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Referia José Redinha, em ‘’Etnias e culturas’’, que ‘’’’as línguas actualmente faladas em
Angola são, pela ordem de antiguidade, a bosquímana ou bochimane, a língua banta e a
língua portuguesa.
De todas elas, apenas a língua portuguesa possui forma escrita, o que muito influiu para a
divulgação do português nas populações angolanas.
A linguagem falada ou glótica das populações de Angola inclui alguns códigos de língua
secreta ou artificial, utilizados em tempos por associações secretas ou semi-secretas, e
actualmente em ritos sociais ou de puberdade masculinos. São usados pelos iniciados
durante os períodos de estágio nas escolas do mato e rigorosamente proibidos logo que
retornem à vida normal nas suas povoações.
Nota-se também a existência de termos de carácter puramente religiosos, empregados nas
práticas culturais, mais ou menos misturados com elementos da linguagem corrente. São
estes termos, por regra, de origem arcaica, e utilizados para aquele fim.
A par destas falas especiais e particulares, encontramos outras, reservadas, tendo por
objectivo manter conversação entre os próprios sem serem compreendidos pelos
circunstantes estranhos ao grupo. Em Angola, existem também as chamadas linguagens
tamboriladas que, mormente em épocas passadas, eram transmitidas por meio de tambores,
de que o modelo mondo, ainda existente, constitui instrumento especializado para o efeito.
Este instrumento encontra-se muito divulgado, testemunhando bem, na sua dispersão
actual, a intensa aplicação que deve ter tido em épocas passadas.
Henrique de Carvalho, referindo-se ao uso do mondo entre os Lundas, deixou registada,
entre outras, esta passagem:
‘’Para chamar toda a gente às armas (assisti a esta convocação no acampamento de Xa
Madiamba), dizia o mondo: acuarunda ó chipata congolo, ucuete uta, ni cabuita mulimo,
munguletanhi, munguletanhi – Povo da Lunda, os guerreiros, os que têm espingardas e
frechas, venham todos com ellas, venham todos com ellas’’.
Na região da Lunda e no Cuango, assistimos ao emprego do mondo entre os Lundas,
Quiocos, Xinges e Bangalas. Os tocadores de mondo necessitam de bastante experiência
conforme nos afirmaram.
Também, nem todos são capazes de ouvir convenientemente as mensagens. Interpretam-nas
movimentando os lábios como ajuda à captação e interpretação.
No entanto, entre os Bangalas, observámos a emissão de mensagens longas e pronta
resposta.
O alcance depende da topografia da região e das correntes aéreas, mas admitem os
africanos que é normal transmitirem para 10 quilómetros, podendo, em condições óptimas,
alcançar muito mais longe.
Há, sem dúvida, uma técnica tipicamente africana e não fácil de interpretar, no uso de
transmissões acústicas. O etnomusicólogo Kubik tratando de estruturas e escalas musicais
africanas, dá uma explicação por essa via, nos termos seguintes:
‘’Hoje em dia podemos ter como certo que uma série de tribos africanas afinam os seus
instrumentos de acordo com sílabas da língua ou com fórmulas verbais. As fórmulas
verbais mnemónicas e onomatopaicas têm grande relevância nas culturas sem escrita, como
meio de preservar a tradição, constituindo um importante instrumento de ensino. As
crianças aprendem a tocar tambor e outros instrumentos por meio de fórmulas verbais e
silábicas. O ducto melódico de passagens de tambor representa palavras e frases, imitando
as alturas dos sons, os glissandi, a claridade das vogais e outros caracteres linguísticos
rítmicos e dinâmicos. É neste princípio que se baseiam os tambores falantes africanos’’.
Fonética
De acordo com o quadro fonético dos caracteres, preconizado pelo Instituto de Cultura e
Línguas Africanas, que adiante apresentamos, as vogais são como em português: a, e, i, o,
u. São breves ou longas. A vogal e (breve) na pronúncia, rápida antes da vogal, geralmente
soa como i. Exemplo:
A grafia do r utchokwe é um assunto muito discutido e que ainda não está bem resolvido.
Escreve-se r ou l, conforme o parecer de cada um. Em algumas regiões de Angola, onde há
mistura de tutchokwe com luenas, ambundos, ganguelas, umbundos, luchazes e outros,
substitui-se o r por l.
