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OS PRINCÍPIOS E AS REGRAS

1 INTRODUÇÃO

A ordem jurídica é formada por uma pirâmide onde as normas de direito encontram-se
hierarquicamente organizadas, de forma que cada uma delas funda-se em outra de hierarquia
superior. Dentro dessa pirâmide tem-se a Norma Fundamental, que é a que se encontra no topo e
dá legitimidade a toda a estrutura jurídica. Dentro desse modelo organizacional, é a Constituição a
norma de maior graduação.
É a Constituição Federal, Norma Fundamental da ordem jurídica nacional, composta de regras e
princípios, espécies normativas que conferem legitimidade a todas as demais normas do conjunto
jurídico brasileiro.
Entretanto, apesar de apresentarem-se reunidos em um mesmo diploma legal, as regras e os
princípios são espécies distintas de um mesmo gênero e se faz importante, tanto para sua
interpretação como para sua aplicação pelos operadores do direito, estabelecer as distinções
existentes entre os mesmos.

2 O QUE É PRINCÍPIO?

A vida jurídica dos princípios passa por três fases distintas: a fase jusnaturalista, a positivista e a
pós-positivista.
Em sua fase jusnaturalista - onde vigorava a idéia do Direito Natural, ou seja, a idéia de que o direito
não teria sido criado pelo homem, mas teria advindo de sua existência natural e a ela estaria ligado,
portanto sendo uma revelação feita por Deus aos homens1 - os princípios eram vistos de forma
inteiramente abstrata e sua normatividade era basicamente nula e duvidosa.2
Na fase do positivismo jurídico - que refuta todo e qualquer elemento de abstração na área do
Direito, principalmente a idéia do Direito Natural, desprezando o juízo de valor e se apegando
apenas aos juízos de constatação e realidade, onde só era admitida a existência de uma ordem
jurídica: aquela emanada do Estado e que é soberana 3 - os princípios passaram a fazer parte dos
ordenamentos jurídicos, inicialmente como válvula de segurança, não ainda como algo que se
sobrepusesse às leis, mas apenas lhes conferindo e garantindo reinado absoluto.4
Atualmente, na vigência da fase chamada pós-positivista, fase esta que corresponde aos momentos
de promulgação das grandes Constituições nas últimas décadas deste século, os princípios têm
acentuada sua “hegemonia axiológica [...], convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta
todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”5, passando, assim, a ser tratados como
Direito.
É neste momento, então, que se faz oportuno tecer considerações a respeito do conceito de
princípio, devido à importância dispensada a eles (os princípios) nos atuais ordenamentos jurídicos,
tendo sido erigidos a espécie normativa dotada de obrigatoriedade e efetividade, e servindo como
informadora e balizadora de todas as outras espécies normativas do ordenamento.

2.1 Conceito de princípio

Etimologicamente falando, o termo princípio deriva do latim principiu, e possui, primordialmente, a


idéia de início.
No seu sentido semântico, princípio quer dizer, ainda:
[...] 4. Causa primária.[...] 6. Filos. Aquilo do qual alguma coisa procede na ordem do
conhecimento ou da existência. [...] 11. Lei, doutrina ou acepção fundamental em que outras

1 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 16 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 437-439.
2 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 232.
3 NADER, op. cit., p. 449.
4 CAÑAS, Gordillo apud BONAVIDES. 2002, P.235.
5 Ibid., p. 237.
são baseadas ou de que outras são derivadas: Os princípios de uma ciência. [...] 13. Norma de
conduta.6

