa sanção forneceu ao
Brasil um incentivo para que cumprisse as suas obrigações, além de sinalizar que as próximas
violações seriam mais severamente sancionadas.

TRIBUNAIS INTERNACIONAIS E RESPONSABILIDADE DO ESTADO

TRIBUNAIS INTERNACIONAIS

Os Três R’s do Cumprimento ajudam-nos a entender como a natureza repetitiva das


interações jurídicas internacionais pode gerar o cumprimento e a cooperação por parte dos
estados, sem que haja, contudo, mecanismo formal de cumprimento forçado. O sistema
jurídico internacional dispõe, contudo, de instituições que, pelo menos à primeira vista,
objetivam fazer cumprir os compromissos internacionais. Em particular, existem tribunais
que se assemelham a cortes domésticas e, portanto, são tidos como instituições que dispõem
de poderes que conduzem ao cumprimento. Há, também, regras internacionais cujo objetivo é
o de impor penalidades aos estados que violam o direito internacional.22 É possível que tais
instituições exercem função semelhante à cumprida pelos tribunais domésticos? É possível
que, pelo menos em alguns contextos, os tribunais internacionais ou as regras de direito
internacional dispõem de mecanismos de cumprimento forçado que operam separadamente
dos Três R’s do Cumprimento?

A forma simplificada da resposta a tal questionamento é, quase que certamente, um não. Os


tribunais internacionais e as regras internacionais exigindo o adimplemento ou o executando,
embora exerçam uma função, não podem, por si sós, oferecer explicação de como o direto
internacional promove a cooperação.

A marcante diferença entre os tribunais domésticos e os internacionais é que os primeiros são


suportados pelo estado e por um sistema de cumprimento forçado. Um contrato entre duas
partes, por exemplo, representa uma troca idônea de promessas, porque os estados estão
preparados para garantir, às partes contratantes, o devido cumprimento do pacto. A parte que
se recusa a cumprir com suas obrigações pode ser forçada a fazê-lo ou condenada a pagar
perdas e danos. A habilidade de valer-se do cumprimento forçado opera uma modificação no
jogo, deixando de ser o dilema dos prisioneiros na forma de apenas uma jogada, para ser um
jogo com dois períodos, no qual as promessas feitas no primeiro período são cumpridas no
segundo. O mecanismo de cumprimento forçado conduz a uma sanção, a ser imposta à parte
violadora, que altera os ganhos dos jogadores (relativos ao simples jogos de um período) e,
caso seja severa o suficiente, gera o cumprimento. Os tribunais internacionais não dispõem
dessa habilidade para executar as sanções que impõem, e, então, acabam por valer-se dos
Três R’s do Cumprimento, sobre os quais já discuti. Isso altera as instituições, bem como a
maneira pela qual devemos analisá-las.

A adjudicação ou a arbitragem internacional podem ocorrer antes que sejam formados os


corpos arbitrais internacionais ou até que seja feita a indicação ad hoc. Em termos de
instituições internacionais, há diversos órgãos dotados de jurisdição para resolver disputas
entre estados ou entre estados e agentes privados. Dentre esses órgãos, os mais conhecidos
são a Corte Internacional de Justiça, a OMC e seu sistema de resolução de disputas, o
Tribunal Europeu de Direitos Humanos, os tribunais de direitos humanos, o Tribunal
Internacional sobre o Direito do Mar, e as câmaras arbitrais autorizadas para adjudicar
disputas acerca de tratados bilaterais de investimento.23

Cabe notar que muitos acordos internacionais não prevêem qualquer forma de resolução de
controvérsia. Esses pactos podem silenciar acerca da questão da resolução de disputas ou,
então, podem incluir um único e inútil comando referindo que as partes trabalharão juntas
para resolver a controvérsia. Por exemplo, a Convenção sobre a Proibição do
Desenvolvimento, Produção, Armazenagem e Utilização de Armas Químicas e sobre a sua
Destruição prevê a seguinte cláusula sobre a resolução de disputas: “Quando surgir um
diferendo entre dois ou mais Estados Partes... a respeito da interpretação ou aplicação da
presente Convenção, as partes interessadas consultar-se-ão com vista a uma rápida resolução
do diferendo por via da negociação ou por outro meio pacífico à escolha das partes”.24

Além disso, quando há tribunais, os escaninhos de seus membros não são lotados. A CIJ
julgou 110 casos contenciosos ao longo de seus 60 anos de história, a OMC e seu
predecessor, o GATT, receberam um total de, aproximadamente, 650 casos ao longo de 60
anos, e o Tribunal Internacional sobre o Direito do Mar (ITLOS, na sigla em inglês), julgou
13 casos em 12 anos de existência. O número preciso de disputas exsurgidas de tratados
bilaterais de investimentos é desconhecido (pelo fato de tais disputas não serem tornadas
públicas), mas, desde 2004, tomou-se conhecimento de que 160 demandas foram propostas
(UNCTAD 2004). A exceção mais notável é o Tribunal Europeu sobre Direitos Humanos,
que tem analisado mais de 8.000 admissíveis demandas em seus quase 50 anos de história. O
grande número de casos a este Tribunal direcionado é atribuído ao fato de que os agentes
privados têm capacidade para interpor ali as suas demandas. De fato, Scott e Stephan (2006)
consideram a capacidade de as partes privadas iniciarem procedimentos a marca registrada de
um emergente sistema de “cumprimento forçado formal” de direito internacional. Nos casos
em que o acesso aos tribunais é exclusividade dos estados, o número de casos é
consistentemente modesto. Entretanto, a resolução de disputas é importante para o sistema
internacional. É uma opção disponível em qualquer situação na qual os estados esboçam um
acordo, além de exercer mais proeminente função em determinadas áreas, notavelmente, em
comércio e em direitos humanos.

Onde quer que existam, os tribunais internacionais tem, freqüentemente, a aparência e o


sentido de cortes domésticas. Não-raro, denominam-se cortes, os seus membros são referidos
como juízes, atuam em um sistema contencioso, estribam-se em argumentos jurídicos, muitos
desses órgãos publicam decisões justificadas que são assemelhadas às decisões dos tribunais
domésticos e, ainda, são encarregados de proferir decisões juridicamente vinculantes às
partes na resolução de disputas. Tais similaridades são motivadas pelo desejo de ter as cortes
internacionais exercendo função similar àquelas cumpridas pelas cortes domésticas. E, talvez
pelas superficiais semelhanças, as análises que têm os tribunais internacionais por objeto
fazem, não-raro, analogias com o sistema doméstico de órgãos jurisdicionais. Os sistemas
domésticos funcionam, diz-se, porque as cortes são dotadas de competência para ordenar o
cumprimento forçado. A execução é um problema central do direito internacional, e o
estabelecimento de cortes internacionais, refere o argumento, torná-lo-á mais efetivo. De fato,
é dito que o estabelecimento de cortes e tribunais internacionais é, freqüentemente, para
deslocar o sistema internacional da anarquia para a ordem e da política para a lei. Por
exemplo, quando a OMC foi estabelecida e o seu sistema de resolução de disputas posto em
funcionamento, importantes analistas alegaram que, sob o novo sistema, “o direito persevera
sobre o poder” (Lacarte-Muro e Gappah 2000, p. 401).

Tais alegações não podem ser avaliadas até que se tenha algum entendimento do que fazem
as cortes internacionais e como sejam relevantes para o sistema jurídico internacional. Para
entender o que as cortes acrescentam ao sistema internacional, parte-se do fato de que quando
um estado resulta vencido em um julgamento no tribunal, não há estrutura legal capaz de dar
25
cumprimento à decisão. Os ativos do estado recalcitrante não serão penhorados, ninguém
será preso e, ainda, conforme as regras vigentes, os estados sequer perderão a legitimidade
para propor as suas próprias demandas, acerca de outras questões, perante o mesmo tribunal
que o condenara. Caso este tribunal conferisse efetividade ao direito, então, seria por razões
que outras, diferentes da existência do sistema do cumprimento coercitivo que confere
efetividade às decisões das cortes domésticas.

Contudo, se as cortes domésticas são incapazes de fazer cumprir as suas decisões, qual a
razão de sua existência? Qual a sua função? Como tornam o direito internacional mais
efetivo, no caso de fazerem-no? Qualquer que seja o impacto causado pelas cortes
internacionais, deve ser o produto da modificação dos ganhos que as partes obteriam gerados
pela própria decisão, mais do que pela existência de mecanismos associados de enforcement.
A decisão, per se, é, entretanto, só isso – uma decisão. O seu único possível papel, assim, é o
de um mecanismo de informação. Ao se reconhecer que as cortes internacionais, servem,
quase que exclusivamente, para fornecer informações, modificada resulta a forma pela qual
são vistas e avaliadas.

Há dois tipos de disseminação de informações capazes de tornar uma corte internacional


efetiva. Primeiro, pode ajudar os estados a alcançar um entendimento homogêneo acerca de
fatos relevantes e do direito e, dessa forma, contribuir para as soluções das disputas. Pode
exercer esse papel através de processos contenciosos, ou, por outro lado, pode fazê-lo via
processo mais assemelhado à mediação. Em qualquer dos casos, uma vez que as partes
tenham um entendimento comum acerca dos fatos e do direito, serão capazes de alcançar o
resultado cooperativo que, antes, seria descartado. O funcionamento de cortes como a CIJ é
particularmente destinado a elucidar o direito, tornando-o base para futuros casos, tanto
porque os juízes permanecem no cargo por um considerável tempo, quanto pelo fato de os
tribunais, em cada caso, serem reconhecidos como a última autoridade na interpretação das
leis aplicáveis. Embora falte, às decisões por esses tribunais proferidas, a autoridade formal
de precedentes, os juízes, de forma rotineira, estribam-se em casos passados para orientação,
tratando-os, também, como lei. As decisões dessas cortes internacionais, assim, reduzem a
incerteza em relação às regras jurídicas internacionais aplicáveis.

O segundo tipo de disseminação de informação que uma corte efetiva poderá exercer
aproxima-se à função realizada pelas cortes domésticas. Aqui, o impacto desejado não é tanto
fornecer a informação que ajuda as partes a negociar a resolução da controvérsia, mas, ao
contrário, sancionar a parte que viola o direito. Para tanto, a corte deve ser efetiva em
distinguir os estados que violaram a lei daqueles que não o fizeram. Ao agir assim, a corte
permite às partes e aos demais estados que formem avaliação mais acurada do
comportamento contestado e, dessa forma, atualizem os credos em relação a um estado e sua
propensão a cumprir os compromissos jurídicos internacionais, a retaliar, ou, de forma
recíproca, suspender o cumprimento de um acordo. É essa a função, por exemplo, do órgão
de solução de controvérsia da OMC. Para ser preciso, as ações dos painéis da OMC, bem
como o seu Corpo de Apelação, promovem, freqüentemente, a resolução de controvérsias,
mas decidem, ainda, se o reclamado violou a regra da OMC. Caso um estado furte-se de dar
cumprimento à decisão (ou satisfaça a pretensão do reclamante de alguma outra forma), são
autorizadas as sanções. Os estados errantes, então, deparam-se com conseqüências
reputacionais e retaliativas ao perder um caso. Na medida em que os painéis, com precisão,
identificam as violações, são mais aptos a fornecer um desincentivo maior ao cometimento de
faltas. Nesse sentido, é fundamental que os painéis sejam vistos como neutros, em termos de
interesses, e que estejam além do controle das partes. Para tanto, a OMC indica os painelistas
por meio de um processo que não permite às partes o controle das decisões e ações dos
painéis e, tampouco, do Corpo de Apelação.

As duas funções mencionadas não são, por óbvio, excludentes. Disponibilizar informações
precisas acerca dos fatos e do direito pode servir tanto para promover a resolução cooperativa
quanto para elevar o custo da violação. Em alguns casos, contudo, uma função dominará a
outra. Em sendo confidencial a informação fornecida, por exemplo, tenderá a servir aos
interesses da resolução, mais do que às sanções. O mesmo será verdade caso as partes
controlem os julgadores em grande medida. Nessa situação, o tribunal não agirá de forma
neutra, sendo, então, menos provável que decline conclusões idôneas acerca dos fatos e do
direito. No curso dos procedimentos, contudo, as partes podem superar as assimetrias de
informação.

Desnecessário é dizer que as diferentes funções conduzirão a resultados observados distintos.


Se, por exemplo, as partes exercessem controle considerável sobre o tribunal, uma decisão
emergirá, tão-somente, se ambas as partes aceitarem-na – ou, em casos menos extremos de
parcialidade, uma decisão é mais provável de ser aceita pelas partes se o tribunal for menos
independente. Quando as partes têm grande habilidade para frustrar a prolação de decisão da
qual desgostam, segue-se que essa decisão tem maiores chances de ser cumprida. A decisão,
de fato, assemelha-se à celebração de um acordo, no sentido de que as partes exercem
significativo controle sobre as cláusulas. As partes que agem racionalmente resistirão a uma
decisão a menos que esperem que a mesma seja cumprida. Espera-se, assim, que a taxa de
cumprimento às decisões de tribunas não-neutros seja alta. Isso simplesmente reflete o fato de
que ambas as partes sinalizaram que preferem o acordo à alternativa de continuar na disputa.

Quando um tribunal é mais independente, por outro lado, a decisão final não requer o
consentimento das partes. Dado o fato de que não há mecanismos de enforcement, é de se
esperar que haja baixo nível de cumprimento. A parte vencida retém a opção de ignorar a
decisão e arcar com quaisquer que sejam as conseqüências advenientes de sua escolha. É o
tem feito, por exemplo, a CE no caso EC-Hormones, no âmbito da OMC. Ao invés de
suportar a decisão de Corpo de Apelação da OMC, a CE dá seguimento às suas atividades
ilegais e convive com as sanções aprovadas pela OMC, impostas pelos Estados Unidos e
Canadá, como resultado de sua escolha.

Pelo fato de as cores internacionais puderem servir a uma das, ou a ambas, funções
mencionadas, não há sentido coerente no qual as taxas de cumprimento possam ser usadas
para avaliar a efetividade do processo de resolução de disputa. Quando as cortes não são
independentes, servem, primeiramente, a promover a cooperação, e, de forma efetiva, deveria
ser mensurada pela capacidade da corte em encorajar as partes a por fim na disputa. Quando a
corte impõe uma sanção, a sua efetividade depende da medida em que pune as violações ou,
talvez mais importante, desincentive a prática danosa e faça com que os estados terminem
com as práticas de violação. Cada um desses papéis tem valor e, ainda, cada um deles há de
ser preferido, em alguns contextos, em detrimento de outros. Não se faz possível, desse
modo, alegar, de forma incisiva, que as cortes que tendem a exercer uma das funções, mais
do que a outra, são, de alguma forma, “melhores” do que àquelas que exercem a função
distinta (Helfer e Slaughter 2005; Posner e Yoo 2005).

Pelo fato de seu papel principal ser informacional, os tribunais internacionais podem ser
efetivos ainda que (como ocorre na maioria dos casos) não disponham de sanções ou de
autoridade para executar. A resolução de disputa no âmbito da CIJ, por exemplo, conta com
mecanismo pelo qual a informação é fornecida em termos de legislação e das ações tomadas
pelo réu. Embora não haja nenhum mecanismo de cumprimento forçado, a CIJ agrega valor
ao elucidar se um estado violou as regras de direito internacional. Essa ação fornece
informações às partes da disputa, mas, também, emite informação a terceiros, permitindo que
mantenham-se informados acerca do comportamento das partes, ainda que, esses terceiros,
não sejam parte da causa (Maggi 1999; Milgrom, North e Weingast 1990). Tal fato eleva as
conseqüências reputacionais da violação da regra do direito internacional, ainda que o
tribunal não faça mais do que referir as ações tomadas pelo réu e declara se violaram ou não o
direito internacional. Ao reduzir a incerteza acerca das regras jurídicas e da conduta do
estado, o tribunal incentiva o cumprimento. O uso da resolução de disputas, assim, pode
melhorar o funcionamento de um acordo, até mesmo na inexistência de mecanismo de
execução da decisão proferida.26 Deve-se acrescentar que os tribunais internacionais podem
exercer um papel adicional no sistema jurídico internacional. Muito mais do que
simplesmente existir para o objetivo de resolver disputas, podem servir para estabelecer ou
aclarar as regras materiais de direito internacional (Danner 2006). Em assim sendo, pode ser
uma razão, um tanto afastada do efeito de cumprimento gerado pelos tribunais, para a
existência destes. O fato de os tribunais operarem um tipo de função assemelhada à pratica
pelos tribunais no sistema da common law, pode ser problemático de uma perspectiva de
legitimidade e democracia, mas tem, também, a vantagem de que permite o preenchimento de
lacunas e, ainda, em certa medida, possibilitam mudanças nas regras jurídicas. Tal
característica dos tribunais pode representar uma das razões (em adição àquelas que discuti
no capítulo 4) pelas quais os estados sejam, às vezes, relutantes em preverem, nos acordos
que assinam, o mecanismo formal de resolução de disputa.

RESPONSABILIDADE DO ESTADO

O direito internacional dispõe, também, de normas que, pelo menos alegadamente, requerem
que os estados causadores de danos compensem os estado prejudicados.27 Por exemplo, o
artigo 31 do DRAFT ARTICLES OF STATE RESPONSABILITY assevera que “o estado
responsabilizado tem a obrigação de reparar totalmente o dano causado pela atuação
internacionalmente danosa.”28 Diz-se que se trata da codificação do direito internacional
referente às reparações, tendo sido utilizado no caso Chorzow Factory, julgado, em 1927,
pelo Tribunal Permanente de Justiça Internacional.29 Ainda que seja assumido que as regras
de responsabilização dos estados causam efeitos sobre os mesmos, queda-se inexplícito a
razão para que assim seja. Na tentativa de entender o motivo pelo qual um estado pode vir a
cumprir com uma obrigação internacional, resulta sem sentido recorrer a uma lei de direito
internacional que preveja que o não-cumprimento gera a obrigação de reparar. Caso nçao haja
qualquer outro incentivo para que o estado cumpra a obrigação inicial, então, as leis que
prevêem as reparações serão, de forma similar, impotentes.

Em termos de teoria dos jogos, qualquer mecanismo que induza a cooperação deve fazer
aquilo que o sistema jurídico faz no contexto doméstico – deve alterar os payoffs a serem
obtidos pelos estados, de forma a incentivar a cooperação. Dito de outra forma, deve haver
alguma maneira pela qual a violação ao direito internacional inflija custos aos estados
violadores. O desejo de evitar tais custos é o que fornece o incentivo para o cumprimento do
direito internacional.

OS GANHOS E AS ESTRATÉGIAS AO LONGO DO TEMPO

Até aqui, a discussão assumiu que os ganhos que as partes podem obter permanecem estáveis
na medida em que o tempo passa. Ao afirmar isso, não considero que tais ganhos sejam os
mesmos em todos os períodos (o que não se requer para fazer a análise), mas que não há
choques externos capazes de modificá-los em períodos futuros. A presunção de ganhos
estáveis é conveniente, mas resulta mais realista assumir que os payoffs variam ao longo do
tempo, fazendo-o de forma que resulta difícil de antecipar. Retornando, mais uma vez ao
exemplo do Tratado ABM, o declínio da união Soviética nos anos 1980, e a sua dissolução e
a subseqüente fraqueza da Rússia durante a década de 90, elevou os incentivos para que os
Estados Unidos violassem o tratado, e, ao final, a sua retirada do mesmo. Muito do incentivo
para que os Estados Unidos cumprissem o aludido tratado foi adveniente do fato de que os
americanos desejavam evitar a corrida armamentista. Quando se tornou impossível para a
União Soviética/Rússia pagar por essa corrida, os Estados Unidos permaneceu disposto a
ganhar com a construção do sistema de míssil anti-balístico. A Rússia simplesmente não mais
podia conter os avanços tecnológicos americanos. Enquanto isso, os oficiais americanos
sentiram que a tecnologia de seu país avançara suficientemente para tornar viável um sistema
ABM, com o objetivo de deter as ameaças advenientes de estados embusteiros que tivessem
adquirido ou procuravam adquirir armas nucleares. Tal combinação de mudanças foi algo que
as partes não poderiam ter previsto com certeza, e, dessa forma, os seus esforços em cooperar
não foram especificamente customizados para dar conta dessa confluência de eventos.

Se os estados sabem, de antemão, que os choques podem ocorrer, têm a possibilidade de


calcular os esperados ganhos futuros. Isso, contudo, pode diferenciar da perspectiva futura de
ganhos que têm no momento em que tomam a decisão de cumprir. Assim, dispondo, tão-
somente, de estimativas dos ganhos futuros, os estados podem não saber se jogarão um jogo
de coordenação, um dilema dos prisioneiros ou outro tipo de jogo.

Flexibilizar a premissa de ganhos estáveis e conhecidos proporciona, pelo menos, dois


insights. O primeiro é que a decisão de um país em cumprir com uma regra, em um dado
momento, não implica, necessariamente, que o mesmo continuará a fazê-lo em algum período
no futuro. Por exemplo, um estado que esteja atravessando bons tempos no cenário
econômico pode decidir cumprir com um acordo ambiental, porque está disposto a abrir mão
de algum benefício econômico em troca de melhorar as práticas ambientais. Caso o mesmo
estado encontre-se em uma situação de recessão, contudo, sopesaria os custos econômicos de
um acordo mais severo, e pode, até mesmo, decidir violar o seu compromisso. Tanto no
cenário econômico bom, quanto no ruim, o estado comportou-se racionalmente a fim de
maximizar os seus payoffs. O resultado foi alterado pelo fato de os ganhos não-reputacionais
terem mudado.

Essa ilustração sugere uma definição de ganhos reputacionais e não-reputacionais que


utilizarei ao longo do presente livro. Os ganhos reputacionais são obtidos com as mudanças
na reputação do estado. As mudanças reputacionais auxiliam os outros estados a prever o que
o estado analisado fará no futuro. Os ganhos não-reputacionais são aqueles alcançados como
resultado direto de uma decisão do estado para agir de uma maneira ou de outra. São
independentes de como o comportamento afeta a reputação do estado.
O segundo insight é que os estados engajados naquilo que parece ser um tipo de jogo podem
celebrar acordos com a finalidade de resolver problemas de cooperação em algum outro jogo.
Os estados cientes de um futuro choque podem estruturar a sua cooperação para lidar tanto
com o jogo conforme aparenta ser, tendo em vista os ganhos no presente, quanto em relação
ao jogo que se encontrarão jogando após a ocorrência de um choque. Isso oferece uma
possível (embora apenas parcial) acerca de porque os estados, às vezes, valem-se do direito
internacional para resolver jogos que, aparentemente, não exigem qualquer forma de
mecanismo de cumprimento forçado (e.g. jogos de interesse comum, jogos de coordenação,
jogos do tipo batalha dos sexos). Se os ganhos futuros são conhecidos, ao tempo que o acordo
está sendo selado, os jogos de cooperação podem, normalmente, ser resolvidos a um custo
menor, através de maneiras menos formais de selecionar o ponto focal. Por exemplo, uma
declaração unilateral, feita por um dos estados jogadores, será, não-raro, suficiente para gerar
o ponto focal, bem como estabelecer o equilíbrio estável.

Contudo, caso o jogo em questão, embora aparente ser de coordenação, tenha alguma
probabilidade de tornar-se um dilema dos prisioneiros ou algum outro jogo em que a
cooperação seja mais difícil de ser alcançada, os estados têm um incentivo para se
protegerem contra essa possibilidade. A título de exemplo, Antarctic Treaty veda o
estabelecimento de bases militares e a realização de testes de armas na Antarctica, suspende
territorial claims, estabelece um sistema de inspeção e prevê encontros periódicos entre as
partes. Na época em que foi assinado, em 1959 (e entrou em vigor e 1961), as proibições
previstas no Tratado tinham muito pouco efeito prático, vez que os estados já estavam, de
modo geral, cooperando. Não havia, àquele tempo, operações militares na Antártica, as
posições territoriais não estavam ameaçadas de modo a derivar um conflito militar e o
território tinha pouco mais do que um valor estratégico especulativo. Nesse sentido, o tratado
poderia ser descrito como um esforço pra resolver um jogo de coordenação. Os estados
envolvidos desejavam preservar o território para propósitos científicos, livrando-o de
atividades militares e de testes de armas, mas, ao que parece, este era, precisamente, o
equilíbrio que já fora alcançado. Pensando no futuro, quando da assinatura do Tratado,
contudo, é possível que as partes tivessem preocupações acerca de como a importância da
Antártica e, então, dos payoffs que poderiam obter modificar-se-ia. Se os interesses das partes
modificassem, por razões econômicas, estratégicas ou outras, o jogo poderia tornar-se um
dilema dos prisioneiros. Com a celebração de um tratado, mais do que um conjunto mais
informal de normas, as partes solidificaram o regime cooperativo. E como é perceptível, a
questão ambiental ganhou relevância na Antártica, passando a ter o feitio de um dilema dos
prisioneiros. Em que pese o texto original do tratado não contivesse referências específicas à
proteção ambiental, as questões do meio ambiente passaram a figurar, rapidamente, entre as
mais importantes.30 O primeiro de uma série de vários tratados e protocolos adicionais, acerca
da proteção ambiental da Antártica, foi assinado em 1964, apenas três anos após a entrada em
vigor do Antarctic Treaty. Além disso, em 1988, a Convenção para a Regulamentação das
Atividades de Recursos Minerais na Antártica” ( CRAMRA ) foi adotada. Embora esta
Convenção contivesse rigorosa proteção ambiental, permitia, por outro lado, a mineração na
Antártica, indicando que o interesse dos estados em tal atividade recrudesceu ao ponto em
que a cooperação, sob os auspícios do tratado original, era necessária para solver o nascente
dilema dos prisioneiros. Com efeito, a reação ao se permitir qualquer atividade de mineração
na Antártica, em que pese limitada, foi negativa ao ponto de o CRAMRA foi suplantado em
1991 pelo Protocolo ao Tratado da Antártida sobre Proteção ao Meio Ambiente (Protocolo
de Madri). A evolução de tais pactos ambientais ilustra a sabedoria de usar um tratado formal
para estabelecer regras governando a Antártica: com a necessidade de mais explícita proteção
ambiental em relação ao crescimento da região, os corpos consultivos criados pelo Tratado da
Antártica, na forma original, proporcionaram um fórum em que os estados pudessem
barganhar para resolver o emergente dilema dos prisioneiros.

O fato de os estados poderem celebrar acordos internacionais para gerar cooperação em jogos
nos quais os payoffs mudam com a passagem do tempo, sugere que, em algumas situações, o
direito internacional está fazendo mais do que parece. Assim, ainda que muitos dos acordos
internacionais, ao tempo de sua celebração, funcionam, primacialmente, para resolver jogos
de cooperação, o direito internacional pode, no entanto, gerar cooperação em jogos que, pelo
fato de haver a mudança dos payoffs ao longo do tempo, representam problemas de
cooperação de mais difícil solução.

AJUSTANDO O NÍVEL DE COOPERAÇÃO

A seguinte discussão sobre o nível de comprometimento é fortemente relacionada com a


teoria desenvolvida em Guzman (2002b) e Sartori (2002). No modelo de Sartori, os estados
emitem, sem custos, sinais sobre a importância de questões específicas. Em que pese sejam
sem custos, tais sinais são relevantes, vez que quando um estado sinaliza que determinada
matéria tem importância, os rivais entendem que o ataque, ao estado emissor do sinal, acerca
da matéria sinalizada, provavelmente conduzirá à resistência do estado atacado e, dessa
forma, provavelmente não o atacarão. Embora um estado possa alegar que todos os seus
interesses sejam importantes, ao fazê-lo estaria adotando estratégia deficitária, pelo fato de
que referida alegação tornaria os seus sinais desfalcados de credibilidade. Em vez disso, os
estados que agem racionalmente admitem (pelo menos, na maior parte do tempo) que um
interesse é de apenas modesta importância, porque, ao assim agir, emprestam credibilidade às
suas declarações sobre interesses que consideram realmente fundamentais. Disso resulta que
os estados valem-se de sinais que não os incorram em custos para enviar diferentes
mensagens expressando o seu comprometimento.