Quase todos os livros que temos visto escritos em língua Utchokwe, quer nas missões
protestantes quer católicas, escrevem l em vez do r. Ora, se bem que os Tutchokwe não
pronunciem o r forte, muito menos pronunciam o l, mas sim um r línguo-palatal tão fraco
como aquele que nós pronunciamos na palavra ‘’arara’’. O facto de , nas publicações em
Utchokwe, editadas pelos missionários protestantes e católicos, se escrever l em vez de r,
dá-nos a entender que, nas regiões onde essas publicações foram feitas, os tutchokwe
pronunciam mais acentuadamente o l. Os próprios nativos da região nordeste da Lunda
dizem que, tal pronúncia é antiga e de mistura com a língua Umbunda, enquanto nesta
região o r se deve à influência dos lundas e quimbundos.
Dum modo geral, dá-se preferência à ortografia sónica. Todavia, em casos consagrados
pelo uso, empregámos as fórmulas vulgarmente conhecidas, com o propósito de obter uma
melhor compreensão.
Como o nh português se prestava a confusões, pela decomposição de n e h aspirado,
adoptámos o grupo ny.
No intuito de ser melhor compreendido e auxiliar o leitor, junta-se, a seguir, os quadros
fonéticos dos grafemas preconizados pelo Instituto de Cultura e Línguas Africanas e dos
que empregámos para escrever a língua dos Tutchokwe.
>> Quadro fonético dos grafemas preconizados pelo instituto de cultura e língua africana
Grafia e pronúncia
Em utchokwe, ou quioco, como esta língua é mais conhecida, de acordo com algumas
normas estabelecidas para a escrita das línguas bantas, dá-se a cada letra um valor único em
qualquer situação em que ela se encontra, isto é, a cada signo um som e a cada som um
signo.
Assim, o s tem sempre o valor de ss e de c antes de e ou l.
O g nunca vale j. Pronuncia-se sempre ‘’guê’’.
O j pronuncia-se sempre como em português nas palavras ‘’José’’ e ‘’justo’’.
O o nunca é empregue com o valor de u.
O q e o c, nos seus valores duros, são substituídos por k.
O c só se emprega combinado com o h = ch.
O problema mais delicado surge-nos com a grafia dos sons ch e tch, em virtude de estes
valores aparecerem frequentemente nas línguas bantas e serem representados por formas
diversas, consoante os autores (c, cx, tx, ch, tch e ainda sh e tsh).
Nós adoptamos os grupos ch e tch, tendo o primeiro o som ch português da palavra ‘’chá’’
e o segundo o som da palavra inglesa ‘’match’’, que soa como tche ou tsh.
O f, quando precedido de p, de t ou de qualquer outra consoante, deve pronunciar-se muito
fraca e suavemente.
O h é sempre aspirado, excepto quando combinado com c – ch.
O p e o h não se combinam; pronunciam-se separadamente, notando-se bem a aspiração do
h.
O r é sempre línguo-palatal, muito suave, e pronuncia-se como em inglês,
aproximadamente. Não tem o nosso r forte nem rr dobrados.
Encontram-se outras particularidades, destinadas a fixar a índole da pronúncia utchokwe,
que facilmente se compreendem, como sejam: mb, mp, nd, ng, nz, dj.
Tanto o m como o n nasalam sempre com a consoante seguinte, mesmo que sejam
precedidas de vogal.
Contracções e elisões
Em utchokwe, tal como em todas as línguas, também há contracções e elisões que convém
notar, antes de entrar no estudo morfológico.
Assim, temos:
Como se vê pelos exemplos atrás referidos, a vogal a cai antes de a, e, i e o; o e cai antes de
a, e e i, enquanto o i apenas cai antes de i. Convém notar, porém, que nenhuma vogal se
contrai com outra vogal inicial de um prefixo concordante ou complemento determinativo.
Exemplo:
O acento tónico recai sempre na penúltima sílaba, salvo raras excepções, visto a maioria
das palavras serem graves.
Como adoptamos a grafia indicada no quadro fonético já citado, a acentuação tónica faz-se
utilizando as semivogais w e y, como em inglês, evitando, assim, uma profusão de acentos.
Sílabas
Exemplo:
Ngaje = nga-je (fruto da palmeira ‘’den-den’’ e não négage , como muita gente diz).
Ngombe = ngo’mbe (boi)
Mpafu = mpa-fu (fruto semelhante a grandes azeitonas, produzido pela árvore resinosa
mupafu).
Ndongo = ndo-ngo (agulha)
Nzambi = Nza-mbi (Deus supremo)
Mbunge = mbu-nge (coração)
Nzango = nza-ngo (amor)
Morfologia
Assim, quando se torna necessário determinar o sexo, sempre que a palavra o não indica
por contexto ou por si mesma, forma-se o género juntando as palavras kunji ou tchihwo,
regidas do respectivo genitivo para o masculino e feminino, tendo sempre em atenção as
formas a empregar. Exemplo:
2ª forma – Como se vê, as palavras mutfu atfu (pessoa/s), podem ser designadas por género
neutro, se queremos apenas indicar pessoas ou coisas personificadas, indefinidamente.