Do acima exposto, e aplicando-o ao meio jurídico, pode-se conceituar princípio como sendo as
primeiras verdades sobre as quais se desenvolvem o ordenamento jurídico, lhe dando fundamento
(os princípios trazem em si “conotações éticas, sociais e políticas, valendo como algo externo ao
sistema processual e servindo-lhe de sustentáculo legitimador”7) e também lhe ditando objetivos.
Princípio é norma finalística que dita os fins a serem alcançados, que são o estado ideal das coisas
objetivado pelo próprio princípio e a ser promovido por condutas nele pautadas.
Outra idéia que se deflui dos princípios, além daquela de que servem de instituto norteador para o
ordenamento jurídico, é a idéia de que eles possuem aplicação mais geral do que as regras - que
contém obrigações descritas por condutas permissivas ou proibitivas -, encontrando-se vinculados a
situações gerais e abstratas. Por isso os princípios não se apresentam como solução específica,
como própria razão para tomada de uma decisão, e mantém uma relação de imbricamento, de
interdependência uns com os outros. Este sentido de que os princípios encontram-se vinculados a
situações mais generalizadas pode ser ainda corroborado por trabalho de investigação doutrinária
feito por Ricardo Guastini, onde são apresentados seis conceitos distintos extraídos de
jurisprudência e juristas diversos, donde se pode perceber que o vocábulo princípio é utilizado para
referir-se a normas providas de alto grau de generalidade, ou normas providas de um alto grau de
indeterminação, ou para designar aquelas normas dirigidas aos aplicadores do direito com a função
específica de escolher, dentre dispositivos e normas vários, aquele ou aquela aplicável ao caso
concreto.8
Outrossim, os princípios ainda apresentam um outro aspecto relevante que é o seu aspecto
axiológico, do qual podemos perceber que eles são valores em si mesmos, têm em si valores
intrínsecos e fundamentais que os envolvem, e como valores foram aceitos como verdades por
determinada comunidade em um determinado momento histórico. E por que a sociedade e as
realidades históricas são dotadas de mutabilidade permanente, é que os princípios não são eternos,
já que possuem a característica de serem subjetivos e, portanto, também mutáveis, consoante as
mudanças que se apresentam na sociedade.
O fato de haver um aspecto axiológico inerente ao princípio e de ele acompanhar as mudanças na
realidade social, em conjunto com o fato de os princípios apresentarem a generalidade como traço
imperante em sua caracterização, já foi motivo de duras críticas ao seu aspecto normativo.
Humberto Ávila defende a inafastabilidade do aspecto normativo do princípio em razão de seu
aspecto axiológico:
Os princípios remetem o intérprete a valores e a diferentes modos de promover resultados.
Costuma-se afirmar que os valores dependem de uma avaliação eminentemente subjetiva.
Envolvem um problema de gosto (matter of taste). Alguns sujeitos aceitam um valor que outros
rejeitam. Uns qualificam como prioritário um valor que outros reputam supérfluo. Enfim, os
valores, porque dependem de apreciação subjetiva, seriam ateoréticos, sem valor de verdade,
sem significação objetiva. Como complementa George Henrik von Wright, o entendimento de
que os valores dependem de apreciação subjetiva deve ser levado a sério. Mas disso – e aqui
começa o nosso trabalho – não decorrem nem a impossibilidade de encontrar comportamentos
que sejam obrigatórios em decorrência da positivação de valores, nem a incapacidade de
distinguir entre a aplicação racional e a utilização irracional desses valores.9

Paulo Bonavides defende a hegemonia normativa dos princípios, a partir do momento em que eles
são constitucionalizados, são inseridos nas Cartas Constitucionais10; e por isso mesmo, por
constituírem a Norma Fundamental, é que são providos do mais alto peso.
Portanto, os princípios são normas descritivas de estado ideal de coisas a ser alcançado, de onde
resultam outras normas e que apontam objetivos a serem cumpridos pelo ordenamento jurídico
como um todo. São o início da compreensão do ordenamento e, apesar de reservarem um aspecto

6 Britannica do Brasil, Encyclopaedia. Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa. Vol. 3. 12 ed. São Paulo:
Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda., 1990, p. 1394-1395.
7 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo e outros. Teoria Geral do Processo. 18 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 50.
8 GUASTINI, Ricardo apud BONAVIDES, 2002, p. 230-231.
9 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2 ed. São Paulo:
Malheiros, 2003, P. 55-56
10 BONAVIDES, op. cit., p. 247.
axiológico, que é resultado de sua aceitação pela sociedade como valores e verdades imanentes
àquela comunidade em determinado momento de sua história, deles não está afastado o seu
aspecto normativo que lhes confere obrigatoriedade e efetividade.

