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Parte I

Teoria cognitiva
e pesquisa empírica
1
Classificação e avaliação da
ideação suicida e dos atos suicidas

Janice, uma mulher de 35 anos que tem hora do incidente e não podia negar que
um transtorno depressivo maior recor- havia feito uma tentativa de suicídio.
rente, ingeriu aproximadamente 20 pílu- Não cooperava com a equipe médica que
las de um remédio para dormir após um o estava tratando após sua recente ten-
pequeno conflito com seu padrasto. Sua tativa e se recusava a responder muitas
mãe e o marido estavam em casa quan- das questões, perguntando: “Posso sair
do ela engoliu as pílulas. Nos dias que se daqui agora?”.
seguiram a ela ser estabilizada pelos mé-
dicos, Janice relatou que se tornou tão Chad é um menino de 13 anos que foi
desencorajada pelas circunstâncias da levado à unidade de emergência após
vida que acreditava que uma tentativa sua mãe tê­‑lo visto fazendo pequenas
de suicídio era a única saída. Ela expres- lacerações no seu pulso esquerdo. Os fe-
sou ambivalência quanto a ter feito sua rimentos eram superficiais, tendo recebi-
tentativa; ainda que ela tenha indicado do um encaminhamento a profissionais
algum alívio por ter sobrevivido, conti- de saúde mental de ambulatório. Ainda
nuou a relatar desesperança sobre sua que sua tentativa não tivesse causado
habilidade de realizar mudanças positi- danos físicos, Chad indicava claramente
vas em sua vida. Essa foi a primeira vez que estava tentando se matar porque es-
que Janice foi hospitalizada após uma tava cansado de sofrer bullying* na esco-
tentativa de suicídio, apesar de ela ter la. Ele é o menor menino de sua classe e
relatado que fizera três outras tentativas por muitos anos foi provocado e agredi-
que não exigiram atenção médica. do pelos outros meninos da vizinhança
enquanto caminhava de volta para casa
Nick, um homem de 25 anos com múl- depois da escola. Chad relatou que ten-
tiplas dependências químicas, já fez di- taria se matar outra vez se continuasse a
versas tentativas de suicídio desde os sofrer bullying.
15 anos. Em sua mais recente tentativa,
saltou de uma ponte após fumar um cris- Essas são apenas algumas representa-
tal de metanfetamina. Nick geralmente ções das circunstâncias acerca do compor-
indica que espera morrer antes de che-
gar aos 30 anos e que não tem medo da
morte. Mesmo quando nega sentir­‑se * N. de T. Bullying é um termo inglês utilizado para
suicida, ele se engaja em comportamen- descrever atos de violência física ou psicológica, in-
tos de risco, como usar drogas excessi- tencionais e repetidos, praticados por um indivíduo
vamente, dirigir sua motocicleta em alta (bully ou “valentão”) ou grupo de indivíduos com o
velocidade na rodovia ou entrar em bri- objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou
gas nos bares. Nick tinha problemas em grupo de indivíduos) incapaz(es) de se defender.
se lembrar do que estava pensando na
20 Wenzel, Brown & Beck

tamento autoagressivo que traz as pessoas c) a habilidade de comparar achados de


às unidades de emergência. Dado que este pesquisa entre estudos que estão presu-
é um livro sobre terapia cognitiva para mivelmente tentando se debruçar sobre
pacientes suicidas, o leitor provavelmente fenômenos similares (O’Carroll, Berman,
verá essas vinhetas como três descrições de Maris, Mościcki, Tanney e Silverman,
diferentes tipos de tentativas de suicídio. 1996; Rudd, 2000; Silverman, 2006).
Entretanto, como será visto neste capítulo,
existe uma grande variabilidade na manei- Além disso, discutimos um sistema
ra com a qual os médicos determinam se que pode ser usado para classificar com-
um caso de autoagressão realmente consti- portamentos relevantes ao suicídio (A. T.
tui uma tentativa de suicídio. Por exemplo, Beck, Resnik e Lettieri, 1974). Finalmente,
Janice sabia que sua mãe e seu padrasto descrevemos ferramentas de avaliação com
estavam em casa quando ingeriu as pílulas; características psicométricas estabelecidas
isso indica que ela estava esperando que que quantificam a posição de um paciente
eles a encontrassem antes que fosse tarde em várias dimensões desse esquema de clas-
demais? Nick tem um histórico de tentati- sificação.
vas de suicídio, abuso de drogas e outros
comportamentos de risco, mas ele alegou
que não conseguia se lembrar do que o in- Uma nomenclatura
citou a saltar da ponte; ele realmente que- padrão para a suicidologia
ria morrer com essa tentativa ou seria esse
um caso de comportamento de risco desen- De acordo com O’Carroll e colaboradores­
cadeado por um estado alterado de cons- (1996, p. 240), nomenclatura é “um conjunto
ciência? Chad, por outro lado, foi o caso de termos compreendidos comumente e logi-
mais explícito dos três em sua intenção de camente definidos. Os termos de qualquer no-
cometer suicídio; entretanto, seus ferimen- menclatura podem ser considerados um tipo
tos eram apenas arranhões superficiais; po- de atalho por meio do qual a comunicação a
deria esse caso realmente ser chamado de respeito de classes de fenômenos mais sutis
uma tentativa de suicídio se não resultou é facilitada”. Em outras palavras, a nomen-
em danos físicos? Os pesquisadores des- clatura facilita a comunicação ao usar uma
cobriram que os médicos, mesmo aqueles linguagem que será amplamente reconheci-
que se especializaram no trabalho com pa- da por médicos, pesquisadores, gestores de
cientes suicidas, demonstram muito pouca saúde, familiares de indivíduos que realiza-
­concordância em suas categorizações de ram atos suicidas e pelos próprios pacientes.
quem tentou e de quem não tentou o suicí- Em contraste, um esquema de classificação é
dio (Wagner, Wong e Jobes, 2002). tipicamente mais intrincado, incluindo
Neste capítulo, apresentamos defini-
ções aceitas de várias manifestações da ide- compreensibilidade; um arranjo siste-
ação suicida e de atos suicidas. Obviamen- mático de itens em grupos ou catego-
te, uma nomenclatura padrão é imperativa rias, com subcategorias ordenadas ou
para que o leitor compreenda os termos usa- hierarquizadas; validade científica (por
dos nos demais capítulos do livro. Mas, em exemplo, biológica ou etiológica); exaus-
um contexto mais amplo, os especialistas tividade; acuidade suficiente para a pes-
em suicidologia têm demandado por uma quisa ou prática clínica; e um conjunto
nomenclatura padrão para facilitar: de regras claro para designar itens a um
único lugar no esquema classificatório.
a) avaliações de risco precisas e sistemáti- (O’Carroll et al., 1996, p. 240)
cas;
b) comunicações precisas entre terapeutas Nesta seção, focamos uma recente ten-
e entre terapeutas e pacientes; e tativa de proporcionar uma nomenclatura
Terapia cognitivo-comportamental para pacientes suicidas 21