No contexto do direito internacional, os estados podem enviar diferentes sinais concernentes


a sua intenção de cumprir com as obrigações jurídicas internacionais, utilizando-se, para
tanto, várias formas jurídicas. Podem abster de um acordo internacional, celebrar um acordo
“soft law” (definido como um acordo que não é nem um tratado formal nem o direito
costumeiro internacional), ou, então, celebrar um tratado formal.31 Dentro da categoria de
“soft law”, outras distinções são possíveis. Por exemplo, os Estados Unidos celebraram uma
quantidade de acordos “soft law”, versando sobre matérias de cooperação na área antitruste.
Tais acordos exigiram muito pouco de participação dos estados, enquanto que o Acordo da
Basiléia, igualmente um acordo “soft law, inclui cláusulas detalhadas acerca de o que os
estados devem fazer para cumprir e, ainda, requer modificações reais nas práticas dos estados
envolvidos. Ao se escolher uma forma de compromisso em detrimento da outra, os estados
sinalizam a sua seriedade e a qualidade do colateral reputacional que desejam fornecer. Um
tratado formal representa a mais séria forma de compromisso, não porque é mais custosa do
que ouras formas, mas porque é entendida como sendo a garantia reputacional máxima
(Guzman 2002b). Há mais a ser Ito sobre o papel da “soft lae” e dos ratados, e tal diascussao
está declinada no capítulo 4.

No jargão da teoria dos jogos, a escolha entre diferente s formas de acordo é cheap talk
(“conversa fiada”). Aonde que não seja mais cara a via do tratado formal, em relação a “soft
law”, os estados podem valer-se dela a fim de sinalizar um compromisso mais sério. Escolher
entre a forma do tratado e a “soft law” não difere de escolher entre minutar um acordo em
papel vermelho, quando os estados desejam indicar um comprometimento mais sólido, ou em
papel verde, na hipótese de desejarem comprometimento mais flexível. Ao celebrar
compromisso mais sério (e.g. tratado), um estado capacita-se a extrair mais de sua
contraparte, pelo fato de as promessas por ele feiras serem dotadas de maior credibilidade. A
tentação de tornar todo acordo, tanto quanto possível, um acordo formal e sério, é
compensado pelos custos que advém de tal comprometimento. Especificamente, se o acordo é
violado, o estado violador sofre uma sanção reputacional. Quando o compromisso for menos
sério, então, o estado tem incentivos para deixar clara a sua intenção, por exemplo, por meio
do uso de “soft law”, em preferência a um tratado.

COERÇÃO E ACORDOS INTERNACIONAIS

Ao longo da maior parte deste livro, a discussão assume que os acordos internacionais sejam
consensuais. Sob as atuais regras de direito internacional, um tratado é considerado nulo, em
razão da ocorrência de coerção, somente se o acordo resultou de prática ilegal ou de ameaça
do uso de força, ou , ainda, se o representante de um país sofreu ameaças (Convenção de
Viena sobre o Direito dos Tratados, arts. 51, 52).32 Analiticamente, tais regras parecem deixar
amplo espaço para que muitos acordos sejam considerados coercitivos, mas revela-se difícil
produzir uma regra melhor para distinguir os acordos que aumentam o bem-estar de ambos os
estados, daqueles que não o fazem.

Uma forma pela qual podemos estar seguros de que um acordo é Pareto eficiente
(significando que torna a situação de algumas partes melhor sem, contudo, piorar a situação
de nenhuma outra) é exigindo que todas as partes tenham a opção de rejeitá-lo e conservar o
status quo. De forma específica, pelo fato de que são indivíduos que tomam as decisões em
favor dos estados, o consentimento assegura, tão-somente, que esses representantes preferem
o acordo à alternativa de não-acordo. Se os tomadores de decisões perseguem objetivos
privados, inconsistentes com o bem estar geral dos cidadãos, ainda que haja acordo
consensual, o mesmo não necessariamente elevará o bem-estar. Contudo, nós esperamos que
os acordos consensuais melhorem a sina das partes envolvidas com mais freqüência do que o
fazem os acordos não-consensuais, coercitivos. Além disso, os cidadãos (pelo menos os que
vivem em democracias) têm alguma forma de supervisão, através da urna de votação, das
ações internacionais de seus políticos.

Não há dúvida alguma acerca do fato de que alguns acordos internacionais, pelo menos, são,
de fato, coercivos. Um exemplo óbvio é o Tratado de Versalhes, de 1919, pelo qual a
Alemanha rendeu-se às forças aliadas, pondo fim à Primeira Guerra Mundial. Tal como
revela-se verdadeiro para muitos outros acordos de paz, não há nada que comprove que o
Tratado de Versalhes tenha sido assinado de forma voluntária pelo governo alemão,
tampouco que a Alemanha pudesse escolher o status quo em vez do tratado ofertado. O
acordo foi alcançado sob a mira da arma.

Muitos outros menos óbvios exemplos de acordos coercivos existem. Em Setembro de 2004,
por exemplo, os Estados unidos assinaram, com o Afeganistão, o Acordo Marco de Comércio
e Investimento. À época, e até hoje, o governo do Afeganistão depende de tal forma do apoio
dos Estados Unidos, que a decisão de assinar um acordo, o qual fora apresentado pelos
americanos, sequer pode ser cogitada como uma decisão livre por parte dos afegãos. Outro
exemplo, do início do século XX, é o Tratado Hay-Bunua-Varilla, de 1903, que conferiu aos
Estados Unidos a Zona do Canal do Panamá, bem como o direito de construir o Canal. Após
ter declarado, de forma bem-sucedida, a independência em relação à Colômbia (logo que o
Presidente Theodore Roosevelt assumiu o cargo), a nova nação do Panamá necessitava de
amigos na região. O poderoso fascínio do auxílio e da proteção conferida pelos Estados
Unidos, contra o vizinho potencialmente hostil, a Colômbia, por certo, exerceu coercitiva
influência na negociação do tratado em que foi concedido aos Estados Unidos um dos mais
valiosos direitos de propriedade do mundo.

Outros acordos, no entanto, são mais difíceis de serem classificados como coercivos ou
consensuais. Um conspícuo, importante e moderno exemplo é o Acordo Realtivo aos
Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (TRIPS), o
qual foi assinado por todos os estados-membros da OMC, ao final da Rodada Uruguai de
negociações, em 1994. O referido Acordo exige que os signatários estabeleçam um regime
doméstico com certas proteções à propriedade intelectual. Os críticos desse Acordo
asseveram que muitos dos países em desenvolvimento têm quase nada a ganhar com o
mesmo, e muito a perder. Argumentam, ainda, que os estados não-desenvolvidos assinaram o
Acordo TRIPs porque foram ameaçados com a exclusão do acesso aos mercados dos países
desenvolvidos, mais notadamente dos Estados Unidos.33 Os defensores do TRIPs respondem
que o surgimento desse Acordo foi uma parte de um processo mais amplo de barganha,
entabulado pelos estados durante a Rodada Uruguai de negociações comerciais, no final dos
anos 1980 e início dos anos 1990. O Acordo TRIPs foi, tão-somente, uma parte do Acordo da
OMC que emergiu de tais negociações, as quais incluíram concessões pelos estados
desenvolvidos na agricultura, na indústria têxtil e no uso de medidas unilaterais de comércio.
Embora tenha sido o resultado de árduo processo de barganha, não se revelou coercivo,
dizem os seus defensores, pelo fato de todas as partes terem adquirido algo que
valorizavam.34 Qual dos argumentos está certo? Ambos, quase que com certeza. De um lado,
não há dúvida de que a negociação da Rodada Uruguai foi um doloroso affair em que o poder
exerceu importante papel. Mas, novamente, isso ocorre em, praticamente, todas as
importantes negociações internacionais. Se a presença de largas diferenças em termos de
poder de barganha bastasse para tornar um acordo coercivo, então, a quase totalidade dos
acordos norte-sul (dentre outros) o seria. Por outro lado, chega-se ao ponto em que a
barganha transforma-se em uma troca de ameaças. O acordo final da OMC foi descrito como
uma “proposta única”, que exigia que os estados aceitassem todas as regras negociadas ou,
então, que fossem excluídos do sistema. Além disso, o precedente regime do GATT
efetivamente resultou dissolvido com a OMC, de forma que os estados recalcitrantes, em
relação à Organização Mundial do Comércio, não teriam a opção de permanecer no velho
status quo.

Os estados em desenvolvimento foram, dessa forma, forçados a escolher entre aceitar o


pacote, em sua integralidade, da OMC, o que incluía o Acordo TRIPs, ou permanecer fora da
organização recém-formada e, por conseguinte, da instituição mais importante do sistema de
comércio. Pelo fato de tais estados não terem a opção de permanecer no status quo pré-OMC,
o acordo satisfaz a minha definição de coerção. O problema é que pode não ter havido
qualquer outra maneira de alcançar o acordo, sendo, ainda, possível que todos os estados
tenham atingido posição melhor com a celebração do mesmo. O complexo pacote de
concessões que emergentes da negociação da Rodada Uruguai resultou frágil. Caso aos
estados fosse permitido que se comprometessem apenas com algumas cláusulas, ao invés de,
obrigatoriamente, com todas, a inteira estrutura ameaçava ruir, com a retirada das concessões
que cada estado fizera. E se os estados pudessem optar por sair da nova OMC, enquanto
mantivessem todos os direitos que dispunham no GATT, haveria a tentação a pegar carona na
liberalização adicional conferida pela Organização Mundial do Comércio. Ao desistirem da
opção (ou serem proibidos de fazê-la) de manter o status quo, os estados podem ter
melhorado os seus ganhos. A proposta única, assim, pode ser vista como um mecanismo
necessário para preservar a integridade das cláusulas convencionadas.

Pode-se tentar, dessa forma, repensar a definição de coerção dada no início da presente seção.
Talvez, em alguns casos, os acordos devam ser considerados consensuais, ainda que as partes
não sejam capazes de rejeitar as suas cláusulas e, em vista disso, não possam optar pelo status
quo.
O exemplo demonstrou o problema central: em que pese gostaríamos de identificar um
conjunto de acordos que pudessem ser rotulados como coercivos e que fossem, por essa
razão, normativamente problemáticos, não há maneira direta de distinguir acordos coercivos
de acordos consensuais (Keohane 1984). Pode-se perscrutar uma definição sob a qual acordos
consensuais são aqueles que (pelo menos em expectativa) conduzam à eficiência de Pareto
(i.e., melhorar a situação de todas as partes), mas não há maneira confiável de determinar
quando um acordo satisfaz tal definição. Não há nada de idiossincrático, quanto a esse ponto,
no direito internacional, por certo. O mesmo problema existe na esfera doméstica, em que
não podem, de forma hialina, identificar a diferença entre um contrato coercivo e um
consensual. Sabemos que “o seu dinheiro ou a sua vida” é um acordo coercivo, mas, para
além disso, torna-se difícil estabelecer claras distinções.

Qual a relevância que tudo isso representa para o funcionamento do direito internacional?
Como já mencionado, os acordos coercivos (definidos como aqueles que não possibilitam a
opção de manter o status quo) são mais problemáticos a partir da ótica do bem-estar do que o
são os acordos consensuais. Com efeito, um acordo coercivo não necessariamente conduz à
melhoria no bem-estar total, embora seja mensurado. É totalmente possível que os ganhos de
um lado serão compensados pela perda do outro, significando que o acordo destrói valor,
mais do que o cria.

Em que pese essa importante distinção entre os efeitos no bem-estar causado por acordos
coercivos e por acordos consensuais, os dois tipos podem ser similarmente tratados para o
propósito do cumprimento. Um acordo coercivo é presumivelmente valioso à parte que
exerce a coerção, pela mesma razão de que um acordo consensual o seria. Isto é, o acordo
deve gerar algum incentivo ao cumprimento, que deve ser maior do que poderia ser
alcançado sem a sua existência. Nesse sentido, porque coagir um estado a celebrar um acordo
se não causará qualquer efeito em seu comportamento? Quando um estado compromete-se a
exercer uma ação custosa e, em troca, recebe algum benefício ou evitar algum custo imposto
pela outra parte, tem um incentivo para recusar o cumprimento no futuro. Se o acordo for
coercivo ou consensual, a recusa em cumpri-lo poderá gerar sanções reputacionais. É verdade
que o estado coercivo pode ameaçar impor sanção adicional em caso de violação
(presumivelmente, tal ameaça assemelha-se com aquela que conduza, em primeiro lugar, ao
adimplemento), mas essa advertência funciona da mesma forma que qualquer outra –
somente será efetiva em sendo dotada de credibilidade, e uma custosa sanção somente será
imposta caso contribua para a reputação de um estado em penalizar aqueles que violam os
acordos.

Contudo, poderá haver natural maior comprometimento, na medida em que acordos coercivos
podem obrigar um estado. Pelo menos quando resulta claro que houve coerção, a sanção
reputacional, pela violação, pode ser limitada. Um estado violador, capaz de demonstrar que
fora coagido, poderá limitar o impacto em sua reputação de adimplir acordos coercivos. O
estado pode estar apto a preservar boa reputação em relação a acordos que sejam
verdadeiramente consensuais. A habilidade de um estado em limitar o impacto reputacional,
decorrente da violação que praticara, depende da medida em que a reputação é
compartimentalizada, matéria que discuto no Capítulo 3.

COOPERAÇÃO MULTILATERAL

Como mencionado, a reciprocidade e a retaliação são mecanismos mais efetivos de


cumprimento forçado para acordos bilaterais do que para pactos multilaterais. De fato, alguns
observadores têm sugerido que essas sanções são tão desprovidas de efetividade no contexto
multilateral que a cooperação multilateral alcançada via direito internacional é, praticamente,
inexistente.35 No entanto, a conclusão negativa acerca da cooperação multilateral mitiga a
potencial função da reciprocidade e da retaliação, bem como ignora o fato de que as sanções
reputacionais representam um mecanismo alternativo de promoção do cumprimento em
acordos multilaterais. Nesta seção, eu discuto o problema que a cooperação multilateral
apresenta à reciprocidade e à retaliação, explico porque, não-raro (mas nem sempre),
enfraquece as estratégias de cumprimento e, ainda, discuto por que as sanções reputacionais
podem ser efetivas até mesmo nas situações em que muitas partes estão envolvidas no
acordo. A conclusão da seção é que a cooperação multilateral apresenta alguns desafios
particulares à cooperação, mas não há razões teóricas para supor que o direito internacional
não possa facilitá-la em outros contextos.

Reciprocidade e Acordos Multilaterais

Há diversas razões pelas quais os estados possam escolher celebrar um acordo multilateral,
em vez de uma série de acordos bilaterais. Por exemplo, os acordos multilaterais podem, mais
facilmente, atingir a uniformidade, se comparados com os acordos bilaterais; pode haver
economias de escala na verificação e monitoração, que promovem um mecanismo
multilateral de reputação mais efetivo; as negociações multilaterais podem permitir
possibilidades de trocas mais ricas do que as negociações bilaterais – criando,
potencialmente, mais ensejo para a assinatura do acordo.

Para os meus propósitos nessa oportunidade, contudo, é suficiente focar em, apenas, uma
razão: os acordos multilaterais permitem que os estados superem problemas de ação coletiva,
os quais os acordos bilaterais não conseguem resolver de forma adequada.

Quando as decisões de um estado afetam todos (ou muitos) os estados, como ocorre nos casos
envolvendo o meio-ambiente, os direitos humanos e as políticas de armas nucleares, dentre
outros, há robustas razões para tratar a questão de forma multilateral. Os motivos são
familiares e estão ilustrados pelos problemas ambientais dos quais derivou o Protocolo de
Kyoto. As emissões de gases que provocam o efeito estufa são prejudiciais para a atmosfera
e, dessa forma, representam um custo imposto ao mundo inteiro. O custo para reduzir tais
emissões, entretanto, é suportado de forma individual pelos estados (e por suas indústrias
privadas), os quais editam medidas regulatórias. Pelo fato de o governo de um estado levar
em conta todos os custos de, domesticamente, tornar mais rigorosos os padrões de poluição,
mas, tão-somente, uma fração dos benefícios da redução desse dano, os estados,
sistematicamente, não cooperarão. A cooperação multilateral permite que os estados ajam
coletivamente e internalizem, de forma mais completa, os custos e os benefícios de suas
escolhas políticas.

O Protocolo de Kyoto fornece esse tipo de solução. Trata-se de um acordo multilateral que
exige dos estados industrializados a redução de suas emissões coletivas de seis gases do
efeito estufa responsáveis pela mudança climática. O tratado, que entrou em vigor em 16 de
Fevereiro, de 2005, prevê que os estados que o tenham ratificado reduzam a emissão dos
aludidos gases ou, no evento de que as mantenham ou aumentem-nas, comprem créditos de
emissões de estados que tenham atingido as suas metas. O problema posto pela mudança
climática, e objeto do Protocolo de Kyoto, tem a estrutura de um multilateral dilema dos
prisioneiros. Todos os estados têm interesse, de forma geral, na redução do dano ao ambiente
e, de forma específica, na redução do aquecimento global. Pelo fato de que há muitos estados
envolvidos, no entanto, cada um deles tem incentivos para esquivar-se do compromisso e
pegar carona no esforço dos outros. Caso não houvesse qualquer forma efetiva de cooperação
multilateral, haveria muito pouco investimento na proteção ao meio ambiente. Processos
coletivos ou multilaterais de tomada de decisão, na forma de um acordo internacional,
asseguram que os estados-membros internalizem, de forma mais completa, tanto os custos
quanto os benefícios da regulação.

A razão pela qual os problemas dos bens públicos (i.e., problemas envolvendo bens não-
rivais, tais como o meio ambiente global, para os quais o consumo de um indivíduo não reduz
o montante de um bem disponível para o consumo de outros) são, não-raro, tratados via ação
coletiva, da mesma forma, torna a reciprocidade menos efetiva como um mecanismo para
gerar cumprimento. Considere que um estado não honre os compromissos que assumiu ao
ratificar o Protocolo de Kyoto. Seria sem sentido para todos os outros estados simplesmente
cessar de cumprir com os seus compromissos, em resposta à violação ocorrida. Tal atitude
enfraqueceria os propósitos do tratado e imporia um custo a todos os estados. Percebendo
isso, um potencial violador toma ciência de que o acordo prosseguirá, independentemente de
praticar a violação ou não. Uma vez que todos os estados estejam cientes disso, os incentivos
de que dispõem para cumprirem com suas obrigações resultam diminuídos. Em suma, a
reciprocidade não prova ser uma ferramenta efetiva para sustentar o cumprimento das partes
em um tratado multilateral versando sobre o problema dos bens públicos.

Em que pese o problema da reciprocidade seja real em muitos acordos multilaterais, nem
sempre representará um desafio. Em acordos que versem sobre bens públicos puros, os
estados, possivelmente, não são capazes de condicionar a sua própria performance na
reciprocidade de todos os outros estados. Para muitos outros acordos multilaterais, contudo, é
possível que um estado responder a uma violação com a retirada de seu próprio cumprimento
em relação, tão-somente, ao estado violador, fazenda da reciprocidade útil e, algumas vezes,
poderosa ferramenta para incentivar o adimplemento.

Um exemplo óbvio é o sistema da OMC, em que um tratado multilateral é cumprido ao se


conferir aos estados a autoridade de, seletivamente, suspender o seu próprio cumprimento em
relação a determinadas partes do acordo. Assim, por exemplo, quando os órgãos de resolução
de controvérsias da OMC concluem que as Comunidades Européias violaram as suas
obrigações em relação à importação de carne contendo hormônios artificiais do crescimento,
é conferido a Estados Unidos e Canadá o direito de suspender certas obrigações comerciais
que mantinham com a Europa. Embora não seja perfeito, o sistema de retirada recíproca de
benefícios representa significativo incentivo ao cumprimento das regras multilaterais de
comércio.

Em geral, quando o bem em questão é exclusivo, a reciprocidade deve funcionar no contexto


multilateral da mesma forma que o faz no contexto bilateral. Quando o bem é não-exclusivo,
o uso da reciprocidade, a fim de dar cumprimento a regimes multilaterais, torna-se, de forma
muito significativa, mais problemática.

Retaliação e Acordos Multilaterais

A ameaça de retaliação serve, freqüentemente, como um mecanismo para gerar o


cumprimento, mas, da mesma forma que ocorre com a reciprocidade, não funciona
adequadamente quando estão envolvidos bens públicos. Considere, a título de exemplo, o
ICCPR (Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos). Este multilateral tratado
sobre direitos humanos impõe obrigações a todos os seus estados-membros. Suponha que a
Rússia esteja tentada a violar os seus compromissos. Uma ameaça idônea de impor sanção
retaliativa - talvez, a proibição de da exportação para a Rússia – pode afetar a decisão de
cumprimento, mas tal ameaça pode ser destituída de credibilidade por dois motivos. Primeiro,
sofre dos mesmos problemas de credibilidade presentes no contexto bilateral.
Especificamente, impor a sanção é custoso para a parte sancionadora, e um estado racional
somente o fará se obtiver algum benefício. Tal como discutido no contexto de acordos
bilaterais, uma razão para impor a sanção é adquirir ou proteger a reputação do estado que a
impõe como um estado que pune os violadores, mas isso pode não ser suficiente.

O segundo problema, que é particular ao contexto dos acordos multilaterais, refere-se aos
free-riders. Ainda que a ameaça de sancionar uma violação fosse uma medida efetiva de
intimidação, no momento de impô-la, cada estado, individualmente considerado, tem um
incentivo para pegar carona nas ações dos outros. Toda parte signatária do tratado (e,
alegadamente, todo estado no mundo) beneficia-se do adimplemento da Rússia e, por
conseguinte, do efeito, adveniente da ameaça de retaliação, que induz o cumprimento.36 Mas
somente aqueles estados que impõem a sanção (ou ameaçam fazê-lo) arcam com o custo de
sancionar. Assim, todo estado tem um incentivo para tentar capturar os benefícios do
cumprimento sem, contudo, incorrer nos custos de retaliar, e afigura-se difícil, como
resultado, ameaçar idoneamente sancionar o violador. Para se ter certeza, as sanções
multilaterais são impostas de tempos em tempos. Exemplos proeminentes incluem as sanções
econômicas impostas ao regime sul-africano do apartheid e, também, sanções ao Iraque em
decorrência da Primeira Guerra do Golfo.

Em muitos outros casos, contudo, comprova-se impossível superar o problema das ações
coletivas. As negociações envolvendo seis partes associadas ao desenvolvimento de armas
nucleares pela Coréia do Norte e sua retirada do NPT ilustram esse ponto. Os Estados
Unidos, a China, a Coréia do Norte, o Japão e a Rússia foram, pelo menos por um tempo,
incapazes de impor um custo suficientemente elevado (ou custo de oportunidade, em termos
de benefícios deixados de ser percebidos no acordo das partes, de 1994) a fim de impedir a
Coréia do Norte de tomar tais atitudes.37 Parte disso decorreu da falha em superar o problema
da ação coletiva e impor um regime unificado de sanções. Mais recentemente, o acordo
alcançou, entre os estados relevantes, promessas de dar fim ao programa nuclear da Coréia do
Norte.

O problema da ação coletiva, no que tange à retaliação, é real e sério em muitos contextos,
mas em algumas situações, os estados são capazes de superá-lo. Se a violação gera custos a
um estado (ou em alguns), a ameaça de retaliação pode ser idônea, ainda que a obrigação
sobre a qual recaia a atitude retaliativa seja multilateral. A Convenção de Viena sobre
Relações Diplomáticas, por exemplo, impõe obrigações a todo estado para com todos os
outros estados membros do acordo, e a parte pode retaliar. O problema de ação coletiva
resulta superado nesse contexto, porque o estado retaliativo apenas assim ameaça caso os
seus próprios interesses sejam prejudicados e se for, desse modo, capaz de obter os benefícios
da reputação de punir os violadores. A ameaça de retaliação nesse contexto é tão idônea
quanto seria em um contexto de acordo bilateral. Diversos proeminentes tratados
multilaterais, em que a retaliação de tal sorte é possível são tratados comerciais (e.g., OMC;
NAFTA; o Acordo de Livre Comércio da América Central e República Dominicana CAFTA-
DR), mas o mesmo tipo de sanção poderia existir sobre uma variedade de tratados em outras
áreas (e.g., o Acordo da Basiléia, A Convenção de Gênova sobre o Tratamento aos
Prisioneiros de Guerra, a Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, VCCR).

Cabe notar, ainda, que os acordos multilaterais, nos quais há, tão-somente, pequeno número
de partes com funções de líder (ou, talvez, apenas uma), como é, não-raro, o caso no mundo
atual, enfrentará um problema de ação coletiva diminuído. Caso a parte líder obtenha larga
porção dos ganhos advenientes do cumprimento, terá um ótimo incentivo para impor medidas
retaliativas e, então, a sua ameaça de realmente o fazer gozará de maior credibilidade. Um
exemplo de um acordo desse tipo pode ser o NPT.38 Este tratado tem 187 estados membros,
dentre os quais os Estados Unidos exercem o papel de liderança em incentivar o cumprimento
pelo outros. Na condição de única superpotência global, os interesses dos Estados Unidos são
afetados e sua influência diminui quando outro país, em qualquer lugar do mundo,
desenvolve a opção nuclear que nega a substancial vantagem americana em armamentos
convencionais. Como resultado dessa distribuição de benefícios, os Estados Unidos têm
tomado estado a frente na organização, coordenação e contribuição aos esforços de
cumprimento, tais como a Proliferation Security Initiative (PSI), um acordo voluntário de
estados, com o objetivo de barrar o alastramento da tecnologia de armas ilícitas pela via de
interdição ativa e cooperativa do carregamento de armas ilegais.

O PSI, lançado em 2003 em decorrência da retirada da Coréia do Norte do NPT, foi


amplamente visto como uma tentativa de impedir o programa nuclear da Coréia do Norte.
Similarmente, Israel perderia consideravelmente mais do que os outros estados, nos anos
1980, se o Iraque desenvolvesse a capacidade nuclear, em violação às suas obrigações no
NPT. Não deveria ser surpresa o fato de que Israel estivesse disposto a suportar sozinho os
custos do substancial ataque que destruiu o reator nuclear do Osiraq, do Iraq, em 1981.

Reputação e Acordos Multilaterais

Considerando-se apenas a reciprocidade e a retaliação, resulta claro que o cumprimento pode,


freqüentemente, ser sustentado pelo direito internacional. Mas como já discutido, nenhuma
dessas estratégias funciona especialmente bem quando as questões pertinentes envolvem bens
públicos. Áreas em que tal tende a ser um problema incluem, por exemplo, acordos
ambientais multilaterais (nos quais os danos advenientes do não-cumprimento são
verdadeiramente sentidos por muitos estados), acordos sobre direitos humanos e muitos
acordos multilaterais de controle de armas. Em cada uma dessas áreas, às ameaças de retirada
recíproca de cumprimento e às ameaças de retaliação faltará credibilidade, normalmente. Até
mesmo para este subconjunto de acordos, contudo, não há razão para concluir que o direito
internacional não seja efetivo ou incapaz de gerar cooperação.
A discussão acerca da reputação já apresentada, e que será objeto de detalha exposição no
próximo capítulo, fornece-nos uma teoria capaz de explicar a cooperação multilateral que
observamos, até mesmo nos casos de bens públicos. A reputação pode fornecer um incentivo
para o cumprimento com as obrigações internacionais ainda quando a reciprocidade e a
retaliação assim não fazem, pelo fato de as sanções reputacionais não exigir que os estados
escolham impor sanções custosas em um esforço para gerar cumprimento no futuro, nem que
a retirada recíproca de concessões seja prática. As sanções reputacionais, ao reverso, refletem
a atualização dos credos dos estados auto-interessados. Não há motivo para a coordenação,
não há motivo para a decisão formal de uma disputa (embora isso possa melhorar a
efetividade das sanções reputacionais) e, ainda, não há motivo para as ações custosas
realizadas pelos estados sancionadores.

Pág. 71

REPUTAÇÃO

A forma básica do funcionamento da retaliação e da reciprocidade pode ser bem


compreendida com a breve discussão devotada a cada uma no capítulo anterior. A reputação,
no entanto, requer elaboração. Este capítulo proporciona uma visão mais completa de como
os efeitos reputacionais afetam o comportamento do estado, bem como a sua forma de
interação com outras questões.