3.1.1 Distinção entre princípio e regra

Os princípios são normas, e as normas compreendem os princípios e as regras, porque ambos são
formulados com expressões de mandamento, permissão e proibição. Entretanto, apesar de se
encontrarem classificados sob um mesmo gênero, que é norma, trata-se de duas espécies distintas,
e cumpre aqui fazer uma exposição de alguns aspectos dessa distinção. E essa distinção possui
duas finalidades fundamentais:
Em primeiro lugar, visa a antecipar características das espécies normativas de modo que o
intérprete ou o aplicador, encontrando-as, possa ter facilitado seu processo de interpretação e
aplicação do Direito. Em conseqüência disso, a referida distinção busca, em segundo lugar,
aliviar, estruturando-o, o ônus de argumentação do aplicador do Direito, na medida em que a
uma qualificação das espécies normativas permite minorar – eliminar, jamais – a necessidade
de fundamentação, pelo menos indicando o que deve ser justificado.11

E ainda, seguindo palavras de Humberto Ávila:


[...] O importante não é saber qual a denominação deste ou daquele princípio. [...] A matéria
bruta utilizada pelo intérprete – o texto normativo ou dispositivo – constitui uma mera
possibilidade de Direito. A transformação dos textos normativos em normas jurídicas depende
da construção de conteúdos de sentido pelo próprio intérprete. Esses conteúdos de sentido, em
razão do dever de fundamentação, precisam ser compreendidos por aqueles que os
manipulam, até mesmo como condição para que possam ser compreendidos pelos seus
destinatários. É justamente por isso que cresce em importância a distinção entre as categorias
que o aplicador do Direito utiliza. O uso desmesurado de categorias não só se contrapõe à
exigência científica de clareza – sem a qual nenhuma Ciência digna desse nome pode ser
erigida -, mas também compromete a clareza e a previsibilidade do Direito, elementos
indispensáveis ao princípio do Estado Democrático de Direito.12

Passemos, então, à distinção.


Vários são os autores que propuseram definições e critérios distintivos, distintos, para essas
espécies normativas. Alguns deles obtiveram tamanha repercussão doutrinária que se tornaram
objeto de um estudo mais aprofundado e crítico de outros doutrinadores. Humberto Ávila faz um
estudo de investigação destes critérios, apresentando modos de aperfeiçoamento e suas críticas aos
mesmos.
O primeiro critério de distinção é o critério do caráter hipotético-condicional, que distingue princípios
e normas a partir dos elementos hipótese de incidência e conseqüência. Estes elementos se acham
presentes nas regras, que são aplicadas ao modo se-então, determinando a própria decisão através
da ocorrência da hipótese descrita na norma; enquanto que os princípios, ao contrário, apenas
indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador na investigação do mandamento a ser utilizado,
funcionando, portanto, como elemento auxiliar na interpretação e aplicação do direito.13
Uma das críticas apresentadas a este critério de distinção seria que o fato de existir na regra uma
hipótese de incidência e uma conseqüência é questão de como a norma é formulada
linguisticamente, não se tratando propriamente de uma característica daquela espécie normativa. O
princípio da tipicidade, por exemplo, poderia ser facilmente reformulado e apresentado da seguinte
maneira: Se for desobedecida a exigência de determinação da hipótese de incidência de normas
que instituem obrigações, então o ato estatal será considerado inválido.14 Além disso, o fato de um
dispositivo ter sido elaborado seguindo os trâmites do devido processo legislativo não impede o
aplicador do direito de entendê-lo como princípio; é ele, como intérprete, que vai avaliar os valores
que são sobrejacentes ao dispositivo e as finalidades que com ele quer-se alcançar, cabendo
também a ele o qualificativo de determinado dispositivo jurídico como regra ou princípio.15