padrão para o campo e consideramos uma tativa de suicídio, que é um comportamen-


abordagem para a classificação na próxima to não fatal, autoinfligido, potencialmente
seção. danoso, com qualquer intenção de morrer
O Quadro 1.1 resume os termos e de- como seu resultado (Crosby, 2007). Uma
finições que compreendem o espectro de tentativa de suicídio pode resultar ou não
comportamentos relevantes ao suicídio. em um ferimento. Além disso, as evidências
Definimos suicídio como morte causada de intenção de morrer podem ser explícitas
por ferimentos autoinfligidos com qualquer ou implícitas. A intenção explícita é a comu-
intenção de morrer como resultado desse nicação direta da pessoa de sua intenção de
comportamento (Crosby, 2007). Essa defini- terminar sua própria vida. A intenção implí-
ção ilustra três componentes importantes – cita pode ser inferida a partir das circuns-
tâncias do comportamento ou das crenças
a) que a pessoa está morta; da pessoa de que o comportamento poderia
b) que o comportamento dessa pessoa cau- ter resultado em morte (Crosby, 2007). As-
sou sua própria morte; e sim como outras definições de uma tentati-
c) que a pessoa tinha a intenção de causar va de suicídio (por exemplo, O’Carroll et al.,
sua própria morte. 1996; Silverman et al., 2007), essa defini-
ção indica que há duas dimensões separadas
O terceiro critério, a intenção de matar que precisam ser consideradas na identifica-
a si mesmo, tem sido o foco de uma con- ção de tentativas de suicídio:
siderável controvérsia, mas provavelmen-
te é a variável mais precisa que distingue a) o grau em que havia um potencial para
entre aqueles que morreram por suicídio um ferimento real; e
e aqueles que morreram por outras causas b) o grau de intenção de cometer suicídio
(Andriessen, 2006). Definições similares de no momento do comportamento.
suicídio foram descritas na literatura (Sil-
verman, Berman, Sanddal, O’Carroll e Joi- Ambas as dimensões requerem mais
ner, 2007; ver Silverman, 2006, para uma discussão, dada a dificuldade na avaliação
revisão abrangente). da intenção suicida e da letalidade médica.
O conceito de intenção suicida tam- A intenção suicida pode ser avaliada
bém é central para nossa definição de ten- simplesmente ao se pedir às pessoas que

Quadro 1.1

Definição dos termos

Termo Definição

Suicídio Morte causada por comportamento danoso autoinfligido com qualquer intenção de
morrer como resultado desse comportamento.a
Tentativa de suicídio Comportamento não fatal, autoinfligido, potencialmente danoso, com qualquer
intenção de morrer como seu resultado. Uma tentativa de suicídio pode resultar ou
não em um ferimento.a
Ato suicida Comportamento autoinfligido, potencialmente danoso, com qualquer intenção de
morrer como seu resultado. Um ato suicida pode resultar ou não em
morte (suicídio).
Ideação suicida Quaisquer pensamentos, imagens, crenças, vozes ou outras cognições relatadas
pelo indivíduo sobre terminar intencionalmente com sua própria vida.

Nota: O termo suicídio pode ser utilizado intercambiavelmente com os termos suicídio consumado ou morte por suicídio.
a Dados de Crosby (2007).
22 Wenzel, Brown & Beck

relembrem se elas pretendiam se matar no avaliação da intenção com base na existên-


