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Faculdade de Direito
Universidade Federal de Goiás
“Empadão,
Guariroba,
Pequi,
Goiás Velho.
- Olha o Bolinho de Arroz!”
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APRESENTAÇÃO HISTÓRICA
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MANIFESTO DO EMPADÃO LITERÁRIO
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Toda essa história, impertinente ao tom político característico
dos manifestos, não parece vir a calhar com o que possamos pretender
como ideário dos que assinam os frangos, linguiças, guerobas, pequis,
milhos e componentes diversos a seguir. O leitor, que não é ingênuo,
por certo acabou de nos compreender. Não pretendemos oferecer
aos senhores e senhoras o mais bem temperado pedaço de frango, a
mais depurada porção de linguiça, ou a mais suculenta polpa do pequi.
O nosso empadão, o literário, é como o arroubo da senhora da
pequenina história: são fragmentos inesperados de ideias colhidas ao
acaso, misturadas, pensadas, temperadas, levadas ao forno e servidas
ainda fumegantes aos caros leitores.
Que se sirvam, pois, dessas empadonices de palavras,
empadonicamente borbulhantes das mais ricas e apimentadas
empadonímias, empadáforas, empadonâncias e empadações. Se as
empadonadas ingeridas causarem qualquer tipo de enjoo estomacal,
não se faça o leitor de rogado! O convidamos a regurgitá-las todas da
maneira que lhe for aprazível.
Empadaforicamente, sirvam-se à vontade.
De modo a tornar mais político o nosso manifesto, pensamos
nesse final alternativo que deverá ser lido em substituição ao final
anterior após uma nova leitura de todo o texto.
“Por fim, uma máxima verdadeiramente digna de um manifesto:
Que viva o empadonismo!”
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DEVANEIOS URBANOS
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Só ele olhava pra fora, não da janela, mas de si, e talvez por isso
lhe pareceu que só ele tenha notado ela entrar. “Linda” pensou. Uma
bela jovem acabara de adentrar o veículo, era aparentemente mais
velha e mais alta que ele, tinha lindas sobrancelhas perfeitamente
arqueadas que lhe serviam de moldura aos olhos, e ressaltavam a beleza
destes. Seus cabelos eram incrivelmente negros e lhe caiam como um
véu de seda em torno do rosto que era magro e bem desenhado. Ela
era surpreendentemente bonita e elegante para um ônibus. Pedro a
fitava de cima à baixo, e parou absorto quando seu olhos se encontraram.
Fitaram-se por alguns instantes, receando afastar os olhos, como em
uma competição para descobrir de quem era o olhar mais forte.
Por fim ela cedeu, esquivando o olhar. Pedro pensou que ela o deixara
ganhar ou talvez que o interesse que ele sentira não fosse recíproco. Estava
errado. Agora ela vinha em sua direção, parecia deslizar, então parou alguns
bancos a sua frente, e seus olhos voltaram a lhe procurar.
E por fim, ele desejou pela primeira vez ser realmente
interessante à alguém. Em seus olhos agora, era evidente faíscas de
desejo. Nos dela apenas possibilidade. Mas no final foi ela que sorriu,
ou será que foi ele? Em fim um deles sorriu e o outro não deixou o
primeiro sem resposta. E era isso que importava.
Ela então voltou a deslizar ao seu encontro. Ele parecia não
acreditar seu coração estava disparado. Ela se pôs ao seu lado, em pé,
ele ia levantar quando repentinamente houve um tremor. O ônibus devia
ter passado sobre algo que fez todos balançarem e mais importante fez
as pernas delas vacilarem deixando-a cair em seu colo.
Voltaram a se fitar por pouco tempo, seus olhos fecharam. A
pouca distância agora parecia atrair suas bocas, que lutavam inutilmente
tentando se afastar, como se quisessem adiar o prazer com o intuito de
torná-lo ainda mais prazeroso. Por fim cederam e se encontraram.
Houve então um novo tremor que de súbito o fez abrir os olhos.
