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O HOLORRITMO E O TRABALHO DE CAMPO EM CLIMATOLOGIA: UMA

CONTRIBUIÇÃO METODOLOGICA

José Roberto Tarifa – UFMT – ICHS - DGEO Campus de Rondonópolis – jrtarifa@gmail.com


Denise Maria Sette – UTFPR - Campus Londrina
Programa de Mestrado em Geografia - UFMT – ICHS – Cuiabá - settedm@hotmail.com

RESUMO
Esta comunicação discute o conceito de holorritmo em relação à percepção, registro e interpretação
de dados obtidos em experimentos e trabalhos de campo em Climatologia. O conceito de holorritmo
formulado durante o período dos levantamentos de campo(1996 a 1998) para a elaboração da tese
de doutorado de SETTE.D.M. sobre o estado de Mato Grosso, e defendida em Julho de 2000.
Pressupõe o uso de duas categorias de análise, o holon e o ritmo. O todo ou a totalidade conduz o
processo analítico enquanto o ritmo define a percepção do movimento, das diferenças e totalizações
contidas no tempo e no espaço. Por outro lado, a abordagem holorritmica, sendo multiescalar, ajuda
na relação sujeito/objeto, inserindo o observador no movimento da realidades climáticas. O
sentimento de estar ”uno” no “real” ou no campo pode facilitar a definição de novas hipóteses bem
como evidencias explicativas. Assim, o processo mental (estar “out” ou fora da realidade objetiva)
conduz a abstração e o movimento do pensamento na explicação dos fatos observados no campo.
Desta forma, a noção de holorritmo e o trabalho de campo estabelecem uma dialética calcada nas
interações entre teoria/prática, ou entre o “holon” e o “táxon”, ou da escala regional para os climas
locais, topo e microclimáticos. Os resultados alcançados pelos autores deste artigo na ultima década
incluem análises climatológicas na escala regional para o estado de Mato Grosso, e as bacias
hidrográficas dos rios Vermelho e Tadarimana, bem como estudos aplicados à região metropolitana
da cidade de São Paulo. Na escala local, topo e microclimática, os resultados dizem respeito ao
Clima urbano de Rondonópolis, relacionados ao conforto térmico, dispersão de poluentes e
experimentos de balanço hídrico em solos de cerrado.

Palavras Chaves: 1. Holorrítmo; 2. Trabalho de Campo; 3. Metodologia.

ABSTRACT

This paper discuss the holorythm concept and its relationships with the perception, record and
explanation to the fieldwork data in Climatology.. The holorythm concept was formulated during the
fieldwork (1996 a 1998) as a part of SETTE (2000) Doctor Thesis, about the Mato Grosso State
(Brazil).The holorythm approach suppose the use of two analytical categories. The holon and the
rhythm; The whole or the totality drive the analithical process and the rhythm define the perception of
the movement. The differences and the totalizations in the space and time. On the other hand, the
holorythm approach, being multiscalar, help to analyze the subject matter, putting the observer inside
the movement of climatic reality. . The feeling of to be “closer” to the reality or “in” can help to get new
hypotheses or explanation evidences. Thus, the mental process( be “out” or outside from the reality)
drive the thinking abstraction allowing to get close to the field data explanation. In this way, the
holorythm concept and the fieldwork has got a dialectical methodology,. Supported by the relations
between theory/practice, or between the”holon” and the “taxon”, or from the regional climate scale, to
the local, topo and microclimates.. The main results that the authors have got during the last decade
(2000/2009), are about regional climatic analysis to the Mato Grosso State and to the Tadarimana
/Rio Vermelho River basin, as studies applied to the São Paulo Metropolitan area (Brazil). On the
local, topo and microclimate scale, the results explain the urban climate of Rondonopolis city, related
to the thermal comfort, air pollution dispersion and water balance field experiments in Cerrado ‘s soil.