Praticamente todo tipo de cooperação que nos interessa recai, de alguma forma, sobre a
reputação. AS principais exceções são os jogos de coordenação e jogos similarmente diretos,
discutidos no capítulo 2, nos quais o cumprimento pode ser atingido sem que se recorra à
reputação e, de fato, sem recorrer ao direito internacional. A grande quantidade de interações
e jogos que restam envolve, de alguma forma, a reputação. É verdade que a cooperação pode,
não-raro, ser sustentada via reciprocidade ou através de idôneas ameaças de retaliação, mas,
como discutido no capítulo 2, cada uma dessas recai sobre alguma forma de reputação. A
reciprocidade pode, algumas vezes, ser bem-sucedida, porque quando um estado não cumpre
uma obrigação, a sua promessa de cumprimento no futuro é desprovida de credibilidade. O
estado sofre perda reputacional, pelo menos no que tange ao acordo em questão, e, assim,
nenhum as demais partes não mais têm razões para acreditar, no futuro, de promessas de
cooperação. A ameaça de retaliar é custosa para o estado que intenta sancionar, e, por isso, os
estados que agem racionalmente somente lançarão mão de ações retaliativas caso os ajude a
estabelecer uma reputação no sentido de que pune aqueles estados que não cumprem as suas
promessas.

A reputação é, também, fundamental para o entendimento dos acordos multilaterais. Onde os


benefícios advenientes de tais acordos são não-excludentes, a reciprocidade funciona
adequadamente. Normalmente não faz sentido para os estados que todos cessem de cumprir o
acordo em reação à violação perpetrada por apenas um estado, e, dessa forma, as ameaças
feitas são desprovidas de credibilidade. A retaliação nos acordos multilaterais sofre,
freqüentemente, do significante problema dos “caronas”, em que nenhum estado tem
incentivos ótimos para suportar os custos de retaliação, quando todas as demais partes
aproveitam os benefícios gerados pelo cumprimento decorrente de tal ameaça.

A reputação, por outro lado, pode funcionar, de maneira adequada, no contexto reputacional.
De fato, pode funcionar melhor nos arranjos multilaterais do que nos bilaterais. As partes de
um acordo podem aprender sobre as violações de forma mais rápida e acurada do que os
estados que do mesmo não participam, e eles podem ter um mais apurado sentido acerca dos
ganhos não-reputacionais. Em assim sendo, as conseqüências reputacionais de uma violação
serão mais severas em um contexto multilateral – porque a informação reputacional alastra-
se, rapidamente, para mais países.

O presente livro não é, por certo, o primeiro esforço já feito na tentativa de valer-se da
reputação para explicar o comportamento do estado, bem como o presente capítulo não é o
primeiro a tratar do modo de funcionamento da reputação (Abreu e Gul 2000; Alt, Calvert e
Humes 1988; Downs e Jones 2002; Keohane 1984; MAggi 1999; Mercer 1996; Sobel 1985).
Este capítulo difere dos escritos anteriores em dois importantes aspectos. Primeiro, é focado
no direito internacional. Muito dos escritos existentes acerca da reputação dos estados tratam-
na no campo da segurança.1 Tal distinção é importante porque as interações relativas às
relações de segurança são, tão-somente, uma pequena fração das interações entre os estados.
Além disso, as questões de segurança são aberratórias em razão do valor enormemente
elevado que os estados destinam à segurança e à sobrevivência nacionais. A importância das
questões de segurança tem atraído estudiosos, mas um excessivo foco nas interações de
elevado valor não consegue captar a lógica dos aspectos mais rotineiros, e consideravelmente
mais freqüentes, das relações jurídicas. Segundo, este capítulo analisa a reputação de forma
mais detalhada do que o fazem os estudos anteriores e desenvolve uma teoria mais completa
do que a, em tais estudos, exposta.2

O capítulo, em primeiro lugar, desenvolve um simples modelo de ganho e perda reputacional


e considera como o comportamento do estado resulta afetado. Após, examino como a
flexibilização de certas premissas informacionais afeta o papel da reputação. Em particular,
aponto que a incerteza em relação aos ganhos, regras jurídicas e ações tomadas reduz o
impacto da reputação no comportamento. Ao depois, discuto a medida em que os estados
provavelmente tenham uma única reputação para o cumprimento do direito internacional em
comparação a múltiplas reputações. Por fim, alguns dos limites acerca da capacidade de a
reputação para afetar o comportamento dos estados serão discutidos.

p. 73

Como se ganha e se perde reputação

Decidindo-se pelo cumprimento

Começamos por considerar como a reputação é adquirida e perdida. A teoria da reputação é


relativamente nova na literatura do direito internacional, sendo mais estabelecida nos escritos
de economia e de ciências sociais. A despeito de seu uso em diversas disciplinas, a nos falta
uma compreensível teoria da reputação aplicável no contexto do direito internacional. A
primeira tarefa do presente capítulo é, dessa forma, delinear tal teoria.

O capítulo2 definiu a reputação como sendo o julgamento acerca do comportamento passado


de um ator, comportamento esse que é usado para prever as suas ações no futuro. Em
consonância com essa acepção, podemos definir a reputação de um estado em cumprir com o
direito internacional como os julgamentos acerca da reação, no passado, de um ator às
obrigações jurídicas internacionais, usados para prever, no futuro, o cumprimento das
obrigações. Essa reputação é uma estimativa acerca da verdadeira disposição de um estado de
cumprir a sua obrigação ainda quando os ganhos não-reputacionais favorecem a violação. Tal
disposição para o cumprimento depende da taxa de desconto do estado; de suas políticas
domésticas (e.g., da medida em que as estruturas políticas domésticas tornam a violação do
direito internacional difícil e custosa); a disposição do estado em impor custos aos outros;3 o
valor das futuras oportunidades para cooperar (o que uma violação presente pode pôr em
risco); e assim por diante.

Presume-se que outros estados sejam incapazes de observar a essencial disposição à


cooperação e, assim, devem estimá-la com estribo nas ações de um estado. Em princípio,
todo estado observador tem a sua própria percepção acerca da reputação de um estado em
particular. Em assim sendo, os Estados Unidos podem ter diferentes reputações no Canadá,
na Argentina, na Rússia e na Síria. Aqui, abstraio essa percepção e assumo que todo
observador tem a mesma visão da reputação de um estado. Tal pressuposto é flexibilização
mais adiante.

No capítulo anterior, tratei da aquisição e da perda da reputação de forma extremamente


simples. Como descrito aqui, os estados que honram os seus compromissos adquirem capital
reputacional e, ao contrário, os estados que violam as suas promessas perdem-no. Mas
pensando melhor, contudo, torna-se claro que a questão é mais complexa do que isso. Caso
fosse simplesmente uma questão de contagem de vezes em que o estado comportou-se em
favor do cumprimento, os estados poderiam construir a sua reputação pela assinatura de
vários tratados que disponham de obrigações triviais. Um modelo sensível de construção de
reputação não pode, por exemplo, conduzir à conclusão de que a Bolívia, um estado sem
saída para o mar, poderia melhorar a sua reputação assumindo o compromisso de manter os
seus portos abertos. Similarmente, não se afigura possível que a pequena ilha-república de
Vanuatu, cujo PIB total é inferior a $350 milhões, pudesse melhorar a sua reputação ao
concordar em se abster de colocar armas no espaço. A aquisição de reputação, claramente,
deve ser mais complexa do que simplesmente cumprir com os compromissos. A perda de
reputação, igualmente, deve depender de algo mais do que simplesmente contar a freqüência
com que um estado viola os seus compromissos. Uma violação menor, tecnicamente
reportada e que é de fácil correção, por exemplo, deve causar impacto menor na reputação de
um estado do que a grande e pública rejeição de um tratado mais importante.

Ao assinar um acordo, os estados esperam que suas promessas tenham credibilidade e devem,
basicamente, fiar-se na reputação para alcançá-la. Na medida em que os custos do
cumprimento elevam-se, os estados requerem mais credibilidade e, dessa forma, uma mais
forte reputação para que as promessas sejam críveis.
Um aumento na reputação, Q, tem valor para o estado no sentido de que uma reputação maior
permite que faça promessas com maior credibilidade aos outros estados, bem como extraia
maiores ganhos dos acordos internacionais de que participe. A fim de verificar de que forma
a reputação é modificada, considera a seguinte ilustração.

Suponha que um estado goze de uma reputação a qual adquiriu como resultado de sua
conduta no passado ou, no caso de um estado novo, que tenha alguma reputação básica que
representa as expectativas dos outros em relação à sua disposição de cumprir com as
obrigações de direito internacional. Necessitando tomar uma decisão acerca do cumprimento,
o estado cumpre ou viola a sua obrigação e tal decisão pode impactar a sua reputação.

Assume-se que os demais estados não conseguem observar a verdadeira disposição de um


estado para cumprir com as suas obrigações. Os outros estados podem, contudo, observar os
ganhosnão-reputacionais do estado atuante. Podem saber, por exemplo, o quanto custaria ao
estado para cumprir com uma obrigação de caráter ambiental, mas eles não sabem o que o
estado espera alcançar no futuro por meio de acordos ambientais internacionais ou a sua taxa
de desconto. Todos os estados conhecem, também, as regras jurídicas vigentes e estão aptos a
observar, de forma acurada, o comportamento do estado atuante. Tais questões (ganhos não-
reputacionais, regras jurídicas e a habilidade de observar as ações de um estado) conectam-se
à forma pela qual o comportamento afeta a reputação, e são discutidas mais adiante no
capítulo, mas a apresentação torna-se simples caso sejam omitidas no momento.

O estado deve escolher entre cumprir ou violar. Se escolhe cumprir, recebe um ganho total
consistente do ganho reputacional adicionado ao ganho reputacional. O ganho reputacional
mede o valor de qualquer aumento na reputação gerado pela decisão de cumprir. Caso ambas
as partes de um acordo cumprem-no em cada período, os ganhos correspondem a cumprir-
cumprir na tabela 3, no capítulo 2.

Se, por outro lado, o estado viola a regra jurídica, recebe os associados ganhos não-
reputacional e reputacional. Agora o ganho reputacional reflete qualquer perda de valor para
o estado, como resultado de sua conduta violadora.

Ao decidir de que forma agira, o estado compara o ganho total, no evento de uma violação,
àquilo que receberia em caso de cumprimento. A violação somente transforma-se em uma
tentação para o estado se o ganho não-reputacional, adveniente da violação, for superior ao
ganho não-reputacional derivado do cumprimento. A questão, dessa forma, é se os ganhos
reputacionais podem fornecer algum incentivo que compense o cumprimento.

Em minha discussão anterior acerca da forma como a reputação modifica-se, em resposta


tanto a um cumprimento quanto a uma violação, demonstro que a reputação de um estado
será modificada somente na medida em que o seu comportamento diferir daquilo que os
estados observadores esperariam que fizesse. Torna-se possível, assim, para um estado que
cumpre com as suas obrigações obter nenhum ganho reputacional, ou para um estado que
pratica violações, não sofrer perda alguma. Contudo, ao decidir-se entre cumprir ou violar,
pelo menos uma dessas ações provocará mudança reputacional, vez que uma das ações
diferirá daquilo que os estados observadores esperam. Isso significa que o ganho reputacional
adveniente do cumprimento será maior do que o ganho reputacional derivado da violação. Tal
diferença tem o potencial de compensar os ganhos que um estado obtém com a violação de
um acordo.

Especificamente, o estado cumprirá o acordo se o ganho reputacional obtido com o


cumprimento superar o aumento nos ganhos não-reputacionais que poderia obter caso
praticasse a violação.

Retornando à questão de como se ganha ou se perde a reputação, note-se que o seu valor não
será o mesmo para cada estado ou mesmo em cada área objeto de um acordo. Alguns estados
(ou os estados em algumas situações) encontram-se em melhor situação para extrair valor de
uma boa reputação. Esses estados podem, por exemplo, deparar-se com diversas
oportunidades para praticar o cumprimento no futuro, as quais podem exigir-lhes a emissão
de promessas idôneas, ou podem ter relação constante com um parceiro que torna uma boa
reputação especialmente valiosa. A reputação vale mais para tais estados do que para aqueles
que dispõem de pouco ou menos valiosos engajamentos internacionais em potencial. Quando
a reputação é mais valiosa, os estados dispõem-se a suportar mais custos para que possam
elevá-la ou protegê-la. Estarão, assim, mais dispostos a cumprir com um compromisso
jurídico internacional.

Para ilustrar, supõe-se que o valor da reputação seja mensurado por uma função, V. Para fins
de simplificação, assume-se que haja dois tipos distintos de estado. Um deles pode extrair
grande valor qualquer que seja o nível de reputação e tem a função valor denominada VH. O
outro, é capaz de obter menos valor de uma boa reputação e tem a sua função valor
denominada VL.
Os estados cuja função valor seja VH têm mais a ganhar com uma boa reputação do que os
stados de função valor VL. Tendo de tomar uma decisão de cumprimento, um estado levará
em consideração como as mudanças à sua reputação afetarão os seus ganhos totais. Conforme
indica a Figura 3, uma dada reputação, Q, causa grande impacto no estado que coloca
valoriza mais a reputação do que no estado que a valoriza menos. Como conseqüência, este
último estado investirá menos em sua reputação (i.e., violará obrigações de forma mais
freqüente) em relação ao primeiro. Na situação de equilíbrio, esperamos encontrar alguns
estados (ou algumas combinações estado/área-objeto) com boas reputações e outros com
reputações mais fracas.

Quanto maior o valor da reputação, mais capaz será o estado de resistir à tentação de violar
uma obrigação jurídica, significando que a diferença, em termos de ganho não-reputacional,
entre violar e cumprir deve ser mais ampla para causar a violação por parte de um estado cuja
reputação é valiosa. Uma implicação é que não podemos esperar predizer se o
comportamento de um estado será o cumprimento sem, pelo menos, termos algum
conhecimento dos ganhos reputacionais e não-reputacionais em jogo.

Este modelo de reputação apresenta algumas similaridades em relação ao modelo


desenvolvido por Mercer (1996), o qual foca na reputação for resolve de um estado, definida
como a disposição deste em arriscar-se na guerra para atingir os seus objetivos. O que Mercer
denomina atributos “situacionais” corresponde, grosso modo, ao que denomino de ganhos
“não-reputacionais”, e àquilo que ele chama de atributos “passíveis de disposição”
corresponde ao que chamo de ganhos “reputacionais”. Contudo, ao contrário de Mercer, cuja
abordagem é estribada na psicologia social, assumo que os estados são atores racionais. Os
estados avaliam o comportamento de todos os outros estados, desimportando se amigos ou
inimigos, valendo-se de evidências disponíveis e, de forma racional, atribuindo um
comportamento a ganhos reputacionais ou não-reputacionais, de acordo com as informações
que dispõem. No modelo de Mercer, os estados valem-se, também, das condutas passadas,
contudo, fazem-no de forma assimétrica. Especificamente, ele assume que os observadores
atribuem à reputação (para usar o meu vocabulário) o comportamento indesejável (da
perspectiva dos observadores) de seus adversários, mas atribuem o bom comportamento dos
mesmos estados a ganhos não-reputacionais. As suas pressuposições acerca dos aliados são o
oposto. Em referência à reputação for resolve, por exemplo, a conseqüência de sua
pressuposição é que “enquanto os adversários podem obter reputação por terem resolve, eles
raramente obtém reputação por não resolve; e enquanto os aliados podem obter reputações
por não resolve, eles raramente obtêm reputações por resolve (Mercer 1999, p.10). Mercer
menospreza, ainda, a relação entre questões reputacionais e não-reputacionais. Argumenta
que os observadores atribuem as ações dos estados tanto a questões reputacionais quanto a
não-reputacionais e assevera que uma (atribuição situacional (i.e., reputacionais) não pode, de
forma adequada, ser utilizada para predizer o comportamento em uma situação diferente”
(p.15). Quando se reconhece que os ganhos reputacionais e não-reputacionais influenciam as
decisões de cumprimento, contudo, claro está que uma decisão deste tipo, quando tomada em
uma situação, fornece informações acerca de como o estado comportar-se-á em outras
situações. Em assim sendo, estas informações podem ser utilizados para predizer futuro
comportamento.

O próximo passo no desenvolvimento de uma teoria da reputação é considerar, em maiores


detalhes, as circunstâncias nas quais a reputação é suscetível de mudança. Há três fatores-
chave aptos para determinar se uma ação em particular afeta a reputação associada.4 São eles:
(1) os ganhos não-reputacionais vislumbrados pelo estado; (2) a reputação de que goze o
estado no momento da realização da ação; e (3) a importância das obrigações para os outros
estados. Esses fatores auxiliam a explicar a razão pela qual uma decisão de violar ou cumprir
ocasionará conseqüências reputacionais distintas em diferentes contextos. Apontam, ainda,
um dos principais argumentos desenvolvidos pelos céticos do direito internacional, na
tentativa de rejeitar a reputação.5 Pelo fato da a reputação atuar na margem e de os fatores
não-reputacionais também influenciarem as decisões dos estados, não deveria configurar-se
uma surpresa que os diferentes tratados (ou o direito internacional costumeiro) geram nível
diferentes de cumprimento em diferentes tempos. A reputação causa impacto na decisão de
cumprimento ao torná-lo, de alguma forma, mais provável, e não por assegurar a mesma taxa
de cumprimento em todas as circunstâncias.

As Decisões de Cumprimento e os seus Efeitos na Reputação

Pelo fato de os ganhos e as perdas de reputação depender de mais do que simplesmente


constatar se os acordos são cumpridos, deve-se saber algo mais sobre a razão pela qual um
estado cumpriu ou violou um acordo. Com efeito, as razões para a prática da violação podem
ser tão importantes quanto a própria ação de violar. Em nosso modelo, um estado age com o
intento de maximizar os seus ganhos e estes são divididos em duas categorias: reputacionais e
não-reputacionais. Considere, por primeiro, os ganhos não-reputacionais.
Um estado que tem poderosas razões militares para não cumprir com um acordo, por
exemplo, vislumbra um ganho não-reputacional que o fornece um forte incentivo para ignorar
o seu compromisso. Ao reverso, um estado cujo comportamento fosse consistente com o
acordo, ainda que não tivesse se comprometido, vislumbra ganhos não-reputacionais que lhe
fornecem um incentivo para o cumprimento. As conseqüências reputacionais de uma ação
(i.e., os ganhos reputacionais) são intimamente relacionados a esses ganhos não-
reputacionais.

Ao assinar um acordo, os estados esperam que ambos os lados cumpram o prometido, mas
reconhecem, também, que uma violação possa vir a ocorrer. De fato, reconhecem que sob
certas circunstâncias, a violação é de ser esperada. Os países signatários do Protocolo de
Kyoto, por exemplo, consentiram em limitar as suas “emissões equivalentes de dióxido de
carbono” de certos gases que provocam o efeito estufa. Uma falha no cumprimento de tal
limite representaria uma quebra do compromisso feito no protocolo e conduziria,
normalmente, a algum nível de sanção reputacional, mas a magnitude de tal sanção depende
do contexto em ocorre que a falha. Uma violação do protocolo que é atribuível ao fato de que
o país esteja em guerra e devota os seus esforços ao combate, mais do que ao cumprimento
das regras do limite de emissões, estará sujeito à sanção reputacional de menor potencial do
que uma violação que não possa ser justificada de forma similar. Embora o protocolo não
forneça exceções para emergências nacionais, os países sabem identificar quando o acordo
que assinam é dotado de circunstâncias nas quais não vislumbram, tão-logo, o cumprimento.
Assim, o artigo 18, do Protocolo de Kyoto, assevera, ao tratar dos casos de não-
cumprimento, que a Conferências das Partes deve desenvolver uma “lista indicando possíveis
conseqüências, levando em conta a causa, o tipo, o grau e a freqüência do não-cumprimento.”
Como contemplado na presente seção, há situações nas quais o cumprimento não é de ser
esperado. Como conseqüência, as sanções reputacionais serão bastante modestas em tais
circunstâncias. Para ver o motivo, imagine a posição de um estado negociando um acordo
ambiental. O cumprimento do acordo imporá um custo aos seus signatários, mas todas as
partes preferem o mútuo cumprimento ao mútuo não-cumprimento. Os signatários esperam o
cumprimento de muitos estados ao redor do mundo, mas não o de todos. Por exemplo,
considere que cada parte signatária reconheça que um país abandonará as suas obrigações
caso ingresse em uma guerra, pelo fato de as obrigações ambientais serem custosas em
demasia para serem adimplidas durante o conflito. Se o conflito militar ou o severo mal-estar
doméstico explicam o porquê de um potencial signatário ter quebrado uma obrigação similar
no passado, será este fato capaz de tolher a sua habilidade para participar do acordo no
presente? Contanto que todas as partes esperem a quebra na eventualidade da guerra, não há
razão para que a conduta passada, consistente com tais expectativas, afete as negociações. De
fato, o acordo conta com uma exceção implícita, em caso de guerra. Se a guerra fosse a única
preocupação, as partes poderiam, por certo, incluí-la de forma expressa. Mas se o conjunto de
circunstâncias, no qual os estados reconhecem que o cumprimento é improvável, incluir uma
gama de razões para o não-cumprimento, torna-se nada prático (ou impossível) especificá-las
no acordo.

Para ilustrar mais claramente como os ganhos não-reputacionais podem afetar a reputação,
considere o NPT.6 A sua principal cláusula requer que os estados-parte, designados como
estados não possuidores de armas nucleares (NNWS), uma categoria que inclui todos os
estados com a exceção de cinco (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China e Rússia,
como sucessora da União Soviética), refutem-se de tentar obter armas nucleares, e todos os
estados esquivem-se de auxiliar os NNWS na aquisição de tais armas, Atualmente, o tratado
conta com 187 membros. Para muitos desses estados, se não para todos, o cumprimento
do tratado não se constitui em surpresa. A expertise tecnológica e a infraestrutura industrial
necessária para suportar o programa de armas nucleares exige grande investimento ao longo
de muitos anos, o que uma simples análise custo-benefício leva os estados a cumprir com o
prometido no NPT. Resulta difícil imaginar Trinidad e Tobago dando início ao um programa
nuclear, ainda que não fosse parte signatária do tratado. Para outros estados, as políticas
domésticas tornam um programa nuclear improvável. Na Alemanha, por exemplo, há forte
oposição popular a qualquer expansão radical das forças militares, e, certamente, haveria
forte objeção à propositura de um programa nuclear.

Os estados possuidores de armas nucleares (NWS), por outro lado, não estão compelidos pela
primeira cláusula do tratado (a proibição de aquisição de armas nucleares) e, então, não
precisam respeitá-lo. Para, pelo menos, alguns dos NWS, incluindo os Estados Unidos, a
violação da segunda cláusula (proibindo os estados de auxiliar os NNWS na aquisição de
armas nucleares) torna-se improvável, vez que a proliferação da tecnologia de armas
nucleares desestabilizaria a comunidade de nações e, ainda, diminuiria a existente
superioridade nuclear e militar dos NWS sobre os NNWS.

Assim, para muitos NNWS e NWS, pode-se esperar o cumprimento das referidas cláusulas,
ainda que não houvesse o tratado. Pelo fato de os ganhos não-reputacionais sugerirem que
esses estados comportar-se-iam consoante as obrigações previstas no tratado, mesmo na
ausência deste, os estados observadores não têm motivos para interpretar o cumprimento
como qualquer forma de sinal positivo sobre a reputação. Para eles, o cumprimento não
fornece ganho reputacional relativamente a um mundo em que o tratado não existisse.

Alguns dos NNWS, contudo, têm incentivo para procurar armas nucleares. A África do Sul,
por exemplo, teve um programa nuclear iniciado em meados dos anos 1960.7 De fato, o
programa rumou para o seu final e produziu uma arma em 1982. Dentro de uma década,
contudo, a África do Sul desmantelou o seu programa e renunciou, publicamente, ao seu
status nuclear. Embora seja verdade que a programa nuclear da África do Sul perdeu muito de
seu valor com o final da Guerra Fria e com o cessar-fogo conduzindo ao fim da guerra da
Angola, que era suportada pela União Soviética, a posse de armas nucleares continuaria a ser
valiosa. Entretanto, porque a África do Sul, nos anos 1990, tentava reformar a sua imagem de
pária global, as considerações reputacionais (dentre outros fatores) ditaram que cumprisse
com as normas internacionais. Tinha de escolher entre o seu programa nuclear e a sua
participação no NPT, pelo fato de esse tratado não prever o aumento no número de estados
possuidores de armas nucleares para além dos cinco que se qualificavam pela virtude de
terem testado um armamento antes de 1º de Janeiro, de 1968. Em 1991, um ano após ter
começado a desmantelar o seu programa nuclear, A África do Sul aderiu ao tratado. Por que
razão a África do Sul desejaria aderir ao tratado? A resposta óbvia é que ao fazê-lo, seria a
ela permitido que se juntasse mais completamente à comunidade de nações e que colhesse os
benefícios de cooperar com os outros estados. Procurou elevar a sua reputação.

Desnecessário é dizer que tais exemplos podem ser contestados. Os mencionados eventos, tal
como todos aqueles exemplos dados no presente livro, foram afetados por outras forças,
sendo impossível que as mesmas ofereçam melhor explicação para a ocorrência dos eventos
em que atuaram. Como já discuti na introdução, os exemplos aqui são dados tão-somente
para ilustrar os argumentos que estão sendo feitos. Neste caso, a questão é que alguns
estados, os quais aparentam ter um incentivo para ir atrás de armas nucleares, escolheram não
o fazer, e a existência do NPT pode tê-los dissuadidos.

Retornando ao exemplo do NP, há estados que não apenas têm fortes incentivos para
desenvolver armas nucleares e outras tecnologias não-convencionais (ou para negociá-las),
como acabam por fazê-lo. Para estes estados, tal comportamento é esperado pelo fato de
gozarem de reputação suficientemente baixa, o que faz com que o seu cumprimento não seja
cogitado, e, ainda, podem ter ganhos não-reputacionais que os forneçam fortes incentivos
para violar o acordo. Provavelmente, este seja o caso de Irã e Coréia do Norte (especialmente
o último), países que eram signatários do acordo até a retirada da Coréia do Norte em 2003.
Como já eram estados párias, esses países tinham pouco capital reputacional, de forma que os
outros estados não esperavam que o fato de Irã e Coréia do Norte serem partes do tratado
constituísse-lhes um mecanismo dissuasório. Embora pudessem ter elevado a sua baixa
reputação pela via do cumprimento (ou pelo desmantelamento dos programas nucleares), ao
fazê-lo não obteriam mais do que modestos ganhos. A reconstrução da reputação pode ser um
processo longo e custoso, que pode não convergir com as necessidades dos estados. Além
disso, é improvável que esses estados tivessem desenvolvido extensivos e importantes
arranjos cooperativos aos quais uma boa reputação agregaria valor. Qualquer que sejam os
ganhos reputacionais que possam esperar obter, são muito pequenos para compensar o
incentivo que tais países têm para desenvolver armas nucleares.

Outra possibilidade, mais claramente ilustrada pela experiência russa, é a de os ganhos


advenientes do não-cumprimento serem muito elevados, até mesmo para um estado que têm
muito a ganhar com o aumento na reputação. A Rússia, estado-membro do NPT, consentiu
em completar a construção do primeiro, e, ao depois, possivelmente, do segundo, reator
nuclear para o Irã, em Bushehr. O acordo foi financiado, em sua maior parte, por
empréstimos da Rússia ao Irã, e, então, a falha na execução do projeto teria, entre outras
coisas, um custo de oportunidade na forma de perda de receita para o necessitado estado
russo.

Com o seu surgimento pós-comunismo, contudo, a Rússia continuou a ter incentivos para
engajar-se com o resto do mundo e assinar vasta gama de acordos internacionais.
Preocupados com as ambições nucleares iranianas, crescentes no Ocidente, os Estados
Unidos tentaram persuadir a Rússia a cessar a cooperação com o Irã, conectando o fim desta
cooperação com o início de uma outra, com os norte-americanos. A estratégia dos EUA
colocou, explicitamente, a reputação em jogo, bem como introduziu uma ameaça de sanções
retaliativas. A despeito destes e de outros custos potenciais, no entanto, a Rússia continuou a
cooperar com o Irã por muitos anos. O ganho em potencial adveniente da negociação com o
Irã era, simplesmente, muito elevado para ser superado tanto pelo dano à reputação da Rússia
ou pela ameaça de sanções pelos norte-americanos. Conseqüentemente, a Rússia começou a
expressar receio sobre as intenções e capacidades iranianas em Bushehr. Enquanto que
Estados Unidos e Europa têm sido os mais críticos do programa nuclear do Irã, a Rússia tem
seguido o caminho do meio, de um lado, oferecendo-se para enriquecer urânio para o uso nos
reatores uranianos, por outro, negando ao Irã a tecnologia para o enriquecimento essencial
para a bomba de urânio. Ainda, a Rússia paralisou antes de, eventualmente, dar o seu voto no
conselho da Agência Internacional de Energia Atômica, a fim de reportar o Irã ao Conselho
de Segurança da ONU, para possíveis penalidades derivadas da manutenção de seu programa
nuclear. Essas ações de ajuste refletem, provavelmente, o desejo russo de balancear o seu
risco reputacional e os seus incentivos não-reputacionais para cooperar com o Irã em termos
de tecnologia nuclear. Dito de outra forma, a Rússia não deseja abandonar os benefícios,
econômicos e de outros tipos, de cooperar com o Irã, mas os líderes russos estão cientes de
que se os outros estados perceberem a Rússia como auxiliar do Irã, para que este país
desenvolva a bomba nuclear, o seu país sofrerá elevado dano reputacional. A hesitação da
Rússia, acerca de se continua ou não a ajudar o Irã, indica que a questão arriscada e, assim,
uma daquelas em que o direito internacional pode influenciar a decisão do estado.