Acordado, Pedro acabava de perceber, havia perdido o ponto.
CRISTIANO REIS
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UM NATO GÊNIO E SUA MATER DOLOROSA
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os metropolitanos. A mentalidade latino-americana é tradicionalmente
supersticiosa, dada sua origem europeia catolicíssima e pouco culta,
sua raiz ameríndia da idade da pedra-polida adoradora dos elementos
naturais, e finalmente a leva africana que, vinda nos cruéis navios
negreiros para dar trabalho de graça aos luso-brasileiros, nos legou
seus mitos e costumes animistas. Impossível não ser uma cultura
religiosa, para não dizer supersticiosa. Contudo o sincretismo fez a
nós, latinos e brasileiros, ricos em fontes culturais e até um pouco
mais tolerantes culturalmente, assegurando-se, porém, o etnocentrismo,
que esse é difícil de superar.
Voltando-me, ou melhor, voltando-nos, tu, caro leitor, e eu, ao
anterior relato, o do menino gênio, que no útero materno soube aprender
a utilizar o ar atmosférico para produzir e reproduzir sons e fonemas
do dialeto de seus pais. Como o recém nato seria capaz de controlar
suas tão jovens e nunca utilizadas cordas vocais e língua? É curioso
por demais que eu informe aos olhos que distraio que ao contar à
minha outra avó, a materna, do tal caso do menino que nasceu palrador
ela afirmou, muito séria, a fitar o chão com um olhar absolutamente
desligado deste mundo presente, que seu pai, meu bisavô, contou-lhe
uma história parecida e que era verdade mesmo.
Estou acuado por todos os genes? Meu sangue está
inevitavelmente carregado deste extinto animal e humano, se é que
há alguma diferença entre esses dois adjetivos, que é a crendice cega
nas determinações alheias? Vovó, a materna, não duvida, longe dela,
de seu bom e honrado pai, que Deus o tenha. Que me, ou nos resta
fazer, senão acreditar? É um instinto, não é?
Mas basta de interrogações, que é hora de parar de perguntar e
começar a pensar, será? Opa, lá vai outra inquirição na vez das respostas,
se é que essas existem. O caso é interessante, sim, muito, pois não é um
caso isolado, pode ser uma epidemia, meninos nascem a falar e as pessoas
acreditam em chuvas de canivetes. Não falta de maneira alguma religiões,
filosofias e ideologias para atrair fiéis neste mundo. Diálogo mortal e
cabal. É um caso de paroxismo da doença, razão cega para viver, logo
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hão de nascer mais crianças tagarelas. Pena é que todas morrem depois
de algum tempo de vida, talvez elas, inteligentíssimas que seriam, nos
poderiam dar umas dicas de como melhorar este mundo do qual tão
pouco apreciaram. Sorte delas ou nossa?
WENDEL ROSA
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VALIDADE
Uma certa pessoa me disse uma vez que tudo na vida tem um
prazo de validade, do iogurte light de ameixa à nos mesmos. A diferença
está só na repercussão que o expirar dessa validade tem sobre nossas
vidas. Por exemplo, um igurte light de ameixa já tem gosto de estragado
desde a fabricação. Então, tirando um efeito colateral ou outro, é
basicamente a mesma coisa.
Agora quando nós somos o produto em questão, é que as coisas
começam a complicar. Quero dizer, eu não posso me fechar numa
caixinha da Tetra Park e esperar que os efeitos da idade não pesem
sobre mim. Porque eles vão. E não adianta se fechar hermeticamente,
nem acompanhado de cremes anti-rugas, nem mesmo de
conservantes.
A questão é, se você já tem quarenta anos, não adianta mais
esperar qua as coisas funcionem como funcionavam aos vinte. Muito
menos que elas estejam no mesmo lugar. Eu confesso que demorei
um pouco pra entender isso. Mas quando o seu cirurgião plástico te
diz que se ele esticar mais um pouco, seu umbigo vai parecer mais
um terceiro mamilo. Bem, digamos que...hum...você não tem muito
escolha.