11 ALEXY, Robert apud ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3
ed. aum. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 56-57.
12 Ibid., p. 16-17.
13 Ibid., p. 31-32.
14 Loc. cit.
15 Ibid., p. 33.
O critério do modo final de aplicação leva em consideração a forma como os princípios e as regras
são aplicadas ao caso concreto. Estas, as regras, seriam aplicadas ao modo tudo ou nada, o que
significa que se a hipótese de incidência foi preenchida, então se deve implementar a conseqüência;
ao contrário, se não há realização da norma hipotética descrita no dispositivo legal, é impróprio falar-
se em implementação de conseqüência. Além disso, se houverem duas regras colidentes a serem
aplicadas ao mesmo caso concreto, uma delas deve ser considerada inválida. Com os princípios
ocorre de forma diversa. Eles não determinam a decisão a ser tomada frente àquele caso, pois são
destituídos de hipótese de incidência e conseqüência; apenas contêm fundamentos da decisão a ser
aplicada frente àquele caso. Ainda, ao contrário do que se passa com as regras, na ocorrência de
colisão entre dois princípios, não há que se falar em invalidação; aquele que se apresentar de maior
relevância para o caso em questão vai ser aplicado em sobreposição ao outro, sem que este,
contudo, perca sua validade.16
Uma das críticas apresentadas a este segundo critério é o fato de que nem sempre esta
conseqüência vai ser implementada de forma absoluta, mesmo em tendo sido preenchido todos os
requisitos da situação hipotética trazidos na norma. Outras razões podem se sobrepor àqueles
requisitos e contribuir para que, ainda assim, não seja configurado aquele tipo normativo.17 Um
exemplo disso é o tipo penal previsto no artigo 224 do Código Penal que, ao prever o crime de
estupro, presume incondicionalmente a existência da violência por parte do autor se o crime foi
praticado contra vítima menor de catorze anos. Mesmo sem haver previsão de exceção no
dispositivo legal, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar um caso destes onde a vítima tinha doze
anos, levou em consideração circunstâncias outras não previstas no tipo penal, como a aquiescência
da vítima e sua aparência física e mental, que levavam a crer ser ela de idade superior, e decidiu
pela não configuração do tipo.18 No exemplo os requisitos trazidos na norma foram fidedignamente
cumpridos, entretanto, por razões não previstas na regra, não foi aplicada aquela obrigação havida
como absoluta.
Portanto, não é correta nem plausível a afirmação categórica de que as regras são normas cuja
aplicação é certa e indubitável quando suas premissas forem preenchidas.
Terceiro critério a ser apresentado é o critério do conflito normativo. A distinção aqui entre princípios
e regras é estabelecida a partir da forma de solução de conflitos que possam existir entre dois ou
mais princípios e entre duas ou mais regras. A solução da antinomia entre regras é solucionada com
a declaração de invalidade de uma delas, ou com a criação de uma exceção; ao passo que quando
se tem um conflito de princípios, decide-se fazendo uma ponderação entre eles através da atribuição
de valores e pesos, não se cogitando da invalidação.19
Este critério de distinção é criticado na medida em que “a ponderação não é método privativo de
aplicação dos princípios, nem [...] os princípios possuem uma dimensão de peso.”20
Há casos em que duas normas entram em conflito e este conflito é solucionado mediante atribuição
de peso a uma delas, sem que a outra seja reputada inválida. O exemplo é a existência de duas
regras do Código de Ética Médica que determinam que: o médico deve dizer toda a verdade a seus
pacientes; e a outra que o médico deve se utilizar de todos os meios possíveis para curar seu
paciente. Trata-se de duas regras conflitantes. Como proceder, então, se o anúncio da verdade ao
paciente pode comprometer consideravelmente sua saúde e recuperação?21
Com a exposição desse exemplo resta comprovado que não só o conflito entre princípios é resolvido
através do sopesamento entre razões, mas o conflito entre regras também pode assim ser
solucionado em algumas ocasiões, o que já é suficiente para que se tenha superada aquela idéia de
que há que se declarar necessariamente a invalidade de uma das regras antinômicas.
As críticas apresentadas serviram apara demonstrar que, apesar das regras possuírem hipótese de
incidência e aplicação automática e terem seus conflitos solucionados mediante declaração de
invalidade de uma delas, essas características são apenas contingentes e não se mostram
necessárias e suficientes para a qualificação dessa espécie normativa como regra.22

