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DA VIOLÊNCIA NO ETHOS CULTURAL AUTORITÁRIO DA

CONTEMPORANEIDADE E DO
SOFRIMENTO PSICOSSOCIAL*

Angela Maria Pires Caniato**

RESUMO
A perversa inversão ideológica que transforma os indivíduos e os grupos que sofrem a
violência social em agentes desta violência, vem sendo sustentada por teorizações na
Psicologia construídas a partir da imanência psíquica. Esta abordagem da subjetividade –
visão de avestruz – (Caniato, 1999) nega a heteronomia e, consequentemente,
desconsidera o processo de sociabilidade autoritária que fragiliza as individualidades
(Freud, S. Malestar en la cultura, 1930), dando respaldo às degenerescências da
criminalização dos indivíduos e de certos grupos. Justificam e legitimam as imposições
de sanções arbitrárias por instituições oficiais – mais ou menos ostensivas porque de
caráter ideológico, legal e/ou policial – à guiza de fornecer proteção para membros
destes grupos e/ou para a sociedade em geral. Ressalta-se a ampla difusão no meio
acadêmico do conceito de vitimização da criança pela família (sob formalizações explícitas
e/ou ideologizadas) que, além de tratar a relação pais-filhos como de algoz/vítima, acaba
por destituir a figura paterna da autoridade educativa sobre os filhos (Marcuse, 1970),
com as severas repercussões desta falência no processo de construção das
individualidades. As retiradas do pátrio-poder e as adoções arbitrárias de crianças –
embasadas em laudos técnicos de especialistas –, são uma das expressões perversas da
cumplicidade de certas teorizações postas à serviço do status quo autoritário (Lasch,
1983). Por outro lado, os pais vem sendo, contraditoriamente, responsabilizados e
culpabilizados pelo desenfreio do “liberar geral” dos filhos e acusados de incapazes por
não lhes conseguir impor limites. Ficam desconsideradas as dimensões compulsiva e
tanática que nutrem os princípios do hedonismo e da permissividade que regem a vida
em sociedade na atualidade (Lipovetsky, 1989) e que tornam indesejáveis e baníveis
quaisquer regras estáveis disciplinadoras de um coletivo não-autoritário (Adorno, 1982).
A impunidade vem sendo a norma privilegiada da convivência entre os indivíduos e nos
grupos (Kordon, 1995), trazendo em seu bojo a banalização da violência social conduzente
à subsunção das subjetividades – enquanto transformadas em “máscaras mortuárias”
(Adorno,1986)

* Trabalho apresentado na Mesa Redonda “Violência, subjetividade e cidadania”, no I


Congresso Paranaense de Psicologia Social – “Práticas e perspectivas da Psicologia Social
no final do Século”, ocorrido na cidade de Londrina, no período de 4 a 6 de novembro de
1999, promovido pela ABRAPSO – Núcleo de Londrina.
** Universidade Estadual de Maringá – Rua Joaquim Nabuco, 1496 – Cep 87013-340 –

Maringá-PR – E-mail: ampicani@onda.com.br

PSI – Rev. Psicol. Soc. Instit., Londrina, v. 2, n. 2, p. 197-215, dez. 2000 197
PALAVRAS-CHAVE
violência – autoritarismo – ideologia – hedonismo – permissividade

THE VIOLENCE IN THE ETHOS CULTURAL AUTHORITARIAN OF


THE QUALITY OF CONTEMPORARY AND OF THE SUFFERING
SOCIAL PSYCHOS

ABSTRACT
The perverse ideological inversion that transforms the individuals and the groups that
suffer from the social violence in agents of this violence, it has been sustained by theories
in the Psychology. This theories are formed from the psychic immanence. This approach
of the subjectivity – ostrich vision – (Caniato, 1999) denies the heteronomy and,
consequently, it doesn’t consider the process of authoritarian sociability that fragile the
individualities (Freud, S. Malestar en la cultura, 1930), giving support to the degeneration
of the individuals’ criminalization and of certain groups. It justifies and legitimates the
impositions of arbitrary sanctions for official institutions – more or less ostensible due to
the character ideological, legal and/or criminal – to the encounter of supplying protection
for members of these groups and/or for the society in general. In the academic area is
emphasized the concept of the child becoming a victim by the family (under explicit
formalization and/or ideologies). The concept, besides treating the relationship parent-
children as of executioner/victim, ends for depriving the paternal illustration of the
educational authority on the children (Marcuse, 1970), with severe repercussions of its
failure in the process of construction of the individualities. The withdraws of the parents
power and the children’s arbitrary decisions – based in specialists’ technical decisions –
, are one of the perverse expressions of the complicity of certain theories used to serve
the authoritarian status quo (Lasch, 1983). On the other hand, the parents are being
responsible and guilty for the unbridle of “freedom” of their children and accused of
unable for not being able to impose limits. It is not consider the compulsive dimensions
that nurture the principles of the hedonism and permissiveness that governs life at the
present time in society (Povetsky, 1989), and turns undesirable and removable any
disciplinary stable rules of a collective no-authoritarian (Adorno, 1982). The impunity is
a privileged norm of the coexistence among the individuals and in the groups (Kordon,
1995), leading in its existence the elimination of the suitable social violence to the
subsidy of the subjectivities – while transformed in “mortuary masks” (Adorno,1986).