Mas pode ser que seja nesse momento que você consiga dar a
volta por cima. Ou não. Sempre há aqueles que preferem ficar
repetindo pra si mesmo “Eu não tô tão mal. Tem gente que tem
cinquenta!”. De certa forma isso pode ser bastante funcional, desde
de que não se tenha a intenção de chegar até os cinquenta, é claro.
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Agora se você decide encarar os fatos, e de alguma forma,
tentar superá-los. Seu primeiro passo será se olhar no espelho e
procurar ver mais do que possíveis áreas de preenchimento. Tentar
se ver, sem se preocupar se a luz te favorece. Tentar entrar em sintonia
com seu eu interior, e acredite, isso implica mais do que simplesmente
começar a fazer yoga.
Na verdade isso é bem mais complicado. Tanto que no começo
eu até me perguntava como a ciência podia se preocupar tanto com
buracos negros e coisas do tipo, se não conseguia fazer coisas básicas,
como descobrir a fôrmula da coca-cola ou ajudar pessoas em crise a
superar problemas da idade. Foi ai que eu percebi que talvez fosse
ainda mais impressionante que com tantos buracos negros por ai,
pessoas como eu se preocupassem com crises de idade. Cheguei a
me sentir meio fútil, sabe?! Mas isso, até o dia em que inspirado pela
ciência, comecei a ler um artigo sobre degeneração tecidual em
organismos pluricelulares. E percebi que de maneira geral era
exatamente com aquilo que eu me preocupava, só que a um nível
particular, do tipo, a degeneração dos meus tecidos! Com isso resolvi
deixar a ciência de lado. Mas as vezes ainda me pego pensando sobre
a coca-cola.
Depois da ciência, resolvi me apegar a religião. Mas logo desisti.
Acho que Deus tinha mais com o que se preocupar também, afinal é
ele quem faz os buracos negros! E além disso, é tanta gente tentando
falar com ele, que provavelmente meu requerimento seria desviado e
acabaria se perdendo em uma espécie de arquivo morto celestial.
Então, acabei voltando pra mim. E por fim achei que seria
interessante se eu também procurasse outras coisas com o que me
preocupar. Até porque acho que no final não é o prazo que importa,
mas aquilo que você faz nele. E além disso se no final você não
gostar do resultado ninguém vai te devolver o dinheiro de volta como
fazem com o iogurte.
CRISTIANO REIS
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ATUM
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membro indesejado e não sentiu o perfume do Beto, mas sim o cheiro
de urina velha do monstro. Salivou a boca, sentiu o perigo, correu ao
banheiro, mas não vomitou. Lavou o rosto, respirou fundo e escutou
que ele também já estava de pé.
Encontrou-o no sofá da sala que com o passar dos anos,
acostumado com o peso do homem, exibia no seu centro aquele
desnível natural. Tava lá, assistindo televisão com o mesmo calção de
futebol verde cintilante que ele usava todos os domingos desde que
se conheceram. A princípio lhe caía muito bem no corpo forte e jovem,
mas agora já gasto, um trapo brilhante, ainda que com os elásticos
relaxados mais parecia um short apertado, as banhas cheias de estrias
derramando dos lados. Estava distraída na terrível visão quando ele
lhe interrompeu para lhe pedir a única coisa que pedia sempre, o
maldito sanduíche de atum com muita cebola.
Ela tinha inveja das mulheres que gostavam do domingo. Tinha
inveja até da vizinha que apanhava do marido. Apanhava, mas
cozinhava um feijão que ele divulgava na rua como o melhor feijão do
mundo. Apanhava, mas dormia com um homem que cheirava bem e
que a fazia gritar para a vizinhança inteira ouvir. Já ela, a única coisa
que ele lhe pedia era aquele maldito sanduíche com muita cebola,
apenas para feder mais e lembrar-lhe quão inútil ela era.