momento do ato. A presença ou ausência da cia de alguma intenção de morrer versus ab-
intenção suicida, entretanto, é algumas ve- solutamente nenhuma intenção de morrer.
zes difícil de determinar, pois as pessoas po- Uma tentativa de suicídio é distinguível de
dem relatar ambivalência sobre o fato de se um comportamento intencional autoagres-
elas desejavam viver ou morrer no momento sivo não suicida que é um comportamento
em que tentaram o suicídio, ou porque sua autoinfligido, potencialmente danoso, com
rememoração da intenção é imprecisa ou nenhuma intenção de morrer de seu resul-
não confiável. Uma abordagem para avaliar tado. Quando uma pessoa tenta ou comete
a intenção é inferi­‑la a partir das circuns- suicídio com alguma intenção de morrer, di-
tâncias acerca da execução do ato suicida, zemos que aquela pessoa engajou­‑se em um
como tentar o suicídio de uma forma que ato suicida.
torne mais difícil ser resgatado ou descober- Outro aspecto de nossa definição de
to, fazer preparações finais antes da morte uma tentativa de suicídio que merece mais
(por exemplo, completar um testamento ou discussão é o grau de lesão física que ocorre
comprar armas), ou deixar um bilhete de como resultado do comportamento. Especi-
suicídio (A. T. Beck, Resnik et al., 1974). En- ficamente, a definição indica que um dano
tretanto, a avaliação da intenção inferida a físico de fato não precisa necessariamente
partir de circunstâncias objetivas também é ocorrer para um comportamento ser clas-
alvo de um viés de avaliação. Por exemplo, sificado como uma tentativa de suicídio;
uma pessoa pode propositadamente fazer em vez disso, a definição indica que pre-
preparações para o suicídio ou engajar­‑se cisa haver um potencial para causar feri-
em comportamentos autoagressivos para mentos. Considere o caso em que a pessoa
aparentar que ela tentou o suicídio, quan- coloca uma arma carregada em sua boca e
do na verdade não havia qualquer intenção puxa o gatilho, mas a arma trava e falha em
(Freedenthal, 2007). Inferir a intenção a descarregar­‑se. Esse comportamento seria
partir da letalidade médica do ato também é classificado como uma tentativa de suicídio
problemático. Como foi mencionado na In- de acordo com essa definição, mesmo que
trodução deste livro, nosso grupo de pesqui- nenhum real ferimento autoinfligido tenha
sa encontrou uma associação mínima entre ocorrido.
o grau de intenção suicida e a extensão da Essas definições podem ser aplicadas
letalidade médica para pacientes que tenta- ao entendimento dos casos apresentados no
ram o suicídio (A. T. Beck, Beck e Kovacs, início deste capítulo. Durante sua avaliação
1975; G. K. Brown, Henriques, Sosdjan e com um médico, Janice indicou que ela ti-
Beck, 2004). Foram apenas os pacientes que nha muitas motivações para engolir as pílu-
possuíam expectativas precisas sobre a pro- las, incluindo querer escapar, querer punir
babilidade de morrer a partir de suas ten- sua mãe e o padrasto, e querer morrer, pois
tativas que exibiram o padrão esperado, ou ela não via uma solução para seus proble-
seja, que o grau de perigo resultante às suas mas. Ainda que a fuga talvez fosse a mais
vidas seria proporcional ao grau de intenção saliente dessas razões, seu comportamento
suicida. autoagressivo foi classificado como uma
Uma característica importante da nos- tentativa de suicídio porque possuía alguma
sa definição de uma tentativa de suicídio intenção de morrer. Nick, em contraste, não
é a presença de qualquer intenção suicida. se lembrava de suas intenções no momento
Pacientes seriam considerados como tendo em que saltou de uma ponte, por causa de
realizado uma tentativa de suicídio mesmo seu estado alterado de consciência. Contu-
se houvesse apenas um sutil desejo de se do, havia evidências indiretas para inferir
matarem. Em outras palavras, profissionais que ele possuía alguma intenção de morrer
que são chamados para classificar um caso quando saltou da ponte, como seu histórico
de comportamento autoagressivo fazem sua de diversas tentativas, sua previsão de que
Terapia cognitivo-comportamental para pacientes suicidas 23