Key words: 1. Holorythm; 2. Fieldwork ; 3. Methodology

1. O CONCEITO DE HOLORRITMO
“A teoria emerge da prática e a ela retorna. A natureza se revela a nós pela prática,
pela experiência, e tão somente pela prática é que a dominamos de modo efetivo. A
prática, portanto, é um momento de toda a teoria: primeiro e último, imediato e inicial e
retorno ao imediato. E vice-versa, a teoria é um momento da prática desenvolvida,
daquela que supera a simples satisfação dos conhecimentos imediatos”. LEFEBVRE,
1975
O holorritmo refere-se a uma concepção holística do espaço geográfico, procura compreender as
interações entre os fenômenos físicos, biológicos e sociais que estão indissoluvelmente ligados, do
menor ao maior taxon.
Entendendo-se o ritmo, que nos variados sentidos é movimento, e, quando se trata do clima, se
traduz como dinâmica climática, que se repete à intervalos regulares (estações do ano) ou não,
numa sucessão de eventos habituais ou anômalos (disritmias), no conjunto fluente (atmosfera) e
sua interação com os ritmos de outras esferas (biosfera, hidrosfera, antroposfera), é que tiveram
início as primeiras ensaios do que chamamos holorritmo. A totalidade dos ritmos, nos espaços
sensíveis quanto a duração e à acentuação (espaço lugar e espaço tempo), agrupamento de valores,
as medidas, conferindo a cada trecho (lugar ou período), a marcação de tempo própria a cada tipo
de tempo (pulsação). O conjunto de atributos e controles climáticos caracteriza o clima em cada
lugar, marcam o ritmo e compõe a paisagem.
Por sua vez, as bases empíricas para o desenvolvimento do conceito de holorrítmo referem-se ao
trabalho sobre a gênese dos climas de Mato Grosso, SETTE (2000). O referido trabalho foi
desenvolvido com o propósito de ir “além das nuvens” o que significava não tratar apenas os
movimentos da atmosfera, mas o que estes representam interativamente no espaço geográfico em
questão. Tudo isto só foi possível através de trabalhos de campo. Portanto, o conceito de holorritmo
partiu de uma amarração filosófica e observações empíricas em termos da compreensão da
realidade em função de totalidades integradas (holística), onde as propriedades não podem ser
reduzidas a unidades menores, sem manter o conjunto de relações nas várias ordens de grandeza.
Cada unidade pertence necessariamente a um mundo único (espaço e tempo), que se movimenta
através de vários ritmos. SETTE (2000)
Do entendimento da circulação geral da atmosfera, as análises das cartas sinóticas, e o ritmo
apreendido através das imagens de satélites, perceberam-se claramente as interações entre os
fluxos polares na dinamização das baixas continentais, e a intensificação dos processos convectivos,
onde tudo está conectado nos diversos ritmos (diários, mensais, sazonais).
As observações no campo das relações entre os atributos e os controles climáticos reforçaram ainda
mais a idéia do holorritmo à medida que as interações dos movimentos atmosféricos são expressos
nas diversas paisagens do Mato Grosso, a exemplo do Pantanal, do Cerrado e da Floresta Pluvial
(Amazônica), ou numa plantação de soja, de arroz e nas queimadas, onde as ações antrópicas
também estão conectadas ao ritmo global do planeta.
O holorritmo interage na paisagem, gerando diversificações em função da variação quantitativa dos
atributos locais. Cada paisagem tem um ritmo próprio de acordo com a sua forma natural e a
derivação antrópicas (natureza do espaço), mas está sempre conectada ao conjunto de relações e
entre estas, o clima em seu ritmo.