KEY WORDS
violence – autoritarism – ideology – hedonism – permissivity

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DA VIOLÊNCIA NO ETHOS CULTURAL AUTORITÁRIO DA
CONTEMPORANEIDADE E DO SOFRIMENTO PSICOSSOCIAL
Angela Maria Pires Caniato

1 Um percurso da violência na sociedade e alguns apontamentos sobre


sua incursão nas subjetividades atuais

A violência disseminada no ethos cultural da atualidade é estrutural


(Ugalde & Zwi, 1991a, 1991b) e sustentada por políticas internacionais ditas
democratizantes, mas cujos efeitos são promover a ganância e a exclusão
social em todos os países do planeta (Martin & Schumann, 1999).
Este autoritarismo econômico disseminado pela globalização exacerba
a competição individualista que se potencializa e se nutre do “salve-se quem
puder”. Institucionaliza-se esta prática predatória como a norma coletiva
privilegiada para a garantia de vida faustosa de uns poucos e as condições
materiais de miséria para, apenas, a sobrevivência da maioria.
O poder hegemônico organizado utiliza-se, habilmente, da mídia na
tentativa de aquietar a massa crescente de excluídos com a ilusão da igualdade
de direitos e participação sociais. A “sociedade de pão e circo” (Martin &
Schumann, 1999) engendra a “indústria do entretenimento” para conter e
manter passivos os excluídos – ociosos, fazê-los rir do que deveriam chorar e
torná-los indiferentes diante das desgraças que se agigantam na “sociedade
humorística” (Lipovetsky, 1989) na qual vão se tornar cada vez mais
“protagonistas interativos”. Este processo, de fato, expõe os indivíduos e os
grupos a um violento e doloroso processo de idiotização regressiva que
sedimenta a impotência individual e a apatia dos grupos na culpabilidade de
suas mazelas e fracassos psicossociais. Restam os pobres renitentes para os
quais está reservada a pseudo-proteção do enredarem-se nas malhas dos
rendosos e lucrativos negócios do crime organizado e do tráfico de drogas
nos quais seus “paraísos fiscais” se restringem ao degladiarem-se
ferrenhamente até a morte e/ou virem a sucumbir sob as armas das forças de

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“segurança” estatais. E o que dizer do que vem ocorrendo com os jovens,
sob a proteção estatal, que denunciam a violência que sofrem nos
enfrentamentos desesperados das rebeliões “cami-case” nas instituições
educativas das FEBEMs?
Estas e outras expressões de autoritarismo econômico e da violência
social por ele engendrada configuram-se na exacerbação do individualismo
que se concretiza e tem respaldo na competição fratricida do “salve-se quem
puder”. Embora rondem a vida de cada um de forma mais ou menos
avassaladora, nem sempre são discriminadas como tal e, consequentemente,
banalizadas não orientam indignações que pudessem aglutinar os indivíduos e os
grupos em ações de resistência social. São tratados como inerentes ao destino
natural do processo civilizatório, portanto de caráter imutável e irreversível.
O imperativo da ganância e seu corolário, o da exclusão social,
fetichizados e elevados ao patamar de dogmas, espelham-se na prática social
predatória e do descartável. Potencializam a lei do “salve-se quem puder”,
elevando-a à condição de doutrina-mor na administração da carnificina
antropofágica da competição entre os iguais. As questões concretas e materiais
ligadas à sobrevivência dos indivíduos – apesar da contribuição coletiva neste
processo, porém sob destituição de mérito – são relegadas para o foro íntimo
de cada indivíduo acuado e intimidado, porém alçado à condição de único
gestor e responsável pela própria vida. Amargo engodo ser o indivíduo,
transformado em “máscara mortuária” (Adorno, 1986), portador de autonomia
quando o outro se lhe apresenta como inimigo a ser destruído e, portanto,
incapaz de fortalecer-lhe no enlace de alteridade!
Freud, em sua obra de 1930 – “El Malestar en La Cultura” (1981), ao
analisar a relação entre o indivíduo e a cultura deixa evidente a dissemetria
das trocas entre o indivíduo e a cultura e dá relevância ao caráter repressivo,
extorsivo e dominador da sociedade. Dito de forma suscinta – apenas para
elucidar a proposição acima – o mecanismo psíquico inconsciente da
sublimação permite que as forças de vida dos indivíduos (libido sublimada –
eros) sejam objetivadas, canalizadas e capturadas pelas diferentes expressões
da cultura: produções científicas, tecnológicas, artísticas e espirituais. Os