ele morreria antes de alcançar os 30 anos, e que necessitam de mais investigações. Es-
o fato de que outros não estavam presentes, ses comportamentos envolvem qualquer
fazendo do resgate algo improvável. Mais intenção de se matar que não seja classifi-
ainda, durante sua avaliação psicológica, cada como uma tentativa de suicídio ou um
Nick não negaria que seu comportamento suicídio. Uma pessoa realizou uma tentativa
era uma tentativa de suicídio. Portanto, o interrompida quando ela começa a engajar­
comportamento de Nick também é conside- ‑se em um ato potencialmente danoso com a
rado como uma tentativa de suicídio, ainda intenção de acabar com a própria vida, mas
que com menos certeza do que no caso de é interrompida por outra pessoa ou alguma
Janice. Chad claramente indicava que ele circunstância externa. Nesse caso, uma ten-
queria morrer no momento em que fez os tativa de suicídio teria ocorrido se o ato po-
ferimentos superficiais em seus braços. Ain- tencialmente danoso não tivesse sido inter-
da que não tenha infligido ferimentos clini- rompido ou prevenido. Um exemplo de uma
camente significativos em si mesmo, seu te- tentativa interrompida é quando uma pes-
rapeuta considerou­‑o como tendo feito uma soa tem uma arma apontada para si mesmo
tentativa de suicídio porque: e pretende puxar o gatilho para se matar,
mas a arma é tirada de sua mão por outra
a) cortar sua pele tinha o potencial de cau- pessoa. Uma pessoa realizou uma tentativa
sar ferimentos; e abortada quando ela pretende matar a si
b) ele tinha a intenção de se matar no mo- mesma e começa a avançar na direção de
mento do ato. fazer uma tentativa, mas para antes de re-
almente engajar­‑se em qualquer comporta-
Tal como listado no Quadro 1.1, de- mento autoagressivo. Um exemplo de uma
finimos ideação suicida como quaisquer tentativa abortada é quando uma pessoa se
pensamentos, imagens, crenças, vozes ou posiciona para saltar de uma ponte com a
outras cognições relatadas pela pessoa so- intenção de se matar, mas se vira e se afas-
bre terminar com sua própria vida (por ta por vontade própria. Um comportamento
exemplo, cometer suicídio). Entretanto, preparatório acontece quando uma pessoa
alertamos aos leitores a respeito de concluir engaja­‑se em um comportamento com a in-
que um paciente é acometido por ideação tenção de se preparar para se matar, como
suicida ­simplesmente porque pensamentos reunir elementos para um método específi-
sobre matar a si mesmo são evidentes, pois co de suicídio (por exemplo, estocar pílulas,
há casos em que uma pessoa tem um pen- comprar uma arma) ou fazer outras prepa-
samento intrusivo de matar­‑se (por exem- rações para acabar com a própria vida (por
plo, uma pessoa com transtorno obsessivo­ exemplo, doar objetos importantes, escre-
‑compulsivo), mas não possui qualquer ver um bilhete de suicídio). Consideramos a
desejo ou intenção de cometer suicídio. Por- atividade mental de planejar uma tentativa
tanto, a ideação suicida é considerada como como associada ao desejo suicida e à inten-
sendo mais próxima dos atos suicidas quan- ção de cometer suicídio.
do é acompanhada por um desejo de aca- Um dos termos que não faz parte da
bar com a própria vida. Além disso, como nomenclatura padrão, mas que usamos ao
mencionado anteriormente neste capítulo, a longo deste livro é crise suicida. Definimos
intenção suicida se refere a ter o desejo de uma crise suicida como um discreto e inten-
se matar e ter alguma intenção de agir em so episódio de ideação suicida acompanha-
relação a esse desejo. do de desejo suicida, uma tentativa de sui-
Existem vários outros comportamen- cídio, ou outros comportamentos relevantes
tos suicidas que recentemente têm sido usa- ao suicídio. Nosso protocolo de terapia cog-
dos em análises de dados de testes clínicos nitiva é projetado para prevenir futuros atos
(Posner, Oquendo, Stanley, Davies e Gould, suicidas em pacientes que já tiveram algu-
2007) que são de natureza exploratória e ma crise suicida.
24 Wenzel, Brown & Beck

Classificação de ideação quantifica o grau de letalidade associado a


suicida e de atos suicidas tentativas de suicídio.
Como afirmado anteriormente, a in-
Uma classificação pressupõe uma no- tenção de morrer é um aspecto chave que
menclatura estabelecida, da mesma manei- distingue entre atos suicidas e não suicidas.
ra com que a validade pressupõe a confiabi­ Como a letalidade, a intenção é medida em
li­dade. Como os suicidologistas continuam uma escala de 4 pontos (zero, baixa, mé-
a revisar a nomenclatura que compreende dia e alta). Ainda que uma indicação ver-
a ideação suicida e os atos suicidas, não há bal de intenção possa ser a maneira mais
um esquema de classificação que seja ampla- direta para determinar o grau no qual a
mente adotado e implementado por profis- pessoa pretendia morrer como resultado de
sionais trabalhando com pacientes suicidas. sua tentativa de suicídio, ela pode ter uma
Ainda assim, existe um esquema de classi- acuidade potencialmente questionável, em
ficação, desenvolvido há mais de 30 anos, função dos vieses do relato. Portanto, a in-
que tem tido tremenda influência no cam- tenção deveria também ser considerada no
po da suicidologia (A. T. Beck et al., 1972). contexto de outras características, como os
Presentemente, é esse esquema que tem o comportamentos associados ao ato suicida
maior corpo de pesquisa empírica respal- (por exemplo, se a pessoa se precaveu para
dando sua importância no entendimento e que outras pessoas não a achassem), a dis-
definição dos parâmetros dos atos suicidas. posição da pessoa no período que levou ao
De acordo com tal esquema, os fenômenos ato suicida (por exemplo, depressão, deses-
suicidas são descritos como suicídios consu- perança), e o histórico relevante da pessoa
mados, tentativas de suicídio ou ideação sui- que fornece um contexto para o ato suici-
cida. A maior parte dos suicidologistas con- da (como um estilo evitativo de resolução
temporâneos agora se referem ao suicídio de problemas ou um histórico de tentativas
consumado como suicídio ou morte por sui- anteriores). Na próxima seção, descrevemos
cídio (confira Silverman et al., 2007). Cada uma mensuração que quantifica muitos des-
construto é qualificado por variáveis especí- ses aspectos de intenção.
ficas, incluindo a certeza da estimativa, a le- As duas dimensões finais propostas por
talidade da tentativa, a intenção de morrer, A. T. Beck e colaboradores (1972) são as cir-
circunstâncias atenuantes e o método. cunstâncias atenuantes e o método da tentati-
A. T. Beck e colaboradores (1972)
�����������
con- va. De acordo com A. T. Beck e colabo­ra­dores
sideravam a certeza como sendo útil princi- (1972), circunstâncias atenuantes incluem
palmente para propósitos de pesquisa, para “aqueles aspectos da idade, inteli­gência,
estabelecer a confiabilidade entre as esti- toxicidade e doença orgânica ou funcional
mativas. Nesse esquema, a certeza é quan- que pode alterar a ciência do paciente das
tificada em uma escala contínua que vai consequências de suas ações, ou que pode
de 1 a 100%. A letalidade é definida como temporariamente agravar sua propensão
“um perigo à vida em um sentido médico e ao comportamento voluntário autodestruti-
bioló­gico” e se refere à “periculosidade do vo” (p.10). A presença de um fator atenu-
ato suicida ou do ato contemplado” (A. T. ante implica que o ato suicida poderia­ não
Beck et al., 1972, p. 9). A gradação é ba- ter acontecido se não fosse por isso. Assim
seada no perigo médico objetivo associado como a letalidade e a intenção, eles são clas-
ao ato, não no grau de dano que a pessoa sificados em uma escala de 4 pontos (zero,
previu que seria associado ao ato. Ela está baixo, médio e alto). Finalmente, A. T. Beck e
associada a uma tentativa de suicídio ante- colaboradores (1972) indicam que o método
rior, e não ao risco de futuros atos suicidas, da tentativa deveria ser documenta­do, pois
e é classificada em uma escala de 4 pontos alguns métodos de tentativa são associados
(zero, baixa, média e alta). Na próxima se- a diferentes graus de letalidade, intenção e
ção, descrevemos uma mensuração que circunstâncias atenuantes. Por exemplo, é
Terapia cognitivo-comportamental para pacientes suicidas 25