Apesar do conceito de holorritmo ser extremamente amplo e aparentemente intangível, vem sendo
desenvolvido e aplicado, principalmente a partir da tese de livre docência de Tarifa (2001) “Os Climas
nos maciços Litorâneos da Juréia-Itains; um ensaio de Ritmanálise”. Na prática, é comum
compartimentar o objeto de estudo, entretanto, a realidade é um todo, pois o clima, relevo, solo,
vegetação e seres vivos não se separam e, entre cada unidade, há redes de ligações. A totalidade
(espaço e tempo), dos fenômenos físicos, biológicos, humanos e sociais é indissociável, numa
composição dialética. “A Terra e tudo que dela emana, o ar, a água, o solo e a vida, na sua
totalidade (biológica e social), compõem um universo, uma unidade em permanente mudança e
evolução”. TARIFA (2002)
Na perspectiva em que os ritmos são tratados como flutuações físicas e/ou biológicas, as interações
com os ritmos das organizações sociais e econômicas contidas no ambiente encontram-se
dialeticamente contido no espaço. Portanto, os conceitos de ritmo, produção e apropriação da
natureza, é uma possibilidade de melhorar a compreensão da totalidade das interações entre os
fenômenos físicos, biológicos, sociais e econômicos.
“O(s) clima(s) é (são) uma composição da totalidade dos ritmos dos estados da atmosfera sobre um
lugar na superfície da Terra, para uma determinada relação espaço-tempo”. (TARIFA, 2002). Ou
seja, o espaço contém dialeticamente o tempo, tanto o meteorológico, quanto o cronológico. Ao
adotar o sentido plural para se referir ao conceito “clima(s)”, Tarifa deixa implícitas as interações
dialéticas entre unidade/diversidade, espaço/tempo, estrutura/processo e repetição/diferença/ritmo,
contidos na análise/síntese de qualquer espaço climático, do maior ao menor táxon.
Considerando-se que os ritmos dos fluxos e insumos de energia de macro-escala são
permanentemente utilizados, dissipados e transformados pelas diferentes formas de vida e de
apropriação do espaço, os controles meso, topo e microclimáticos, redefinem continuamente as
ofertas dos insumos atmosféricos. Trata-se de uma composição: “Se os ritmos são sempre
composições (oposições, associações, convergências ou divergências), os insumos climáticos de
ordem hierárquica superior são sempre redefinidos pela forma e pelo conteúdo do (no) espaço
próximo à superfície da Terra” TARIFA (2002)
A partir do momento em que desdobramos as unidades de grandeza em unidades menores, o
número de variáveis que intervêm no processo torna-se significativamente maiores. Acontece uma
superposição/interação entre controles e atributos estruturais de uma determinada ordem de
grandeza (ex. nível zonal), com os outros novos elementos e ordem de grandeza imediatamente
inferior e assim sucessivamente até as menores unidades possíveis junto ao solo. Da mesma forma,
à medida que reduzimos nossas dimensões de espaço, a velocidade das mudanças temporais em
nível de processo, também altera, exigindo um ajuste do segmento temporal ou unidade de tempo
adequada para captar as mudanças que fluem em ritmos diferenciados para cada unidade de
grandeza.
A hierarquização dos controles meteorológicos de macro escala (latitude, longitude, distância dos
oceanos, circulação atmosférica) com aquelas de meso escala (relevo, orientação topográfica, forma,
altitude, declividade entre outros) e os de micro escala, diretamente ligados à superfície do solo
(cobertura do solo, superfícies líquidas, etc), possibilita a decomposição dos volumes das camadas
de ar, em um contínuo processo de análise (decomposição) e síntese (integração), para
compreender as unidades climáticas ou “climas”, em suas relações espaço-tempo. O caminho da
abstração entre o regional, local, topo e micro é composto por uma série de oposições de contrários
e por mudanças de ritmos, ou ainda da composição ou divergência de ritmos. Pressupõe ainda
alterações nas relações de quantidade e qualidade nos atributos climáticos com mudanças no ritmo
pelos controles associados ao espaço produzido.
Se conceito de holorritmo pressupõe a busca das conecções dialéticas entre o singular e o universal,
no tempo e no espaço, sua aplicação se dá através da pluralidade e na interação dos ritmos
históricos contidos em cada lugar, envolvendo temporalidades cósmicas, físicas, biológicas,
humanas, e sociais. O segundo pressuposto são os tempos concretos da vida (enquanto totalidade)
e implica sempre numa polirritmia, para uma dada relação espaço-tempo. Esta relação refere-se
sempre a um “todo”, unidade na diversidade, ou totalidade orgânica, em permanente transformação.