16 Ibid., p. 35-36.
17 Ibid., p. 37.
18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas Corpus nº. 73.662-9, Rel. Min. Marco Aurélio, Brasília, DF, 20 de
setembro de 1996. Disponível em: <www.stf.gov.br/jurisprudencia/jurisp.asp?tip=ACO>. Acesso em: 28 jun. 2005.
19 ÁVILA, op. cit., p. 42-43.
20 Ibid., p. 44.
21 Loc. cit.
22 Ibid., p. 59.
Feitas as críticas, outros critérios distintivos e outra proposta de classificação das regras e dos
princípios são apresentados. Antes de tentar fazer uma distinção baseada em alternativas exclusivas
– ou um determinado dispositivo é uma regra ou se trata de um princípio – tenta-se albergar
alternativas inclusivas entre regras e princípios, no sentido de que um mesmo dispositivo pode gerar
mais de uma espécie normativa. A depender da implicação lógica que se depreende do dispositivo
legal, ele pode tanto germinar uma regra como um princípio.23
As espécies normativas podem ser distinguidas com base no comportamento que elas prescrevem.
Enquanto as regras são descritivas, estabelecendo permissões ou proibições, na medida em que
descrevem condutas a serem adotadas em determinado caso concreto, os princípios, ao contrário,
estabelecem um estado ideal que deve ser atingido. Aquelas prevêem conduta a ser seguida
enquanto que os princípios prevêem o fim a ser alcançado24; donde se pode concluir que, ao invés
de se excluírem, regras e princípios, antes, se completam.
Além do critério do comportamento prescrito, regras e princípios podem ser dissociados quanto ao
modo de justificação que exigem e quanto ao modo como contribuem para a decisão. O primeiro
aspecto leva em consideração a avaliação feita pelo intérprete e aplicador do direito ao confrontar o
caso concreto com o dispositivo legal. Ao interpretar e aplicar regras deve-se avaliar a
correspondência entre a descrição do caso concreto e a descrição hipotética da norma. Já a
interpretação e aplicação de princípios exigem uma correlação entre o estado de coisas que se
busca atingir com aquele princípio e os efeitos da conduta no caso concreto. Em se tratando do
modo de contribuição para a decisão, as regras distinguem-se dos princípios na medida em que
aquelas consistem em normas decisivas abarcantes; ou seja, as regras abrangem todos os aspectos
relevantes para se tomar a decisão, pois o preenchimento das condições de aplicabilidade é a
própria razão de sua aplicação. Os princípios, a contrariu sensu, são normas complementares, na
medida em que, pelo fato de não abrangerem todos os aspectos relevantes para a tomada da
decisão, apenas contribuem, ao lado de outros, para a solução da questão; o que demonstra uma
interdependência entre os princípios.25

3 CONCLUSÃO

Portanto, princípios e regras, ao contrário do que se tem entendido, não se diferenciam pelo modo
de aplicação, nem pelo critério de solução de conflito normativo nem pelos elementos de formação
na norma (hipótese de incidência e conseqüência).
Antes de tentarmos diferenciar as regras e os princípios pela exclusão, ou seja, determinado
dispositivo ou é regra ou é princípio, devemos partir da idéia de que de um mesmo dispositivo legal
pode ser extraído princípio ou regra, a depender da construção que se faz dele.
Se um dispositivo apresenta uma descrição de comportamento, estabelecendo permissões e
proibições, condutas a serem seguidas em determinado caso concreto, então se trata de regra.
Contudo, se, ao contrário, estabelecem um estado ideal de coisas a ser alcançado, trata-se de
princípio.
O que não se pode perder de vista é que as regras e os princípios não se excluem, eles, ao
contrário, se completam, e por isso devem ser levados em consideração conjuntamente para a
solução de qualquer questão.