bem estabelecido que as pessoas são muito considerado médio. Por um lado, sua tenta-
mais capazes de morrer por suicídio­ se elas tiva foi séria, e ela experimentou uma sen-
usarem armas de fogo do que se provocarem sação de desesperança e desespero exarce-
uma overdose de medicamentos (Shenassa, bados imediatamente antes da tentativa. Ela
Catlin e Buka, 2003). O método da tentativa mencionou que viu o suicídio como a única
é antes um indicador descritivo (por exem- saída para seus problemas. Por outro lado,
plo, “arma de fogo”) do que uma gradação depois que foi estabilizada pelos médicos,
feita em uma escala contínua ou ordinal. admitiu que não pensou que a dose da me-
A Tabela 1.1 resume os modos nos dicação que havia tomado seria letal. Além
quais os atos suicidas dos três casos apre- disso, ela sabia claramente que sua mãe e
sentados no início deste capítulo seriam seu padrasto estavam em casa, o que levan-
classificados de acordo com este esquema. ta a possibilidade de que ela tivesse alguma
Janice admitiu que havia feito uma tentativa esperança de ser encontrada.
de suicídio com alguma intenção de morrer Ainda que o fato de Nick saltar de uma
por overdose de medicamentos para dormir; ponte pudesse ser altamente letal, ele rece-
portanto, estamos 100% certos ao conside- beu uma classificação de letalidade média,
rarmos seu comportamento como uma ten- pois o único ferimento que teve foi uma pe-
tativa de suicídio. Não havia circunstâncias quena fratura na perna. Ele foi classificado
atenuantes, pois ela é uma mulher de meia­ como tendo um alto nível de intencionalida-
‑idade de inteligência média que não estava de devido a:
sob a influência de álcool ou drogas e seria
esperado que compreendesse as consequên- a) ter um histórico de múltiplas tentativas;
cias de suas ações. Seu nível de intenção foi b) antecipar que morreria jovem e não ter
medo da morte; e
c) engajar­‑se em muitos comportamentos
Tabela 1.1 Esquema de de risco que poderiam ser considerados
Classificação: Aplicação compatíveis com o desejo suicida.
Dimensão Classificação
Entretanto, existem também circuns-
Janice tâncias atenuantes acerca da tentativa, já
Classe principal Tentativa de suicídio que Nick estava sob a influência de drogas
Letalidade Alta
e não se lembra realmente dos eventos que
Intenção Média
Atenuação Zero o levaram à tentativa. Portanto, o nível de
Método Overdose ­atenuação foi considerado alto, e, como re-
Certeza 100% sultado, o nível clínico de certeza foi con-
siderado 50%. Ainda que muitos aspectos
Nick do histórico de Nick sugiram que ele havia
Classe principal Tentativa de suicídio
Letalidade Média
realizado uma tentativa de suicídio, é pro-
Intenção Alta vável que a intoxicação por drogas tenha
Atenuação Alta influenciado seu comportamento significa-
Método Salto de uma ponte tivamente.
Certeza 50% Finalmente, o caso de Chad é um
Chad
exemplo muitas vezes visto por clínicos que
Classe principal Tentativa de suicídio se especializam no trabalho com crianças e
Letalidade Zero adolescentes. Ainda que Chad tenha deixa-
Intenção Alta do claro que pretendia se matar sangrando
Atenuação Média até a morte, o nível de letalidade que foi
Método Corte
designado a ele é zero, pois ele produziu
Certeza 100%
apenas arranhões de superfície sem qual-
Nota: Dados obtidos de Beck et al. (1972). quer sangramento, o que exigiu pouquíssi-
26 Wenzel, Brown & Beck