SETTE e TARIFA (2002)
Para se apreender a totalidade dos ritmos contidos em cada espaço, pode-se iniciar pela seguinte
questão: qual a natureza do espaço em análise? Trata-se de uma floresta equatorial, apropriada por
populações tradicionais e sociedades indígenas, ou de um espaço da produção agro-industrial em
terras de cerrado quase planas das chapadas e planaltos do Brasil Central, ou do espaço urbano de
uma metrópole. Parte-se assim, em plena consciência das possíveis relações entre os conceitos e
abstrações, o real, múltiplo, diverso e complexo. A interpenetração, e a interdependência histórica
entre o espaço físico, o biológico e o social, torna as interações, mesclas, convergências e
divergências entre os ritmos, bem como suas repetições e diferenças no tempo e no espaço, um
processo possível de ser entendido dentro da lógica concreta ou numa dialética das durações.
Mas a relatividade dos ritmos implica em analogias, uma hierarquia entre eles é sempre possível,
uma ou mais ordens de grandeza podem ser estabelecidas comparativamente para cada relação
forma/conteúdo/movimento ou espaço/tempo/energia, ou produção/trabalho/sociedade. Existiriam
ritmos dominantes ou hegemônicos? Qual a relação desta hierarquia, com a biosociodiversidade?
Não se tem uma única resposta, depende da oposição de contrários, das relações
quantidade/qualidade, do grau de desenvolvimento das forças produtivas, e das práticas sociais e
espaciais contidas em cada lugar.
Considerando que os ritmos vividos (do corpo e do espaço social) são muito difíceis de perceber,
como observar ou quais mediações são possíveis para “CAPTURAR” os ritmos quando se está
imerso no campo, dentro da realidade concreta? Em primeiro lugar, é preciso ser um observador
atento (close observer), estar com os olhos, os ouvidos, as mãos e a memória ligadas na paisagem.
A paisagem enquanto forma, mostra e esconde seus conteúdos, o tempo não se vê (a não ser os
estados do tempo físico ou meteorológico), mas a nossa percepção imediata (todos os nossos
sentidos), pode captar os movimentos e as formas contidas em cada espaço. A forma, quando
levada para externalidade, na sua abstração mais profunda guarda relações com os conteúdos
históricos de cada lugar. A exemplo do próprio espaço geométrico, em termos de rugosidades
físicas conta segredos dos ritmos do ar, da água, das rochas, do solo, e das formas de vida (por
exemplo a relação da forma, peso, altura etc, dos seres vivos com a gravidade e a pressão
atmosférica na superfície da Terra) no sentido da evolução biológica, bem como suas durações,
freqüências e interações dialéticas com a vida social.
O espaço urbano (nível local), onde a causa das características peculiares do clima em ambientes
urbanizados está na alteração dos balanços de energia e hídrico, que são automaticamente
modificados quando da substituição do solo natural (quase sempre coberto por vegetação), por
superfícies impermeabilizadas. Há também o grande consumo de energia das atividades urbano-
industriais que provocam a liberação de calor e material particulado. As principais arritmias nas áreas
urbanas são a poluição do ar, alterações na temperatura e umidade relativa, inundações, entre
outros.
No nível local, no parâmetro da “qualidade do ar” no centro de várias cidades brasileiras apresenta
altas concentrações de monóxido de carbono (CO), ozônio (O3), dióxido de enxofre (SO2), óxidos de
nitrogênio, material particulado e tantos outros poluentes. No nível imediatamente superior, o
regional, o SO2, acidifica os rios, lagos e solo. Globalmente, a camada de ozônio da estratosfera
está sendo destruída e a concentração de inúmeros gases responsáveis pelo efeito estufa (dióxido
de carbono (CO2), metano (CH4) e outros) aumentam diariamente.