Ela cortava a cebola e por instantes esqueceu-se do martírio.
Adorava aquela faca. (Ele achou a compra um desperdício, era uma
faca como qualquer outra, apenas custava mais caro, mas ela notou o
corte, o fio e a firmeza do cabo e até mesmo para contrariá-lo, fê-lo
pagar pelo utensílio). As fatias da cebola pareciam previamente
cortadas, se partiam ao toque mais leve da faca que deslizada numa
fluidez e era tão lindo aquilo e tão prazeroso que quando se deu conta
já havia cortado mais que o necessário.
Parou surpresa, algo parecia errado. O metal brilhante, as
lágrimas dela e da cebola. Não escutava nada, as coisas pareciam
mais imóveis que de costume, ela não respirava, não sentia frio ou
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calor, sequer sentia ter um corpo. Então um som mais alto que qualquer
outra coisa ouvida antes preencheu toda a casa e tocava dentro dela
e em todos os lugares, constante e ritmado, um coração. Não era ela,
era ele, batendo, pulsando, tão alto, tão insuportável que vibrava as
paredes, as prateleiras, o corpo dela e a faca, e a enlouquecia de dor,
e a sufocava. Não conseguia pensar, não conseguia mover-se, gritava
paralisada, mas não se ouvia, sentia que ia morrer e tinha de fazê-lo
parar. Ela tinha de fazê-lo parar, e fez.
SALMA JORDANA
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RESPOSTA DO RÉU
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próximas, muito menos passar o dia juntos, muito menos, muito menos
(!). Não muito menos, em verdade; muito diferente, de fato. Que
fingidas virtudes! Meu aguilhão nem são as virtudes. Mas meu laurel
é a sinceridade, pelo menos comigo. Pelo menos comigo. Pelo menos
comigo! Meu ego, mesmo inflado, é capaz de não ser unânime, posto
que se assim o fosse seria burro. E como sou um poço de virtudes
errantes, encaro com naturalidade os alheios fingimentos samaritanos.
Reconheço. Não valho à pena! Não peço seu sentimento. Tome seu
óbolo para si. Não quero migalhas.
A repulsa foi uma resposta de última gota; de acontecimentos
bobos. Senti, a priori, que você ergueu suas mãos e bateu com força
em mim. Tempestade em copo d’água; nem minha nem sua, talvez!
Não tenho nada com sua rejeição, nem sou obrigado a suportá-la.
Não a desfira contra mim. Pode parecer que estou bravo por dizer
isso. Na verdade estou muito sereno. Tomo para mim minha mágoa.
Tome para si a sua. Mas enfim, não posso fingir e acreditar que você
seja uma pessoa sem valor. Insurjo-me contra qualquer possibilidade
de me afastar de você. Sua importância sempre será conservada.
Reabramos as janelas da alma! Tá, eu até gosto de você... (???).
LUCAS CARVALHO DE OLIVEIRA
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DO APROVEITAMENTO!
A cerveja veio como uma noiva para celebrar meu dia cansativo.
Olhei a garçonete e fiquei paralisado. Que menina simpática! Blusinha e
calça coladinha aguçando o desejo. Que simpatia! Olhei-la de cima em
baixo expressando minha cobiça. Minha vontade era entregar-me à
luxúria. Mas minha racionalidade me segurou; que foi ratificada com o
preço exorbitante da long neck. Poxa vida! Oito reais dariam para comprar
umas cinco ou seis no supermercado. E aí, você vem sempre aqui? (...).
Sem comentários. Mas aprovo o plano de gestão... Se possível
em lugares “interessantes”, como no carro, no cine, no parque, no
ônibus vazio à meia-noite, na escada do prédio, no lote baldio, na
construção abandonada, na garagem, no elevador sem câmera, enfim.
Não consigo explicar meu desejo por lugares “diferentes do usual”.
Mas caso quiser, podemos ir a um lugar mais calmo. Tem um na
Amaral Gurgel que é discreto, limpinho e barato. Vamos?