O exemplo do NPT demonstra como uma única obrigação internacional influencia os ganhos
dos estados. Para alguns estados, a obrigação não terá qualquer efeito, pelo fato de que eles
teriam agido de maneira idêntica na inexistência do acordo. Para outros estados, o
comportamento não se modifica, porque o tratado revela-se insuficiente para impedir a
violação. Para um terceiro grupo, contudo, a obrigação internacional tem o condão de
modificar o comportamento, pelo fato de as conseqüências reputacionais de uma violação
poderem ser mais do que suficientes para induzir o cumprimento.

P. 83

O PAPEL DO GANHO NÃO-REPUTACIONAL E AS REPUTAÇÕES EXISTENTES

Continuando com o exemplo do NPT, faço agora um exame mais completo acerca da forma
de interação entre a reputação e os ganhos. Para fins de não-ficção, focarei na experiência
russa no NPT. As expectativas das outras nações sobre o comportamento da Rússia não são
as mesmas do que as expectativas que mantém em relação a, por exemplo, Grã-Bretanha ou
Estados Unidos. Por primeiro, as circunstâncias econômicas da Rússia são consideravelmente
diferentes das enfrentadas pelas potenciais nucleares do Ocidente. O incentivo para exportar
tecnologia nuclear para obter lucro econômico seria considerado maior para a Rússia do que
para uma nação mais financeiramente estabilizada do Ocidente. Tais incentivos, e o fato de
que são conhecidos dos outros estados, conduzem à diminuição da expectativa pelo exato
cumprimento da Rússia ao NPT.

Em segundo lugar, a reputação de que a Rússia gozava anteriormente a sua adesão ao NPT
não era brilhante. Em outras palavras, os outros estados pensarão que a Rússia, em
comparação, novamente, com uma potencia nuclear ocidental, como a Grã-Bretanha,
provavelmente, engajar-se-ia em uma transferência não-autorizada de tecnologia nuclear.
Essa reputação preexistente tem o mesmo efeito gerado pelo conhecimento público dos
incentivos para o não-cumprimento; isso significa que caso a Rússia transferisse a tecnologia
para uma nação com ambições nucleares, a sua reputação não sofreria tanto quanto a
reputação da Grã-Bretanha, caso esta nação fizesse o mesmo. Dessa forma, talvez não-
intuitivamente, o fato de todos acreditarem ser a Rússia mais propensa a violar a letra ou o
espírito do NPT, na verdade, reduz a sanção reputacional quando tal violação ocorre.

Assumindo que a Rússia comportou-se em conformidade com as expectativas sobre ela


geradas, nenhuma modificação nas crenças dos outros estados foi assegurada. Isso ocorreria
se, por exemplo, a Rússia vislumbrasse ganhos que, obrigatoriamente, a conduzisse à
violação do NPT, e, então, as crenças sobre a sua reputação levariam os estados observadores
a esperar a prática da violação.

De forma geral, de modo a determinar se as ações de um estado afetarão a sua reputação, faz-
se necessário conhecer um pouco sobre os ganhos reputacionais e os ganhos não-
reputacionais. Quando os ganhos não-reputacionais geram um incentivo suficientemente forte
para a violação de um acordo, uma decisão de assim agir pode não provocar alteração alguma
na reputação. Da mesma forma, se os ganhos não-reputacionais de um estado fornecem-lhe
um incentivo para cumprir com o acordo, a decisão de fazê-lo não provocará um ganho
reputacional.

Em adição aos ganhos não-reputacionais, o impacto de uma ação na reputação, depende da


reputação existente de que goza o estado. Considere, por exemplo, um estado que cumpre um
acordo, a despeito de os ganhos não-reputacionais recomendarem a violação. Se este estado
desfruta de uma forte reputação, anteriormente a sua decisão, a decisão de cumprir reafirmará
a sua boa reputação, mas poderá não melhorá-la. Contudo, a decisão de cumprir pode, ainda,
gerar um benefício, como a consolidação da reputação do estado e a estabilização das crenças
dos outros estados em situações futuras.
Por outro lado, se o estado iniciar com má reputação, a decisão de cumprir faria com que os
outros estados ajustassem para cima a estimativa acerca da disposição do estado observado
em cumprir o acordo. A análise é a mesma para os estados que descumprem o acordo, mas o
impacto é diverso. Suponha que os ganhos não-reputacionais de um estado sugerissem o não-
cumprimento, mas a sua reputação é forte o bastante de forma que os outros estados esperam
o cumprimento. Caso o estado viole o acordo, os outros estados revisarão, para baixo, as suas
estimativas acerca da disposição do estado violador para o cumprimento. Ao reverso, um
estado violador, com baixa reputação, poderá não sofrer qualquer alteração em sua reputação,
pelo fato de suas ações simplesmente confirmarem as percepção preexistentes.

Em assim sendo, podemos predizer que a decisão de um estado em cumprir com a regra
jurídica aumentará a sua reputação quando os ganhos não-reputacionais sugerirem a violação
e a sua reputação preexistente (tal como os demais percebem-na) for insuficiente para causar
aos estados observadores a expectativa ao cumprimento. Uma violação prejudicará a
reputação de um estado quando os ganhos não-reputacionais, combinados com a sua
reputação preexistente, indicarem o cumprimento.

Isso é, realmente, somente uma afirmação de que os estados fazem a atualização Bayesiana
de suas estimativas acerca da disposição dos outros estados em cumprir o direito
internacional.8 A reputação de um dado estado é determinada por tal estimativa, que poderá
sofrer alterações ao longo do tempo. Note-se que pelo fato de os estados atualizarem as suas
crenças no estilo Bayesiano, a força de suas crenças ex ante tem relevância. Para uma dada
decisão de cumprir ou violar, um estado, com uma longa e consistente reputação, sofrerá uma
sanção reputacional menor do que um estado que desfruta de menos estabelecida reputação.
Os demais estados terão mais forte impressão ex ante acerca do primeiro estado do que
acerca do último, e, assim, a reputação do primeiro estado será menos afetada por uma ação
isolada.

A IMPORTÂNCIA DA OBRIGAÇÃO

Alguém poderia querer saber, por certo não apenas se as ações de um estado geram
conseqüências reputacionais, mas, também, qual a magnitude assumida pelas mesmas.
Pelo fato de o presente livro apresentar uma abordagem teórica, não há maneira de fornecer
uma estimativa acerca da magnitude das sanções reputacionais. A teoria não é capaz de
especificar (sem outros pressupostos) a importância da reputação para estados, tanto em
termos absolutos quanto em relação aos ganhos não-reputacionais. Contudo, faz-se possível
considerar alguns dos fatores que, provavelmente, afetam o tamanho das sanções
reputacionais que um estado sofrerá caso viole uma obrigação (ou, de modo inverso, a
magnitude do benefício reputacional caso pratique o cumprimento). Discutirei mais acerca
desses fatores mais adiante; aqui eu que expressar a função exercida pela importância das
obrigações.

A questão aqui é bastante óbvia, mas, ainda assim, merece ser mencionada. A importância
relativa de uma obrigação jurídica internacional afeta as conseqüências reputacionais
advenientes de sua violação. Assim, a recusa em permitir a inspeção dos reatores nucleares,
estando tal inspeção abrigada pelo NPT, representa uma séria quebra dos compromissos
assumidos pelo estado e gerará forte reação reputacional. Ao reverso, violações menores, tais
como perder o prazo para a realização de um relatório, não são vistas como uma quebra séria
e, dessa forma, são incapazes de gerar sanções reputacionais significativas. Pode-se pensar
em tal medida de relevância relativa como uma medida da extensão em que os interesses dos
outros estados tiverem sido afetados. A recusa em permitir a entrada de inspetores no local do
reator nuclear mitiga os propósitos do NPT e compromete o interesse das outras partes ao
acordo. É verdadeiro que estes outros estados não foram, diretamente, afetados, mas a
incapacidade de monitorar o cumprimento de um tratado de tamanha importância, combinada
com o sinal negativo que a recusa em permitir a entrada de inspetores envia, suscita
significantes preocupações de segurança em outros estados.

Se as violações de mais importantes obrigações conduzir a sanções reputacionais mais


pesadas, poder-se-ia concluir que tais acordos serão mais propensos a serem honrados. A
isso, contudo não se segue que a recíproca seja verdadeira. As mais importantes obrigações
são aquelas em que a cooperação fornece amplos ganhos. São, também, aquelas em que o
incentivo para desertar é o maior. Dizer que um acordo permite amplos ganhos com a
cooperação é equivalente a dizer que a cooperação dificilmente seria alcançada sem o acordo
– significando que uma ou mais partes tem fortes incentivos para desertar. Em compromissos
de “elevado risco” como esses, devemos esperar que os ganhos reputacionais e os não-
reputacionais sejam elevados.
Embora ambos os ganhos aumentem com o crescimento dos riscos, parece que, pelo menos
no que tange aos acordos que implicam elevados riscos (e.g., segurança), as sanções
reputacionais, normalmente, exercerão um papel menor (talvez, efemeramente). Ao fim e ao
cabo, isso é o que fazem as sanções reputacionais. Até mesmo uma perda de reputação é algo
de que o estado pode recuperar-se, e, dessa forma, o limite da magnitude das sanções
reputacionais torna-se mais flexibilizado. Conforme os ganhos não-reputacionais advenientes
de uma decisão aumentem, a probabilidade de que denigram o aspecto reputacional da
decisão eleva-se. Em assim sendo, por exemplo, não se deveria esperar que os compromissos
jurídicos referentes à conduta de guerra sejam especialmente efetivos. Quando ocorre o
cumprimento nestas situações, é mais provável que seja explicado pelos ganhos não-
reputacionais do que pelos ganhos reputacionais. Além disso, como Morrow (2000) assevera,
grandes desafios futuros à segurança do estado, ou os já presentes, podem ser de difícil
previsão ao tempo em que a decisão de cumprir com um acordo de aliança seja tomada. Pelo
fato de tais situações caracterizarem-se pela não-assiduidade ou não-previsibilidade, os custos
reputacionais de violar os acordos de aliança podem ser negligenciados (porque a reputação
para o cumprimento em situações que não ocorrem com freqüência vale menos a pena do que
a reputação adveniente do cumprimento em situações mais comuns), quando comparados aos
substanciais custos de lutar uma guerra.

GERENCIANDO A REPUTAÇÃO AO LONGO DO TEMPO

A reputação de um estado é dependente de seu comportamento passado, mas é a ciência de


que a conduta no presente afetará a reputação no futuro que confere força às sanções
reputacionais. Ao realizar qualquer decisão acerca de cumprir ou não, o impacto causado pela
mesma na reputação do estado, bem como os ganhos futuros são levados em consideração.
Porque os estados reconhecem o efeito incremental das decisões de cumprir em sua
reputação, estão capacitados para tomar decisões estratégicas acerca de gerenciar a sua
reputação no tempo. Por exemplo, quando uma condita recente tenha afetada a reputação de
um estado, este procurará reconstrui-la, mediante o cumprimento de regras jurídicas
internacionais que, de outro modo, estaria tentado a ignorar.

De forma geral, o processo pelo qual os estados acumulam e erodem a sua reputação deveria
por si mesmo ser visto como o resultado de uma análise de custo-benefício. Pelo fato de
estados diferentes (ou o mesmo estado em momentos diversos) vislumbrarem diferentes
custos e benefícios, diferirão em sua disposição para construir e manter forte reputação. Por
exemplo, um estado cuja reputação esteja suficientemente manchada, poderá achar tão
custoso para repará-la que será melhor extrair tudo o que puder no curto prazo e ignorar o
direito internaicional. Este pode ser o caso da Coréia do Norte. Para tais países, a restrição
reputacional tem pouco o nenhum força, e o direito internacional pode, tão-somente, exercer
o seu papel na medida em que impõe sanções diretas, é tornado efetivo por meio da
reciprocidade, ou auxilia a administração de simples problemas de cooperação, tais como os
jogos de coordenação.

A titulo de exemplo, considere o papel exercida pela Líbia no bombardeio do vôo 103, da Pan
Am sobre Lockerbie, Escócia, em 1988. Tal ação foi levada a cabo por agentes líbios,
constituindo-se em uma “privação arbitrária da vida”, em violação ao Pacto Internacional
sobre os Direitos Civis e Políticos, do qual a Líbia é signatária. A Líbia, àquele tempo, era,
alegadamente, um estado pária, pelo menos da perspectiva dos estados ocidentais, e, dessa
forma, não tinha muitas razões para preocupar-se com a sua reputação internacional (estamos
falando aqui sobre a reputação pelo cumprimento do direito internacional. As ações líbias
implicaram outras formas de reputação, por certo. Mais adiante, neste capítulo, discuto como
esses diferentes tipos de reputação interagem). Uma decisão de violar o aludido Pacto era
improvável, por exemplo, de prejudicar, significativamente, a habilidade futura da Líbia de
beneficiar-se de uma cooperação internacional, porque tal cooperação era improvável de
acontecer. Assim, a Líbia dispunha de poucas razões para resistir a qualquer benefício que
obtivesse no curto prazo em decorrência de suas ações ilegais. Somente após anos de sanções
diretas, impostas pelos Estados Unidos e pela Organização das Nações Unidas, que a Líbia
concordou, em 1999, em entregar os agentes responsáveis pelo bombardeio. Ao entregar os
dois agentes (um deles foi condenado) às autoridades escocesas, a Líbia sinalizou que estava
preparada para começar a cumprir o direito internacional. Tal ação, juntamente com um
acordo que previa o pagamento de indenização às famílias das vítimas, exerceu importante
função da atual reintegração da Líbia no sistema internacional.

Em outros contextos, um estado pode optar por violar as normas jurídicas em uma esfera,
enquanto tenta manter a sua reputação em outra. Isso é o que o governo da África do Sul fez
durante certos períodos do apartheid. Enquanto o governo oprimia a população não-branca,
em contravenção ao direito internacional da época, mantinha, por outro lado, os escrúpulos
em sua observância do direito internacional (D’Amato 1971, p. 30).
Tais exemplos demonstram que os estados nem sempre procurarão preservar ou construir as
suas reputações. A reputação, como nenhum outro ativo, pode não apenas ser adquirido,
como, também, usada ou “gastada”. Os estados irão, por vezes, extrair o que quer que possam
no curto prazo, a despeito do fato de ao assim agir estarão erodindo a sua reputação. Este
incentivo para não cumprir as regras internacionais surgirá quando os ganhos da violação
forem especialmente elevados ou a perda de reputação, adveniente de uma quebra, for
especialmente baixa. Pelo fato de a reputação de um estado poder ser específica, referente a
uma dada área (por exemplo, um estado pode ter diferentes reputações em diferentes
questões), uma decisão de comportar-se oportunistamente e extrair, no curto prazo, os
ganhos, poderá ser lucrativo para os estados quando o valor da cooperação, no longo prazo,
em uma área for modesto.

Considere um exemplo na área de investimento estrangeiro. Nos anos 1960 e 1970, muitos
estados recém independentes optaram por expropriar os ativos dos investidores estrangeiros.
Essa opções foi alegadamente contrária ao direito internacional costumeiro, pelo menos de
início.9 A decisão de expropriar pode ser vista como um meio de extrair ganho no presente
em detrimento da reputação no futuro. Os estados envolvidos tiveram a oportunidade de
capturar rendimentos a partir dos fundos de investimento estrangeiro existentes,
especialmente porque muito desse investimento consistia em capital fixo que não poderia ser
removido. Esses estados tentavam, ainda, estabelecer a sua independência econômica e, não-
raro, adotando políticas hostis a novos fluxos de investimento direto. Como estavam cientes
de que as políticas adotadas tornaram improváveis grandes fluxos de investimentos no futuro,
a tomada de decisão no sentido da expropriação resultou muito menos custosa para os estados
recém independentes. Dito de outra forma, o cumprimento daquilo que muitos dos países
ocidentais consideravam uma regra do direito costumeiro internacional (a proibição de
expropriação sem pronta, adequada e efetiva compensação) tinha valor modesto, vez que a
reputação, na área de investimentos, no sentido do cumprimento, era improvável de gerar, em
termos marginais, grande aumento dos investimentos.

A maioria dos investimentos diretos nos países em desenvolvimento é agora regida por
tratados bilaterais de investimento. Estes proíbem, explicitamente, a expropriação,
excetuando-se para o alcance de propósitos públicos e (tipicamente) mediante pronta,
adequada e efetiva compensação. Ainda, os acordos bilaterais de investimento prevêem a
obrigatoriedade da arbitragem em caso de disputa entre um investidor estrangeiro e um país
receptor. Com a assinatura de um desses tratados, o estado receptor do investimento assume
um compromisso reputacional e, como resultado, tem um crescente incentivo para abster-se
de expropriar ou abster-se de tratar o investidor estrangeiro de forma contrária a prevista no
tratado. Note-se que o incentivo para cumprir é adveniente do fato de que as regras
pertinentes ao caso tornam-se um tratado formal, bem como do fato de que o valor da
reputação nessa área é superior do que era há 30 ou 40 anos. Atualmente, os estados em
desenvolvimento estão mais propensos a considerar o investimento estrangeiro como parte de
sua estratégia de desenvolvimento. Um perda na reputação nessa área reduziria o fluxo futuro
de investimento direto, o que esses estados consideram custoso.

Considere mais um exemplo. Em seqüência à Revolução Russa de 1918, o novo governo


Bolchevique rejeitou os débitos acumulados pelo governo tzarista, alegando, dentre outras
coisas, que se tratavam de dívidas pessoais do tzar. Esta atitude foi uma clara violação das
obrigações jurídicas internacionais da Rússia.10 Os Bolcheviques, contudo, não tinham
motivo para investir em sua reputação de cumprimento das regras jurídicas internacionais.
Nos primeiros dias do regime, eles esperavam que uma revolução comunista dominasse a
Europa no rastro da I Guerra Mundial. Uma revolução como esta tornaria as reputações
passadas irrelevantes, vez que uma nova era de relações internacionais nasceria. Tal visão
estava tão arraigada nos líderes soviéticos que Leon Trotsky, o primeiro ministro soviético
estrangeiro, definiu a sua função meramente como a de “emitir algumas proclamações
revolucionárias pelos povos do mundo e, depois, parar de trabalhar” (Carr 1985, p. 16). Os
ganhos potenciais, advenientes da cooperação, dessa forma, foram considerados modestos,
tornando mais atraente rejeitar o débito. Ainda que as palavras de Trotsky fossem somente
retórica e os líderes soviéticos precipitassem a existente à época relação com o Ocidente, o
repúdio da dívida é fácil de ser entendido. O novo governo Bolchevique era suficientemente
hostil ao Ocidente, de tal forma que não tinha motivos para esperar um contínuo fluxo de
empréstimos e, assim, preocupar-se acerca de se o cumprimento das promessas de pagamento
dos empréstimos teria ou não credibilidade. Qualquer que fosse o prejuízo reputacional que
incorreria ao negar o débito, geraria poucas conseqüências, porquanto, pelo menos no que
tange a questões financeiras, a União Soviética não tinha nada a perder.

No final dos anos 1980 e no início dos anos 1990, a União Soviética e (após o seu colapso) a
Rússia tentaram fazer exatamente o oposto daquilo que os Bolcheviques tinham feito; seriam
capazes de realizar consideráveis esforços para reconstruir uma reputação de cumprimento
com as obrigações jurídicas internacionais. Em seqüência ao colapso da União Soviética, em
1991, o novo governo russo anunciou que honraria o débito soviético existente, em que pese
a mudança de regime. Tivesse negado o débito, a nova Rússia comprometeria a sua reputação
e arruinaria os seus esforços em desenvolver laços financeiros com o Ocidente.
Conformando-se às regras internacionais, a Rússia contribuiu para a formação de uma nova
reputação que, em conseqüência, elevou a sua capacidade para atrair assistência financeira do
Ocidente.

Este exemplo ilustra outra característica das reputações dos estados. Os estados mais velos,
mais estabilizados, terão reputações mais estáveis. Cada caso de cumprimento ou de violação
causará menos impacto em sua reputação, pelo fato de que as crenças anteriores tidas pelos
outros estados serão mais fortes. Uma vez que um estado esteja estabelecido, melhorar a sua
reputação, tal como tentou fazer Mikhail Gorbachev, o Presidente Soviético, nos dias
derradeiros da URSS, pode ser um propósito difícil e caro.

Cientistas políticos têm usado a teoria da sinalização para moldar o custo incorrido por um
estado para demonstrar que é digno de credibilidade. Por exemplo, Kydd (2000a) nota que se
um estado A deseja engajar-se com o estado B em uma cooperative venture, mas o estado B
não confia no estado A, sinais custosos terão de ser emitidos pelo estado A a fim de certificar
o estado B de sua (estado A) condição de parceiro confiável. No caso de Gorbachev, Kydd
analisa a capitulação soviética no Tratado sobre Forças Nucleares de Alcance Intermediário
(INF, na sigla em Inglês), em 1987, como um sinal custoso. Este tratado previa que os
Estados Unidos e a União Soviética eliminassem todos os mísseis balísticos e de cruzeiro
com alcance entre 500-5.500 quilômetros, além de prever procedimentos de verificação,
incluindo inspeções locais. Isso representou significante concessão pelos soviéticos por uma
série de razões, inclusive pelo fato de que, à época, os procedimentos de verificação previstos
no tratado eram os mais rigorosos da história, com inspeções localmente intrusivas às quais a
União Soviética anteriormente se opunha; a categoria dos mísseis em questão conferiu muito
mais alvos à União Soviética (isto é, aliados americanos na Europa Ocidental) do que aos
Estados Unidos; e o tratado não regulava a disposição das armas nucleares de outras nações
ocidentais, significando que os aliados americanos quedaram-se livres para detonar mísseis
de alcance intermediário na Europa, caso optassem por fazê-lo.

Para que uma sinalização funcione, deve ser barata o suficiente para que o seu emissor
decida-se por emiti-la e cara o bastante para que o alvo, neste caso os Estados Unidos,
atualize as sua crenças anteriores acerca da credibilidade de seu prospectivo parceiro. NO que
tange à reputação, de forma geral, devemos esperar que o custo de emissão do sinal
necessário para causar a atualização das crenças anteriores seja mais elevado quando emissor
trata-se de um estado antigo, com uma reputação estabelecida, ou quando os estados A e B
têm longa história de interação, com ampla base de dados confortando as suas crenças
anteriores. Pelo fato de reputações bem estabelecidas serem menos reagente s a interações
individuais, a magnitude da interação, vale dizer, o custo do sinal, deve ser maior para que
tenha significativo efeito reputacional.

Novos estados, ou estados com novos regimes, por outro lado, gozam de reputações que não
são fortemente estabelecidas, o que faz com que mais coisas estejam em jogo quando tomam
decisões no sentido de cumprir o direito internacional. Porque os estados observadores
dispõem de, tão-somente, fracas eferências acerca da disposição do novo estado em cumprir
com as obrigações jurídicas internacionais, cada decisão de cumprimento, individualmente
tomada, gera maior impacto na reputação do estado, A isso segue-se que, mantendo-se
constantes os demais fatores, o incentivo ao cumprimento torna-se maior. Isso pode levar a
que os novos estados sejam especialmente diligentes acerca do cumprimento com as
obrigações jurídicas internacionais (Shihata 1963), conforme ilustrado pelos esforços da
Federação Russa (um novo regime) em cumprir com as obrigações, no início dos anos 1990.
A teoria prediz, então, que os estados com reputações mais frágeis envidarão maiores
esforços para cumprir com o direito internacional do que faria, estando na mesma situação,
um estado que gozasse de maior reputação.13

Como conseqüência da desintegração da União Soviética, muitas das 15 novas repúblicas


“nasceram nucleares”. No sentido de que herdaram extenso arsenal nuclear. Líderes globais
esperavam que a Rússia sucedesse o status da união Soviética em relação ao NPT, como uma
nação nuclear e que os estados remanescentes, Ucrânia, Belarus e Kazacstão, retornariam o
seu arsenal à Rússia e aderissem ao NPT como NNWS. Considerando a história de
imperialismo da Rússia em relação aos seus vizinhos, não deveria ser surpresa se esses
estados optassem por reter a sua ameaça nuclear. Em vez disso, os três estados cooperaram
retornando as suas armas à Rússia e aderindo ao NPT como NNWS. Um estudo acerca da
motivação da Ucrânia para assim agir, levando em consideração os incentivos negativos,
sugere que este país desejava construir a sua reputação internacional (Sagan 1996).12
Note-se que tal asserção pode ser considerada inconsistente com as discussões anteriores em
relação aos estados recém independentes e a sua decisão de expropriar os investimentos. Mais
detalhada consideração, contudo, revela que não há nenhum conflito aqui. Como
mencionado, nesse contexto, os estados recém independentes não tinham motivo para pensar
que futuros fluxos de investimentos seriam modestos, de forma que a expropriação dos
investimentos já feitos, ainda que tivesse um profundo impacto na reputação dos estados para
o cumprimento com as regras de direito internacional regendo a expropriação, geraria
módicos custos.13 As ex-Repúblicas Soviéticas, por outro lado, de forma geral, procuravam
relações com o Ocidente e poderiam esperar extrair valor de uma forte reputação.

O PAPEL DA INFORMAÇÃO

Até aqui, assumiu-se que os estados dispõem de informações completas a acerca dos ganhos
não-reputacionais existentes, das obrigações jurídicas e de algumas outras ações. Agora,
flexibilizamos estes pressupostos informacionais.

Quando os estados interagem, eles têm alguma informação acerca das metas e objetivos de
suas contrapartes, mas, normalmente, não possuem conhecimento completo acerca daquilo
que elas pretendem alcançar. Podem haver, por exemplo, pressões domésticas que não seja
evidente para uma contraparte, ou objetivos internacionais desconhecidos de quem está do
lado de fora. Para fins de desenvolver um modelo, assume-se que os estados têm imperfeitas
informações acerca de os ganhos reputacionais e não-reputacionais de outro estado. Mais do
que apontar estes ganhos com precisão, os estados dispõem de estimativas neutras acerca dos
mesmos. Formalmente, pode-se pensar nos ganhos não-reputacionais em um caso específico
como derivado de uma distribuição de probabilidade, em que os estados observadores sabem
a distribuição relevante, mas não observam o ganho individual.

A informação imperfeita respeitante aos ganhos torna mais difícil declinar inferências de
observações de cumprimento ou violação. Suponha-se que, por exemplo, um estado seja
observado violando uma regra de direito internacional, a despeito do fato de que os outros
estados esperam que ele cumpra a regra de acordo com as estimativas que têm acerca dos
ganhos reputacionais e não-reputacionais desse estado observado.

Um estado observador pode concluir que os ganhos não-reputacionais são tais quais ele
estimara, caso em que a sua estimativa da disposição dos outros estados para cumprir (i.e., a
reputação destes) necessita ser reajustada para baixo. Alternativamente, este esse estado
inferir que as suas estimativas acerca dos ganhos não-reputacionais estavam incorretas. Se o
ganho no curto prazo adveniente da violação era maior, em relação ao ganho adveniente do
cumprimento, do que esse estado esperava, a violação pode ser explicada. Em assim sendo, o
estado observado pode ter se comportado precisamente da forma que a sua existente
reputação predizia e, então, não há motivo para o ajuste das crenças acerca de sua
disponibilidade para o cumprimento.

Em uma circunstância, a violação observada é consistente com a reputação existente de um


estado, ao passo que em outra, a violação sinaliza que a reputação do estado deveria ser
ajustada para baixo. Pelo fato de tanto a disposição de cumprir com o direito internacional
quanto os ganhos são incertos, contudo, os estados observadores não têm maneira de saber
qual das duas interpretações é a correta (ou se é a combinação de ambas). Na falta de
informação, os estados observadores devem estimar a probabilidade de a violação ser devida
a inesperados custos elevados de cumprimento, bem como a probabilidade de que a reputação
do estado seja mais fraca do que se pensava.