Exemplo:
4ª forma – Para qualquer ser animado, excepto para pessoas ou coisas personificadas:
Exemplo:
Ndemba kasumbi ka-tchina bwalu kasumbi wa tchari ku a-ri kunu (o galo fugiu, mas a
galinha está aqui; ficou)
Tchihwo tcha ngombe a-sema, hindu ngombe wa kunji kachiku sema (a vaca pariu mas,
contudo, o boi não pode parir).
A ordem é arbitrária.
Com excepção dos substantivos, que têm uma forma para os dois números e que são ainda
em número bastante elevado, todos os outros têm dois números (singular e plural), os quais
se distinguem por prefixos diferentes, posto que, tal como em todas as outras línguas
bantas, esta é também uma língua prefixativa ou aglutinada.
Para completar o que atrás ficou dito, expomos a seguir o quadro da transcrição fonética de
dez vocábulos, nos quais são empregues os grafemas k, g, ch, tch, ny, e, w, yi, j, cujos sons
poderiam suscitar alguma dúvida.
O referido quadro foi elaborado de acordo com o preceituado pela Association Phonétique
International (API) e pela Nova Gramática Contemporânea (de Celso Cunha e Lindley
Cintra).
Cantos
Cultura | Música e danças | Canções
||||||||||||| Canções
‘’’’Entre as etnias da Lunda, pode dizer-se que não há dança ou rito sem canções populares,
religiosas ou propiciatórias. Dir-se-ia que estas gentes nascem a cantar e a dançar e que,
sem estas duas coisas jamais poderiam viver. É uma gente alegre e sempre pronta para
festas. As etnias da Lunda são, por natureza, alegres e risonhas, cantam, dançam e riem a
qualquer hora e por tudo ou por nada, com um sorriso franco. É talvez o seu espírito alegre
e despreocupado que está no segredo da sua robustez e boa saúde. Para o "katchokwe", não
há tristeza, desde que oiça cantar e dançar ou os ensurdecedores sons cavos do "tchinguvu".
Pode estar com fome mas nem por isso deixam de dar o seu pé de dança, enquanto tiver
forças para isso. A dança é-lhe necessária, para ginasticar e manter em boa forma o seu
corpo.
Apenas faremos referência a algumas das canções mais populares dos "Tutchokwe", a
maior etnia da Lunda, pois de contrário, ser-nos-iam necessárias centenas de páginas para o
fazer.
Para o "Katchokwe" tudo lhe servia para fazer uma canção.
Assim, qualquer atitude ou feito de um indivíduo pode ser motivo de uma canção de
exaltação ou satírica.
Normalmente, a maior parte das canções apenas referem o título de uma história ou feito e,
por conseguinte, para as compreender necessário se torna conhecer a razão da sua origem.
O tocador de "marimbas" ou de "tchisanje" anuncia com dois ou quatro versos a história ou
feito lendário já de todos conhecido. Mas, se por acaso, alguém do auditório a desconhece,
quando acabar de a cantar, canta-a com todos os pormenores, omitindo ou aumentando a
seu bel-prazer, a lenda que deu origem à canção.
Ao contrário das canções da "tchisela", da "tchianda" e da "kandôa" que, geralmente, são
alegres e de ritmo mais rápido, as canções que os tocadores de "marimbas" ou "tchisanje"
executam são de ritmo lento e dolente, semelhante ao das mornas de Cabo Verde. É através
destas canções que pessoas da Lunda exprimem a suas tristeza, melancolia, saudade e todos
os seus lamentos. Por vezes, com os olhos rasos de água, cantam com sentimento, a sua
desdita, sem se preocupar com a composição das frases.
Posto isto, vejamos algumas das canções mais populares e tradicionais da região da Lunda
que conseguimos recolher e coligir.,
Esta é a canção dos escravos, dos expatriados e dos órfãos que choram ou cantam chorando
a saudade da sua terra, da sua mãe ou dos seus.
Esta canção refere-se a que, os barqueiros, quando as mulheres lhe não pagam da primeira
vez que passam no seu barco, depois não as transportam sem que paguem primeiro com o
sexo, antes mesmo de entrarem no barco.
Esta canção mostra que, ninguém quer ser culpado e a culpa, sempre que se pode, lança-se
sobre os mais fracos e indefesos.
6.Mama Sua
Esta canção que tanto pode ser cantada pelo tocador de "tchisanje" como em qualquer
batuque, refere-se aos tempos antigos quando Saurimo era o ponto mais perto de contacto e
comércio dos nativos, da área do Chitato, com os portugueses.