mos procedimentos curativos. Assim como é o suicídio. A SIS consiste em 20 itens que
discutido mais profundamente no Capítulo quantificam o comportamento verbal e não
11, crianças e adolescentes que fazem ten- verbal antes e durante a mais recente ten-
tativas de suicídio associadas com nenhuma tativa de suicídio. Cada item é classificado
ou pouca letalidade devem ser monitoradas em uma escala ordinal que vai de 0 a 2,
de perto em busca de futuros comportamen- e os primeiros 15 itens são somados para
tos suicidas, já que as crianças muitas vezes obter um escore total que vai de 0 a 30. A
subestimam a letalidade de seus atos suici- primeira parte da SIS (Itens 1­‑8) cobre as
das (H. E. Harris e Myers, 1997). Portanto, circunstâncias objetivas acerca da tentativa
a terapeuta de Chad considerou que ele fez de suicídio e inclui itens sobre a prepara-
uma tentativa com 100% de certeza, pois ção e o método de execução da tentativa, o
o menino claramente expressou intenção, ambiente e as pistas anteriores dadas pelo
mas ela indicou que sua pouca idade é uma paciente que poderiam facilitar ou impedir
circunstância atenuante, já que seu estágio a descoberta da tentativa. A segunda par-
de desenvolvimento cognitivo provavelmen- te da SIS (Itens 9­‑15) cobre as percepções
te o impediu de compreender inteiramente subjetivas da pessoa que realizou a tenta-
as consequências de suas ações. Seu nível tiva a respeito da letalidade do método,
de atenuação foi considerado mediano, pois expectativas sobre a possibilidade de um
sua tentativa estava claramente associada a resgate ou de uma intervenção, a extensão
um fator atenuante, ainda que ele também da premeditação e o propósito alegado da
afirmasse ter tomado uma decisão conscien- tentativa. A entrevista leva cerca de 10 mi-
te e refletida. nutos para ser administrada. Uma versão
em autorrelato da escala, o Questionário de
Intenção Suicida, também está disponível
Avaliação de dimensões suicidas e se correlaciona fortemente com a versão
conduzida por um entrevistador (r = 0,87;
Beck e seus colaboradores projetaram Strosahl, Chiles e Linehan, 1992).
várias mensurações padronizadas que cor- A SIS possui propriedades psicomé-
respondem às dimensões de classificação, tricas sólidas, incluindo alta consistência
incluindo o grau de intenção associado a interna (α = 0,95, A. T. Beck, Schuyler et
uma tentativa anterior, a letalidade de uma al., 1974) e alta confiabilidade entre as
tentativa anterior e a severidade da ideação mensurações, indo de 0,81 (Mieczkowski et
suicida. Ainda que essas escalas tenham al., 1974) até 0,95 (A. T. Beck, Schuyler et
sido usadas primariamente em contextos al., 1974). Diversos estudos concluíram que
de pesquisa, encorajamos os terapeutas a a seção das circunstâncias objetivas da SIS
­considerarem suas implementações como diferencia as tentativas de suicídio fatais das
uma forma padrão de avaliar pacientes de não fatais. (A. T. Beck, Schuyler et al., 1974;
alto risco, pois proporcionam uma aborda- R. W. Beck, Morris e Beck, 1974). ���������
Mais evi-
gem sistemática à determinação das carac- dências da validade são encontradas em
terísticas da ideação suicida e dos atos sui- correlações moderadas com mensurações de
cidas. depressão (rs = 0,17­‑0,62; Minkoff, Berg-
man, Beck e Beck, 1973; Silver, Bohnert,
Beck e Marcus, 1971) e desesperança (rs =
A intenção suicida 0,31­‑0,41; Kovacs, Beck e Weissman, 1975;
Weissman, Beck e Kovacs, 1979).
A Escala de Intenção Suicida (SIS; A. Numerosos investigadores concluíram
T. Beck, Schuyler e Herman, 1974) é uma análises fatoriais da SIS para identificar su-
mensuração da seriedade da intenção de bescalas significativas. Por exemplo, A. T.
cometer suicídio, administrada clinica- Beck, Weissman, Lester e Trexler (1976)
mente a pacientes que já tenham tentado identificaram quatro fatores:
Terapia cognitivo-comportamental para pacientes suicidas 27