A incerteza acerca dos ganhos em relação à contraparte, dessa forma, torna o processo de
estimar a reputação da mesma menos preciso. As ações que deveriam ser atribuídas a ganhos
não-reputacionais, serão atribuídas, parcialmente, à reputação, e ações que deveriam ser
atribuídas à reputação, serão atribuídas, parcialmente, a outros ganhos.

A lição daqui emanada é que a incerteza acerca dos ganhos reputacionais reduz as
conseqüências reputacionais de uma violação. Tais conseqüências ainda encontram-se
presentes, mas são menores. O mesmo, por certo, será verdadeiro para as decisões de
cumprimento. Em que pese possam elevar a reputação de um estado, a magnitude desse
aumento será reduzido na medida em que os estados observadores estiverem certos quanto
aos ganhos não-reputacionais associados.14

INCERTEZA E REGRAS JURÍDICAS


Problema similar exsurge quando há incerteza acerca das regras jurídicas atinentes ao caso.
Incerteza como essa existe por diversas razões. A regra pode ser de direito internacional
costumeiro, caso em que há boas chances de a sua própria existência ser contestada. Ainda
que se trate de tratado, poderá haver incerteza pelo fato de o mesmo ser ambíguo ou
incompleto no que tange à ação em exame. Para ilustrar, o governo dos Estados Unidos
inicialmente interpretou tratados atinentes ao tratamento a ser dado aos capturados da Al-
Qaeda e aos soldados do Taliban de forma a aumentar a liberdade dos militares americanos e
das agências de inteligência para determinar a maneira pela qual conduziriam os
interrogatórios dos presos. Os Estados Unidos argumentaram, por exemplo, que o artigo 3
comum, das Convenções de Genebra, que prevê certas regras regendo conflitos “de caráter
não internacional”, não se aplicaria ao conflito com a Al-Qaeda e com o Taliban. Na medida
em que tais alegações e os protestos relacionados realizados por outros estados e pelas
organizações de direitos humanos evidenciaram alguma incerteza internacional, em relação
ao conteúdo das referidas obrigações, reduziram as conseqüências reputacionais para os
Estados Unidos, pela alegada violação. Em junho de 2006, a Suprema Corte norte-americana
decidiu que o aludido artigo 3 não se aplica aos indivíduos capturados no Afeganistão,
eliminando a dúvida acerca de seu significado, pelo menos no que tange ao direito norte-
americano.

Ao se deparar com incerteza em relação à lei, um estado pode ter dificuldades em determinar
se sofrerá um sanção reputacional pela conduta que vier a praticar. Pelo fato de a sanção
reputacional ser o resultado de uma atualização de crenças pelos estados observadores, o que,
ao final, importará será a atitude dos estados observadores. Resulta claro para todos os
estados que a lei é, de alguma forma, ambígua, mas estados diferentes podem ter crenças
distintas acerca do significado da lei ou daquilo que deveria significar. Se o comportamento
do estado observado instiga os estados observadores a ajustar, para baixo, as suas estimativas
em relação à reputação do mesmo, isso representa um custo ao estado observado.

Tal constitui um dilema para um estado que estiver considerando praticar ações de legalidade
duvidosa. Ainda que o estado considere, de boa-fé, que uma ação em particular seria legal,
não pode assegurar que os demais estados chegarão à mesma conclusão. Na medida em que
as regras jurídicas sejam duvidosas, então, o estado observado deve mover-se
cautelosamente.
Um estado observador depara-se com semelhante problema. Se observa uma conduta que
considera ilegal, mas o estado observado argumenta seja permitida, que conclusão deve
derivar acerca do cumprimento futuro pelo estado observado? De um lado, o estado
observado pode considerar que ele mesmo esteja violando a lei e esteja tentado revolver as
águas, afirmando que as suas ações são permitidas. Por outro lado, o estado pode ter tentado,
de boa-fé, cumprir com a regra atinente ao caso e pode ter, simplesmente, alcançado
conclusão diversa acerca do conteúdo da mesma. Em qualquer dos casos, a reputação do
estado observado pode ser afetada, mas, no primeiro caso, provocaria redução mais
significante na reputação do que ocorreria no segundo. O esforço de boa-fé no sentido do
cumprimento indica uma diferença de interpretação. Fosse nítido o contorno da lei, pode ser
que o estado a tivesse cumprido, caso em que não se faria necessário qualquer ajuste
reputacional. Um estado que, de má-fé, argumenta no sentido do cumprimento, por outro
lado, sabidamente violou a lei e, nesse sentido, emitiu um mais forte sinal acerca de sua
disposição em cumprir.

A única estratégia acurada para um estado observador é ajustar a sua percepção, acerca da
reputação do estado observado, com base em sua própria estimativa de como este estado
atuará. A violação de uma regra jurídica pelo estado observado (na visão do estado
observador) sugere que haverá alguma perda reputacional (desconsiderando a possibilidade
de que a violação fosse esperada em razão dos ganhos não-reputacionais) e, ainda, que a sua
magnitude refletirá alguma estimativa da possibilidade de o estado observado agir de boa-fé.

Questão intimamente relacionado constitui-se a de como os estados passam a acreditar que


uma determinada interpretação de um texto é a correta. Isto é, na hipótese de haver
ambigüidade em um acordo, como os estados alcançam o seu significado e determinam o que
constitui uma violação? Parece claro que as normas surgem (arise around) cláusulas
específicas, e que tais normas influenciam a interpretação. Menos elucidado resulta o lugar
em que as normas surgem. Alguns derivam do curso de negociações, outras do contexto geral
(i.e., se uma cláusula é usada em diversos acordos existentes, é dado que significa a mesma
coisa quando prevista em novo acordo), e outras, ainda, de interações que ocorrem após a
entrada em vigor do tratado. De fato, por certo, só o texto em si é dotado de força jurídica,
geralmente, mas, na prática, as normas de interpretação são relevantes.

Mas se as normas destinam-se a elucidar o significado do texto, pode-se admitir que as


mesmas normas sejam capazes de alterá-lo. Dito de outra forma, as normas podem gerar uma
regra jurídica de facto que o texto de um acordo não tenha previsto. Considere, por exemplo,
a retirada de Trinidad e Tobago da Convenção Inter-Americana de Direitos Humanos e do
Protocolo Opcional do ICCPR, em 1999. Ambos os casos ocorrem dentro da legalidade, vez
que foram realizados em conformidade com as cláusulas sobre a retirada, previstas nos dois
acordos.15 Entretanto, o aludido país recebeu muitas críticas por sua atitude, a qual tinha por
efeito a denegação de supervisão supranacional acerca de alegados abusos contra os direitos
humanos no âmbito doméstico.16 Tal negação foi, na visão dos críticos, equivalente à
denegação dos próprios direitos humanos (Trinidad e Tobago permaneceu parte do ICCPR).
O efeito foi a mitigação da percepção de que este país estava comprometido com as suas
obrigações no tocante aos direitos fundamentais. Pode-se interpretar a retirada de Trinidad e
Tobago como um sinal de que esse estado não está disposto a cumprir com as regras do
direito internacional costumeiro inseridas nos adequados instrumentos, ou, ainda, pode-se
interpretar como a existência de uma norma direcionada ao banimento de facto à retirada do
próprio tratado. Em quaisquer dos casos, a despeito da legalidade textual de suas ações, a
reputação de Trinidad e Tobago, em relação ao cumprimento de suas obrigações de direitos
humanos, resultou desgastada, em conseqüência das aludidas retiradas.

Essa mesma argumentação ajuda a entender como um acordo pode vir a ser obsoleto, em
parte ou totalmente. Ainda que não haja a extinção formal, as partes podem comungar o
entendimento de que o tratado tornou-se inapropriado e não é mais cumprido. Considere, por
exemplo, que o Departamento de Estados americano arrole, como tratados em curso, uma
série de acordos assinados pelos Estados Unidos com o Irã, antes da revolução iraniana de
1979, incluindo o Acordo de Defesa e Assistência Mútua;17 acordos de cooperação
econômica18; e acordos de assistência educacional.19 Resulta claro que a falha dos Estados
Unidos em ajudar o Irã durante a Guerra Irã-Iraque, e, de fato, a sua decisão em auxiliar o
Iraque, não manchou a reputação americana para o cumprimento do direito internacional. Os
eventos tornam obsoletos os tratados e todos os observadores entenderam que isso bastava.

A discussão acerca da informação lança luz em uma das formas pelas quais os acordos
internacionais podem afetar o comportamento. Ao fornecer maior transparência, em relação
às regras relevantes, os acordos internacionais tornam mais fácil classificar um
comportamento como cumpridor ou violador. Isso, per se, eleva a probabilidade de
cumprimento, pelo fato de que distingue os violadores dos não-violadores. A clareza das
normas torna menos provável que um comportamento violador passe por cumpridor ou que
um comportamento de acordo com o direito internacional seja considerado uma violação ao
mesmo.

Tal discussão oferece, ainda, uma explicação de o porquê de os estados defenderem a sua
posição como de acordo com o direito internacional. Na medida em que um estado seja capaz
de persuadir outros de que a sua ação deu-se, de fato, em conformidade com razoável
interpretação do direito, a sanção reputacional resultará mitigada.

A INCERTEZA SOBRE AS AÇÕES

Discussão análoga aplica-se à incerteza acerca das ações dos estados. Por exemplo, não se
sabe ao certo como os Estados Unidos estão tratando os detentos em Guantánamo. Há
alegações passíveis de credibilidade no sentido de que existem abusos contra os direitos
humanos, mas a incerteza persiste no que tange à escala e à extensão do comportamento que
viola o direito internacional.

Desnecessário é dizer que uma violação ao direito internacional gera uma sanção reputacional
somente se algum outro país tem conhecimento da ocorrência de tal violação. A isso se segue
que uma violação conduzirá a uma perda reputacional diminuída, caso poucos países
souberem de sua ocorrência. Ao reduzir a visibilidade de suas violações, os estados reduzem,
assim, as conseqüências reputacionais das mesmas.

A questão torna-se mais complexa caso as ações de um estado possam somente ser
imperfeitamente observadas. Isso é verdade no exemplo de Guantánamo, bem como em
vários outros contextos. Por exemplo, a legislação ambiental de um estado pode ser
examinada, mas resultará difícil avaliar a sua aplicação ou o grau de corrupção a ela
associada. Outros exemplos são fáceis de serem encontrados – cumprimento dos acordos
sobre o controle de armas é, não-raro, difícil de ser verificado (e.g., o Irã e suas ambições
nucleares), o grau de subsídio conferido pelo estado à indústria (tornado difícil afirmar se há
violação às obrigações comerciais), e assim por diante.

Em outros casos, alguns estados observarão uma ação específica, mas outros não. Aqueles
que observarem a ação ilegal, por certo, não se deparam com incertezas acerca da atividade
observada. Caso estes estados observadores anunciarem, publicamente, que uma violação
ocorreu, contudo, aqueles estados que não a testemunharam podem hesitar em acreditar nas
alegações ou na negativa do estado acusado (assumindo que o estado acusado negue o
ocorrido). Tais situações, e outras que tais, geram incerteza acerca das ações pelos estados
praticadas.

Quando há incerteza em relação à ilegalidade da ação do estado, os estados observadores


devem derivar ilações de acordo com as informações de que dispõem. Estimarão a
probabilidade de uma violação ter ocorrido e atualizarão as suas respectivas crenças. Um
estado acusado de ser o violador, dessa forma, sofrerá algumas perdas reputacionais, mas
quanto menor a chance de uma violação ter ocorrido, menor será a chance da ocorrência de
impacto em sua reputação. Estes estados não só deparar-se-ão com uma sanção reduzida,
como, também, alguns estados não-violadores, suspeitos de terem cometido uma violação,
sofrerão não-merecida perda reputacional, pelo fato de serem, erroneamente, suspeitos de
terem quebrado as suas obrigações jurídicas internacionais.

O resultado é a redução no incentivo para o cumprimento, que é fornecido pela sanção


reputacional, porque as conseqüências da violação, em relação ao cumprimento, são
reduzidas pela incerteza acerca das ações realizadas pelos estados.

O IMPACTO DA INCERTEZA

Cada forma de incerteza – relacionadas ao ganhos em uma situação; à regra jurídica


pertinente; ou às ações tomadas – reduz os incentivos para o cumprimento por meio da
redução do custo de violar. As inferências acerca da reputação tornam-se mais difíceis de
serem feitas tendo em conta as informações disponíveis. As estacas reputacionais de uma
ação em específico, assim, são reduzidas. O resultado é que alguns estados que teriam
cumprido com o direito internacional podem não o fazer, porque as sanções reputacionais
resultaram reduzidas.

Contudo, os estados não são de todo inúteis nesse contexto. Na medida em que estejam aptos
a promoverem informações mais completas, ajudam a preservar o incentivo ao cumprimento
próprio da reputação. Dentre as estratégias por eles utilizados encontram-se os esforços para
aclarar as regras jurídicas (e.g., codificação do direito internacional costumeiro); as
exigências de transparência nos acordos internacionais (e.g., o Acordo sobre a Aplicação de
Medidas Sanitárias e Fitossanitárias no âmbito da OMC, referente à saúde e segurança, inclui
a variedade de exigências de transparência, inclusive que as medida comerciais justificadas
com base na saúde e na segurança devem ser divulgadas anteriormente ao seu
cumprimento);20 medidas para assegurar a comunicação estabelecida (e.g., acordos
internacionais de defesa da concorrência contém, tipicamente, cláusulas específicas acerca do
compartilhamento de informações, e os agentes antitruste interagem via Rede Internacional
da Concorrência);21 relatando e monitorando a satisfação das exigências feitas no acordos
(e.g., Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(CEDAW, na sigla em Inglês) exige relatórios periódicos dos estados); e assim por diante. E,
claro, os estados são capacitados para discutir conflitos e desacordos e, ainda, compartilhar
informações diretamente um com outro quando do surgimento de problemas.

O esforço para melhorar o fluxo de informação parece ser uma tarefa meritória, tal como o
comportamento que a “managerial school” objetiva encorajar (Chayes e Chayes 1995).
Chayes foca em como a comunicação entre as partes de um acordo pode melhorar o
cumprimento elucidando ambigüidades interpretativas; promovendo o consenso acerca do
que seja o cumprimento; sugerindo novos métodos de adimplir obrigações; e persuadir as
partes a cumprir o acordo. O verdadeiro mecanismo pelo qual se dá o cumprimento , contudo,
é um tanto quanto diverso no modelo “managerial”. Na medida em que o modelo fornece
uma noção da razão de os estados praticarem o cumprimento, determina que os estados têm
uma “propensão geral ao cumprimento” com os seus compromissos. No modelo da escolha
racional, neste livro desenvolvido, por certo, nenhuma propensão geral como esta é assumida.
Os mecanismos informacionais discutidos anteriormente (dentre outros) são úteis porque
aumentam a relevância e a força das sanções reputacionais. Vale dizer, melhores informações
conduzem a ganhos que incentivam o cumprimento.

Quando os estados requerem informações, por certo, o objetivo não é, em todas as vezes,
simplesmente trocar informações confiáveis com os demais. Pelo fato de as questões
informacionais afetarem os ganhos, os estados têm um incentivo para tentar manipular o
conjunto de informações disposto aos outros. Isso é feito de maneira mais explícita quando
um estado tenta esconder a sua conduta ilegal, mas tenta afetar, mas as tentativas de afetar as
visões de outros estados são comuns em relação a cada uma das três categorias
informacionais mencionadas na presente seção (ganhos, regras jurídicas e ações). Por
exemplo, no dia 31 de Março, de 1939, o Primeiro-Ministro britânico, Neville Chamberlain,
declarou, em um discurso na Câmara dos Comuns, que Grã-Bretanha e França garantiriam a
segurança da Polônia contra uma possível invasão alemã. Considerou-se tal declaração como
um empréstimo de credibilidade ao compromisso da França com a Polônia, sob a Aliança
Militar Franco-Polonesa, de 1921, e prenunciou a assinatura de tratado Anglo-Polonês de
defesa mútua, em Agosto de 1939. De fato, a aludida declaração alegou que os ganhos da
Grã-Bretanha eram de tal forma que, caso a Polônia fosse atacada, resultariam insuficientes.
A forte retórica praticada pelos estados quanto ao direito internacional costumeiro da
expropriação é outro exemplo em que eles têm tentado influenciar o conteúdo da norma
jurídica. Durante muitos anos, os Estados Unidos, dentre outros estados, insistiram que a
“Hull Rule” de pronta, adequada e efetiva compensação aplicava-se às situações em que
investimentos estrangeiros fossem expropriados. Muitos outros estados resistiram a essa
interpretação, argumentando que algum outro padrão, mais baixo, deveria ser aplicado.22

Dessa forma, tem-se que o papel da informação ajuda a explicar o porquê de os estados
envidarem tantos esforços a fim de influenciar percepções de outros estados, bem como de
outros atores. Tais esforços incluem rejeições oficiais (verdadeiras ou não) em relação à
conduta do estado, a participação em debates acerca das regras de direito internacional em
vigor e exigências das estacas envolvidas nas decisões. Quanto mais bem-sucedidos forem
esses esforços, menor a conseqüência reputacional para um estado violador.

As mesmas considerações explicam como o trabalho de algumas ONGs defensoras dos


direitos humanos, tais como, a Anistia Internacional, podem afetar o comportamento dos
estados. Relatórios com credibilidade que lançam luz sobre a conduta dos estados reduzem a
incerteza em relação ao seu cumprimento e, dessa forma, aumentam as conseqüências
reputacionais de uma violação.

Interessante é notar que muitas ONGs defensoras dos direitos humanos estão, também,
engajadas no esforço de alargar as fronteiras dos direitos humanos e expandir as regras
jurídicas para incluir mais outros tipos de conduta. Para tanto, desenvolvem argumentos
acerca da razão pela qual ações específicas deveriam ser consideradas violações a direitos
humanos, ou, ainda, podem determinar que uma regra em particular exista até mesmo quando
um observador desinteressado possa discordar. Esse esforço é direcionado para o alcance de
maior consenso acerca das obrigações referentes aos direitos humanos e persuadir pelo menos
algumas pessoas de que mais normas de direitos humanos deveriam ser consideradas
obrigações jurídicas. Um comportamento como o descrito pode não gerar um aumento na
certeza (se bem-sucedido, poderá, simplesmente, expandir o conjunto de ações consideradas
ilegais sem que gere qualquer elucidação adicional), mas pode servir para expandir o
conjunto de comportamentos prescritos pelo direito internacional.
Um dos resultados dessas ações é que a diferença entre uma violação a um tratado de direitos
humanos – em que a lei é, relativamente, clara – e a violação de uma norma de direito
costumeiro, em que a regra é, não-raro, menos clara, não resulta enfatizada. Tal situação é
fonte de tensões para alguns grupos que defendem os direitos humanos. Quando do relato de
violação aos direitos humanos, assume importância o fato de tais grupos sejam dotados de
credibilidade. Reconhecendo-se em um grupo o explícito partidarismo ou o desejo
desesperado de condenar as práticas dos governos, os relatórios dele advenientes perderão
credibilidade e deixam de ferramentas úteis para a disseminação de informações. Na tentativa
de estender as fronteiras da lei, contudo, um grupo defensor dos direitos humanos tem
incentivo para propugnar por uma definição extensiva dos direitos humanos. Embora os
grupos também necessitem de credibilidade para tanto, esse trabalho está mais para o estilo
da advocacia e menos para o estilo de relatórios desinteressados. Um grupo engajado em sua
função advocatícia, de forma imparcial e neutra, logrará menos sucesso no papel de
influenciar o curso dos direitos humanos. Contudo, um grupo que apresentar atividade
fortemente viesada terá menos credibilidade quando tentar trazer à tona violações existentes.

A COMPARTIMENTALIZAÇÃO DA REPUTAÇÃO

Dizer que os estados querem e perseguem a reputação no sentido de cumprimento com o


direito internacional deixa aberta a questão de se um estado tem uma única reputação para o
cumprimento ou se a reputação varia conforme a área, a contraparte em um acordo ou, ainda,
o regime político. Alguns autores argumentam que os estados têm diferentes reputações em
relação a diferentes acordos (Downs e Jones 2002; Mercer 1996, p.7), ao passo que outros
asseveram que o estado tem somente uma reputação (Chayes e Chayes 1995).23 A maior parte
da discussão que segue concentra-se na questão de se os estados têm diferentes reputações em
diferentes áreas. Discussões análogas poderiam investigar a medida em que diferentes
regimes dentro de um estado têm diferentes reputações, e a medida em que a reputação
depende não, tão-somente, do estado observado, mas, também, do estado observador. Pelo
fato de as mesmas idéias básicas aplicarem-se a essas outras dimensões, junto com as quais a
compartimentalização da reputação pode ocorrer, eu as discuto de forma mais abreviada após
a consideração das reputações concernentes a áreas específicas.
REPUTAÇÃO de acordo com a área

A medida na qual as violações afetam, geralmente, a reputação de um estado e a medida na


qual o impacto resulta limitado a apenas uma área depende, principalmente, daquilo que os
estados observadores aprendem como resultado de uma violação. Quando um estado viola
um compromisso, revela que o seu ganho esperado que advém da violação é maior do que o
ganho esperado passível de advir da prática do cumprimento. Os estados observadores devem
tentar inferir as razões da ocorrência disso. Uma possibilidade é que os ganhos diretos que
advêm da violação, em comparação com os advindos do cumprimento, são maiores. Em
assim sendo, não há motivo para que a violação nesta área afete outras. Suponha, por
exemplo, que a Venezuela adira e, subseqüentemente, viole um acordo ambiental. Caso os
estados observadores concluam que essa violação corresponde à visão venezuelana segundo a
qual os danos ambientais no futuro serão pequenos (e, assim, a Venezuela não está preparada
para suportar significativos custos para proteger o meio ambiente), então, estes estados
atualizarão as suas crenças em relação à atitude da Venezuela em relação à questão
ambiental. Tal atualização não causará impactos nos acordos internacionais referentes a,
digamos, comércio ou segurança. Outra possibilidade, contudo, é que os estados
observadores irão concluir que a violação reflete uma mais generalizada relutância em
suportar custos no presente em troca de benefícios no futuro. Pode refletir,
exemplificativamente, o fato de que os líderes venezuelanos tenham mais elevada taxa de
desconto do que previamente se pensava. Se positivo, a violação conduzirá à atualização das
crenças acerca da disposição da Venezuela em cumprir com o direito internacional em geral e
causará impacto, como conseqüência, nos esforços desse país para atingir a cooperação
internacional.

É útil entender claramente o que significa um estado ter uma ou mais de uma reputação. Se
um estado tem uma reputação para todas as áreas, todas as suas ações são passíveis de causar
efeitos em sua reputação. Considerando o extremo, ações na área dos direitos humanos não
têm maior impacto reputacional nos compromissos futuros que envolvem essa matéria do
que, digamos, em futuras promessas na área econômica ou na ambiental. Se, por outro lado, a
reputação de um estado é integralmente compartimentalizada de acordo com cada área, as
ações em uma área não causarão impactos reputacionais em outras. Um estado pode cometer
amplas e flagrantes violações nos compromissos da área de segurança , por exemplo, sem que
isso afete a sua reputação na área econômica. Até mesmo dentro de uma área específica, um
estado pode ter diversas reputações a depender dos detalhes da interação. Huth (1997), por
exemplo, desagregou uma reputação, para dividi-la em quatro diferentes categorias.

A acurada resposta à questão de saber se os estados têm uma reputação ou reputações


múltiplas, levando em consideração o entendimento atual sobre o tema, é, quase que com
certeza, as duas. Por diversas razões, resulta improvável que as violações ocorridas em uma
área específica sejam, estritamente, à mesma limitada. Primeiro, uma violação (ou
cumprimento) fornece informações acerca das atitudes do estado em relação a uma específica
área do direito. Sinaliza quão importante a referida área é para o estado, quão importante será
a cooperação futura na área, e assim por diante. Pode parecer simples, mas requer alguma
noção do que vem a ser uma “área” do direito. Por exemplo, seria a Convenção de Genebra
Relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra a sua própria área, significando que
violações ali ocorridas não afetariam as demais? Ou a violação a convenções como a referida
afetaria a reputação de um estado no que tange ao direito humanitário em geral? As violações
teriam implicações para outras questões de segurança, tais como, a reputação de um estado
para o cumprimento do banimento de minas terrestres ou outra tecnologia militar? Ou, ao
reverso, e, talvez, também, as violações afetariam a reputação do estado em relação a tratados
versando sobre direitos humanos? A resposta, por certo, é que não há resposta. Aquilo que
constitui uma área, para este propósito, dependerá, largamente, do contexto e, ainda, em
relação a uma única decisão de cumprimento não haverá uma “área” específica. A violação
de um tratado de pescaria poderá sinalizar tanto que o estado não está totalmente ciente dos
danos causados aos cardumes quanto que há pouco apoio doméstico para adoção de medidas
ambientais, de forma geral.

Segundo, as violações aos compromissos internacionais, no mínimo, fornecerão informações


acerca da taxa de desconto de um estado. Ainda que esta taxa varie a depender de cada
matéria, as taxas de desconto serão determinadas, em cada área, pela disposição geral do
estado em aceitar suportar os custos presentes para gozar de benefícios futuros, bem como
serão determinadas, por exemplo, pela estrutura doméstica de um estado.

Por fim, observações sugerem que as reputações são generalizadas, pelo menos em alguma
medida. Isso pode ser mais claramente percebido na forma de estados não-confiáveis que
sacrificaram qualquer capital reputacional que já tiveram. Estes estados, normalmente, não
são considerados violadores em apenas algumas poucas e discretas áreas (embora possa haver
algumas áreas que sejam mais responsáveis pela perda de reputação destes países), podendo,
simultaneamente, serem considerados parceiros confiáveis em outras áreas. Pode parecer que,
ao invés disso, violações suficientemente egrégias, em algumas áreas, são, com freqüência,
suficientes para comprometer a reputação de um estado como um todo. Isso é consistente
com o modelo de reputação aqui desenvolvido, porque violações egrégias, em diversas áreas
podem indicar que um estado tem uma elevada taxa de desconto ou, simplesmente, espera
obter poucos benefícios de uma forte reputação. Em assim sendo, resulta apropriado para os
outros estados derivar conclusões negativas acerca da reputação geral do estado observado.

Se a noção de que um estado tem reputações múltiplas que são completamente isoladas umas
das outras parece forçada, da mesma forma, resulta difícil acreditar que os estados tenham
uma única reputação que serve a todas as áreas. Considere, por exemplo, o regime de
Pinochet no Chile, no início da década de 1970. Pinochet chegou ao poder por meio de um
golpe militar em 1973, que removeu o governo de esquerda de Salvador Allende. O governo
Allende tinha nacionalizado indústrias, expropriado terras e fábricas e implementado controle
de preços, medidas que combinadas deixaram a economia chilena em pedaços, tornando
ansiosos os investidores internacionais. A junta militar de Pinochet assumiu o poder com dois
objetivos: estabilização econômica e reforma política destinada a evitar a recorrência de
políticas polarizadas e auto-destrutivas. O aspecto político da agenda foi implementado
mediante repressão, o que, em sua maioria constitui violação ao ICCPR, tratado que o Chile
havia ratificado em 1972 e entrado em vigor em Março de 1976. Em contraste, as reformas
econômicas neoliberais foram implementadas visando a estabilização econômica e a
restauração da credibilidade do Chile entre as comunidades globais de finanças e negócios,
um programa que rendeu resultados profícuos de 1977 a 1981 e, após, mais uma vez, tendo
como conseqüência a independência do Chile em relação à assistência do FMI, no final dos
anos 1980. Neste exemplo, o Chile de Pinochet beneficiou-se com a reputação para o
cumprimento dos compromissos econômicos, mas, com certeza, em termos de direitos
humanos, a sua reputação era mais fraca. A invasão americana do Iraque, em 2003, constitui
outro exemplo. Em que pesem os respingos a outras áreas, no fundo, o dano reputacional aos
Estados Unidos parece ter sido limitado a questões de paz e segurança.