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potenciais de repressão, inibição, renúncia e tolerância embutidos na
sublimação acoplam-se a mais – repressão social1 imposta aos indivíduos,
orientando-os, desde suas entranhas, a abdicar de seus reais desejos, adaptar-
se ao sofrimento das frustrações de suas necessidades e até se acomodar na
impotência diante das imposições sociais. Neste processo e, em especial,
pela internalização inconsciente desta violência-repressiva da cultura, são
mobilizadas as estruturas auto-punitivas mais arcaicas e primitivas do indivíduo
(superego rigoroso) 2 que o levam, facilmente, a sucumbir na auto-
depreciação, ao trazer para si a culpabilização pela exacerbação no e do
sofrimento que a cultura lhe impõe.
No afã “enlouquecedor” de ludibriar o terrível e insuportável em que
se transformou a vida em sociedade e sob a exacerbação atual do
individualismo na competição do “salve-se quem puder” para , supostamente,
não sucumbir nas botas opressoras do autoritarismo econômico excludente
da atualidade, emerge na relação entre os indivíduos uma outra ilusão
regressiva: um apelo inebriante à virilidade que se configura no “culto do
herói”. Uma coragem exacerbada é chamada para impor desafios cada vez
mais difíceis e romper todos os obstáculos para atingir os resultados propostos
e impostos. Uma exigência de superação de todo e qualquer limite que se
interponha às “exigências de realização pessoal” é posta em ação em todos
os níveis da vida dos indivíduos e uma onipotência desenfreada que, embora
tida como um valor-força, aponta para o mundo nirvanesco da morte e não
para o da cautela no cuidado e preservação da vida. Irracionalidade em sua
pureza supimpa que revela sob o manto da virilidade a mais tosca covardia
do não poder dizer “não agüento mais”! As chagas da tolerância ao sofrimento
padecido e infligido que procuram em vão escamotear e encobrir expõem
os sacrifícios impostos socialmente, mas que os tolos heróis têm medo e

1 O conceito de sublimação-repressiva foi desenvolvido e ampliado, posteriormente, por H.


Marcuse em sua obra “Eros e a Civilização” (1968).
2 Freud analisa a internalização da violência social pelos indivíduos em “El Malestar en la

Cultura” (1981) e chama de “sentimento de culpabilidade” à crueldade superegóica que


os indivíduos passam a viver sob o impacto desta internalização (p. 3053 e seguintes).

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vergonha de admitir. Embevecidos e vaidosos deixam-se destruir no
sadomasoquismo do “salve-se quem puder”, não lhes sobrando forças para a
indignação de um “basta!”. Pobres heróis da atualidade: não querendo ser
identificados como fracos sustentam a tolerância ao sofrimento, legitimam e
reforçam a supercompetitividade que acelera o processo de injustiça e da
exclusão sociais do qual querem escapar (Dejours, 1999). Amargo e perigoso
estoicismo nesta aceitação glorificada do sofrimento já que a apologia do
agüentar a dor fomenta a frieza, a insensibilidade e a indiferença que permite
a proliferação da barbárie na sociedade. Assim diz Adorno (1986) em seu
texto “Educação após Auschwitz”:

Aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e
se vinga da dor que não teve a liberdade de demonstrar, que precisou reprimir.
Esse mecanismo deve ser conscientizado, da mesma forma como deve ser
fomentada uma educação que não mais premie a dor e a capacidade de suportá-
la. (...) não devemos reprimir o medo. Quando o medo não for reprimido, quando
nos permitirmos ter tanto medo real quanto essa realidade merecer, então
possivelmente muito do efeito destrutivo do medo inconsciente e reprimido
desaparecerá (p.39-40).

Assim, neste ligeiro acompanhamento da fetichização da ganância e


de seu caráter violento que se atualiza no “salve-se quem puder”, evidencia-
se que ela deixa em seu rastro e faz emergir expressões psicossociais irracionais
e disruptivas que estão sustentadas, ainda, pela eficiência dos truques e
estratégias ideológicas do individualismo exacerbado. Ao ser deslocado para
o indivíduo solitário – que para tal é tido como autônomo – o “locus” pleno
da responsabilização pela sua performance e a de seus empreendimentos
numa competição desenfreada, o resultado não poderia ser outro senão o do
seu enclausuramento na destrutividade psíquica. E não seria a redução
narcísica perversa a que estão expostos os homens o destino desejável sob a
ganância? Pela eliminação de vínculos sem nenhum pudor e na imposição
de sofrimentos ficam tombados os compromissos dos indivíduos com a
alteridade dos demais: o melhor é deixar cada indivíduo de per-se destruir-
se em seus espelhos sem aço para que o dinheiro volatizado reine em seu
movimento soberano, este sim, o sujeito real, “capital” (Carone, 1991).