Considerando-se a nova visão holística e sistêmica da complexidade (estruturas dissipativas, auto-
organização, redes autopoiéticas, fractais, atratores caóticos), o conceito de holorritmo e a
metodologia da ritmánalise permitem abordagens onde a noção de totalidade dos movimentos e
freqüência dos eventos possam ser contempladas, uma vez que, envolve as interações entre os
fenômenos físicos, biológicos e sociais, indissoluvelmente ligados, do menor ao maior táxon.

2. A PRÁTICA NO (DO) CAMPO


O campo possibilita a aproximação com real, o entendimento na escala do homem, do espaço
geográfico e social. O homem moderno, enquanto ser social e, à medida que desenvolve cada vez
mais a abstração (pensamento abstrato), a verbalização, torna-se prisioneiro de seus próprios
hábitos e se afasta do mundo real.
Seu universo lógico, conceitual e virtual torna-se tiranos, pois privam o indivíduo da realidade
concreta. Assim, o trabalho de campo, dentro de uma concepção geral, está ligado ao próprio
desenvolvimento do conhecimento. A humanidade aprende, através da experiência e da percepção
imediata.
O novo, a descoberta, são segredos sem forma ou aparência externa (na maioria das vezes) em uma
sociedade de consumo dirigido, onde o homogêneo e a padronização são normas, são
necessidades, num mundo material onde “time is money”. O despertar (dos alunos pesquisadores e
dos professores) no campo traz de volta um artesanato intelectual, onde a relação teoria/prática brota
espontaneamente, na identificação dos problemas e na formulação de hipóteses, com relevância
social e dentro de uma concepção de totalidade.
Segundo Tricart, 1980, o trabalho de campo se confunde com a própria dialética da pesquisa, e
comporta uma oscilação permanente entre a formulação dos conceitos, a análise dos dados e o
próprio estabelecimento de representações mentais, esquemas explicativos e suas aplicações aos
fatos estudados. Considera ainda que a dialética baseada no trabalho de campo é um elemento
indispensável da percepção objetiva dos dados de base do raciocínio científico; quando ela está
ausente, elaboram-se teorias, que só têm relações longínquas com a realidade perceptível e que, por
esse motivo não possuem qualquer utilidade social, pois não podem orientar a ação.
Assim, fica clara a pertinência das relações indissociáveis numa abordagem dialética entre teoria e
observação, forma-conteúdo, análise e síntese e sujeito-objeto, mediados pelo trabalho de campo.
Uma outra questão se coloca para um educador: Qual a importância pedagógica do trabalho de
campo? Esta questão abrange várias respostas, ao estar imerso no campo (estar “in”), o despertar
do interior (vontade ou intenção de) inerente à consciência e às múltiplas capacidades de ser e de
executar coisas de todo ser humano, ficam potencializadas de imediato.
É tão comum delimitar o engajamento dos alunos nos trabalhos, antes e depois do campo, que cada
vez mais são eles convidados para uma caminhada e para uma observação de um mirante, que
pode ser o do Pico do Jaraguá o da Cantareira, ou ainda, da Chapada dos Guimarães, ou até
mesmo em um trem de subúrbio ou para a laje do prédio da Geografia da USP, ou na do Laboratório
de Climatologia do Campus da UFMT em Rondonópolis, para “sentir” o ritmo, o movimento do ar, das
pessoas, do sol, das nuvens e da vida enquanto totalidade.
Este estar dentro (in) para propor o que se quer representar (estar fora ou “out”) é uma condição ou
certa externalidade para se perceber os ritmos, como uma essência dialética do próprio movimento
do real, incluindo-se aí o seu próprio pensar e conhecer, desde as formas mais elementares até as
mais elaboradas do conhecimento.
Assim, quase que de forma abrupta, nascem as potencialidades de cada um (um bom fotógrafo, um
pintor, um escritor, um poeta, um observador atento, um desenhista, etc ...), criando uma intimidade,
uma relação amorosa com as coisas, com os objetos, com as pessoas e com a vida contida em cada
espaço.
Quando se volta ou se retorna ao campo com eles, a cada nova “viagem”, as percepções imediatas
se desenvolvem e as mediações tornam-se mais profundas, cresce a consciência, o senso crítico e a
postura político-ideológica. E isto é válido, não apenas para calouros ou iniciantes, mas para todos.