Assim, é possível que os estados tenham diferentes reputações em diferentes áreas, mas tais
reputações são relacionadas umas com as outras. Pode-se pensar nas ondas formadas pela
queda de uma pedra em um lago, sendo o local em que a pedra cai análogo à ocorrência da
violação. As conseqüências reputacionais são as maiores no ponto de impacto, e nos pontos
que deste distanciam-se, as conseqüências reputacionais resultam diminuídas. Embora seja
possível que um estado tenha múltiplas reputações, é improvável que tais reputações sejam
inteiramente independentes umas das outras. A violação de um acordo ambiental, por
exemplo, pode ter o seu maior impacto na reputação do estado referente ao cumprimento de
compromissos ambientais, mas terá, com freqüência, pelo menos alguns respingos em outras
áreas.

Note-se que o estado observado não pode controlar a proporção em que o seu comportamento
em uma área afete a sua reputação em outras. A proporção em que a reputação espirra de uma
área à outra é determinada pela proporção em que o estados observado fornece informações
acerca de características que sejam relevantes em apenas um contexto específico (por
exemplo, se o estado valoriza a cooperação em andamento em uma questão menor), em
oposição a um conjunto mais amplo de situações (por exemplo, a taxa de desconto do
estado). Se um estado observador acreditar que a quebra provocada por outro estado em sede
de direitos humanos emite um sinal de indisposição ao cumprimento na área do comércio, por
exemplo, então, tal quebra transferirá custos reputacionais aos compromissos na área
comercial.

A questão de se os estados têm uma ou diversas reputações tem implicações na efetividade


dos acordos internacionais. Dentre outros efeitos, o número de reputações que um estado tem
determina a medida na qual as decisões sobre o cumprimento em uma área são influenciados
pelas questões reputacionais em outras. Podem as decisões em questões de paz e segurança,
por exemplo, serem tomadas sem que sejam afetados os compromissos presentes e futuros? A
resposta a esta questão tem importantes implicações para as decisões que os governos tomam.
Considere, por exemplo, os esforços feitos pelos americanos na guerra contra o terror. Caso a
reputação seja altamente compartimentalizada, os Estados Unidos podem ser muito mais
agressivos em algumas de suas ações do que na situação em que houvesse respingos
reputacionais em outras áreas. Suponha que os Estados Unidos violem regras internacionais
que regem o tratamento a ser conferido aos prisioneiros. Caso venham a sofrer danos
reputacionais tão-somente em relação à área do direito humanitário, os custos associados
resultam modestos. Esforços americanos futuros no que tange à área do direito humanitário
são improváveis de serem considerados centrais para o país, e, então, ainda que a celebração
de acordos nessa área seja tornada mais difícil no futuro, os custos para os Estados Unidos
são muito pequenos. O que deve ser notado, entretanto, é que os Estados Unidos poderiam
desejar valer-se do direito internacional como uma ferramenta para proteger os seus próprios
cidadãos e soldados, e as suas correntes violações poderiam obstruir tal esforço. Se, por outro
lado, as violações dos americanos produzissem respingos reputacionais que afetassem outras
áreas da cooperação internacional, os custos podem ser elevados. Se, por exemplo, as
violações dos Estados Unidos obstaculizassem as negociações e relação às ambições
nucleares da Coréia do Norte, os custos seriam muito mais elevados.

Uma área em que a compartimentalização da reputação é importante são os direitos humanos.


Considere, por exemplo, o potencial do direito internacional em compelir a conduta de um
estado em relação aos direitos humanos. A Venezuela, por exemplo, é parte do ICCPR, o
qual proíbe, dentre outras coisas, tortura, degradação, prisão detenção arbitrárias. Da mesma
forma, garante direitos a certos processos legais. O colapso, recentemente, do sistema de lei e
ordem na Venezuela comprometeu, largamente, esses direitos, instigando investigação por
parte da Comissão de Direitos Humanos da ONU, bem como da Comissão Inter-Americana
de Direitos Humanos. Caso a reputação fosse totalmente compartimentalizada, estes
acontecimentos imporiam conseqüências reputacionais tão-somente nos compromissos da
Venezuela em relação aos direitos humanos. A menos que tais compromissos estejam
linkados aos benefícios internacionais pelos quais os líderes da Venezuela interessam-se (e.g.,
comércio internacional), resulta difícil perceber por que a perda reputacional os preocuparia.
Se, por outro lado, o estado sofresse uma perda generalizada em sua reputação, tal seria
custoso aos tomadores de decisão, a quem pareceria mais difícil perseguir quaisquer outros
objetivos que possam vir a ter na arena internacional.

Partindo dos exemplos dados, se as reputações são compartimentalizadas, mais difícil será
par gerar cumprimento em áreas nas quais os estados têm pouco interesse em construir uma
boa reputação. Será, ao reverso, mais fácil de fazê-lo em áreas nas uais os estados obtêm
muitos ganhos a partir de uma boa reputação. Isso pode implicar que a cooperação será difícil
de ocorrer em questões, tais como, direitos humanos e, por outro lado, mais fácil, por
exemplo, em se tratando de interações econômicas.

Argumenta-se que a existência de uma única reputação implica que as taxas de cumprimento
deveriam ser comparadas em todas as áreas (Downs and Jones 2002). Isso, entretanto, não
necessariamente é verdadeiro. As taxas de cumprimento são determinadas pelos custos e
benefícios reputacionais e não-reputacionais de cumprimento. Uma única reputação não
significa que tanto os custos quanto os benefícios do cumprimento sejam constantes em todas
as áreas. Considere, por exemplo, a decisão de violar um tratado de extradição. Ainda que
possamos assumir a existência de apenas uma reputação, a decisão de cumprir refletirá, para
além da reputação existente do estado, os custos e benefícios não-reputacionais e as
conseqüências reputacionais da violação ou cumprimento. Não há razão para se pensar que os
ganhos não-reputacionais na área da extradição nutram qualquer relação em particular com os
relevantes, digamos, tratados que regem o estabelecimento de fronteiras nacionais. Pode ser
que haja poderosa pressão doméstica para que o tratado de extradição seja ignorado, o que
pode gerar ganhos não-reputacionais, os quais tornam a opção de violar a melhor estratégia
para o estado. NO que tange Às fronteiras nacionais, o estado pode não ter qualquer motivo
para desafiá-las, e, dessa forma, o cumprimento demonstra-se a melhor opção. Em relação
aos ganhos reputacionais, a violação de um tratado de extradição pode ser uma questão de
menor importância, da qual deriva pequeno impacto na reputação geral do estado, ao passo
que a violação de um tratado que delimita a fronteira pode acarretar impacto profundamente
negativo à reputação. O ponto aqui é que as diferenças nas conseqüências reputacionais não
exigem que os estados tenham múltiplas reputações.

Caso, de fato, os estados tenham múltiplas reputações que sejam interligadas, como discutido,
quais são as implicações para o direito internacional e seu cumprimento? Por certo, as ações
de um estado em uma área causarão nesta os maiores impactos. Dessa forma, a decisão de
violar um acordo comercial afetará, primeira e principalmente, a reputação do estado na área
de comércio e, especialmente, no tocante ao acordo em questão. Contudo, as conseqüências
reputacionais não se restringirão a uma área, tão-somente. Haverá respingos em questão
“adjacentes”, tais como, em acordos econômicos. Para os assuntos mais distantes, como o
meio ambiente e os direitos humanos, o impacto reputacional será, presumivelmente, menor.
Assim, se, de um lado, as reputações de um estado podem diferir de uma área para outra, de
outro, não são inteiramente independentes entre si.

Ao tomar uma decisão para o cumprimento, então, um estado levará em consideração o


impacto reputacional de suas ações sobre vasta gama de assuntos, mas reconhecerá que as
sanções reputacionais, em relação às demais áreas, serão tanto maiores quanto mais próximas
daquela de onde partir a violação estiverem.

REPUTAÇÃO POR REGIME


Uma vez que se reconhece que os estados têm diferentes, mas interligadas, reputações, resulta
fácil entender que estas podem variar, também, em relação a outras dimensões. Por exemplo,
a reputação de um estado é afetada pelo regime vigente no mesmo. Para ilustrar, considere-se
novamente o exemplo do Chile durante a transição do governo Allende para o Pinochet. No
primeiro, o Chile exproprio os ativos das companhias estrangeiras e, por conseqüência,
obteve a reputação, perante outros estados e investidores, de não respeitar o direito
internacional sobre investimentos.24 Quando Pinochet assumiu o poder, a reputação chilena
modificou-se quase que instantaneamente, ocorrendo o retorno dos investimentos
estrangeiros.

Quando a troca de regime ocorre de forma drástica, como no aludido exemplo chileno, resulta
de fácil percepção a modificação sofrida pela reputação. Embora menos dramáticas, possível
é que as mudanças mais modestas afetem, da mesma forma, a reputação de um estado. Por
exemplo, a eleição de um Democrata para a Casa Branca poderá reduzir a reputação norte-
americana em relação ao cumprimento de acordos de livre comércio. Pelo fato de os
democratas fiarem-se na organização dos trabalhadores para o seu suporte político, o seu
comprometimento com acordos de livre comércio, tal como o recentemente assinado DR-
CAFTA, pode resultar mitigado. Para ser franco, mudanças desse tipo ocorrem, tão-somente,
em termos marginais, e o novo regime mantém o interesse em honrar os compromissos
assumidos pelo anterior. O ponto aqui é simplesmente que alguns efeitos reputacionais
podem formar-se dessa maneira.

REPUTAÇÃO POR RELAÇÃO

Tal como a reputação pode variar de uma área para outra, é possível conceber que a
reputação de um país (ou a sua reputação em uma área particular) varia de acordo com a parte
com a qual se relaciona. Isto é, não há razão para pensar que um estado comportar-se-á,
quando tratar com inimigos e rivais, da mesma forma que o faz quando relaciona-se com
amigos e aliados. Se a vontade de um estado em cumprir varia de acordo com estes fatores,
os estados racionais levarão isso em consideração ao agir. Em negociações com o Canadá,
por exemplo, os Estados Unidos beneficiaram-se da alta reputação e confiança que
sustentavam. Em negociações com o Irã, os Estados Unidos gozam, por certo, de reputação
menos positiva. Em sede de revisão de estudos de casos na matéria de seguros e deterence,
Huth (1997) conclui que há alguma evidência para embasar a hipótese de que as reputações
distinguem-se de acordo com as partes com as quais se negocia. A medida na qual tal
evidência reflete o funcionamento da reputação no direito internacional é, contudo, uma
questão em aberto.

No contexto do meu modelo de reputação, resulta possível compreender reputações para


relações específicas, como reflexo do fato de que os estados mantém freqüentes valorosas
interações mais com uns estados do que com outros. Como já mencionado, os Estados Unidos
e o Canadá mantêm freqüentes interações, muitas das quais resultam em elevados ganhos
advindos da cooperação. Os Estados Unidos mantêm menos interações com, digamos, a
Tanzânia. De acordo com a discussão anterior, referente ao valor da reputação, o valor que os
Estados Unidos consideram para a reputação varia se o seu parceiro for o Canadá ou a
Tanzânia. Os norte-americanos, assim, teriam uma função-valor (que poderia ser
representada por Vc) para o Canadá e uma função-valor para a Tanzânia (representada por
VT). Tal como reputações compartimentalizadas por áreas, não há qualquer razão teórica
insuperável que faça crer que um estado terá ou uma única reputação para todas as áreas em
que atua ou várias e compartimentalizadas reputações. Ambas as hipóteses, e muitas outras
que se situam entre os extremos, podem gerar um equilíbrio estável.

Dito isso, parece improvável que a reputação de um estado seja inteiramente


compartimentalizada de acordo com os parceiros com quem interage. No mínimo,
observando-se o comportamento de um país em relação a seus parceiros, um estado pode
retirar lições acerca da taxa de desconto desse país, bem como acerca de suas atitudes
referentes às obrigações legais. Além disso, caso a reputação não ultrapassasse os limites de
uma relação específica, nós esperaríamos mais negligência nos casos em que um estado
valora menos a sua habilidade para assumir, com credibilidade, compromissos com
determinado estado no futuro. Por exemplo, quando um país em desenvolvimento aceita um
financiamento do Banco Mundial, a sua promessa de pagá-lo é garantida pela sua reputação
(pelo menos, a sua reputação em relação a obrigações financeiras). Embora os estados
pudessem não cumprir o prometido, poucos agem assim, mostrando-se não adeptos do
inadimplemento por temerem que tal fato possa gerar conseqüências negativas em relação a
outros potenciais financiadores, sejam estes do setor privado ou outros estados. Note que não
se trata de uma simples preocupação acerca da debilitada saúde financeira de um estado. Nos
casos em que o inadimplemento em relação aos financiamentos a partir do Banco Mundial ou
do FMI é cogitado, sabe-se, comumente, que um estado passa por sérias dificuldades
financeiras. Não fosse por outra coisa, do ponto de vista estritamente financeiro, o
inadimplemento dos débitos existentes tornaria um estado mais apto a adimplir, vez que o
não-pagamento reduziria o montante total tomado emprestado. Contudo, os estados fazem
tudo o que podem para evitar o inadimplemento, porquanto temem a reação dos mercados
financeiros, incluindo outras partes para além do Banco Mundial e do FMI. A sua
preocupação com a reputação, por certo, ultrapassa os limites da relação contratual específica
na qual estão envolvidos. Terceiros que constatam o inadimplemento tomarão conclusões
acerca da possibilidade de inadimplementos futuros, a partir da conduta presente do estado
(Tomz 2007).

O comércio oferece outros exemplos. Na fase de negociação do CAFTA-DR, os países da


América Central seriam insensatos se ignorassem o comportamento dos Estados Unidos na
OMC e no NAFTA. Estes tratados sugerem, por exemplo, que os Estados Unidos geralmente
(com algumas exceções) respeitam as decisões dos corpos arbitrais estabelecidos nos acordos
comerciais.25

Um exemplo mais dramático é o nascimento de um novo estado. Por exemplo, após o colapso
da União Soviética, a Ucrânia tornou-se um estado independente. Teria sido insensato a
Ucrânia tratar todos os outros estados como se tivessem uma ficha reputacional limpa. Os
representantes ucranianos estavam cientes de como os estados reagiram a obrigações legais
no passado, ainda que nenhuma destas obrigações tivesse sido tomada em relação à Ucrânia.
Ao tomar em consideração as ações passadas dos estados, a Ucrânia estava apta a
desenvolver melhor estimativa acerca da credibilidade de seus futuros parceiros.

O IMPACTO DE MÚLTIPLAS REPUTAÇÕES

Em sua forma mais desagregada, então, é possível que cada regime de um país tenha o seu
próprio conjunto de reputações e que cada uma das reputações seja diferente em cada área e
de acordo com cada parceiro. Ainda, pode-se, provavelmente, identificar outras dimensões
segundo as quais a reputação resulta compartimentalizada. Como argumentado, entretanto,
um estado racional forma as suas expectativas acerca da conduta de outro estado conforme as
informações que dispõe, não havendo, assim, qualquer razão para pensar que cada uma das
reputações seja totalmente independente umas das outras. Dessa forma, ainda que haja
significativa diferença, por exemplo, na reputação da Tailândia, no que tange aos
compromissos econômicos, para a reputação deste País na seara dos direitos humanos, bem
como ainda que cada regime sucessivo tenha o seu próprio conjunto de reputações, o qual
venha a ser, em alguma medida, distinto do conjunto observado em outros regimes, haverá
respingos de uma reputação em outra. A mais útil informação para um estado observador
será, por óbvio, o comportamento passado de um regime atual dentro de uma determinada
área de atuação. Mas o que poderia fazer um estado observador caso não tivesse conduta
passada para observar? Um novo regime pode não ter ainda estabelecido ações, digamos, na
área de direitos humanos. Parece claro que, tirante circunstâncias não-usuais, o estado
observador levaria em consideração a reputação de um regime anterior na seara de direitos
humanos. Após isso, o estado ajustaria a reputação anterior a fim de que refletisse o que
conhece acerca do regime atual. Caso o regime atual tenha aceitado e cumprido obrigações
internacionais em outras áreas, ainda quando o não-cumprimento oferecia um ganho, então, o
estado observador pode ajustar para cima a sua estimativa reputacional. Neste simples
exemplo, tanto o regime anterior quanto o regime atual, bem como as áreas de reputação
influenciaram as percepções.

Na medida em que as reputações possam ser isoladas, no entanto, resulta interessante


perguntar se a força da reputação é reduzida na hipótese de respingos em outras áreas (em
outros parceiros ou em outros regimes). Downs e Jones (2002) argumentam que a presença
de múltiplos regimes implica que a reputação tem menos força.26 Esta conclusão exige,
contudo, que se assuma que com a mitigação da reputação de um estado, a sua força dentro
da respectiva área não se eleva. Considere o seguinte exemplo. Japão e Rússia celebraram
acordos comerciais e ambientais entre si. Assuma que cada país tem uma reputação única e
que a Rússia não honrou um acordo ambiental com o Japão. Como resultado, a Rússia terá a
sua reputação prejudicada e esta sanção reputacional imporá custos aos russos quando
tratarem outras questões ambientais e comerciais com o Japão. Para elucidar, considere que o
custo adveniente da perda de reputação seja E, no contexto ambiental, e T para o comércio,
derivando um custo total de E + T.

Agora, assuma que os estados tenham reputações separadas para o comércio e para os
acordos ambientais, e que a violação de um acordo ambiental não gere impacto na reputação
do estado na área comercial. Assuma, novamente, que a Rússia tenha violado um acordo
ambiental. De acordo com essa premissa, não haverá qualquer conseqüência reputacional na
arena comercial (i.e., T = 0). Por certo, permanece a conseqüência reputacional na área
ambiental. Assumindo-se que, neste caso, o custo na área ambiental seja o mesmo do que se o
estado tivesse uma única reputação, o custo total da violação seria simplesmente E. A isso se
segue que a premissa das múltiplas reputações implica que a reputação gera menos impacto
no cumprimento.

Contudo, tal análise é falha. O custo reputacional na área ambiental será maior caso haja
múltiplas reputações do que no caso de haver, tão-somente, uma única reputação. Isso se dá
pelo fato de que na hipótese de múltiplas reputações, haverá, necessariamente, menos
“oportunidades para o cumprimento” para que um estado estabeleça reputação em uma
determinada área. Se a Rússia tivesse uma única reputação, as suas ações na área comercial
gerariam informações que permitissem que o Japão formasse credos acerca do
comportamento russo na área ambiental. Isso significa que o Japão observaria maior número
de decisões de cumprimento, tomadas pela Rússia, e, dessa forma, a sua visão da reputação
russa seria mais estável. De outro lado, se a Rússia tivesse a reputação de cumprir os acordos
na área ambiental, tal seria independente de todas as outras áreas e o Japão observaria menos
decisões tomadas pela Rússia. Em assim sendo, quando a Rússia toma a decisão no sentido
de cumprir o celebrado, os antecedentes de que dispõem os países observadores (incluindo o
Japão) resultam enfraquecidos, e o impacto de uma conduta em particular na reputação será
maior. A violação do acordo ambiental provocado pela Rússia, então, geraria um custo
reputacional na área ambiental da ordem de E* > E. Sem que sejam tomadas outras
premissas, não há como saber se E* é maior ou menor do que E + T.

Assim, não se pode concluir que as múltiplas reputações reduzem, de alguma forma, os
incentivos de um estado para cumprir com suas obrigações. Podemos concluir que a
reputação terá maior impacto nas áreas em que o valor da cooperação é maior. Nestas, uma
perda de reputação impõe custos relativamente altos, de forma que o inadimplemento é
desencorajado. Isso pode descrever, por exemplo, o comércio. Em que pese haja uma plêiade
de exceções, resulta claro que os estados tendem a cumprir com as suas obrigações
comerciais ainda quando estas imponham custos no curto prazo. Parece provável que o não-
cumprimento de obrigações comerciais frustra um bom acordo de cooperação no futuro e,
dessa forma, é custoso. Os direitos humanos representam útil exemplo em que o oposto é
verdadeiro. Os estados que são tentados a violar os direitos humanos não se preocupam com a
possibilidade de que acordos nesta área em período futuro serão difíceis de serem negociados
ou aderidos. Isso reduz os custos associados com a violação desses tratados e, assim, tornam
a violação mais provável.

LIMITES E OBSTÁCULOS (caveats)

Antes de discutir as fontes do direito internacional nos próximos dois capítulos, cabe ressaltar
alguns limites e algumas questões ensejados pela teoria até aqui desenvolvida. Nas subseções
seguintes, discute-se os limites da capacidade da reputação em influenciar a conduta do
estado e a relação entre a reputação de cumprimento com o direito internacional e outros
tipos de reputação.

Os limites da capacidade da Reputação para gerar cumprimento

Deve resultar claro, a partir da discussão já desenvolvida, que as sanções reputacionais


podem gerar o cumprimento em algumas circunstâncias, mas não em todas. Esta é uma
característica de qualquer modelo de direito internacional. Observa-se que, em algumas
vezes, os estados violam as suas obrigações e, dessa forma, a nossa teoria deve ter alguma
explicação acerca do momento em que isso ocorre.

Considere uma das mais dramáticas falhas do direito internacional no último século – o
Acordo de Munique, de 1938. Conforme o estabelecido neste Acordo, a França e a Grã-
Bretanha concordaram com a anexação dos Sudetas à Alemanha, uma região de língua alemã
na Checoslováquia. Em troca, Hitler prometera não ter mais ambições territoriais na Europa.
O Acordo de Munique falhou ao deter a subseqüente decisão alemã de tomar o resto da
Checoslováquia ou, ainda, a decisão de atacar a Polônia, o que impulsionou o afloramento da
II Guerra Mundial. O não-cumprimento do Acordo de Munique pela Alemanha Nazista foi,
na verdade, uma falha do direito internacional, mas que não deveria ter causado surpresa.
Resulta claro (pelo menos retrospectivamente) que a Alemanha Nazista não tinha motivo para
valorizar uma boa reputação. A ambição de Hitler exigiu que ignorasse as normas de direito
internacional, incluindo as fronteiras nacionais de outros estados. Tais ambições eram
inconciliáveis com a manutenção de boa reputação no sentido de cumprimento com o direito
internacional e, em razão disso, não havia sentido em agir para a construção de uma. Em
outras palavras, o dano à reputação alemã, como resultado do descumprimento do Acordo de
Munique, significou, tão-somente, modesto custo para o estado.

Provavelmente, mais importante do que a falta de interesse da Alemanha Nazista em ostentar


forte reputação foi o fato de que a decisão de violar o Acordo de Munique envolvera cálculos
acerca da segurança nacional, expansão territorial e a dominação da Europa. Em que pese
tenham os estados razões para proteger a sua reputação pelo cumprimento do direito
internacional, o valor da reputação é, entretanto, limitado. Até mesmo a ameaça de uma perda
total de reputação, normalmente não faria com que um estado agisse no sentido de ameaçar a
sua própria existência. No período imediatamente anterior à Segunda Guerra Mundial, a
Alemanha procurou expandir-se e controlar grande parte da Europa, um prêmio que superaria
em muito as conseqüências reputacionais advenientes das ações de Hitler. A experiência pré-
Segunda Guerra Mundial na Europa ilustra como os estados observadores atualizam os seus
credos. Na medida em que a Alemanha Nazista falhava, repetidamente, em honrar os seus
compromissos, outros estados europeus ajustaram as suas estimativas acerca da reputação
alemã, eventualmente concluindo que não poderiam mais nem procurar e tampouco se fiar
nas promessas da Alemanha.

Com efeito, enquanto que a violação do Acordo de Munique e a tomada da parte restante da
Checoslováquia podem ter sido um sinal à Europa de que a Alemanha não intentava honrar
os seus compromissos ou respeitar a integridade territorial de outros estados europeus, outros
sinais foram emitidos anteriormente. Em 1938, previamente ao Acordo de Munique, a
Alemanha violara uma das cláusulas de Tratado de Versalhes, ao anexar a Áustria.27
Violações anteriores a esta incluíam a remilitarização, pela Alemanha, da Renânia em 1936,
bem como o rearmamento alemão ao longo da década de 1930. Entretanto, muitas nações da
Europa Ocidental começaram a ver o Tratado de Versalhes como desnecessariamente severo
e punitivo e, ainda, tinham elevadas expectativas de que a Alemanha cumpriria o Acordo de
Munique. Dessa forma, foi o não-cumprimento deste último Acordo que causou o colapso da
reputação alemã e instigou Grã-Bretanha e França a afirmar a garantia de segurança à
Polônia, contra a agressão da Alemanha, em março de 1939.

A generalização deste exemplo permite duas importantes lições acerca de reputação e direto
internacional. Em primeiro lugar, a força da reputação é afetada pelo interesse do estado em
desenvolver ou manter uma boa reputação. Estados que esperam obter pouco ou nenhum
retorno dos investimentos em reputação são menos propensos a cumprir com o direito
internacional. A efetividade da reputação depende da vontade do estado em ser capaz de fazer
promessas confiáveis no futuro.

Em segundo lugar, a força da reputação é limitada. Até mesmo um estado ávido para nutrir a
sua reputação violará os seus compromissos legais se os ganhos não-reputacionais de fazê-lo
demonstrarem-se suficientemente elevados. Isso implica que quando o risco é
demasiadamente elevado, a probabilidade de a reputação influenciar o resultado é baixa. Por
verto, quando os estados detêm preocupação verdadeira acerca de questões de segurança, por
exemplo, é improvável que o direito internacional exerça forte influência nas decisões. Em
assim sendo, devemos ter a expectativa de ver (como vemos) o direito internacional deixado
de lado durante os momentos de crise nacional extrema. Há alguma semelhança com o direito
doméstico, quando se diz, às vezes, inter arma silent leges (“em tempos de guerra as leis
silenciam”). Em tais momentos de crise, forças mais poderosas do que o direito internacional
colocam-no de lado. Na medida em que os riscos em jogo diminuem, entretanto, aumenta a
possibilidade de que questões reputacionais possam pender a balança para o lado do
cumprimento.

A fragilidade do direito internacional na oportunidade de tomada de decisões de alto risco


não implica, contudo, que não possa ser útil em áreas de risco elevado. Parece improvável,
por exemplo, que o direito internacional tenha o condão de evitar a guerra que, de qualquer
forma, ocorreria, mas isso não significa que seja irrelevante para todas as questões
relacionadas a situações de guerra. Para citar um exemplo, embora não seja capaz de evitar
uma guerra, o direito internacional pode ser capaz de melhorar o tratamento conferido aos
prisioneiros de guerra. As Convenções de Genebra regulam o tratamento de prisioneiros de
guerra e, inobstante sejam sempre respeitadas, impõem custos reputacionais aos estados que
optam por ignorá-las. Os dispositivos na Convenção de Genebra Relativa ao Tratamento aos
Prisioneiros de Guerra dão conta de que as potências detentoras devem autorizar visitas aos
prisioneiros de guerra pelos representantes das potências protetoras, bem como que tais
representantes sejam autorizados a entrevistar os prisioneiros e a escolher os locais que
desejam visitar.28 Estas previsões possibilitam que violações à Convenção de Genebra sejam
tornadas públicas, conferindo incentivos para que a potência detentora não a descumpra.
Note-se que, até mesmo o ato de não permitir a visitação é uma violação da qual deriva
inerente custo reputacional. Por exemplo, em seqüência a revelações de que os prisioneiros
de Abu Ghraib, no Iraque, sofriam abusos, as forças armadas norte-americanas sugeriram que
a Cruz Vermelha não mais fosse mais autorizada a fazer visitas sem agendamento prévio às
celas dos prisioneiros. Tal sugestão veio a público, tornando-se uma fonte de embaraços aos
Estados Unidos.29 Nos casos em que esta forma de custo reputacional revela-se insuficiente
para gerar o cumprimento do direito internacional, a reciprocidade pode prosperar. Ambos os
lados de um conflito podem preferir um regime de acesso mútuo aos prisioneiros do que
nenhum acesso. Assim, o direito internacional relativo aos prisioneiros de guerra tem alguma
chance de afetar o comportamento de um estado, pelo fato de os ganhos advenientes de uma
violação podem ser superados pelos custos reputacionais imanentes (Morow 2002).