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2 A construção/desconstrução das subjetividades sob o ethos cultural
autoritário da contemporaneidade

Não é possível sob pena de cumplicidade com uma era perdida porque
amordaçada por uma certa letargia do “estado de alienação” (Aulagnier, 1985),
que os estudos teóricos atuais na Psicanálise não rompam com o reducionismo
imanentista que sustenta a ilusão de um mundo interno imune aos
acontecimentos da realidade social. As práticas profissionais geridas por esta
“visão de avestruz” (Caniato, 1999) certamente estão atravessadas por
representações pré-conceituosas que, à guiza de libertação dos indivíduos,
apenas sustentam o “status-quo” social irracional e autoritário.
Se o psicólogo pretende aliar-se à luta contra a sociabilidade opressora
que produz a fragilização egóica dos indivíduos – tal como Freud examinou
em “Psicologia de las masas” (1948) – e ajudar no ressurgimento de uma
consciência crítica – tal como postulou Adorno em sua “Dialética do
Esclarecimento” (1985) – não pode ignorar a permeabilidade das estruturas
psíquicas e vulnerabilidade do insconsciente de ser capturado desde fora e
se impor às demais instâncias psíquicas no festim irracional e de prazeres
perversos agenciados pelo porta-voz da sociedade de consumo – a indústria
cultural. Falando com Adorno (1986), alimentar o mutismo da reflexão crítica,
é permitir que “através da ideologia da indústria cultural o conformismo
substitua a consciência, (pois) jamais a ordem transmitida por ela é confrontada
com o que ela pretende ser ou com os reais interesses dos homens” (p.97).
Não se pode ignorar que, por mediação das identificações inconscientes,
os indivíduos vêem reproduzindo os modelos identificatórios forjados pela
mídia, sendo internalizados – sem ajuizamento crítico – as idéias, os valores,
os hábitos e os costumes exigidos para a manutenção do “status quo”
societário3 (Carone, 1991).

3 Jurandir
Freire Costa (1986) designa este processo como de violência simbólica, cujo objetivo
é a normatização dos indivíduos – “tipos psicológicos ordinários – para responder às
demandas da sociedade, em determinado momento histórico.

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Vale à pena uma releitura de algumas obras freudianas anteriores à “El
malestar en la cultura” e “Psicologia de las masas” para à luz da compreensão
da interpenetrabilidade psiquismo-cultura que Freud desenvolveu nestas obras,
resgatar alguns conceitos que possam salvaguardar a compreensão mais
verdadeira da subjetividade em suas modificações históricas. Não há dúvida
que uma visão não reducionista dos processos de identificações inconscientes
permitirá alavancar a saída da alienação psicologizante expressa em muitos
escritos psicanalíticos no Brasil4 . Há de se considerar que, no arcabouço teórico
da psicanálise, a organização mais ou menos satisfatória da estrutura psíquica
e a construção/desconstrução da individualidade se efetiva por identificações
projetivas-introjetivas inconscientes. Porém, não basta trabalhar, apenas, com
o objeto interno das representações inconscientes (fantasias), relegando o
outro para a pura exterioridade estática, apenas como depositário de
investimentos projetivos do próprio “sujeito” ou reduzido às contingências
impessoais de um papel social – sem alma, portanto – no acolhimento. É
importante acompanhar a trama complexa de representações e racionalizações
mais ou menos inconscientes que se movimentam de um polo a outro nas
relações diáticas, nos processos transferenciais nos diferentes grupos por meio
dos quais o indivíduo vai se inserindo na vida social e, principalmente, deter-
se na análise dos constructos ideológicos que integram os modelos
identificatórios difundidos pela mídia.
A dimensão perversa do reducionismo imanentista nos estudos da
subjetividade expõe seus adeptos e clientes à permanência na regressão egóica
ou na repetição compulsiva da mesmice para a qual são empurrados os
indivíduos na cultura de consumo de massa da atualidade. Fortalece e reforça
a tirania dos modelos identificatórios impostos pela mídia, que internalizados
sob a sutilezas da sedução, conduzem a estandartização das subjetividades.
O risco de harmonização acrítica dos indivíduos à sociabilidade perversa da
fetichização da mercadoria produz, por exemplo, a adesão eufórica a um
“voyerismo” narcísico muito em voga, que se realiza nele mesmo, sem superar
4 Berlinck (1998) designa como “suícidio psíquico” a ausência de historicidade (ortodoxia)
em certas teorizações e escritos de psicanalistas brasileiros.