Foi nessa altura que uma mulher, sabendo que seu marido gostava muito de peixe,
especialmente de "tchingondola, foi pescar com o seu "tambi" e por pouco não foi
apanhada por um crocodilo.
Tocador Solista: "we yaya mama" (ai o meu irmão, minha mãe)
"una mono kurya" (onde vires comida)
"ria-ko" (come-a)
"pfwo ha-zanga malunga" (a mulher gosta de homens)
Coro: repete tudo o que o tocador canta
Esta canção do tocador de "tchisanje" mostra bem a razão porque os "tutchokwe" não
acreditavam na fidelidade da mulher e a considerarem um ente inferior por ela se prostituir
sempre que tem ocasião. Por isso, eles dizem: onde vires comida come. Isto figuradamente
quer dizer: sempre que tenhas oportunidade aproveita-a; não a deixes fugir. A mulher o que
quer é entregar-se e sentir prazer com muitos homens.
8.1TCHIKUNGU VULA
Refere-se esta canção a que, se não chove muito, o "mukiche" deve continuar a dançar sem
fazer caso dela. A que reproduzimos, a seguir, diz que as coisas se devem remediar a
tempo.
Esta canção maldosa, refere-se a uma mulher que, tendo-se prostituído e encarecido a
venda do seu corpo, um dia, um homem, no acto do coito, partiu-lhe uma coxa e em vez de
a lamentar rematou com a seguinte frase:
"Sendo a tua carne comparada à do porco, porque é que a encarecestes? Agora aí tens o
castigo".
Também a dança da "tchisela" tem as suas canções tradicionais, vejamos algumas delas:
9.1. MAMÉ
Esta canção refere-se ao facto já referido (vide "Tchisela"), em que às mulheres lhes é
permitido, durante a dança, prostituírem-se fora do recinto. Assim a canção recorda as
crianças que, não vendo as suas mães, perguntam: "onde foi a minha mãe?".
9.3.NYARE (CUNHADO)
Esta canção refere-se às mulheres que advertem os homens, que delas se acercam, durante a
dança, de que dancem com cuidado, a fim de as não obrigarem a pisar os filhos que andam
à sua volta. Isto é, ao mesmo tempo também um aviso para que as não persigam porque não
estão interessadas na sua companhia.
9.4TCHISELA
Solista: "tchisela"
"nyi mukwenu lunga" (e o teu marido)
"karyata" (nome próprio de pessoa)
"lunga mwelu" (homem fulo, de cor bronzeada)
Coro: "lunga mwelu"
"ngu-na-zange" (eu quero-o)
Solista: "lunga mwelu una-mbata"(homem fulo casei com ele)
"yami" (eu)
"hé wé yaya, mama!" (é, é meu irmão, minha mãe).
Esta é outra canção em que a mulher adverte os homens de que não lhe interessa a corte que
lhe fazem, porquanto ela tem um marido bonito, interessante de quem muito gosta.
Esta canção adverte os componentes da "tchisela", de que é claro o dia e que, por
conseguinte, devem cessar todos os actos contrários ao decoro. É, porém, a mulher que
adverte o homem dizendo-lhe que tem que parar com todos os seus actos indecorosos, visto
que é dia e podem vê-los; a isto o homem responde que só fez aquilo que tinha combinado
com ela.
Esta canção mostra como, afinal, os homens poderosos não se matam. Podem zangar-se,
podem guerrear-se, mas quem morre são sempre os outros, aqueles que eles dominam,
enquanto eles acabam sempre por dar as mãos e reconciliarem-se.
11KANDÔA
Na dança denominada "Kandôa", além de cada qual cantar aquilo que lhe vem à cabeça, há
também algumas canções tradicionais das quais aqui reproduzimos algumas das mais
populares.
Sempre que esta dança começa, abre com as seguintes canções:
11.1NDEKE (AVIÃO)
Nota: Este estribilho é cantado para marcar o final de qualquer canção de kandôa.
11.3.NZECA (ZECA)
(Isto é o que a mulher diz ao homem, quando gosta dele, segundo diz a canção).
Na "tchianda", além das canções tradicionais, cada qual, canta quaisquer frases, composta
na ocasião, referentes a qualquer feito brilhante ou ridículo. Porém, apenas referimos
algumas das canções tradicionais.
Diz esta canção que os homens, com o pretexto de irem dançar vão fazer olhos bonitos e
conquistar as mulheres dos outros.
ESTRIBILHO
Esta canção, satiriza um grande chefe tchokwe que, dirigindo-se às quedas de um rio, viu
um macaco e, tomando por um leão, fugiu espavorido.