Acho tão bonitinho as vogais prolongadas que você usa. Elas
transmitem seu bom-humor. E você ainda chega assim sorrindo.
Parece que estamos em um campo de girassóis. A primavera insiste
em nos acompanhar. Sorrateira! Salvei-lhe de uma tragédia cotidiana.
Achamo-nos! Imagine se nós nos perdêssemos? Seria o fim. Qual o
seu nome mesmo? Não, amor, não quero apenas me aproveitar de
você. Que alucinação! Não faria isso com você. Relaxe! Fique à
vontade! Os nervos estão à flor da pele... Calma! Estou aqui para lhe
proteger. Abrace-me forte. Ah! Delícia! Venha, fique aqui comigo.
Tire isso, está lhe fazendo mal. Melhor agora! Vamos. Hummm. Isso.
(...) Não! Não faça nada. Nada aconteceu. Nem nos conhecemos.
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Você ainda tem meu número gravado no seu celular. Quando for eu,
não atenda! Posso não ter crédito, ou estar descrédito. Sabe como é,
né?!
LUCAS CARVALHO DE OLIVEIRA
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DE COMO SURGIU UM BANCO NA PRAÇA
VEREADOR SANTELMO ALVES PEREIRA
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Azevedo e ao seu redor havia duas residências baixas, uma
diagonalmente posta à outra. Na paisagem prevaleciam terrenos
cercados por arames farpados, resquícios das intermediações entre a
cidade e a zona rural. Por sobre o meio-fio estava recostada uma
placa velha com os dizeres Edson automóveis.
Essa descrição um tanto descuidada não nos seria de grande
serventia se esse não fosse o cenário de nossa interessante história e
de como surgiu um reduzido banco na praça vereador Santelmo Alves
Pereira.
Em um obsessivo meio-dia de março, um dia verdadeiramente
chato e sem atrativos, sentou-se no meio-fio da praça um homem. O
suor abundante em seu rosto e roupas indicava que havia caminhado
sob o sol por um longo período. Com a cabeça curvada e as mãos
presas ao abdômen, o homem permaneceu imóvel durante alguns
minutos. Em seguida ergueu o rosto vagarosamente; suas pálpebras
cerradas sob a intensa claridade e a poeira suspensa no ar. Fitou a
paisagem que o rodeava e curvou-se novamente. Após recuperar por
completo o fôlego, ergueu-se com visível dificuldade e voltou a se agachar
sob uma súbita tontura que o prostrara. Respirou fundo e decidiu encarar
o cenário inóspito. A descrição oferecida ao leitor anteriormente é
suficiente para esgotar as possibilidades que aquele lugar oferecia. Um
quadro verdadeiramente abestalhado. O homem sentou-se no pó.
Pediremos licença à paciência do leitor por um breve momento,
mas é oportuno descrever o incrível ritual a que o homem se submeteu
para sentar-se. Erigindo os braços à sua frente, o homem curvou-os
com extrema lentidão até retesá-los rente ao tórax; em seguida flexionou
os joelhos na metade da velocidade com que fizera o movimento anterior
erguendo a cabeça até fixar os olhos exatamente no horizonte.
Permaneceu nesta posição por um instante, inspirou profundamente e
deixou o corpo cair docemente sobre a poeira macia. Ao cair no solo, o
corpo do homem permaneceu oscilando exatamente como uma daquelas
cadeiras de balanço de nossas avós. Após equilibrar-se, curvou
novamente a cabeça e em seguida executou um movimento de meia-
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lua com os braços, tocando o solo com a ponta dos dedos. Usando
somente os dedos como apoio, empurrou todo o corpo até encontrar-se
novamente numa posição de equilíbrio, desta vez sentado.