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as conotações sadomasoquistas que os modelos apenas insinuam5 , deixando
livre as fantasias inconscientes macabras dos parceiros para quando e se
houver o ato sexual. Não precisa ser especialista “psi” para enxergar a ausência
de pudor com que já está preterido o enamoramento entre os indivíduos. A
irritação indignada e raivosa de Arnaldo Jabor no artigo “Ninguém ousa
namorar as deusas do sexo”(Folha de São Paulo, 21/9/99) dá uma resposta
crítica e criativa que pode despertar muitos outros e convidá-los a pensar. Se
não bastar, o cinema faz passar, sob o olhar atônito do espectador, as imagens
fragmentadas e pulverizadas, nos moldes das representações inconscientes, a
perversão que se instala na relação entre os homens quando a irracionalidade
da ambição de vencer pelo dinheiro se apossa de uma vaidade cínica na e
para a trajetória da fama. Inflam-se “egos do tamanho de catedrais, acionados
por fibras óticas” que se vergam “satanizados” pelo consumo. O filme
“Advogado do diabo” desvela a caricatura grotesca do narcisismo destrutivo
atual, quando o investimento libidinoso está capturado pela mercadoria que
reina soberana sobre subjetividades esvaziadas de afeto para si e para o enlace
amoroso e compromissado com o outro. Vale a pena pensar no que, em tom
de desabafo, fala Costa (1999) em seu artigo “Estratégia de avestruz”:

A violência de hoje não se baseia, apenas, no ódio ao diferente ou na intolerância


para com os desviantes. Ela se tornou uma forma corriqueira de levar ao extremo
as conseqüências do jargão leviano “tudo é mercadoria”. Em poucas palavras : se
o dinheiro é a medida do homem, ou dinheiro no bolso ou cadáver no fosso!
Depois de anos e anos de desmoralização do valor da pessoa humana, gente,
“aranhas ou visigodos”, tudo é nivelado por baixo. (p.3)

É pelo menos constrangedor, o imaginar-se o alheamento nas


teorizações e práticas psicanalistas e a desconsideração pela pregnância dos
modelos identificatórios da sociedade atual de consumo de massa na
construção/desconstrução das subjetividades. Isto porque os postulados
freudianos da identificação projetiva-introjetiva pressupõe a historicidade no
processo de sociabilidade e permitem a consideração da heteronomia na
estruturação psíquica.
5 Refiro-me ao sucesso midiático da “Tiazinha” que já serviu, inclusive, de tema de
representações teatrais até em escolas confessionais.

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3 Da socialização sob a destituição da autoridade paterna e do
ressentimento culpabilizante dos pais pelas instituições educacionais

À guiza de não me tornar repetitiva, remeto os leitores às reflexões já


enunciadas em “A subjetividade na contemporaneidade: da estandardização
dos indivíduos ao personalismo narcísico (Caniato, 1999), em especial aquelas
referentes à fragmentação da vida coletiva, pela destruição de valores fraternos
hierarquizantes e disciplinadores da vida do indivíduo em sua inserção
societária. Permito-me, entretanto, retomar algumas questões pertinentes aos
processos identificatórios que, para a Psicanálise, compõe o eixo da
constituição das individualidades.
Desde Reich (s.d.) em “Psicologia de Massas do Fascismo”, passando
por Marcuse (1968) em “Eros e a Civilização”, vem sendo identificado o
desmonte da autoridade dos pais pelas ideologias da sociedade moderna,
com a exposição das individualidades à captura e controle direto pelos valores
gestados pelo consumo.
Marcuse em “Obsolescência da Psicanálise” (1970), busca provar que
o superego freudiano, nascido da identificação com a figura do pai, enquanto
representante por excelência do princípio da realidade, perdeu as
características de instância primordial da lei, dadas as transformações sofridas
pela família na sociedade pós-industrial. Em suas próprias palavras, “a
subordinação das dimensões do ser, que eram anteriormente privadas e anti-
sociais (universo familiar), a uma educação, manipulação e controle
metódico”, por agências administrativas extra-familiares, despiu o pai do papel
privilegiado que ocupava diante do filho, como modelo de realidade.
Ao declínio da autoridade paterna, segue-se a obediência aos padrões
normativos e impostos pelos meios de comunicação de massa, pelos grupos
de pares, pelos técnicos em educação, psicólogos etc. Anteriormente, a
internalização da norma social ocorria pela mediação da figura paterna, donde
a existência e a importância do superego, como representante interiorizado
da lei. Agora o ego estrutura-se não em conflito e posterior aquiescência às
exigências do superego, mas diretamente em contato com a realidade. O