Nesta canção, uma mulher casada exprime o seu desgosto e lamenta que o seu coração a
tenha enganado quando casou, referindo que o marido a não sabe estimar. Por isso, ela diz
que vai à aldeia de Tchala, dos seus ancestrais, procurar um homem que a estime.
Além destas e doutras canções que são cantadas nos intervalos das danças, de vez em
quando, no auge da batucada, o tocador de "tchinguvu" anuncia as "myanda" (ditos
tradicionais) para animar a dança.
As "myanda" são então recitadas em coro, por todos os componentes da batucada.
Entretanto, para que sejam ouvidas, pede silêncio à assistência, especialmente às mulheres,
dizendo:
Então o tocador de "tchinguvu", que é, ao mesmo tempo, uma espécie de mestre sala,
pergunta novamente:
Então o mestre sala rufa o "tchinguvu" durante três a cinco segundos, findo o que, todo o
coro recita.
"meia" (água)
"A-na ku teta mutwe" (cortam-te a cabeça)
"yena nyi yena" (tu e tu)
"homaho!" (és mesmo assim)
"ku ma-ku-lôa" (olha que te matam com feitiço)
"fuka loanga" (já te acabaram de matar com feitiço)
"fuka rimwika" (na mesma sepultura)
"Sá Henga" (Sr. Henga)
"tchotcho apwa" (é mesmo assim)
"tchitela" (qual o crime de que sou acusado?)
"mba mu-fwe?" (para morrer, para me matarem?)
Leyendas
Cultura | Contos e lendas | Lendas míticas
Segundo a história tradicional e oral, que o autor ouviu da boca dos mais idosos e
categorizados chefes destas duas etnias, tanto os Lundas como os Tutchokwe e todos os
povos negros, descenderiam dos Bungus, e estes directamente do Nzambi (Deus supremo
da mitologia Tchokwe).
Eis, pois, tal como nos foi contada, a história da criação do Universo e a ascendência divina
destes povos.
O Nzambi, a quem também chamam Ndala Karitanga (Deus que se criou a si próprio) e Sá
Kalunga (Senhor infinitamente grande, Deus supremo e infinito), depois de ter criado o
Mundo e tudo quanto nele existe, criou uma mulher para que fosse sua esposa e para que,
por seu intermédio pudesse ter descendência humana, a fim de que esta povoasse a Terra e
dominasse todos os animais selvagens, por ele também criados. Disse então sua esposa que
passaria a chamar-se Ná Kalunga, em virtude de a filha que iria dar à luz, se chamar
Kalunga.
Com efeito, tal como o Nzambi tinha anunciado, passados nove meses nasceu sua filha
Kalunga. Esta foi crescendo como qualquer criança normal, junto dos seus divinos pais, na
tchehunda tcha Nzambi (aldeia de Deus).
Logo que sua filha atingiu a puberdade, o Nzambi, seu pai, informou Ná Kalunga, sua
esposa, que tencionava fazer uma caçada, durante os três meses da época seca e que, para
não ir sozinho, levaria sua filha com ele.
Esta resolução não agradou à divina esposa que tentou opôr-se a que sua filha o
acompanhasse. Porém, o Nzambi lembrou-lhe que ela tinha sido por ele criada para lhe
obedecer, visto que, além de seu marido, era também seu Deus.
Contrariada, mas impotente para obrigar o esposo a desistir do seu intento, limitou-se a
deixar ir a filha com o pai, enquanto ela ficou a chorar amargamente.
Logo que chegaram ao local escolhido para a caçada, o Nzambi, instantaneamente,
construiu uma palhota, na qual instalou uma só cama.
Ao ver um único leito, a filha do Nzambi recusou-se a dormir com seu pai e saiu a chorar
da cabana.
Ao ver a recusa da filha e não podendo convencê-la doutra forma, disse-lhe que se não
fosse imediatamente para junto dele, seria devorada pelas feras que infestavam a floresta.
Transida de medo pelo que acabava de ouvir, Kalunga entrou novamente na cabana, deitou-
se junto de seu pai e com ele dormiu não só naquela noite mas durante todo o tempo que
durou a caçada.
Finda esta, regressaram a casa e a Ná Kalunga, tal como tinha previsto, verificou que a filha
estava grávida do próprio pai. Enraivecida pelo ciúme e pelo desgosto, no meio das maiores
blasfémias, enforcou-se numa árvore, perante os olhares atónitos da filha e do marido, que
nada fizeram para evitar o suicídio.