As realidades e os climas na proximidade do chão mudam rápido, não apenas nas metrópoles, mas
em qualquer parte deste planeta,
Relatos de casos e percepções no campo são sempre muito elucidativos desta aprendizagem ou
desta dualidade ensino-pesquisa, já que os ritmos e as mudanças no espaço se processam em todos
os níveis e escalas.
Por exemplo, na Lagoa do Taquaral (parque urbano em Campinas), a menor sombra embaixo de
uma árvore prolonga o tempo da umidade matinal no chão. O orvalho fica disponível por mais
tempo, sendo possível senti-lo na sola dos pés.
A grama diretamente sob o sol, sem sobra, é quente e seca, enquanto que debaixo de sombras,
mesmo as menores, o solo é frio e úmido. Esta observação, aparentemente simples, cruza-se com
outras feitas na Amazônia Meridional (norte do Mato Grosso), onde o aquecimento do solo pela
radiação solar adquire importância nos processos convectivos de formação das nuvens, perceptível
no campo (transformação da energia no nível micro, incluindo a vida enquanto totalidade e
influenciando os climas locais e regionais) e comprovadas nas imagens de radiação de ondas longas
(ROL) pelos satélites.
Assim, os trabalhos de campo, mesmo na escala regional (SETTE, 2000 e SETTE e TARIFA, 2001),
demonstram que, à medida que se desloca para as regiões tropicais e equatoriais, cresce o controle
hierárquico de um ritmo mais alongado e cósmico de balanço de radiação, diminuindo a importância
da circulação horizontal e aumentando a importância dos transportes e dos fluxos verticais de calor e
umidade, associados às propriedades da superfície (convecção). Desta maneira, as destruições do
cerrado e das florestas, dentro desta forma de produção do espaço rural, modificam os climas tanto
quanto a urbanização.
Mudam apenas os termos e as mediações de processos histórico-genéticos diferentes, mas ambos
associados à natureza do espaço. As queimadas de pastagens em larga escala, na zona rural do
centro-oeste e na Amazônia meridional, são arritmias tão graves quanto a poluição atmosférica nas
áreas urbanas das metrópoles. Ambos os processos podem e devem ser entendidos dentro dos
tempos e dos ritmos cíclicos e lineares, do espaço e dos corpos.
A queimada coincide com os tempos estáveis e homogêneos da estação seca no centro-oeste, bem
como os episódios da poluição do ar em São Paulo, que são mais graves e intensos durante o
inverno.
Por último, a percepção imediata no campo, em sucessivos tempos, revela novas necessidades
(técnicas, metodológicas e filosóficas) para a compreensão dos climas, dentro do movimento da
realidade e das práticas sociais contidas no espaço.

3. OS EXPERIMENTOS
Depois de uma década (2000/2009) da formulação inicial do conceito de holorritmo (SETTE, 2000),
torna-se possível e necessário uma avaliação crítica em termos teóricos e práticos. Do ponto de
vista, prático a condução dos experimentos tem demonstrado a possibilidade de uso do conceito, em
quase todas as escalas de análise, regional, local, topo e microclimática. Na escala regional, os
trabalhos de campo para o estado de Mato Grosso, (com área de aproximadamente 900.000 km2),
foram realizados entre agosto de 1996 a junho de 1997, percorrendo um total de 18.000 km, com 600
pontos de amostragem. Para realização do trabalho de campo no Mato Grosso foram definidos
períodos “amostragem”, representativas para as duas estações mais características do clima
regional a estação chuvosa e estações seca.
As observações de campo (visuais, relevo, altitude, vegetação, sistema de nuvens) serviram de
ponto de partida para definição das hipóteses (conjuntamente) com as possíveis Unidades Climáticas
(propostas antes mesmo do campo); e ao mesmo tempo foram utilizadas como síntese final após a
análise de todas as informações (mapeamentos e restituições com base nas imagens), pois
representam (juntamente com os dados de superfície) a verdade terrestre, referenciada para cada
unidade climática e a uma escala de observação.