Imóvel estava, imóvel ficou. O homem recusava ferozmente,
em sua letargia ascética, até mesmo os entretenimentos ocasionais a
que recorremos em momentos de profundo fastio, como arremessar
pedrinhas na maior distância que conseguirmos ou dialogar com os
mosquitos. Talvez houvesse transcorrido um longo período ou cinco
minutos, na verdade o tempo certamente se deteve naquele lugar em
respeito à contemplação do homem; mas enfim algo novo surgiu na
paisagem. Um senhor bastante idoso trajado com o rosto de um
deputado na camiseta despontou bem longe, na rua plana sobre um
passinho lerdo e sobranceiro. O homem inclinou a cabeça em direção
ao senhor que passava e o manteve sob seu olhar fixo ao longo de
todo o trajeto. O senhor passava despreocupadamente ao seu lado e
só o avistou a poucos metros de distância. Sem se deter por nenhum
instante, o velho relanceou-lhe os olhos e fixando a cabeça no caminho
à sua frente começou a gritar com a entonação dos feirantes a anunciar
suas mercadorias: “Manga quente! Manga quente! Manga quente!”.
O homem fitou o senhor pateteando pelo resto do caminho até
que sua voz não fosse mais ouvida. Levou uma das mãos ao rosto
apertando-o fortemente como se quisesse certificar que sua face ainda
era a mesma. Um calafrio percorreu-lhe a espinha aguçando os
adormecidos sentidos do homem sentado no pó; julgou-a procedente
de um sentimento de repulsa que num instante havia se apoderado
dele. Tão logo se sentiu invadido por essa sensação tratou de afastá-
la num resmungo rude contra seu próprio ego. Haveria de contemplar
ainda um pouco mais, haveria.
Na residência à sua vista que poderia ser expressa num desenho
infantil com três retas, uma voz de mulher rude e levemente estridente
praguejava contra alguém que se encontrava na casa. O homem não
se preocupou em compreender o que ali se passava, mas não conteve
o espanto ao ver um grande saco de estopa sendo arremessado pela
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janela sem vidros, acompanhado por berros de algumas vozes. O
motivo da discórdia encontrava-se do que se podia deduzir, em um
hábito de outro morador da casa de trazer objetos velhos encontrados
na rua e espalhá-los no quintal sem prévia autorização da mulher. As
únicas frases inteiramente decifradas pelo homem eram as seguintes:
- Ara! Num tá vendo que serve pra vender na distribuidora? Ara!
- Serve sua mãe pra vender ali homi! Semana passada cê voltou
com essa tralha de lá sem faltar nada do que tinha levado.
Essa pequena cena não entretinha o homem sentado no pó. Seu
desgosto crescia suavemente enquanto o sol maquinava certas
alucinações comuns aos que o desafiam sobre o planalto central. O
velho enxotado de seu lar resmungava entre dentes cerrados e maldizia
a mulher que tão rudemente desmentia suas expectativas. Voltaria à
distribuidora no dia seguinte e gastaria trinta por cento do dinheiro
recebido em cachaça. Rodeou a praça vereador Santelmo Alves Pereira
e ao completar a terceira volta partiu em silêncio e decidiu que somaria
outros trinta por cento à conta inicial. Não notou o homem sentado no
pó.
O homem voltou a sentir estranhos tremeliques beliscando seu
corpo. Posicionou o polegar de sua mão direita sob o céu da boca
pressionando-a bruscamente, enquanto o restante da mão cingia a parte
superior da testa. Com a mão esquerda puxava o maxilar como se
tentasse evitar que sua boca se fechasse e não mais abrisse. Vencida
essa singular situação, o homem foi assaltado por uma crise de espirros
enérgicos que o deixaram vermelho, com as narinas dilatadas. As feições
de seu rosto se enrijeceram como se ele fosse subitamente acometido
de uma prisão intestinal; pairando destacado do restante da face estava
um sorriso estreito e suplicante. O homem parecia sofrer de grave
moléstia; curvava os membros de seu corpo a uma posição que nenhum
músculo poderia alcançar e se contorcia muito estranhamente. Após
algum tempo imóvel ele pareceu voltar a si. Soprou o ar pesadamente
e emitiu um barulho rouco, abafado. Esse refluxo de energias deu-lhe
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forças para mais um ruído, que começava em um uivo agudo e terminava
em um resmungo opressivo. O homem arfava intensamente e
resfolegava o ar que ainda lhe restara nos pulmões.