a) expectativas e atitudes; sen e Ojenhagen, 2004; Tejedor, Diaz, Cas-


b) premeditação; tillon e Pericay, 1999). Vários desses estudos
c) precauções contra intervenção; e concluíram que os escores na SIS predisse-
d) comunicação oral. ram morte por suicídio (Harris et al., 2005;
Hawton e Harriss, 2006; Niméus et al.,
Ainda que essa estrutura fatorial te- 2002; Pierce, 1987). Ainda que A. T. Beck e
nha sido posteriormente replicada (Wetzel, Steer (1989) tenham concluído que o escore
1977), Mieczkowski e colaboradores (1993) total da SIS não prediz um eventual suicí-
conduziram análises sugerindo que a SIS é dio, eles determinaram que a subescala Pre-
composta de duas dimensões – um fator de cauções da SIS estava associada a um maior
Intenção Letal e um fator de Planejamento. risco de um eventual suicídio. Além disso,
A. T. Beck e Steer (1989) criaram subesca- existe alguma evidência de que o suicídio
las para três dos quatro fatores identificados é mais fortemente associado aos escores da
por A. T. Beck, Weissman, Lester e colabora- seção de circunstâncias objetivas do que aos
dores (1976): escores na seção sobre as percepções do pa-
ciente a respeito da tentativa (por exemplo,
a) seriedade; Harriss et al., 2005).
b) precauções; e A SIS pode ser usada como um guia
c) planejamento. na determinação do nível de intenção asso-
ciado às tentativas de suicídio descritas no
A subescala Seriedade foi calculada início deste capítulo. Não há pontos de coor-
somando­‑se gradações nos itens avaliando te estabelecidos na SIS que indiquem níveis
o propósito alegado, as expectativas de fata­ zero, baixo, médio e alto de intenção. Entre-
lidade, a seriedade da tentativa, a atitude tanto, os dados objetivos levantados por essa
em relação à própria morte e a concepção escala podem facilitar a aplicação de julga-
de resgatabilidade. A subescala Precauções mentos clínicos embasados. Por exemplo, as
foi calculada somando­‑se as gradações nos respostas de Janice durante a administração
itens avaliando o isolamento, o momen- da SIS indicaram que ela havia feito uma
to e as precauções contra ser descoberto. tentativa caracterizada como de intenciona-
A subescala Planejamento foi calculada lidade média. Ainda que ela estivesse isola-
somando­‑se as gradações nos itens avalian- da em seu quarto quando fez a tentativa, os
do os atos ­finais, a preparação ativa, o fato membros de sua família estavam por perto,
de escrever um bilhete de suicídio, as comu- e uma intervenção era provável. Por não ter
nicações declaradas de intenção e o grau de cogitado realizar a tentativa antes daquele
premeditação. Os coeficientes alfa para as momento, ela não fez atos finais em pre-
subescalas Seriedade, Precauções e Planeja- paração para sua morte ou tentou compor
mento foram 0,86, 0,73 e 0,61, respectiva- um bilhete de suicídio. Entretanto, ela sabia
mente. que a morte era uma possibilidade, e queria
A validade preditiva da SIS para o sui- morrer para escapar de seus problemas. As
cídio foi investigada em um número de estu- respostas de Nick durante a aplicação da SIS
dos que incluíram amostragens comunitárias indicaram que ele havia feito uma tentati-
epidemiológicas (De Leo et al., 2002; Hjel- va caracterizada como de intencionalidade
meland et al., 1998) e pacientes hospitali- alta. Ninguém estava em contato com ele
zados (A. T. Beck e Steer, 1989; Harriss, Ha- quando saltou da ponte, e uma intervenção
wton e Zahl, 2005; Hawton e Harriss, 2006; era improvável. Ainda que a certeza de suas
Holmstrand, Niméus e Träskman­‑Bendz, percepções seja questionável, em função de
2006; Lindqvist, Niméus e Träskman­‑Bendz, ele estar sob influência de drogas no mo-
2007; Niméus, Alsen e Träskman­‑Bendz, mento de sua tentativa, ele não podia negar
2002; Pierce, 1987; Samuelsson, Jokinen, que havia pretendido cometer suicídio (e,
Nordstöm e Nordsöm, 2006; Skogman, Al- mais tarde, na entrevista, ele concluiu que
28 Wenzel, Brown & Beck

era provável), e que esperava que a morte seus usos em ambientes clínicos, visto que
fosse um evento certo, mesmo que fosse res- os registros médicos estejam disponíveis,
gatado por outros. As respostas de Chad du- pois elas proporcionam uma abordagem
rante a aplicação da SIS também indicaram objetiva e sistemática à quantificação da di-
que sua tentativa foi caracterizada como de mensão letalidade.
alta intencionalidade. Ele se preparou para As LS foram usadas para determinar a
sua tentativa roubando uma faca da cozinha letalidade das tentativas de suicídio de Jani-
e guardando­‑a no banheiro do porão, longe ce, Nick e Chad. Janice recebeu a Escala de
do movimento. Ele contemplou o suicídio Letalidade para Drogas Indutoras de Coma.
por diversos dias e compôs um breve bilhete Sua mãe descobriu­‑a algumas horas após
de suicídio. Além disso, ele repetidamente ela ter feito a tentativa, em um momento
indicou que queria morrer, pois não podia no qual estava em coma e não respondia,
mais suportar sofrer bullying. mas respirava normalmente. Essas circuns-
A SIS é uma mensuração da intenção tâncias levaram o clínico a avaliar o nível de
de se cometer suicídio durante uma tenta- letalidade como sendo 8, o que corresponde
tiva de suicídio amplamente utilizada para a uma tentativa altamente letal. Avaliações
auxiliar os terapeutas a determinar se um mais baixas nesta escala são designadas para
paciente realizou uma tentativa de suicí- pessoas que ficaram letárgicas ou desnor-
dio que é consistente com a nomenclatura teadas, ou que pegaram no sono, mas são
descrita neste capítulo. A pesquisa descrita facilmente despertadas. Como dito previa-
nesta seção defende o uso da SIS como par- mente, a tentativa de Nick resultou em uma
te da avaliação do risco de suicídio. Na ver- pequena fratura que necessitou ser engessa-
dade, entendemos a intenção suicida como da, mas não houve grande dano ao tendão
uma das variáveis mais importantes a serem e uma recuperação completa era esperada.
consideradas na determinação do risco de Esses ferimentos correspondem a um índice
suicídio de pacientes individuais. de letalidade de 4 usando a Escala de Leta-
lidade para Saltos. Uma classificação mais
elevada seria designada se Nick tivesse da-
Letalidade nificado o tendão, ficasse com hemorragia
interna ou lesasse áreas vitais, ou se uma
As Escalas de Letalidade (LS; A. T. recuperação completa não fosse esperada.
Beck, Beck, et al., 1975) foram desenvol- Chad, em contraste, recebeu um 0 na Escala
vidas para mensurar a letalidade médica de Letalidade para Cortes, pois ele fez ape-
do ferimento. Esse instrumento consiste em nas arranhões superficiais. Níveis mais altos
oito escalas separadas, que são classifica- nesta escala seriam designados a pessoas
das pelo médico de acordo com o método que houvessem danificado nervos calibrosos
da tentativa (por exemplo, arma de fogo, ou que tivessem perdido muito sangue.
salto, overdose de drogas). Cada escala vai
de 0 (inteiramente alerta e consciente) a 10
(morte). As gradações são baseadas em um Ideação suicida
exame das condições físicas do paciente no
momento de sua admissão no serviço médi- A Escala de Ideação Suicida (SSI; A.
co, cirúrgico ou psiquiátrico, e são determi- T. Beck, Kovacs e Weissman, 1979) é uma
nadas por uma revisão do prontuário mé- escala de classificação de aplicação clínica,
dico e em uma consulta com o médico que composta por 21 itens, que mensura a atu-
o atendeu. Lester e Beck (1975) relataram al intensidade de comportamentos, planos
que as LS têm alta confiabilidade entre cate- e atitudes específicas do paciente para co-
gorias (r = 0,80). Ainda que menos estudos meter suicídio, no dia da entrevista. Cada
tenham usado as LS do que as outras me- item consiste em três opções, classificadas
didas descritas neste capítulo, defendemos de acordo com a intensidade da ideação sui-
Terapia cognitivo-comportamental para pacientes suicidas 29