Em cada ponto eram medidos os dados de temperatura de solo, temperatura do ar, umidade e
temperatura da água dos rios ou lagos. Além das medidas com aparelhos eram feitas observações
sobre os controles climáticos como forma e orientação do relevo, declividade, uso e ocupação do
solo, tipo de vegetação. Um dos aspectos integradores entre o trabalho de campo e as totalidades
contidas no espaço, era a identificação dos tipos de tempo no momento presente das medidas. Este
procedimento permitiu associar a verdade terrestre com as posteriores interpretações feitas com
imagens de satélite e cartas sinóticas de altitude e de superfície. Os principais resultados obtidos
através dos trabalhos de campo foram:
Verificação da variabilidade dos controles climáticos de superfície associados ao relevo
(forma,orientação, altitude) e à vegetação (limites das unidades climáticas regionais e locais);
Complementação com observações direta na paisagem, a escassa rede de postos meteorológicos,
além da possibilidade de acompanhar de perto o ritmo e a sucessão dos estados atmosféricos e a
sua composição na paisagem, para maior integração dos dados;
Levantamentos no campo, informações técnicas sobre fatos climáticos relevantes em termos de
sazonalidade (período seco/ período chuvoso) no espaço geográfico;
Acompanhamento detalhados de determinados tipos de tempo, ou seja, a participação dos sistemas
atmosféricos que atuam no Mato Grosso, através das respostas que cada um desencadeia na
superfície, associando-se com as imagens de satélite, e cartas sinóticas;
A coleta e as observações de campo melhoraram o conhecimento climatológico, não apenas por ter
possibilitado o próprio desenvolvimento teórico do uso do paradigma do ritmo associado às relações
entre os maiores e menores táxons contidos no espaço geográfico, mas também por ter contribuído
para criticar os fatos e evidencias em estudo, bem como a formulação de novas hipóteses.
O estudo de ritmanálise aplicado aos maciços litorâneos da Juréia/Itatins no litoral sul do estado de
São Paulo, foi conduzido no período de 1981 a 2002 (TARIFA, J.R.2001). A escala de trabalho
adotada foi a de 1:10.000 dentro de um universo de aproximadamente 30.000 ha, onde foram
instalados 10 pontos de amostragem (postos micro meteorológicos), em diferentes tipos de
vegetação (mata, campo e restinga) bem como em diferentes altitudes (do nível do mar até 340
metros), e com diferentes declividades e exposições em relação à trajetória aparente do sol e em
relação aos padrões de circulação do vento. Depois de dois anos (1984 a 1986) de coletas diárias e
horárias de temperatura do ar, do solo, umidade, chuva e intensidade do vento. As cartas básicas
para a análise espacial dos controles climáticos, foram topografia, drenagem, declividade, exposição
de vertentes, vegetação e morfologia do relevo. A circulação atmosférica de superfície, foi analisada
com base em cartas sinóticas e imagens de satélites meteorológicos. A lógica da investigação
calcada na ritmanálise possibilitou estabelecer uma cartografia de síntese, onde as unidades
climáticas (fitomorfoclimáticas), refletiram suas relações com a evolução da vegetação e da própria
vida no maciço. As categorias de análise/síntese foram as relações entre qualidade/quantidade,
forma/conteúdo e convergência/divergência dos fluxos de energia, integrando a noção de repetição e
diferença no tempo e no espaço como o fundamento básico do holorritmo.
Considerando que qualquer cidade é sempre uma interação múltipla de processos integrados
(físicos, biológicos e sociais) e que estes enquanto totalidade, redefinem as partes integrantes do
todo, o ar e a atmosfera urbana se torna um objeto de estudo excepcional para discutir o conceito de
holorritmo e suas relações com as observações de campo. Desta forma, a cidade de Rondonópolis,
dentro de um programa de pesquisas do Laboratório de Climatologia do Departamento de Geografia
da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus de Rondonópolis, tem trabalhado temas ligados
ao conforto térmico no interior das casas na periferia da cidade, bem como as condições
meteorológicas locais para a dispersão dos poluentes atmosféricos; Experimentos de campo (anos
de 2005 a 2008), tem demonstrado que em todas a fases da pesquisa, a concepção holorritmica,
favorece a construção do conhecimento, calcada no todo e não apenas nas partes isoladamente.