Desgostoso pela atitude da mulher, que não quis compreender os seus desígnios para
povoar o Mundo que ele tinha criado, mostrando ser indigna de continuar a ser esposa
daquele que lhe tinha dado o ser, em vez de lhe dar vida, novamente amaldiçoou-a e
transformou-a num espírito maligno, a que deu o nome de Mujimo (designa ventre mas,
neste caso, significa o espírito da primeira mãe que existiu na Terra).
A partir dessa altura, o Nzambi passou então a viver maritalmente com sua filha Kalunga, a
qual, depois da morte da mãe, passou a chamar-se também Ndala Karitanga e a ser a
segunda divindade.
Algum tempo depois da morte de sua mãe, durante um sonho, teve uma visão que a deixou
apavorada. Viu a mãe com a cabeça apoiada nas mãos, a olhá-la com rancor e a insultá-la,
mordida pelo ciúme que ainda a devorava, enquanto ela, envergonhada, lhe pedia desculpa
e lhe dizia que de nada era culpada, visto que seu pai a tal a tinha obrigado. No meio desta
aflição acordou e contou ao pai o seu pesadelo. Este sossegou-a, dizendo-lhe que nada
receasse daquela que tinha sido sua mãe e que agora era espírito mau, pois que ela nenhum
mal lhe poderia fazer, mas apenas lhe pedia comida. Portanto, disse ele, vamos dar-lha.
Levantaram-se ambos e ele fez um pequenino montão de terra, junto da porta da casa,
simulando uma sepultura. Disse, então, à filha que fosse buscar carne e outra comida e a
pusesse sobre aquela sepultura, proferindo, ao mesmo tempo, as seguintes palavras: Mama
ngu n’ezanga ua-ku-ku-rila. Halapuila kanda uiza kuri yami nawa; ny ngu-na-ku mono
nawa, ngu n’eza ny ku ku cheha (minha mãe, acabo de vir chorar-te; agora não voltes ter
comigo outra vez porque, se volto a ver-te, venho matar-te).
Chegado que foi o tempo, Kalunga deu à luz um filho ao qual seu pai-avô deu, também, o
nome de Ndala Karitanga, passando este a ser a terceira divindade.
Logo que seu filho-neto cresceu e atingiu a adolescência, o Nzambi ordenou-lhe que
casasse com sua mãe Kalunga, para que esta concebesse dele muitos filhos, de ambos os
sexos, a fim de povoarem a Terra e dominarem todos os animais.
Cumprindo as ordens do Nzambi, sua filha e seu filho-neto casaram e tiveram um filho e
uma filha. Quando estes chegaram à maioridade, o Nzambi ordenou, então, que o primeiro
casasse com o pai, dizendo que já não se justificava a primeira união que ele tinha
ordenado, informando-os ainda que, depois daquelas uniões, as seguintes se fizessem só
entre primos cruzados.
Por fim, depois de lhes ter ensinado tudo o que deveriam fazer, para que a sua descendência
crescesse e se multiplicasse, para que lutasse contra as doenças e os feitiços que um dos
seus descendentes, do sexo feminino, viria a possuir, porque ele lhos legara, o Nzambi
despediu-se de todos. Chamando, depois, o seu cão, que sempre o acompanhava, dirigiu-se
para a tchana tcha Mweu (planalto do Mweu) e dali subiu para o espaço, levando consigo o
cão.
Naquela altura, as rochas estavam moles, por terem sido formadas há pouco tempo. Ainda
hoje se podem observar as pegadas esculpidas, numa rocha ali existente, especialmente do
pé direito do Nzambi, assim como da pata dianteira do seu cão. Estas pegadas existem
também em diversas outras rochas por toda a África, incluindo Angola.
Foi, pois, ali que o Nzambi subiu à tchehunda tcha Nzambi (aldeia de Deus), ou céu como
nós lhe chamamos, onde se conserva, através dos séculos, para recompensar os bons e
castigar os maus.
À pergunta que fizemos a diferentes tutchokwe, como é e quem foi que criou o Nzambi,
eles responderam, apenas que, sendo ele Ndala Karitanga, se deve ter criado a si mesmo e
que tudo o mais é mistério que jamais alguém conseguiu ou conseguirá desvendar.
Além desta lenda, existe uma outra sobre a criação do Homem e do povoamento da Terra,
que todos os tutchokwe de certa idade, como depositários da tradição oral, conheciam
naquela altura e nós tivemos a sorte de recolher. Vejamos, pois, o que ela diz:
‘’Nzambi, depois de ter criado o Mundo, criou também duas pessoas, a quem chamou Sá
Mutfu e Ná Mutfu. A primeira criou-a com o sexo masculino; a segunda não tinha sexo, o
que a entristecia.