Ao redor de si o tempo caminhava em perfeito juízo. Em mais
uma mostra de profunda austeridade, o que quer que o observasse se
manteve em silêncio. O homem concluía pensamentos fabulosos
enquanto seu corpo procurava uma posição de estabilidade. Concluiu
num átimo que existiam diversos tempos entrecruzando seu corpo e
que talvez ele não se encontrasse onde deveria estar. Observou que
poderia tomar uma xícara de café se assim o quisesse e que seria
servido de imediato se assim ordenasse. Consumou tudo o que era
inconcluso e decidiu que já era hora.
Endireitou o tronco, o pescoço e a cabeça rente ao solo apoiando-
se no braço esquerdo. Inclinou o corpo até que seus olhos apontassem
diretamente para o centro do céu, mantendo os braços fixos ao solo.
Certificou-se da precisão de seus movimentos; os braços levemente
encurvados, o corpo perfeitamente alinhado da cabeça aos joelhos, as
pernas fixas ao solo inclinadas na exata medida que o mantivesse nivelado.
As feições do homem se transformaram; agora era taciturno, como se
talhado em pedra. A musculatura tornou-se rija e fria e as articulações se
enrijeceram de tal forma que não puderam mais ser flexionadas. O sangue
no interior do homem deixou de fluir e como tal, seu corpo tornou-se frio.
Os traços de seu rosto se uniformizaram ao restante do corpo que ganhou
uma cor como a da madeira recém polida. Passou-se um dia.
O homem se tornara um banco de praça.
Os poucos transeuntes que por ali passavam não se
aperceberam do pequeno banco que estava na praça. Apenas o velho
que anunciava efusivamente suas idéias notou aquele novo adorno e
deixou de gritar naquele dia. Poucos se sentaram no desconfortável
banco da praça vereador Santelmo Alves Pereira. E os que assim
fizeram estavam cansados do sol.
GUSTAVO GARCIA
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FILOSOFANDO NO BOX
CAROL SALVADOR
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O GOSTO DO AMOR
GUILHERME MARTINS
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VÍNCULOS
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BREVE HISTÓRIA DE UM
BEM-TE-VI DE VIDA CURTA
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O HOMEM QUE QUERIA SABER DE TUDO
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perdi meu emprego. fiquei aos cuidados de familiares. pensaram
que eu tinha virado um surdo-mudo ou algo assim. fui levado a
vários médicos, especialmente neurologistas. “ - ele só solta
ruídos, doutor.” “- já vimos muitos casos assim, senhora.”
e eu, depois de aprender tanta coisa, não pude imaginar que
me tratariam feito um idiota. quem sabe saber tudo seja mesmo
uma burrice, bom pra aprender.
VALÉRIO LUIZ
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A INSANIDADE DA CRENÇA
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O PRELÚDIO DE UMA HECATOMBE
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DIÁLOGOS GREGOS
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BOCEJOS DA RAZÃO
A vida tem pressa. Seu ritmo não está conforme a dança. Você
quer ir longe, mas não vai além da esquina.
O seu dia cabe em uma semana. E quando a hora é livre o
tempo morre na preguiça. Vencer o tédio é pra poucos.
O tumulto das coisas confunde: vai acabar com a energia antes
da chegada. O desfecho sempre sai pior que a encomenda. Se
o sonho é alto, o tombo é maior.
Pálido, cansado, apático, mas a vaidade é grande. Com uma
idéia fixa e sorte, quem sabe depois de morto você vira gênio.
Das milhares de coisas a fazer nasce a vontade de fazer nada.
O final de semana sempre vem, ainda bem. Aí pensar demais
vai dando um sono.
Preguiça é sintoma.