Assim as praticas espaciais e sociais, se tornam tão determinantes, quanto a redefinição dos
processos físicos (balanço de radiação solar de ondas curtas, longas, umidade, vento, estabilidade)
através da própria urbanização/industrialização. Trabalhando desta maneira, cresce o sentido da
percepção do quanto os corpos, as pessoas e os seres vivos podem ser destruídos, ou terem o seu
desempenho prejudicado, pelas formas de produção e apropriação contidas no espaço urbano.
A qualidade da água nas bacias hidrográficas dos Rios Vermelho e Tadarimana (MT), tem sido
estudadas considerando a totalidade dos processos físicos, biológicos e econômicos. Muito embora,
a hipótese central seja analisar a alterações físicas, bacteriológicas e químicas provocadas pelas
grandes propriedades com produção de grãos (soja, algodão e milho) e gado, o ritmo das águas
depende em parte da sazonalidade do clima, do relevo, e do solo. Assim sendo, o escoamento fluvial
serve como veiculo integrador (ou totalidade em movimento) dos processos e modulações
holorritmicas, estabelecendo fases de convergência e divergência das emissões e concentrações
dos poluentes na água. Considerando ainda, que este tipo de água poluída, é utilizada para consumo
humano e principalmente pelas populações indígenas, pode-se perceber o quanto os fatos e
relações estão atuando de forma integrada e interdependentes, sendo, portanto limitado o
conhecimento adquirido de forma isolada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão da realidade através da concepção do holorritmo, com a prática no campo, coloca o
sujeito em contato direto ou no confronto com a realidade concreta (natureza do espaço) do lugar.
Por sua vez, possibilita o acompanhamento dos movimentos (polirritmias) contidos no espaço. Cria-
se então a possibilidade de novos conhecimentos.
Desde os conhecimentos técnicos ligados ao uso de metodologias e técnicas específicas de
observação e percepção, como aqueles ligados com o uso social e a tentativa de contribuir para
resolver problemas. Além desses aspectos, o campo contribui na maior parte das vezes, para uma
mudança de postura, contribuindo para novas formas de olhar e perceber o movimento do mundo.
“A dialética baseada no trabalho de campo é, portanto, um elemento indispensável da percepção
objetiva dos dados de base do raciocínio científico; quando ela está ausente, elaboram-se teorias
que só tem relações longínquas com a realidade perceptível e que, por esse motivo, não tem
qualquer utilidade social, pois não podem orientar a ação” TRICART (1980).
Apesar da prática no campo ser realizada de forma episódica (em poucos dias ou horas), quando
inserida numa concepção teórica de totalidade (holorrítmica), é possível perceber aspectos
importantes dos movimentos rítmicos singulares do tempo meteorológico, do clima e do ambiente,
sem perder suas interações com o planeta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SETTE, D. M. (2000) O holorritmo e as interações trópico extratrópico na gênese do clima e as
paisagens do Mato Grosso. Tese de doutorado Departamento de Geografia – USP.
SETTE, D.M. e TARIFA, J.;R.(2002) O holorritmo e o espaço geográfico de Mato Grosso, In Anais e
CD rom do XIII ENG - AGB- UFPB – Julho
TARIFA, J. R. (2001) Os Climas na cidade de São Paulo: teoria e prática. Livro editado pelo Lab. de
Climatologia, na série GEOUSP n.4 199 p.
TARIFA, J.R. (2002): Os climas nos maciços litorâneos da Juréia-Itatins – um ensaio de ritmanálise -
Tese de Livre Docência FFLCH – USP – 477p.
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TRICART, J. (1980): O campo na dialética da Geografia. In. Reflexões sobre a Geografia. AGB – São
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