O Nzambi criou-as e deixou-as no monte a que os lundas chamam Ilundu Nyi Senga e a
que os tutchokwe dão o nome de Lundu Nyi Senga, situado, segundo afirmam, entre
Kapanga e Sandoa, na região de Katanga. Ali construíram a sua casa as duas recém-criadas
pessoas, junto da nascente do ribeiro Lwila, afluente do rio Lulua. Ao deixá-las, antes de
subir para o espaço acompanhado do seu cão, onde ainda hoje se encontra, o Nzambi
entregou ao Sá Mutfu um cão, uma enorme cabaça e um embrulho, dizendo-lhe:
- Aqui tens um cão que será o teu mais fiel companheiro e caçará para ti. Nesta cabaça
estão todos os animais, de tamanho minúsculo, necessários ao povoamento da Terra, mas só
deves abri-la quando chegares perto do Kalunga ká meya (mar), para que eles saiam em boa
ordem, cresçam, se multipliquem e te obedeçam. Depois de teres feito isto, no regresso,
lavas o conteúdo do embrulho na água dos dois primeiros ribeiros que atravessares; só
depois poderás entregá-lo à tua companheira Ná Mutfu, que o colocará no Mumelu (região
púdica), a fim de que ela possa procriar, isto é, ter muitos filhos e filhas e ambos possais
multiplicar a vossa espécie.
Cumprindo as ordens que recebera do Nzambi, o Sá Mutfu, acompanhado do seu cão,
dirigiu-se para o Ocidente, em direcção ao mar, levando consigo a grande cabaça e o
embrulho, enquanto Ná Mutfu ficou em casa, pois não se sentia com forças para o
acompanhar.
O Sá Mutfu andou, andou, até que vendo o rio Cassai e julgando tratar-se do mar que o
Nzambi lhe tinha falado, destapou a cabaça e todos os animais saíram num instante.
Quando o Sá Mutfu reparou que se tinha enganado e que aquilo era um rio e não o mar,
chamou pelos animais, para que voltassem a entrar na cabaça, a fim de os levar para junto
do mar. Chamou, chamou, mas nenhum deles regressou à cabaça.
Pela mesma razão, o primitivo nome do rio Cassai era ‘’Karum’’, vocábulo lunda que
significa mar.
Aborrecido e triste por se ter enganado, e os animais lhe não terem obedecido, regressou a
casa, seguido do seu cão. O aborrecimento e a tristeza eram tais que se esqueceu de lavar o
conteúdo do embrulho na água dos dois primeiros ribeiros que atravessou, como o Nzambi
lhe tinha indicado. Por tal motivo, quando já estava perto de casa, sentindo que o embrulho
exalava um cheiro esquisito, deitou-o fora.
Quando chegou a casa e contou a Ná Mutfu o que lhe tinha sucedido, esta ficou indignada
por ele ter aberto a cabaça antes de ter visto o mar.
Segundo diz esta lenda, no princípio existia só o Tchianza Ngombe ou Yanvua Ngombo e
Mâma Nyaweji, a grande serpente que criou o mundo e tudo quanto nele existe, incluindo a
‘’meia’’ (água) e a ‘’kahia’’ (fogo).
Aparece depois o Sá Kasanji ‘’Katanga Watangile atfu eswe nyi moko nyi molo, Yie ma
tala atfu eswe, bwalo atfu katu matalie’’ (Katanga criou todas as pessoas, os braços e as
pernas. Ele olha para todas as pessoas, mas elas não olham para ele, ninguém o vê).
Tchianza Ngombe casou com o ‘’Nzaji (trovão) nyi aya nenye mwilu’’ e foi com ele para
cima, para o espaço, para o céu, onde permanece com seus filhos.
Também há a crença, entre alguns Tutchokwe, que o Sol é o fogo dos raios e faíscas e que
na sua marcha diária aparece, nasce ‘’Nu Ngangela’’ (Oriente) de manhã e ‘’mafwa (morre)
Ku Luanda’’ (Ocidente). Com o ‘’Kakweje’’ (Lua) sucede o mesmo. ‘’Afwa’’ (morre)
‘’nyi atetama nawa’’ (e aparece, nasce outra vez na Lua Nova). Crêem que a Lua é a
companheira da noite, do mal, da doença e da morte, enquanto o Sol é a clara luz do dia, o
bem, a saúde e a vida.
Tal como os antigos egípcios, também os Tutchokwe consideram o Oriente como a vida, o
bem e tudo quanto há de bom, enquanto o poente é considerado como o lado onde morre o
Sol e, por isso, de onde vem a doença, a morte e tudo quanto é mau.