JACKELINE SCARPELLI
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TEMPO CURVO
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O ENCOSTO VONTADE
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BRICOLAGEM DE COISAS
ESCRITAS ANTERIORMENTE
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80% das universitárias não sabem o que é um orgasmo. Ou
seja, elas fingem.
Tenho receio de desejar ser do lar.
Nunca fiz questão de ser “mulher de Atenas”.
Feliz sou eu, por evitar a maioria de meus semelhantes.
O sertanejo antes de tudo é um forte, só porque não conhece
carnaval.
Meu novo mantra: “Tô me guardando pra quando o carnaval
chegar”.
P OLLY
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AULA DE GRAMÁTICA
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PROGRESSIVA LOUCURA DO VERSO AO
INVERSO (META-NO-FÍSICO)
Os neurônios se desco-nec-tam...
Os hormônios se ...re-in-tegram.
E minhas formas de pensar
Vão pensar em suas formas.
A cabeça gira...
A cabeça gira... A cabeça gira...
A cabeça gira...
A cabeça gira...
A cabeça gira... A cabeça pira...
A cabeça gira...
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Digo que não tem sentido
Ter sentido o que eu digo
Se ligo palavras com a língua
Pra ligar línguas sem palavras...
...Num beijo...
Vejo o tempo do meta-físico
Que tem por meta o físico,
Eu vejo a leva do eu-lírico
Que leva o eu do lírico.
A cabeça gira...
A cabeça pira... A cabeça pira...
A cabeça gira...
Os neurônios se ...re-co-nectam.
Os hormônios se desin-te-gram...
E minhas formas de pensar
Vão pensar em formar frases...
...Sinapses...
Penso em coisas pra viajar
Pra longe das coisas que penso,
Pois se é louco sem o senso pensar,
Pôr-se bem louco é pensar no senso.
A cabeça gira
A cabeça pira... A cabeça pira...
A cabeça pira...
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Quando os neurônios se desco-nec-tam...
Só têm que ter sentido as sensações;
Quando ...re-co-nectam-se os neurônios,
As sensações têm que ter sentido...
...Nisso...
Reviro um traço do eu incerto,
Certo que traço no eu poesia;
E revira-se tanto até o verso
Que até o verso de tonto se revira.
A cabeça pira...
A cabeça pira... A cabeça pira...
A cabeça pira...
VALÉRIO LUIZ
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CORPO
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EU
Sedenta de infinito
Do terror, me resta o grito
Angustiante
Melancólico
Bucólico
Errante!
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(DES) RAZÃO
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SUI CAEDERES
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Não adianta dormir.
A noite não tem fim.
E o chão está frio.
Diga-me:
Em que lágrima eu te deixei?
[morrer.
GUILHERME MARTINS
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PEQUENO
Dentro dela,
Cabe um mundo inteiro de onisciência presumida,
O tempo todo de toda uma existência,
A completude dos valores que toldam meus limites.
E comprime,
Como se tudo que valesse a pena, ou a vida,
Estivesse contido nesse recipiente doloroso,
denso e enxuto como um cadáver mumificado.
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E é assim que às vezes, e só às vezes,
Dou-me conta do microscópico tamanho que tenho
caso me visse da grandeza das coisas de lá de longe,
que reduz a um ínfimo projeto tudo aquilo que agoniza
em nome de metas, problemas, alegrias, corpo e tempo,
e me reduz a um só valor, parco e evanescente, como um sonho
fútil.
Felizmente eu não sou muito.
JOÃO DA CRUZ
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S
SOS
S
O que é a Língua
Senão o que
Se fala?
Diga-me
Me diga:
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Se há muita
Ou
Se há pouca
A gente é o que se fala
Se o que se fala sai da boca,
Ou
Somos o que diz
A Língua Regra
do Correta –Boca ?
Certo ?
O que de fato é
Errado ?
GUILHERME MARTINS
58
QUISERA EU
59
VERDADES
60
CONFISSÃO
61
62
MEMBROS
ESCRITORES
63
COLABORADORES
64