De modo geral, o direito pode importar em áreas de interesses arriscados ao identificar


decisões individuais que não implicam, por si só, altos riscos para as partes. O cumprimento
de regras que regulam o tratamento a ser dado aos prisioneiros de guerra representará, com
freqüência (mas não sempre), um custo baixo, e as obrigações jurídicas podem influenciar o
cálculo de custos e benefícios. A lição obtida é que o direito internacional não pode, com
facilidade, influenciar as decisões de alto-risco. Na tentativa de criar obrigações cogentes,
então, os negociadores estão aconselhados a encontrar formas de obrigar os estados ao
influenciá-los na tomada de decisões que envolvem riscos menos elevados. Um exemplo são
as inspeções nos regimes de controle de armas, tais como, o TNP. Uma variedade de
protocolos (os Protocolos Internacionais da Agência de Energia Atômica), assinados em
decorrência do TNP, obriga os estados a certos níveis de transparência em relação ao uso de
tecnologia nuclear. Os riscos envolvidos no cumprimento desses protocolos, individualmente,
são muito menores em comparação aos relativamente elevados riscos envolvidos no
desenvolvimento de capacitação nuclear. Dessa forma, sanções reputacionais associadas aos
protocolos podem evitar violações de um protocolo e, assim, do acordo de controle de armas,
mais amplo, quando os custos reputacionais, per se, não tiverem dissuadido um estado de
violar o regime de controle de armas como um todo.

Se as decisões de elevado risco são difíceis de serem influenciadas, poder-se-ia esperar que as
decisões de baixo risco são fáceis de afetar. Isto é, seria assumido que uma decisão de violar
o direito impõe alguma sanção reputacional fixa e, por conseqüência, as decisões de
cumprimento envolvendo modestos custos e benefícios são, sistematicamente, mais prováveis
de serem afetadas pelo direito internacional do que o são as decisões o sejam as decisões que
implicam elevados riscos. Contudo, isso só é verdadeiro caso seja tomada a implausível
premissa de que as sanções reputacionais são descoladas dos riscos envolvidos em cada caso.
Parece muito mais realista assumir que a violação de uma obrigação que seja de fundamental
interesse para outros estados gerará uma sanção reputacional maior do que o fará a violação
de uma obrigação de menor importância. O Protocolo de Kyoto, por exemplo, requer que os
estados-parte disponibilizem um relatório anual acerca das emissões de gases do efeito estufa,
bem como acerca de GREENHOUSE GAS REMOVAL BY SINKS. O estado que não
divulgar o respectivo relatório no prazo determinado e, ao invés disso, submetê-lo com um
dia de atraso é improvável que sofra qualquer tipo de sanção reputacional. Em contraste, o
Protocolo de Kyoto exige certo percentual de redução de emissão de gases do efeito estufa,
tendo os diferentes países diferentes metas a serem alcançadas. Uma decisão no sentido de
ignorar esta obrigação resultaria em sanções reputacionais. De modo geral, algumas violações
do direito internacional serão simplesmente muito triviais para gerar sanções reputacionais,
ainda que outros estados possam observar a sua ocorrência. Nestes casos, a reputação terá
pouco ou nenhum efeito sobre a decisão do estado em cumprir ou não com o direito
internacional. É nos casos em que os estados observadores têm certa obrigação como
significativa base para a formação de expectativas futuras de cumprimento e nos quais os
riscos para o estado que tem de decidir entre cumprir ou não sejam suficientemente baixos
que a reputação será apta a exercer maior influência.

OUTROS TIPOS DE REPUTAÇÃO

Até o presente momento, a discussão envolvendo a reputação tem sido focada na reputação
do estão para o cumprimento do direito internacional, o que poderia ser chamado (esquisito,
de certa forma) a “reputação de cumprimento” do estado. O argumento básico reside na
noção de que os estados desejam ser capazes de fazer e evocar compromissos dotados de
credibilidade e estão dispostos a prescindir de ganhos, pelo menos, no curto prazo de modo a
desenvolver uma reputação que os permita a fazer tais comprometimentos.

Este foco na reputação do estado para o cumprimento do direito internacional pode deixar a
impressão de que o estado não tem qualquer outra preocupação reputacional. Com efeito,
uma crítica que tem sido feita de uma teoria reputacional é que os estados e seus líderes
podem preocupar-se com diversas coisas além da reputação para o cumprimento com o
direito internacional (Goldsmith e Posner 2005). Um estado pode desejar ter uma reputação
de inflexível, retributivo, benevolente, generoso ou de diversas outras coisas (Keohane 1997).
De fato, grande parte da literatura versando sobre reputação em affairs internacionais
preocupa-se com a reputação do estado para descumprir mais do que para cumprir o direito
internacional (Mercer 1996). Além disso, as outras preocupações reputacionais podem estar
em conflito com quaisquer outros interesses que possam ter os estados no que tange ao direito
internacional. O problema deste argumento não é a sua premissa (de que os estados atentam
para outras coisas), mas a conclusão a que leva. O fato de que há outros fatores que sejam
relevantes nada nos diz acerca de se o desejo de um estado ter uma reputação de
cumprimento gera ou não um incentivo para cumprir a lei.

A título de exemplo, imagine um conflito entre os Estados Unidos e a Índia envolvendo


propriedade intelectual. Esta situação pode tomar a forma de uma disputa sobre as obrigações
da Índia em relação ao Acordo TRIPs, como se deu no caso India-Patents no âmbito da
OMC;30 ou poderia ser, simplesmente, o caso de os Estados Unidos tentar persuadir ou coagir
a Índia a realizar determinada ação, na falta de uma regra legal. Este último tipo de disputas
ocorreu durante a Rodada Uruguai de negociações comerciais, no final dos anos 1980 e início
dos anos 1990. Os Estados Unidos, dentre outros, queriam que a Rodada Uruguai fosse
aprovada. A Índia objetava, particularmente, o Acordo TRIPs, segundo o qual a Índia deveria
legislar no sentido de conferir maior segurança à propriedade intelectual. Ambos os lados
preocupam-se substancialmente com as questões em jogo, mas ambos os estados, da mesma
forma, tinham preocupações reputacionais. Os Estados Unidos tinham bons motivos para
promover a sua reputação de negociador duro em relação a aqueles que não cedem às suas
vontades, especialmente na seara da propriedade intelectual.31 A Índia, por outro lado, tinha
interesse em resistir a concessão de maior proteção internacional à propriedade intelectual,
não só porque a situação pré-TRIPs gerou muitos empregos para os cidadãos indianos e
oportunidades de negócios aos indianos e o Acordo TRIPs ameaçou a continuidade da
mesma. No plano internacional, a Índia mantinha interesse, também, em construir a sua
reputação como um líder entre os países em desenvolvimento e como um país que resistiria à
coerção.
Por certo, exatamente as mesmas preocupações reputacionais estavam presentes quando estes
mesmos dois países estavam envolvidos no caso India-Patents, já mencionado. Esta disputa
foi o primeiro caso na OMC a versar sobre o Acordo TRIPs, de modo que ambas as partes
tinham interesses reputacionais em resistir à solução conciliatória. Após a decisão, que se deu
favoravelmente aos Estados Unidos, a Índia tinha um interesse em recusar-se a cumprir o
decidido, em um esforço para desenvolver uma reputação como um país que não vale a pena
ser coagido a cumprir as regras do Acordo TRIPs. Os Estados Unidos tinham interesse em
assegurar o cumprimento indiano, para demonstrar o seu comprometimento em proteger os
seus interesses no âmbito do Acordo TRIPs. Nenhum dos efeitos reputacionais discutidos
nestes dois exemplos versam sobre a reputação de um estado para o cumprimento do direito
internacional. Ademais, os interesses da Índia, como descritos no parágrafo anterior, estavam
em tensão com o seu interesse reputacional no cumprimento. Este caso em particular
terminou com o cumprimento. Após os Estados Unidos terem saído vencedores perante o
órgão de resolução de disputas da OMC, a Índia assentiu, o que ocorreu em 1999.32 O que se
pode inferir é que quando a reputação de cumprimento e outras preocupações reputacionais
põem-se em direções opostas, qualquer uma delas pode dominar.

Este ponto pode ser tornado muito mais genérico. Haverá, freqüentemente, muitos custos e
benefícios em jogo quando um estado está a tomar uma decisão de cumprir ou não com o
direito internacional. Algumas vezes, o estado terá suficientes incentivos para cumprir sem
que se preocupe com a sua reputação de cumprimento. Em outras, o incentivo para violar um
compromisso será suficientemente grande de forma que o estado assim agirá sem se
preocupar com a sua reputação de cumprimento. Finalmente, haverá situações em que os
interesses reputacionais de um estado em relação ao cumprimento farão com que cumpra
independentemente do fato de que outros relevantes custos e benefícios fornecem incentivos
para violar o compromisso.

O que tudo isso significa de fato é que há muitas influências sobre o comportamento de um
estado para além da reputação de cumprimento. Esta observação, contudo, não mitiga o ponto
básico de que a reputação de cumprimento seja relevante par as decisões do estado. Como
todas as influências, a reputação de cumprimento opera na margem – direcionado o pêndulo
no sentido do cumprimento. Caso outros incentivos para a violação de uma norma sejam
suficientemente fortes, a reputação não evitará a ocorrência da violação. A reputação
importará mais quando a decisão de violar ou de cumprir seja, realmente, não tendenciosa.
Nestes casos, a reputação poderá gerar o cumprimento onde poderia haver, de outro modo, a
violação.

CAPÍTULO 4

ACORDOS INTERNACIONAIS

Quando os estados estão em vias de celebrar um acordo, detêm quase que total controle sobre
o conteúdo e a forma do mesmo. O resultado disso é que os acordos versam acerca de,
praticamente, todas as questões imagináveis e assumem quase que todas as formas
concebíveis de interação estratégica, variando, amplamente, quanto ao seu design. Alguns são
bilaterais, ao passo que outros são multilaterais; alguns assumem a forma de tratados ditos
“obrigatórios” sob o direito internacional, enquanto outros são muito menos formais; alguns
prevêem mecanismos obrigatórios de resolução de disputas, enquanto que outros sequer
tocam no assunto; alguns são dotados de abrangente mecanismo de monitoramento, ao passo
que outros não prevêem qualquer mecanismo nesse sentido; alguns demandam amplas
mudanças em relação às práticas existentes, enquanto que outros prevêem muito pouco além
das práticas que os estados já adotam; alguns são altamente abstratos e focados em princípios
gerais, enquanto outros estabelecem compromissos detalhados.

Neste capítulo, são aplicadas premissas da escolha racional, que formam a base do presente
livro, aos acordos internacionais, incluindo tanto acordos quanto tratados que não
classificados como formais. A grande diferença entre acordos e suas cláusulas torna difícil (e,
talvez, impossível) desenvolver um modelo rico capaz de cobrir todos os aspectos destes
acordos. Preferivelmente a isso, no presente capítulo são identificados grande número de
características-chave dos acordos internacionais, bem como explora-se como podem ser
entendidos através das lentes da teoria da escolha racional, que é desenvolvida ao longo deste
livro.

A fim de delimitar de alguma forma a pesquisa, o presente capítulo tem o foco na questão de
como diferentes problemas de cooperação são dispostos nos tratados. Assim, por exemplo,
este capítulo discute como o problema do cumprimento forçado aparece nos acordos. Dessa
forma, é considerado não somente se há uma cláusula versando sobre um mecanismo de
resolução de disputas – a ferramenta mais óbvia de cumprimento forçado – mas, também, se
os estados valem-se de hard ou soft law, as cláusulas de escape que prevêem, dentre outras
coisas.

A maneira segundo a qual os estados formulam os acordos e o efeito que estes possivelmente
gerarão dependem, significativamente, da natureza do problema discutido. Um problema de
coordenação, por exemplo, é resolvido mais facilmente do que o dilema dos prisioneiros e,
assim, requer menos mecanismos de manutenção da credibilidade, do monitoramento, ou de
outras ferramentas destinadas a estimular o cumprimento. Destarte, pelo menos uma fonte de
diferenças entre o design dos acordos pode ser atribuída ao fato de que tais instrumentos têm
por objeto diferentes tipos de problemas.

O presente capítulo está baseado no trabalho de diversos autores que escreveram sobre
acordos internacionais, mas uma palavra deve ser dita acerca do artigo publicado no jornal de
ciência política International Organization, intitulado “The Rational Design of International
Institutions” (Koremenos, Lipson e Snidal 2001). Este volume representa importante avanço
em nosso entendimento acerca de acordos internacionais, e os insights ali desenvolvidos
contribuem substancialmente para o presente capítulo, bem como para outras partes deste
livro. Este capítulo faz referência às “conjecturas” postas na introdução do citado volume,
escrito por Koremenos, Lipson e Snidal (2001). Estes autores testaram, nos artigos empíricos
do citado volume, as conjectures mencionadas e, de forma internacional, fizeram-no em um
conjunto teórico informal. 1 Em um importante sentido, o foco do referido volume recai sobre
os testes empíricos, mais do que sobre a teoria. No presente capítulo, adota-se diferente
abordagem, a qual se preocupa, quase que exclusivamente, com a teoria. Espera-se, por certo,
que tais resultados sejam testados empiricamente, mas isso se constitui em tarefa para outra
oportunidade. Para o momento, o objetivo é explorar a teoria relevante, que permanece não
desenvolvida.

Por que os estados celebram acordos?

Os acordos internacionais apõem um desafio ao desenvolvimento de uma teoria do direito


internacional, porquanto retratam a referida e notável diversidade. Na prática, todos estes
acordos (ou, pelo menos, a maioria) requerem um marco regulatório geral, e é exatamente
isto que a presente seção pretende desenvolver. A generalidade, entretanto, traz consigo um
custo. Os argumentos e as alegações feitos neste capítulo destinam-se à aplicação ampla aos
acordos internacionais. Há, por certo, casos em que, por uma ou outra razão, os argumentos
feitos são inadequados em um contexto em particular. Além disso, a abordagem adotada aqui
sobreleva, inevitavelmente, importantes detalhes em determinadas áreas (por exemplo,
Barrett [2003] confere excelente tratamento aos tratados internacionais na seara ambiental). O
mérito da abordagem é a sua ampla aplicabilidade. A discussão que segue não se restringe a
atributos específicos de acordos internacionais em uma determinada área ou entre
determinado grupo de países. Ao reverso, aplica-se a todos os tipos de acordos internacionais,
quer tomem a forma de hard ou soft law, quer sejam amplos ou estritos em seu objeto, quer
regulem o comportamento existente ou prevejam radicais mudanças de conduta, e assim por
diante. Nesse capítulo, a análise deve ser tomada como ela, de fato, é – um tratado geral dos
acordos internacionais que formará a base para exame mais detalhado de acordos em
particular, em áreas específicas e entre certos estados.

Premissas Básicas

Nossas premissas básicas de escolha racional implicam que os estados somente engajar-se-ão
em acordos quando ao assim agirem tornam-se (ou as suas autoridades) melhores (better off).
Em outras palavras, os estados fazem acordos pelo mesmo motivo que os indivíduos
celebram contratos. Os tratados ajudam-nos a resolver problemas de cooperação, a
comprometer-se com um determinado curso de ação e a ganhar segurança em relação àquilo
que os demais estados farão no futuro.

A racionalidade implica que os estados procurarão maximizar excedente advindo de qualquer


acordo, levando em conta os custos de transação. Esse entendimento é, por certo, derivado do
já familiar Teorema de Coase (Coase 1960). A mesma premissa implica, também, que um
acordo somente poderá ser mantido se todo estado e todo o subgrupo de estados alcançarem
uma posição melhor com este acordo do que com outra alternativa disponível. Assim, por
exemplo, se um subgrupo das partes de um tratado podem alcançar situação melhor ao
celebrar outro acordo entre si, de modo a excluir os demais, assim o farão.

O problema paradigmático que examino é aquele que os estados podem melhorar os seus
ganhos através da cooperação, mas que, contudo, possuem algum incentivo para desertar. O
dilema dos prisioneiros é o exemplo mais óbvio deste problema, mas a análise aplica-se a
outros jogos similares. O jogo pode ser formulado prevendo-se a existência de dois períodos.
No primeiro, os estados negociam e (possivelmente) entram em um acordo. No segundo,
decidem entre cooperar ou não. Entre o primeiro e o segundo períodos, nova informação
poderá ser revelada acerca da situação mundial. Se o acordo permanece, haverá rodadas
subseqüentes de cumprimento ou deserção baseados no mesmo acordo. Abordagem similar
para modelar os acordos internacionais é adotada por Fearon (1998). Em que pese este
cenário seja simples, capta muita daquilo em que estamos interessados e, ainda, tem o mérito
de ser aplicável a uma ampla gama de interações, desde simples jogos de coordenação até o
dilema dos prisioneiros; desde estritos padrões técnicos a questões de guerra e paz.

Os Estados e o Risco

A fim de se avaliar a conduta dos Estados, faz-se necessário modelar as preferências as suas
preferências. Embora seja possível fazer isso contando com um mínimo de premissas, não há
como evitar a especificação de algum modelo de atitudes do estado em direção ao risco. Os
acordos quase sempre envolvem alguma chance de não serem cumpridos, bem como o futuro
é, quase sempre, incerto.

O presente livro assume que os estados adotam, predominantemente, um comportamento de


risco neutro. Essa premissa vai de encontro a trabalhos anteriores na área da cooperação
internacional, incluindo o International Organization Design Project (Koremenos, Lipson e
Snidal 2001), o qual assume que os estados são aversos ao risco, no que tange a
compromissos individuais.2 A premissa da aversão ao risco conduz a uma gama de resultados
em que a incerteza afeta o comportamento e reduz a disposição do estado em celebrar
acordos ou em executá-los, de alguma forma. Alguns autores justificam a utilização da
premissa da aversão ao risco com nas doutrinas realista e institucionalista. Por exemplo,
Koremenos, Lipson e Snidal (2001) justificam tal premissa asseverando que é “o sustentáculo
do realismo moderno, em que o medo do estado de ser destruído e o seu incisivo interesse em
preservar a sai soberania dominam os seus cálculos estratégicos” (p. 782). Ainda que se possa
assumir que os estados sejam aversos ao risco em diversas áreas de interesse dos cientistas
políticos, contudo, não significa dizer que sejam aversos ao risco em termos de
compromissos jurídicos internacionais.
A premissa de neutralidade do risco, em relação às obrigações jurídicas internacionais,
estriba-se em dois argumentos principais. O primeiro é que os estados, normalmente,
diversificarão em acordos internacionais. O segundo é que os acordos internacionais
raramente envolvem a segurança e a sobrevivência do estado. Considerarei cada um desses
pontos e seqüência.

Da mesma forma que a diversificação pode levar um investidor averso ao risco a adotar
comportamento de risco neutro nos mercados financeiros, pode causar um estado averso ao
risco a adotar comportamento de risco neutro em relação aos seus compromissos
internacionais. Em um dado momento, os estados engajam-se em uma ampla gama de
atividades tanto na seara doméstica quanto na internacional. Pense-se, por exemplo, no
conjunto total de compromissos que os Estados Unidos submetem-se a um só tempo. Quando
a isso for somado as muitas e muitas atividades domésticas do estado, esclarecedor resulta
que há amplo número de compromissos estatais em cada momento.

Um grande número de distintos interesses e projetos representa uma forma de diversificação.


Para um estado e seus líderes, o que importa é o grau de risco e incerteza presente em todo o
portfólio de atividades, mais do que o risco e a incerteza presentes em um único
compromisso. Por exemplo, comprometer-se em um tratado de extradição acarreta alguma
incerteza. Por um lado, o estado pode ser obrigado a extraditar um indivíduo que preferiria
manter sob a sua jurisdição; de outro, poderá beneficiar-se com a extradição de um indivíduo
de outro estado que esteja procurando. Quanto maior essa incerteza – isto é, quanto maior a
variedade de resultados esperados – mais relutante e indisponível à diversificação o estado
averso ao risco estaria para celebrar o acordo. Mas, cumulado com o tratado de extradição, o
estado compromete-se em inúmeras outras atividades. Muitas delas são totalmente
independentes do tratado de extradição, como, por exemplo, acordos bilaterais versando
sobre cooperação em matéria antitruste. Outros esforços do estado podem estar relacionados,
de alguma forma, ao tratado de extradição, mas o sucesso ou o fracasso de tais investias não
estarão relacionados à performance demonstrada no âmbito do mesmo. Por exemplo, quando
um estado estiver passando por um período de modificações em seus leis que tratam das
provas no processo penal. Tal como no tratado de extradição, este projeto impactará os
incentivos para os crimes que podem vir a ocorrer, a maneira como o estado trata os réus,
bem como o percentual de sucesso atingido pelas investigações. O sucesso ou o fracasso dos
esforços para se modificar as regras da matéria probatória, contudo, é, em sua essência,
desconectado com o sucesso ou o fracasso do tratado. O ponto aqui é, seja o que for que o
estado pretende maximizar (mais acerca dessa questão será adiante discutido), estará
engajado em diversos projetos capazes de contribuir para os seus objetivos. Pelo fato de os
resultados de tais projetos não estarem perfeitamente correlacionados uns com os outros, faz-
se possível mitigar o risco através da diversificação.

Pode-se perceber o potencial da diversificação se forem considerados os interesses do estado


em sua forma mais ampla. Considere-se a forma pela qual as autoridades estatais procuram
otimizar a performance total do estado. Este objetivo pode ser alguma medida de bem-estar
social, pode ser o bem-estar da própria autoridade estatal, pode ser alguma combinação disso,
ou, ainda, pode ser pode ser algum outro conjunto de preocupações. O que importa notar é
que, de alguma forma, o desempenho do estado pode ser avaliado pela autoridade estatal.
Inobstante a questão de como surgem os objetivos da autoridade estatal, o conjunto total das
atividades do estado, se domésticas ou internacionais, afetam-nos. Em um dado momento, o
estado deparar-se-á com incertezas em diversas frentes. A autoridade estatal poderá ser
aversa ao risco, mas considerará o risco em função da totalidade dos objetivos do estado, não
enquanto capaz de afetar projetos individualmente considerados, nos quais se engajou o
estado. Porque o estado possui diversos projetos encaminhados e pelo fato de os impactos de
cada um desses projetos em função do todo não ser, na maioria das vezes, perfeitamente
correlacionados, na medida em que o estado for suficientemente diversificado, a melhor
estratégia é procurar maximizar o retorno esperado de cada projeto, mais do que minimizar o
risco de projetos individualmente considerados. Em outras palavras, até mesmo uma
autoridade estatal que seja aversa ao risco deverá adotar comportamento de risco-neutro em
relação a cada projeto individual, incluindo-se, aqui, cada compromisso jurídico
internacional.3

Pode-se questionar se a validade de tal argumento leva em conta os objetivos do estado. Há a


necessidade de formular robustas premissas acerca daquilo que o estado esteja tentando
maximizar, para se fazer esse tipo de argumentação? A simples reposta é não. Na medida em
que o Estado tem uma única função-objetivo, o risco pode ser diversificado. Isso significa
que passa a ser suficiente assumir que os estados agregam os resultados de todas as suas
atividades (domésticas e internacionais) a fim de gerar um único payoff. Este corresponde a
alguma medida de utilidade do estado. Tal resultado será compatível, por exemplo, com o
modelo da escolha pública acerca da conduta do estado, segundo o qual os líderes
governamentais respondem aos grupos de interesses ou aos contribuintes de suas campanhas
na tentativa de reter ou aumentar o se poder. Embora estes políticos não estarão perseguindo
o bem comum, avaliarão as atividades com base nos seus ganhos privados e estarão
interessados no ganho total adveniente de todas as atividades do estado. Ainda que essas
autoridades políticas sejam aversas ao risco, serão diversificados em relação aos
engajamentos do estado. Similarmente, se o governo perseguir o interesse público (embora
seja mensurado), as suas decisões dar-se-ão de acordo com o impacto destas no bem comum,
e isso se somará a todas as decisões e atividades para este propósito.

Se os estados são capazes de diversificar os seus riscos dessa forma, torna-se apropriado
modelá-los para que o seu comportamento seja de risco-neutro. Por certo, tentarão evitar
resultados que gerem payoffs negativos por meio de exceções, reservas, cláusulas de escape,
cláusulas resolutivas e afins, mas não sacrificarão o retorno esperado de projetos de modo a
reduzir a variação de seus ganhos.

Pode-se argumentar que certos comportamentos são caracterizados por ganhos que não
podem ser diluídos. Alianças militares e tratados sobre armas nucleares, por exemplo,
implicam questões tão centrais à sobrevivência do estado que não são passíveis de
diversificação. Até mesmo em contextos como esse, contudo, a premissa mais apropriada é a
de que os riscos associados aos compromissos jurídicos internacionais podem ser diluídos.

Isso porque, conforme discutido no capítulo 3 no referente à reputação, o poder do direito


internacional é limitado, especialmente quando questões relevantes, de interesse nacional,
estão envolvidas. Suponha, por exemplo, que um estado esteja cogitando aderir à Convenção
Contra a Tortura (CAT, na sigla em inglês). Este tratado exige que os estados abstenham-se
de empregar a tortura, prevendo que: “Nenhuma circunstância excepcional, como ameaça ou
estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, poderá
ser invocada como justificativa para a tortura.”4 Assim, o compromisso jurídico assumido não
permitira a tortura sob qualquer hipótese.

Agora, imagine o familiar cenário da “bomba-relógio” no qual o governo de determinado país


mantém sob custódia uma pessoa que sabe a localização de um dispositivo nuclear armado
para ser detonado no futuro próximo. Assuma que torturar esta pessoa permitirá ao governo
extrair a informação necessária para desativar a bomba e salvar centenas de milhares, ou
talvez milhões, de vidas. Nessa situação, o risco – se a bomba será detonada – não é
diversificável para o estado. O compromisso jurídico, no entanto, é diferente. Considerando o
cenário da bomba-relógio, a decisão de torturar ou não será, por certo, tomada com estribo no
compromisso jurídico internacional.5 Ao aderir ao CAT, o estado não deve preocupar-se com
o fato de que estará proibido de valer-se da tortura. O risco inerente a tal adesão é descumprir
o tratado, não o de ser proibido de torturar.

Em que pese muitos acordos internacionais exigirem a tomada de compromissos ou de ações


que impliquem questões de segurança e sobrevivência do estado (ou outros interesses
essenciais), não há razão para se pensar que as obrigações legais superarão os interesses
fundamentais do estado. Outro exemplo advém da Carta das Nações unias. Quando os
estados ingressam no sistema da ONU, concordam em não utilizar a força a não ser em
situações de própria defesa ou quando autorizados pelo Conselho de Segurança. Na conduta
real em suas relações internacionais, contudo, resulta claro que os estados valem-se da força
em diversos contextos, como é possível elucidar com a invasão do Iraque, em 2003, pelos
Estados Unidos, com a intervenção em Kosovo liderada pela Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN), em 1999, e com diversos outros casos.

Acordos relacionados com questões de alto-risco como essas, não mitigam a habilidade do
estado em diluir os riscos associados com os compromissos jurídicos, porque as ferramentas
de enforcement de que dispõem o direito internacional limitam os custos de quebrar tais
acordos. Neste custo poderá estar incluído dano reputacional, violações recíprocas e
retaliações, mas não chegará a ser tão potencial quanto o são os custos associados com o
compromisso que envolve interesses e segurança nacionais. Pelo fato de os estados violarem
acordos quando os custos para o cumprimento superam os custos de violação, o máximo que
um estado arrisca ao celebrar um acordo é o custo de violá-lo.

O ponto principal aqui é que as obrigações jurídicas individuais assumidas pelos estados (em
oposição à área dessas obrigações) nunca são (ou quase) de importância fulcral para o estado.
A decisão de cumprir ou não nada tem a ver com assuntos de alto risco, que podem levar o
estado a comportar-se de forma a aversa ao risco.

Retornando ao caso CAT. Ainda que o estado adira ao tratado, os custos associados são
modestos. Se, em algum momento posterior, um estado conclui que cumprir o acordo é muito
custoso, ele poderá simplesmente violá-lo (inobstante este ato não ser livre de custos). Por
este ângulo, o tratado seria apenas um dentre vários compromissos internacionais que
contribuem para o objeto geral do estado. O risco pode ser diluído em outros acordos ou
projetos.
OS ESTADOS E A COOPERAÇÃO

Os jogos mais simples em cooperação internacional, como demonstrado no Capítulo 2, são


aqueles em que os estados têm interesses em comum. Nesses casos, os estados comportar-se-
ão de maneira cooperativa, tenham eles celebrado acordos ou não. Não há, por essa razão,
necessidade em investir maiores recursos para se atingir a cooperação.