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ego é assim mantido em condições “regressivas” similares àquelas
experimentadas pelos componentes de “massa”, segundo o célebre estudo
de Freud “A psicologia das massas e análise do ego”6 .
Que princípio de realidade vem administrando a construção/
desconstrução das subjetividades de forma mais ou menos direta, tendo em
vista as exigências universais do mercado na sociedade de consumo? Que
cultura é esta que está a organizar a vida dos homens, a fornecer-impor-lhes
os seus valores?
Para Adorno (1986)

A cultura tornou-se ideológica não só como suprasumo das manifestações


subjetivamente acalentadas do espírito objetivo, mas na mais ampla escala, também
como esfera da vida privada. Esta, com aparência de importância e autonomia, esconde
que só se arrasta ainda como apêndice do processo social. A vida se converte em
ideologia da reificação e, a rigor, em máscara mortuária. (p.87)

A tirania agora não advém do outro humano idealizado mas, sim, da


mercadoria fetichizada que fulgura acima do humano e que com seus sibilos
atrai para construir/devorar seus incautos fãs. O apelo inebriante é agora à
irracionalidade do id onipotente – “liberar geral”. Sob a promessa de satisfação
ilimitada, a ilusão de felicidade é difundida pela mídia por meio dos porta-
vozes da indústria cultural: atrizes, “top-models”, esportistas vencedores e
outras celebridades “vips” já capturados pelo “status quo” que se constituem
como os modelos identificatórios privilegiados.
Seguindo Lipovetsky (1989), as relações das “pessoas” estão regidas
pela apologia da inexistência de limites e de regras sociais disciplinadoras
(princípio de permissividade) , onde a primazia do apelo sedutor ao puro
desejo (princípio do hedonismo), descola-o e o faz emergir – como que
flutuante – sobre todos os indivíduos, no personalismo narcísico.
Assim diz este autor:

6 Estes dois últimos parágrafos foram transcritos, (não montados sob a forma de citação)
literalmente do artigo “Sobre a Geração AI-5: Violência e Narcisismo” de Jurandir Freire
Costa (1986) por condensarem de forma bem clara e explícita as idéias de Marcuse que
me interessam apontar aqui.

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A educação permissiva, a socialização crescente das funções parentais, que tornam
difícil a interiorização da autoridade familiar, não destroem, contudo o supereu:
transformam o seu conteúdo num sentido cada vez mais ditatorial e mais feroz.
(...) Ativando o desenvolvimento de ambições desmedidas e tornando o seu
cumprimento impossível, a sociedade narcísica favorece a auto-acusação e o desprezo
do indivíduo por si próprio. A sociedade hedonista só em superfície engendra a
tolerância e a indulgência; na realidade, nunca a ansiedade, a incerteza, a frustração
conheceram maiores proporções, o narcisismo nutre-se mais do ódio do que de
admiração pelo eu. (Lypovetsky, 1989, p.69, assinalamentos meus)

Neste caos de regras estáveis de convivência a não ser a do descartável


da mercadoria, triunfa o imediatismo do “salve-se quem puder”, que se
sustenta na impotência, de fato, que ronda e penetra na vida de cada um.
Alimentada incessantemente no mundo do trabalho, a competição desenfreada
é incentivada por esportistas famosos, pagos a peso de dólar, que propõe a
superação de todos os limites que se possam interpor à conquista do troféu
de herói, isto é, à servidão da lucratividade de empresas ISO-9000.
Porém, contraditoriamente ou não, esta condição de impotência
submetedora a que estão expostos os pais é fortalecida por educadores,
também impotentes e atônitos, enovelados que estão na indisciplina que reina
no cotidiano da vida escolar. Não há dúvida que esta dinâmica relacional
resulta em sérios prejuízos no processo de ensino-aprendizagem, diante da
impossibilidade de obediência/compromisso à autoridade do professor em
destruição e da violência disseminada que atravessa a relação entre os pares.
Este clima apenas confirma/concretiza que os valores que davam sentido à
ordenação coletiva se restringiram ao apelo irracional à onipotência do
“indivíduo” e que qualquer regra disciplinadora da vida em grupo está sob
suspeição (Lipovetsky, 1989). Negar este individualismo exacerbado é
ingenuidade perversa, geradora da autoritária e perigosa prática maniqueísta
de “caça às bruxas” e da procura de “judas” para serem malhados e punidos
pelos pares ou por agentes oficiais de prontidão nos órgãos públicos, mesmo
que estas instituições sejam nomeadas como educativas . Todos se munem
de um “poder” ubiquista sobre os demais e muitos invertem seus papéis
técnico-educativo-social ao participar em inquisições jurídico-policiais e outras
ações arbitrárias, que em nada configuram uma efetiva ação coletiva de