Também crêem que as ‘’tongonoche’’ (estrelas) seriam pontos de fogo do ‘’Nzaji’’. Seriam
elas quem manda a ‘’nvula’’ (chuva). Esta seria a urina das estrelas que faz crescer
‘’mitondo mwesue’’ (todas as plantas).
Quanto a Nyaweji ou Tcianza Ngombe ‘’uri mu iche ria mavo’’ (está por baixo da terra) é o
dono e senhor da terra e de todas as coisas que nela existem, incluindo todas as águas dos
rios, lagos e mares.
Do ventre de Tchianza Ngombe nasceram duas pessoas irmãs: Sá Mutfu e Ná Mutfu. Como
o primeiro era homem e a segunda era mulher, casaram-se. Desta união nasceram duas
crianças: Kandi Ya Matele e Yala. Estes, por sua vez, casaram também. Deste casamento
nasceram Mwako e Kaweji, que também casaram e tiveram dois filhos: Yala Mwako e
kondi, que também casaram e tiveram um rapaz chamado Mwako Ya Kondi, e outro de
nome Yala Mwako, ou seja, o nome do seu ‘’Kaka’’ (avô). Este último foi o pai de
Tchinguli ou Tchinguri Mbangala, de Tchinyama mukwa Luena e de Lweji Ya Kondi.
Yala Mwako era o chefe de todos os outros chefes Tumbungo (plural de Bungo, Mbungo
ou Kambungo), tal como sucedia em quase toda a África ao Sul do Sahara e na África
Oriental, incluindo a Etiópia, antes da queda da monarquia, onde o Négus era o imperador
ou rei dos rás, isto é, chefe de todos os chefes de aldeia, clã ou etnia, o senhor dos senhores.
Era uma espécie de feudalismo, como sucedia no Império Lunda, onde também estava
consagrado o poder local.
Adivinanzas
Cultura | Contos e lendas | Adivinhas
||||||||||||| Adivinhas
Tal como os outros povos, também os Tutchokwe têm as suas adivinhas. Eis, pois, a seguir,
as que conseguimos coligir, começando pela do ovo.
‘’Yia unai ka-chiku-tala kunyima ?’’ (Quem é que caminha sem olhar para trás?)
‘’Lwije’’ (O rio)
‘’Yia wa tungie nzuo, tchichime tchimwika?’’ (Quem é que constrói a casa com um só
pau?)
‘’Úa’’ (O cogumelo)
‘’Yia una ku-lamba lamba itete, kuchi ku-iva ikola?’’ (Quem é que bate constantemente
com ramos de verdascas e não te faz doer?)
‘’Ikenyekenye’’ (As pestanas, que batem constantemente e não fazem doer os olhos).
Yia a lonzele kachitu kachiku kaula mu manyinga?’’ (Quem é que caçou o bicho e não
segue o rasto de sangue?)
‘’Tchimbunje’’ (Qualquer pau, raiz ou pedra do caminho em que se magoam os pés; magoa
os pés de uma pessoa mas a pessoa não segue o rasto de sangue que provocou).
‘’Yia wa telela ichime kachi ku-tunga nzuo?’’ (Quem é que corta os paus e não constrói a
casa?)
‘’Seije’’ (Roedor grande, de cauda curta). Thryonomis swew deriauns angolae. Este roedor
corta o capim aos bocados, sensivelmente iguais, e coloca-os, aos montinhos, junto dos
seus caminhos.
‘’Yia wa tungie ikanga kachiku bombo-ho?’’ (Quem é que tece a esteira e que não dorme
nela?)
‘’Tchingulu`` (A abóbora)
‘’Kachitu muka marya mafu ku mutondo nyi, kachi ku-nyenya twije hache?’’ (Qual é o
bicho que come constantemente as folhas da árvore e não deita os excrementos cá baixo?)
‘’Yina’’ (O piolho).
Yia marya, ryé, kachiku mina, ku sanza?’’ (Quem é que come, come e não engole, só
vomita)
‘’Lusumu’’ (A ventosa).
‘’Lunga muka kachi kurya chima á hika mapó, mária wika a-neza ku mahió. Yia?’’ (Qual é
o homem que não come o pirão que as mulheres cozinham e só come aquilo que vem da
sua terra?)
‘’Uta’’ (A espingarda, que só come pólvora).
‘’Yimbia yia a mwata kachi ku-ya matamba. Ika?’’ (Qual é a panela do chefe que não se
mete esparregado, o que é?)
‘’Lutfungo’’ (O espeto).
‘’Njamba muka atfu esue ma-patula hindu kachi ku-hua?’’ (Qual é o elefante que toda a
gente esquarteja, tira bocados e nunca acaba?)
‘’Riu rya ku hela poko’’ (A pedra de afiar).