Os estados podem valer-se do direito internacional para guiar o seu comportamento nos jogos
de coordenação, embora qualquer abordagem capaz de gerar o ponto focal servirá tão bem
quanto. Estas outras incluem tratados, acordos escritos que não sejam tratados (i.e., soft law),
acordos orais, declarações unilaterais de vontade, ações tomadas por uma das partes e outros.
Pelo fato de o objetivo ser, simplesmente, estabelecer um ponto focal, não há motivo para
monitoramento, resolução de disputa ou sanções. Tratados que são puros jogos de
coordenação, como é a Convenção de Aviação Civil Internacional, também conhecida como
Convenção de Chicago, são, dessa forma, simples de serem compreendidos. A Convenção de
Chicago estabeleceu a Organização internacional da Aviação Civil (ICAO), a qual fixa
padrões para o transporte aéreo internacional, tais como a exigência de que todos os
controladores de vôo, bem como a comissão de bordo que trabalha em vôos internacionais
sejam proficientes em língua inglesa.6 A única dúvida acerca desses acordos dá-se em relação
a saber se sempre assumem a forma de tratados em detrimento de estruturas mais informais
de acordo ou cooperação. Ademais, a negociação de tratados é difícil e demorada, a sua
existência faz com que sejam necessários a execução de procedimentos legais no âmbito
interno dos estados e, ainda, requerem a aprovação de altas autoridades governamentais. Por
outro lado, as modalidades de soft law, tais como o Memorando de Entendimento Paris – o
qual tem por membros 20 nações e harmoniza procedimentos destinados a assegurar o
cumprimento de convenções marítimas respeitantes à poluição e à segurança, e, também,
resolve problemas de cooperação sem a necessidade de aprovação pelos poderes legislativos
nacionais – podem ser negociadas por autoridades de menor escalão e requerem menos
formalizações. No capítulo 2, eu forneço uma possível explicação acerca desse
comportamento, onde sugiro que os estados desejam valer-se do tratado para se protegerem
da possibilidade de eventos futuros vierem a causar mudanças no jogo, retirando-lhe a
característica de coordenação e tornando-o de alguma outra forma na qual a cooperação
resulte menos assegurada. Neste caso, os estados não se deparariam com um jogo de
coordenação e, assim, uma modalidade jurídica de acordo mais formal, tal como o tratado,
faria sentido. O exemplo que utilizei no capítulo 2 foi referente ao Tratado da Antártica, que
começara como um exercício de coordenação, mas, subseqüentemente, tornou-se um
desafiador exercício cooperativo. Grande parte do presente capítulo, contudo, tem o foco em
jogos nos quais os interesses dos estados estão mais diretamente em oposição do que se
encontram em jogos de coordenação.

Em um dilema dos prisioneiros, os estados celebram acordos como uma forma de trocar
promessas. Na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna
e Flora Silvestre, por exemplo, 169 estados acordaram em restringir o comércio internacional
de espécies em extinção por meio de um sistema de licenciamento que regulamenta a
importação e a exportação de espécies abrigadas pela Convenção.7 Cada um dos Estados
comprometeu-se a cumprir a Convenção em troca das promessas dos outros estados. Ao
analisar tratados, eu normalmente assumo que a troca de promessas tem a seguinte forma: os
estados comprometem-se perante os demais para extrair o comprometimento destes. Dito de
outra forma, as concessões que fazem representam custos e as concessões feitas pelos outros
estados representam benefícios.

Faz-se necessário atentar para dois fatores respeitantes a este modelo “contratual” de acordos
internacionais. O primeiro já foi objeto de explicação: em acordos destinados a
regulamentação de jogos de coordenação ou outros jogos em que os estados tenham
interesses comuns (e.g., coincidência de interesses, batalha dos sexos), as suas promessas não
se enquadram à perfeição na moldura de custos e benefícios. Entretanto, isso não gera um
problema sério, porque tais acordos são prontamente entendidos como mecanismos de
coordenação.

Em segundo lugar, um modelo contratual, como as premissas de escolha racional utilizadas


ao longo do presente livro, pressupõe que os compromissos que um estado assume não são
designados a restringir ou conceder mais poder aos seus eleitores. Assim, por exemplo, esse
modelo elimina a possibilidade de que as autoridades considerem o acordo como um
benefício para vincular o comportamento de futuros líderes (Moravcsik 2000) ou dos
membros do poder legislativo (Abbott and Snidal 2000).

Em que pese os tratados puderem ser usados, de tempos em tempos, para a obtenção de
objetivos domésticos, a decisão de considerar essas motivações é uma necessidade
pragmática. Uma vez que se considere que a interação de eleitores domésticos, faz=se
necessário abandonar a premissa de que os estados tenham um conjunto fixo de preferências
que motiva a sua atuação no âmbito internacional. Se a premissa de preferências estáveis for
abandonada, a complexidade do modelo eleva-se grandemente. Sem preferências estáveis,
pode-se construir um modelo acerca de sua formação e modificação. Tendo-se em mente que
as preferências são modificadas de acordo com as mudanças ocorridas na política doméstica,
torna-se claro que não existe modelo genérico de modificação de preferências que seja
perfeito. Na prática, modelos que englobam fortes componentes da escolha pública podem,
frequentemente, ser úteis como uma forma de análise positiva em um contexto específico,
mas gozam de menor utilidade em modelos gerais como o que é aqui desenvolvido, ou como
ferramentas para gerar previsões acerca do comportamento do estado (Croley 1998).8

Tal pragmatismo não altera o fato de que as preocupações políticas domésticas são, por certo,
relevantes em relação ao fenômeno que este capítulo examina. Em assim sendo, um dilema
deve ser resolvido. A inclusão explícita de preocupações da alçada da escolha pública
tornaria o modelo insustentável e enfraqueceria o objetivo de gerar previsões úteis, ao menos
que se fizessem fortes premissas acerca de como exatamente as questões de escolha pública
afetam as decisões dos líderes governamentais. A omissão dessas preocupações significa
ignorar um fator de decisão governamental e, então, corre-se o risco de representar
erroneamente o comportamento estatal. Essa tensão está presente em qualquer análise do
comportamento de um estado e, por isso, é familiar a qualquer um que estuda o direito
internacional ou as relações internacionais. O presente capítulo tente navegar entre as opções
de tornar as questões de escolhe pública em um modelo e ignorá-las por completo. A análise
básica ocorre com os estados modelados como atores unitários, mas quando são
desenvolvidas aplicações mais específicas do modelo (e.g., considerar o porquê de um estado
escolher soft law ao invés de um tratado), são incorporadas questões de direito doméstico. A
desvantagem dessa abordagem é que pode ser considerada uma maneira inapropriada de
incorporar questões de política doméstica. Por outro lado, permite tanto a existência de um
modelo de funcionamento preditivo quanto a consideração de questões domésticas quando
estas sejam relevantes.9

Por fim, note-se que as premissas tomadas não implicam que a política doméstica seja
irrelevante às prioridades nacionais. O modelo aqui desenvolvido silencia sobre como as
preferências dos estados são formadas. Esse modelo é perfeitamente consistente com a visão
de que os objetivos do estado são o produto de um processo político complexo e que as
políticas resultantes podem divergir de tudo aquilo que pudesse maximizar o bem-estar dos
cidadãos. Da mesma forma, é consistente com qualquer outro modelo de formação de
preferências em que os estados geram preferências estáveis.

A NEGOCIAÇÃO DE UM ACORDO

Imagine dois países discutindo sobre um problema que afeta ambos: por exemplo, Canadá e
Estados Unidos negociando sobre questões relativas à pesca.10 Cada estado inicia a
negociação com preferência por algum resultado, aquele que gerasse, como conseqüência do
acordo, o maior payoff para si. No curso da negociação (e assumindo-se que haja terreno para
concessões), enquanto as partes procuram chegar ao resultado que lhes traga, a cada uma, o
maior payoff, são identificados cláusulas substantivas a serem inseridas.

Em um modelo simples, sem custos de transação, as partes negociam as cláusulas que


maximizam o seu payoff conjunto para, então, comprometerem-se. Assuma, por exemplo, que
o Canadá prefere a adoção de política mais ambientalmente protetiva do que os Estados
Unidos. Este estado consentirá com os termos que gerarem mais proteção do que prevê a
política de sua preferência, mas demandará alguma forma de compensação em troca. Sabendo
disso, o Canadá oferecerá compensação até o ponto em que o montante marginal requerido
pelos Estados Unidos iguale-se ao valor que confere ao incremento marginal na proteção
ambiental. Isso poderá gerar um resultado protetivo abaixo do nível preferido por Canadá,
mas maximizará o valor do acordo.

Uma vez que foram os termos acordados, um modelo padrão de contrato prevê que as partes
celebrarão compromissos jurídicos formais, exigindo que ambas as partes cumpram as
obrigações no acordo assumidas. A execução do prometido será monitorada até o ponto em
que o custo marginal de realizar o monitoramente adicional ultrapassa o benefício marginal
de cumprimento mais eficaz. Por fim, o acordo preverá indenizações no caso de
descumprimento, bem como um sistema de resolução de disputas para apurar o montante
indenizável.

No contexto doméstico, assume-se que as partes que celebram um contrato atuam de acordo
com a previsão do mencionado modelo de contrato, embora o estado formule alguns aspectos
do pacto (e.g., o sistema judicial e o regime padrão de indenização podem direcionar as
necessidades das partes nessas áreas). Contudo, até mesmo um observador ocasional dos
acordos em direito internacional reconhecerá, imediatamente, que as práticas dos estados
parecem muito distantes do que está aqui descrito.

Como se pode explicar a diferença entre a teoria acima exposta e a prática? Muito do que está
por vir neste capítulo destina-se a encontrar a resposta para essa questão. A próxima seção
versa sobre a forma dos acordos internacionais e por que os estados possam preferir uma
forma em detrimento de outra. Após, eu faço uma similar análise das cláusulas substanciais
dos acordos. Nas seções subseqüentes, dispõe-se sobre a interação entre forma e substância e,
ainda, questões relacionadas aos participantes dos acordos internacionais.

QUESTÕES DE FORMA

CONTEÚDO E FORMA

A premissa da racionalidade gera importantes implicações para a forma e o conteúdo dos


acordos. A presente seção é concernente, principalmente, com a forma dos acordos; a
próxima versará sobre questões de conteúdo. Uma das implicações da discussão é que a
forma e o conteúdo estão intimamente relacionados e, também, que os estados fazem
concessões mútuas al longo da celebração do acordo. Essas duas categorias, entretanto, serão
tratadas em momento diversos por diversas razões. Por primeiro, os advogados e os outros
profissionais que trabalham com acordos internacionais estão acostumados a pensar a forma e
o conteúdo como questões separadas. Na verdade, quando se conclui um acordo, faz sentido
focar, primeiramente, no seu conteúdo, para fins de determinar alguma violação e, só então,
examinar a forma com o intuito de identificar as conseqüências daquela. Por segundo, essa
categorização aproxima a discussão mais diretamente à literatura existente sobre acordos
internacionais (Raustiala 2005). Por fim, embora o presente capítulo enfatize como os trade-
offs entre forma e conteúdo podem ser resolvidos, é possível que haja diferenças entre forma
e conteúdo eu sejam importantes para os estados. As cláusulas substanciais de um acordo são
de tal forma salientes que fazem parecer que aquelas tocantes à forma não o sejam. Por essas
razões, em que pese seja reconhecido que a distinção entre forma e conteúdo vem a ser, de
alguma forma, artificial, mantenho-a por motivos de exposição.

Para os propósitos do presente livro, defino “conteúdo” de um acordo como o conjunto de


obrigações, compromissos ou promessas formais que representam as ações que os estados
dizem que realizarão no futuro. Ainda, defino “forma” como partes do acordo que
determinam o grau de comprometimento do estado com as obrigações prometidas, que
determinam quando pode haver a exoneração das obrigações e aquelas que versam sobre o
enforcement. Exemplos de escolhas de forma a constarem de um contrato internacional
incluem a decisão de adotar um tratado ou uma modalidade de soft law, a previsão ou a
omissão de mecanismos de resolução de controvérsias e de monitoração do cumprimento do
pactuado e, também, a inclusão ou não de reservas e de cláusulas de salvaguarda e
resolutivas.

Poder-se-ia definir tais cláusulas de maneira diversa, até mesmo porque não há sentido em
afirmar que as definições propostas aqui são melhores do que as alternativas, mas são mais
convenientes para a discussão que vem a seguir. Como resulta demonstrado no presente
capítulo, não é natural a divisão entre as questões de forma e de conteúdo. Os estados podem
fazer e receber concessões e podem, freqüentemente, atingir um objetivo em especial
valendo-se tanto de cláusulas de conteúdo quanto de cláusulas formais. Por exemplo, um
acordo que conta com modestas cláusulas substanciais pode ser, em seus efeitos, idêntico a
outro que disponha de robustas cláusulas substanciais acompanhadas de muitas reservas e
generosas cláusulas resolutivas. Para ilustrar este ponto, considere a obrigação constante do
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ICCPR, na sigla em inglês) que proíbe a
arbitrária privação da liberdade (artigo 9). Da forma como está descrita, a referida cláusula é
absoluta: “... Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente...”11 O ICCPR,
contudo, prevê uma exceção. Na hipótese em que “situações excepcionais ameacem a
existência da nação e sejam proclamadas oficialmente”, os estados-parte podem adotar
medidas que derroguem as obrigações previstas no ICCPR, inclusive a proibição de privação
arbitrária de liberdade.12 Na disposição textual e, então, valendo-se das definições adotadas
acima, a proibição absoluta pode ser definida como uma cláusula substantiva, e a exceção
prevista como uma questão de forma. O artigo 9 poderia ser escrito de modo a prever que
“ninguém poderá ser submetido à prisão e ao encarceramento arbitrário em tempos de paz.”
“Tempos de paz” poderia ser definido como “tempos em que não há nenhuma emergência
pública que ameace a vida da nação.” O conteúdo da obrigação jurídica é, obviamente,
idêntico àquele previsto no ICCPR, mas, tendo em vista essa versão alternativa, a
excepcionalidade pode ser descrita em uma cláusula substancial preferencialmente à uma
cláusula formal.
O QUE QUEREM OS ESTADOS

Antes de prosseguir, essencial é ter noção daquilo que os estados tentam fazer ao celebrarem
um acordo. Como julgam os relativos méritos das várias escolhas que têm de fazer? Por
exemplo, ao permitirem reservas, os estados permitem que os acordos sejam mais
especificados em relação aos interesses e preocupações do outro estado, reduzindo, assim, a
possibilidade de violação; mas também diluem o conteúdo do acordo. Para entender as
escolhas feitas pelos estados, faz-se necessário ter a noção de como avaliam os custos e os
benefícios envolvidos.

Vale lembrar que a premissa da racionalidade implica que os estados procuram maximizar o
valor total do acordo. A distribuição dos ganhos derivados do acordo dependerá do poder de
barganha de cada uma das partes. As questões de distribuição são, por certo, críticas para se
chegar à redação final do acordo. A premissa da racionalidade nos diz que o acordo terá o seu
valor maximizado, mas que haverá diversos acordos maximizadores disponíveis, cada um
com diferentes implicações distributivas. Tudo isso permite uma maior compreensão acerca
dos acordos internacionais conforme um contexto tal como o descrito aqui.

Refiro as várias opções com as quais os estados deparam-se, no que tange à forma e ao
conteúdo, como “elementos de esboço”. Aqueles elementos relevantes para a forma são
chamados de “elementos formais de esboço”, ao passo que aqueles tocantes ao conteúdo são
chamados de “elementos substanciais de esboço”. Ao tomarem decisões sobre a forma dos
acordos internacionais, então, os estados procuram identificar a combinação de relevantes
elementos de esboço que maximizem o valor do acordo. Conceitualmente, ao negociarem um
acordo, os estados enfrentam um problema em que controlam variáveis de muitas dimensões,
cada uma afetando a variável que lhes interessa – o valor total do acordo. Os estados farão e
receberão concessões acerca dos elementos de esboço a fim de promoverem o objetivo
maximizador almejado. O desafio reside em identificar os custos e os benefícios de cada
elemento para que possamos entender como essas trocas são feitas.

Com efeito, é impossível quantificar o valor de cada elemento em um tipo de discussão


teórica e genérica como essa. O valor de muitos elementos de esboço depende,
demasiadamente, do acordo em particular e de os estados deixarem que tiremos conclusões
acerca desse valor, ainda que relativo. Não podemos, por exemplo, ter a noção de que
seremos capazes de determinar se uma cláusula restritiva de salvaguarda vale mais ou menos
para os estados do que cláusulas que versem, rigorosamente, sobre o monitoramento do
acordo pelas partes. No contexto comercial, a cláusula de salvaguarda pode ser do interesse
dos governos, vez que permitem a quebra do acordo quando tal fo eficiente (Sykes 1991). As
cláusulas de monitoramento, por outro lado, podem ter, tão-somente, valor relativo,
porquanto as violações (em termos de medidas de fronteira, por exemplo) são
inequivocamente transparentes para os agentes exportadores de um estado, e os estados
podem se valer de relatórios e reclamações feitos por seus exportadores para fins de tomar
ciência de potenciais violações perpetradas por seus parceiros comerciais. No contexto de um
tratado sobre direitos humanos, por outro lado, uma cláusula de salvaguarda pode não ser tão
interessante, e o monitoramento pode ser valioso, vez que a obtenção de informações acerca
das práticas dos outros estados pode ser difícil. A minha análise terá de ser feita, ao reverso,
com base naquilo que nós observamos que os estados fazem, para fins de tirar as inferências
sobre as questões que mais lhes interessam. Nas situações em que o monitoramente é
utilizado, mas o mecanismo de resolução de disputas não, eu concluo que alguma coisa sobre
os ganhos relativos que cada uma das alternativas confere. Na análise do esboço dos acordos,
podemos, ainda, testar e refinar porções da teoria em relação ao comportamento observado
dos estados. Um exemplo desse tipo de análise é realizado na próxima seção, em que explico
a relutância de usar elementos de esboço que elevam a credibilidade.

COMPROMISSO, CREDIBILIDADE E REPUTAÇÃO

Como discutido no Capítulo 2, os acordos internacionais são valiosos pelo fato de as forças
da reputação, retaliação e reciprocidade conferirem aos estados um incentivo para o
cumprimento das obrigações internacionais ou, mais cuidadosamente, com suas promessas,
sejam estas denominadas de “jurídicas” ou não. Em outras palavras, os acordos internacionais
fornecem aos estados a habilidade de celebrar compromissos dotados de credibilidade. Essa
habilidade para se comprometer tem importantes benefícios no contexto internacional. O
mais óbvio, permite aos estados engajarem-se em uma variedade de comportamentos
cooperativos que, de outra forma, seria impossível. Ainda, permite aos estados moldar os
seus compromissos através da escolha de formas mais sérias ou menos sérias de
comprometimento. Um tratado, por exemplo, é considerado um compromisso mais
respeitável, ceteris paribus, do que uma modalidade de soft law. O sinal reputacional que o
tratado expressa é mais forte tanto pelo fato de que comunica a intenção de se vincular do
estado quanto porque dispara uma obrigação jurídica a ser cumprida sob o pálio da
Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados e do direito internacional costumeiro.

Mas a adoção de um tratado formal não é a única forma de os estados elevarem a


credibilidade de suas promessas. Em sua busca por credibilidade, os estados têm uma gama
de opções respeitantes à forma de um acordo. Isso inclui celebrar um tratado formal ou
qualquer outra modalidade de soft law; incluir um mecanismo de resolução de controvérsia
ou omitir completamente; prever procedimentos de monitoramento; permitir ou proibir
reservas; prever cláusulas de salvaguarda e resolutivas; e assim por diante.

Cada um desses elementos formais de esboço pode afetar a seriedade do compromisso.


Práticas mais completas de monitoramento, por exemplo, tornam o descumprimento menos
provável porque elevam o risco de exposição. Cláusulas que prevêem mecanismos
vinculativos de resolução de disputa fornecem um foro neutro perante o qual violações
alegadas podem ser esclarecidas (provadas ou não). Isso torna a violação mais transparente
tanto para o estado afetado quanto para as outras partes. Cláusulas mais generosas prevendo a
utilização de reservas, salvaguardas ou hipóteses de resolução tornam mais provável que
qualquer das partes estará mais propensa ao descumprimento, reduzindo, dessa maneira, a
credibilidade na promessa de adimplência.13

Diante de tantas formas de alterar a credibilidade de suas promessas, é um tanto quanto


intrigante que os estados não sejam mais agressivos no uso de elementos formais de esboço
para elevarem os seus comprometimentos. Até mesmo um observador ocasional do direito
internacional notaria que os estados celebram, com mais freqüência, modalidades de soft law
do que tratados formais, e que os tratados raramente prevêem mecanismos de resolução de
disputas. As cláusulas sobre monitoramente são, em sua maioria, muito modestas e, por certo,
em menor quantidade do que se poderia esperar de estados objetivando igualar o custo
marginal do monitoramento com o benefício marginal dessa prática adveniente. Os estados
não-raro criam acordos que permitem a oposição de reservas e prevejam flexibilidades na
forma de cláusulas de salvaguarda e resolutivas.

Por que razão os estados comportam-se dessa forma enquanto que, ao mesmo tempo,
preocupam-se com a sua habilidade de proferir promessas dotadas de credibilidade? Se a
incapacidade de fazer promessas que tais constitui-se em um problema fundamental para a
cooperação internacional, porque os estados não fazem, pelo menos, tudo aquilo que podem
para elevar a credibilidade dos acordos?
Uma troca de promessas somente é dotada de valor na medida em que vincula as partes e
confere a cada uma a confiança de que a outra comportar-se-á conforme o prometido. Um
acordo que restringe o comportamento do estado de maneira mais eficaz, então, deverá conter
mais valor. Este ponto pode ser esclarecido mediante a analogia com os contratos no âmbito
doméstico. As partes de um contrato querem, tipicamente, comprometer-se com o
cumprimento do pactuado e embasam-se no sistema jurídico interno para tornar as suas
promessas com maior credibilidade. Os estados, por certo, não dispõem de sistema de
enforcement análogo sobre o qual estribam as suas promessas. Isso faz com que os estados
sejam menos capazes de comprometerem-se com credibilidade. Com efeito, tal incapacidade
é o centro da crítica direcionada ao direito internacional e à sua doutrina. A premissa
implícita em todas essas discussões é a de que um mecanismo através do qual os estados
pudessem realizar promessas com credibilidade e vinculativas seria utilizado pelos estados e
valioso para o sistema internacional. Mas, em assim sendo, por que razão os estados não se
valem de, pelo menos, elementos formais de esboço para maximizar os seus compromissos?14

O mistério é reforçado ao se considerar um simples modelo contratual. Uma vez que os


estados concordem com as cláusulas substanciais ótimas em um acordo (i.e., aquelas que
maximizam os seus ganhos conjuntos), a teoria da barganha prevê que desejarão
comprometerem-se a atuar em consonância com o pactuado. Com todas as partes
comprometendo-se com as cláusulas substanciais do acordo, permite-se que as partes fiem-se
umas no comportamento das outras para o fim de alcançarem os ganhos conjuntos. A
habilidade em se comprometer é essencial para o funcionamento do acordo.

A análise que segue apresenta uma explicação de por que os estados, algumas vezes, resistem
em usar elementos formais de esboço para maximizar a credibilidade de seus acordos. O
argumento básico é que, embora a maior credibilidade conduza a taxas mais elevadas de
cumprimento, o que é bom, da mesma forma, eleva os custos para as partes na ocorrência de
uma violação. Esse custo é levado em conta pelas partes ao celebrarem o acordo e pode
desestimulá-las a elevar a credibilidade do mesmo.

O PROBLEMA DA FLEXIBILIDADE

À media que a literatura em direito internacional e em relações internacionais aborda a


questão geral acerca de o porquê os estados não se valem das ferramentas existentes para
aumentar a credibilidade de seus comprometimentos, argumenta que os estados, em algumas
vezes, preferem celebrar compromissos menos vinculantes ou com menor credibilidade,
porque avaliam a flexibilidade que estas menos onerosas obrigações oferecem. A expressão
mais clara dessa noção encontra-se no contexto da escolha entre hard e soft law (Abbott e
Snidal 2000, lipson 1991). A idéia central é que os compromissos menos vinculantes
conferem aos estados maior flexibilidade no cumprimento, o que se mostra desejável pelo
fato de que ajuda os estados a negociarem com base em um contexto futuro e incerto, reduz
os custos de resolução ou descumprimento, tornando mais fácil a negociação. Ao discutir
cláusulas resolutivas, Helfer sustenta que “as previsões acerca da denúncia reduzem a
incerteza, por conferirem aos estados uma opção de retirada de baixo custo caso um acordo
venha a ter o cumprimento dificultado” (2005, p. 1599). Uma variação do argumento da
flexibilidade é utilizada, às vezes, para explicar a razão pela qual os acordos internacionais
quase nunca prevêem mecanismos compulsórios de resolução de disputas. O ponto aqui é o
de que os estados preferem deter o controle sobre as disputas mais do que os deixar aos
cuidados de um terceiro (Rovine 1976).15

Esses argumentos, contudo, voltam-se, tão-somente, para o impacto da flexibilidade sobre a


parte que quer evitar aquilo que, de outro modo, seria sua obrigação. O que se faz necessário
é a determinação do impacto da flexibilidade no valor do acordo no momento da assinatura
do mesmo. Quando um estado decide fazer parte de um acordo, por certo, deseja que, na
maioria das vezes, que as suas obrigações sejam flexíveis. Mas quer, também, que as
obrigações das outras partes sejam inflexíveis – permitindo que se fie no cumprimento por
parte dos outros o máximo possível. O principal de um acordo, acima de tudo, é estabelecer
um conjunto de promessas de comportamentos. Em algum momento, a flexibilidade adicional
deve aumentar o risco a ser enfrentado por um estado, porque não há disciplina acerca do
comportamento dos outros. Ainda que um assuma a aversão ao risco, então, não é de todo
claro que maior flexibilidade em relação ao cumprimento tornar-se-á melhor para as partes.

No momento da negociação, as partes simplesmente querem identificar e implementar (na


medida do possível) um conjunto eficiente de incentivos tocantes ao cumprimento das
substanciais obrigações do tratado. A teoria da quebra, na literatura contratual, ensina-nos
que um acordo eficiente obriga o cumprimento a menos que os custos totais dessa
performance superem os benefícios conjuntos. Esse insight contratual pode ser proficuamente
aplicado aos acordos internacionais contanto que estejamos cientes das diferenças entre os
dois contextos. No contexto internacional, a lição é a de que as partes selecionarão um
conjunto ótimo de cláusulas para constar dos acordos. Isso inclui tanto as questões de
conteúdo quanto as de forma. Em relação a estas, as partes procurarão evitar a quebra, ao
menos que os custos totais sejam menores do que os custos totais do cumprimento.

Lembre-se do exemplo envolvendo Canadá e Estados Unidos, no qual negociavam um


acordo ambiental. Os estados negociarão as cláusulas substantivas do acordo e, sujeitos aos
custos de transação, maximizarão os ganhos do mesmo. A redação final resultará diferente do
nível preferencial de proteção ambiental de um deles, e possivelmente dos dois, mas nenhum
outro acordo será capaz (ainda que transferências estivessem disponíveis) colocaria os
estados em situações melhores.

No contexto doméstico (ou, pelo menos, em uma versão idealizada disso), a história termina
aqui. Assume-se que uma vez que se atinge um acordo, as partes celebrarão um contrato para
elas obrigatório que reflita o consenso alcançado. Esse contrato refletirá uma forma eficiente
de compromisso e enforcement. As partes fiar-se-ão nos tribunais – ou mesmo no
procedimento da arbitragem – para resolver disputas, as quebras conduzirão a punições
eficientes e o monitoramento será feito até o ponto em que o seu custo marginal iguala-se ao
benefício marginal dele derivado.

No contexto internacional, contudo, o consenso sobre as cláusulas substanciais é apenas o


primeiro passo. As partes devem, depois, decidir acerca de uma série de questões
relacionadas à forma do acordo. Para começar, resulta claro que até mesmo comprometer-se
com um tratado formal não é análogo a celebrar um contrato no âmbito doméstico. Embora
ambos sejam ditos “vinculantes” às partes, um tratado oferece menos em termos de
enforcement e, por isso, de credibilidade. Ainda que seja previsto um mecanismo
compulsório de resolução de controvérsias, não há autoridade alguma para executar as
decisões das cortes. Este fundamental e bem-conhecido problema do direito internacional
sugere que não é simples para os estados assegurarem níveis ótimos de cumprimento por
meio das formas existentes de acordo em direito internacional. Tanto quanto estou ciente,
esta é uma visão consensual entre os doutrinadores e intérpretes do direito internacional.

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