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solidariedade e de resistência social contra a violência estrutural e política da
atualidade e na qual cada um apenas sobrevive.
A violência no cotidiano na vida escolar não se esgota para dentro dos
muros desta instituição; ela é apenas o reflexo (espelho) da violência estrutural
na vida em sociedade. Porém, muitos educadores desavisados e des-orientados
pela inconsciência acrítica de certas doutrinas psicopedagógicas, nas quais se
apoiam, arvoram-se em juízes desta sociedade do “vale-tudo para vencer” e
vociferam moralismos preconceituosos contra os pais, acusando-os,
culpabilizando-os e penalizando-os. Atribuem a eles a incapacidade de “impor
limites “ na educação dos filhos e projetivamente minimizam a sua impotência
de educadores. Isto porque, não mais conseguem, também, ordenar o
cotidiano da vida na escola que é tomado de roldão pela violência do “vale
tudo”(indisciplina) reinante nas relações sociais. Embebidos neste clima, deslocam
suas frustrações e ferocidades contra os pais incautos e movidos pelo desespero
tentam “ajudá-los”: convocam e montam verdadeiros espetáculos circenses nos
quais os pais são crucificados e se submetem ao vexame de catarses coletivas, sob
a regência de hábeis intelectuais oportunistas que ironizam e se locupletam com
a impotência e desgraça de pais e educadores7 .
Pobres pais atônitos e encurralados que há muito perderam a autoridade
perante os filhos; fragilizados enquanto tal porque sucumbidos eles próprios aos
valores da sociedade de consumo... Impossibilitados de manter uma distância
crítica que os permitissem não serem conduzidos pelas induções identificatórias
da indústria cultural (fragilização egóica), vêem-se expostos à atrocidade de uma
culpa-punitiva inconsciente8 que é reforçada pela imolação dos ensinamentos
dos especialistas “psi” difundidos por educadores (Lasch, 1983).

7 Já assisti algumas destas conferências; porém indignou-me muito a atitude irônica e irreverente

com que o requisitado psiquiatra Içami Tiba – que se diz “expert” na área de orientação à
pais – dirigiu-se a uma platéia de quase 1000 pais e educadores fazendo-os rir da própria
angústia que os levou a aceitar o convite da escola e ir ouvir a conferência “Pais e filhos: esta
relação tem limites”, organizado pelo Centro de Aplicação Pedagógica da Universidade
Estadual de Maringá em 22/6/99.
8 Aqui estou refletindo com o conceito de “sentimento de culpabilização inconsciente”,
analisado por Freud em “El Malestar en la Cultura”(1981) que passa a alimentar o rigor
superegóico a partir da internalização da violência social.

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Se hoje é cobrado dos pais atitudes restritivas e as sanções embutidas
no “impor limites aos filhos”, é necessário recuperar a memória para
evidenciar os paradoxos com relação a um passado não muito distante. Os
pais foram bombardeados por uma série de diretrizes gestadas por especialistas
“psi”9 e amplamente difundidas pela mídia que os induziram a abolir regras
disciplinares porque passíveis de produzir frustações desastrosas, capazes de
perturbar a “evolução sadia” de suas crias. Foi-lhes retirado o poder de
administrar junto aos filhos o proibido e o permitido e impedido de impor
restrições e castigos por serem estes estigmatizantes e traumáticos, além de
inibidores da criatividade das crianças. Estariam tais ensinamentos respaldados
em “verdades” ditas científicas, servindo ao desvinculamento dos pais de
suas prerrogativas de autoridade perante os filhos até então aceitas
socialmente? Estariam tais “verdades” sendo utilizadas como potentes
escancaradores da exposição de todos os membros da família à subalternização
e alienação de suas individualidades, às injunções identificatórias dos
constructos ideológicos da sociedade de consumo de massa que comanda o
“liberar geral” da fetichização da mercadoria? Há que se desvencilhar de
quaisquer interesses e necessidades efetivamente humanas e permitir que
as leis da exclusão social – em suas múltiplas estratégias – empurre a cada
um, apenas, para a sobrevivência mínima possível (Lasch, 1986).
A perigosa perspectiva reducionista – pela não contextualização do
conceito de violência – e a generalização apressada com que vem sendo
tratada pelo TELELACRI a complexa questão da violência doméstica –
vitimização da criança, vem permitindo o uso oportunista e perverso destes
conceitos por órgãos oficiais – cuja função social seria a de garantia dos direitos
da criança e do adolescente – que neles se amparam para atribuir aos pais a
“vitimização” das crianças. Invertendo suas atribuições, tais entidades
outorgam-se o “poder de polícia” na criminalização das famílias para justificar e
imputar a seus membros diferentes formas de punição que chegam até à retirada

9 A respeito da captura ideológica e do uso submetedor dos conhecimentos psicológicos, ver


a tese de doutorado de Cecília M. B. Coimbra (1992) - “Gerentes da ordem: algumas
práticas ‘psi’ nos anos 70 no Brasil”.