23 Ibid., p. 60.
24 Ibid., p. 63-65.
25 Ibid., p. 68-69.
Resenha de livro jurídico: “Teoria dos Princípios” – Humberto Ávila

Nos estudos de direito constitucional é impossível não se defrontar com a célebre


questão dos princípios constitucionais e da diferenciação entre princípios e regras.
Geralmente se divulgam noções parciais de dois dos mais conhecidos doutrinadores
estrangeiros a esse respeito: Ronald Dworkin e Robert Alexy. Desde logo me interessei pelo
assunto e não perdi a oportunidade quando fiz curso de pósgraduação para fazer a leitura
desses clássicos. Até que cheguei num artigo – que pode facilmente ser encontrado em
pesquisa no Google – de um tributarista gaúcho, Humberto Ávila, com o sugestivo título
“Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular”.
Identifiquei-me com o discurso desde logo, quando o autor enuncia um conceito sobre
princípios formulado por um dos mais conhecidos autores pátrios de direito administrativo
e, a partir dele, constroi raciocínios do tipo arrasa-quarteirão. Basicamente, Ávila defende
que não basta apenas proclamar a importância dos princípios, dizer que são normas
fundamentais, basilares, dentre outros adjetivos, sem se preocupar com a sua utilização
prática. Como resolver um caso concreto com base num princípio se os juristas apenas se
preocupam em dizer que os princípios são importantes? Isso não diz nada do quanto um
princípio vale num caso concreto, e de como se deve aplicá-lo, tanto mais quando se
verificam as relações entre outros princípios e outras regras jurídicas. Quando vi na
“livraria”de um conhecido curso preparatório para concursos, não tive dúvidas de trazer
para casa a 4.ª edição (de 2004) do livro “Teoria dos Princípios – da definição à aplicação
dos princípios jurídicos”, da editora Malheiros. O livro tem apenas 138 páginas e custou-me
pouco mais de 20 reais em 2004, mas é certo que ainda não encontrei obra que trate
melhor a questão dos princípios e regras, e agora tenho muito maior rigor na leitura de
outros autores que resolvem escrever alguma coisa sobre princípios. Veja-se que numa
constituição como a CF/88, o tema dos princípios deve ser incorporado a praticamente
todas as obras jurídicas, como as de direito constitucional, tributário, penal,
administrativo, previdenciário, ambiental, urbanístico, civil, processual civil e penal, etc. E
tenho me irritado quando encontro descrições superficiais ou mera reprodução de noções
tradicionais sobre os princípios, sem preocupação de maior rigor na utilização das
expressões e dos conceitos, e de esclarecimentos quanto ao manejo dos princípios na
prática jurídica. Ávila propõe-se a conceituar princípios e regras, formular critérios
adequados para sua diferenciação, bem como a tratar dos chamados “princípios” da
proporcionalidade e da razoabilidade, caracterizando-os precisamente e sugerindo a
adoção da terminologia “postulados normativos”. Esse livro foi uma verdadeira “paulada na
cabeça” e uma aula sobre como tratar questões jurídicas de maneira simples e clara,
oferecendo críticas fundamentadas, e sempre que possível com exemplos tirados da
jurisprudência (superando com vantagem outros doutrinadores que repetem exemplos de
autores mais remotos, ou que “tiram da cabeça” os exemplos). Além disso, foi
extremamente útil para a pósgraduação e foi o ponto de partida (ou de chegada) sempre
que precisei escrever sobre princípios.

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