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do “pátrio-poder”, seguida de adoções cujos procedimentos deixam evidenciar,
frequentemente, práticas psicoeducativas equivocadas e duvidosas.
Será que uma sociedade na qual a “indústria da adoção de crianças” se
instaura impunemente nos órgãos oficiais (Isto É, 15/11/98) cujas autoridades
oficiais – que deviam zelar pelos direitos da criança – cometem verdadeiros
sequestros (sequestro é crime hediondo, inafiançavel) ao retirar crianças de
suas famílias, sob o olhar perplexo e deseperado dos pais para depositá-las
em “asilos” (Folha de Londrina, 19/6/98), que permite a legalização de
entidades norte-americanas – grupo LIMIAR – que fazem o tráfico de crianças
carentes para países estrangeiros (Folha de São Paulo, 5/9/99), que deixa
crianças morrerem de fome e de doenças curáveis e que permite que
adolescentes se prostituam para prover a sobrevivência financeira da família,
tem confiabilidade e respeitabilidade para gerenciar ou manter sob tutela a
intimidade da vida familiar? É de competência de um Estado de Direito e de
seus agentes estas formas usuais de intervenção, silenciamento e/ou
consentimento quando e se tais ações estão voltadas, exclusivamente, para as
populações pobres?
As “Mães da Praça do Fórum” de Jundiaí não se deixam enganar, nem
o “andarilho” de Campo Mourão, proibido de visitar seu filho “sequestrado”,
deixou de protestar para ter seu filho de volta...
Como disse Marilena Chauí em entrevista no Jô Onze e Meia (1999)
uma perversa inversão ideológica difundida pelos porta-vozes oficiais vem
deslocando o “locus” da violência social para os indivíduos e, porque
naturalizada, transforma as vítimas desta violência em seus agentes. Fica, assim,
legitimada e justificada as punições sociais que passam a ser impostas pelos
órgãos oficiais a certos grupos de indivíduos. Antes da repressão social e das
sanções penais recaírem sobre as famílias e algumas categorias de
trabalhadores, urge ser revisto o conceito de violação dos Direitos Humanos
que vem se atualizando nas práticas oficiais sob esta inversão, em especial
junto às famílias miseráveis e trabalhadores excluídos socialmente! (Glosário...,
1991 e Orellana, 1989)
Enfim, a socialização dos indivíduos – isto é, a internalização de valores
e regras exigidos pela vida em coletividade –, não mais vem sendo realizada

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pela mediação dos pais que, por sua vez também estão expostos diretamente
às violências da exclusão social e dos apelos sedutores para a estandardização
de suas subjetividades pelo “status quo”. A derrocada do enamoramento e
das manifestações afetivas em geral – cimento por excelência para a
sustentação de relações estáveis na família – fragilizaram a força da autoridade
paterna na sociedade atual na qual se tornou “obsceno falar de amor”(Stengel,
1997) e depreciativo exprimir sentimentos (Di Loreto, 1997). O que sobra
sob estas múltiplas facetas da repressão social é a angústia sob a exigência
social de indiferença do e para com o outro.
O sofrimento psicossocial como a condição essencial da, apenas,
sobrevivência dos indivíduos e grupos, sob a violência das relações, sob o
capital na contemporaneidade, vem sendo tematizado por psicólogos e não-
psicólogos preocupados com a historicidade do homem. Para fechar este
texto e abrir para novas indagações que possam ampliar teórico-
metodológicamente o estudo da violência e do sofrimento na relação
subjetividade-cultura, endosso o que diz Bader B. Sawaia (1995):

O sofrimento ou mal-estar psicossocial precisa ser analisado como mediação


(passagem) de outras mediações conjunturais, estruturais, históricas e subjetivas,
o que significa olhá-lo através da miséria assustadora, do apodrecimento da
máquina estatal e da ética minimalista que caracteriza as sociedades
contemporâneas, isto é, da ética reduzida à retórica, de forma a se aceitar que as
pessoas podem agir da forma que quiserem, desde que bem justificada. (p.51)

Assim, sob as imposições da lógica da sobrevivência numa vida miserável


só resta o mal menor numa cultura que caminha à passos largos para a barbárie e
na qual os “indivíduos tem de se contentar em escolher a melhor forma de
continuarem a se SACRIFICAR” (Crochik, 1999, p. 37 e seguintes, grifos meus).

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