cida em uma escala de 3 pontos, que vai de exemplo, de Man e Leduc, 1994) e idosos
0 a 2. Os níveis dos primeiros 19 itens são (por exemplo, Bruce et al., 2004; Szanto et
somados para a obtenção de um escore total al., 1996).
que vai de 0 a 38. A SSI possui excelentes proprieda-
Os primeiros cinco itens da SSI são des psicométricas. Por exemplo, ela tem
considerados itens de mapeamento. Três boa consistência interna, com coeficientes
desses itens avaliam o desejo de morrer e alfa indo de 0,84 (A. T. Beck et al., 1997)
o desejo de viver, e os outros dois avaliam a 0,89 (A. T. Beck, Kovacs et al., 1979). A
o desejo de cometer suicídio por métodos SSI também possui grande confiabilidade
passivos ou ativos (por exemplo, overdose entre as categorias, com correlações indo de
de drogas versus parar de tomar medicações 0,83 (A. T. Beck, Kovacs et al., 1979) a 0,98
necessárias para permanecer vivo). Ambos (Bruce et al., 2004). A SSI se correlaciona
os itens são consistentes com a definição de positivamente com itens sobre suicídio do
ideação suicida relatada na Tabela 1.1. Se o Inventário de Depressão de Beck e com a
paciente relatar algum desejo ativo ou pas- Escala de Classificação de Depressão de Ha-
sivo de cometer suicídio, então os demais 14 milton (por exemplo, A. T. Beck, Kovacs et
itens são aplicados. Esses itens avaliam as al., 1979; Hawton, 1987), com tentativas
características do pensamento suicida e dos de suicídio anteriores, com a severidade da
atos preparatórios, como a duração e a fre- depressão (por exemplo, A. T. Beck, Beck et
quência da ideação, a sensação de controle al., 1997) e com monitoramentos diários
sobre realizar uma tentativa, o número de da ideação suicida (Clum e Curtin, 1993).
obstáculos e a quantidade de efetiva prepa- A SSI discrimina pacientes internados suici-
ração para uma tentativa contemplada. Dois das de pacientes ambulatoriais deprimidos
itens adicionais não incluídos no escore to- (A. T. Beck, Kovacs et al., 1979) e pessoas
tal são a incidência e a frequência de tenta- que tentaram o suicídio daqueles que não
tivas de suicídio anteriores. A SSI leva apro- tentaram (Mann, Waternaux, Haas e Malo-
ximadamente 10 minutos para ser aplicada. ne, 1999). Além disso, mudanças no escore
Uma versão em autorrelato dessa escala, a da SSI se correlacionam moderadamente
Escala Beck para Ideação Suicida (A. T. Beck com mudanças nos níveis de depressão (r
e Steer, 1991), correlaciona­‑se com a versão = 0,65) e desesperança (r = 0,57) do pré
clínica (rs = 0,90­‑0,94), e possui boa consis- ao pós­‑tratamento (A. T. Beck, Kovacs et al.,
tência interna e validade concorrente com 1979).
mensurações de construtos correlacionados A SSI é uma das poucas mensurações
(A. T. Beck, Steer e Ranieri, 1998; Steer, Ris- de ideação suicida com validade preditiva
smiller, Ranieri e Beck, 1993). estabelecida para suicídio consumado. Em
A SSI é um instrumento particular- um estudo prospectivo, descobrimos que os
mente versátil e já foi testada em muitos pacientes que pontuaram mais do que 2 nes-
contextos. Especificamente, a SSI foi padro- te inventário eram aproximadamente sete
nizada com pacientes psiquiátricos adultos vezes mais propensos a cometer suicí­dio
em contextos de internação (A. T. Beck, do que aqueles que pontuaram 2 ou menos
Steer, Kovacs e Garrison, 1985) e contextos (G. K. Brown, Beck, Steer e Grisham, 2000).
ambulatoriais (A. T. Beck, Brown e Steer, Ainda que a ideação suicida seja um critério
1997). Ela também foi aplicada em casos de para o diagnóstico de um episódio depressi-
atenção primária, unidades de emergência, vo maior, o estudo de G. K. Brown e colabo-
programas de reabilitação e práticas priva- radores (2000) determinou que a presença
das (por exemplo, Bruce et al., 2004). Além da ideação suicida é uma estimati­va inde-
disso, a SSI já foi aplicada em indivíduos pendente de risco de suicídio, separadamen-
representando muitas faixas etárias, como te do risco associado a depressão maior.
estudantes universitários (por exemplo, A SSI foi utilizada para validar a idea­
Clum e Curtin, 1993), adolescentes (por ção suicida nos três casos apresentados no
30 Wenzel, Brown & Beck

começo deste capítulo. Ainda que essa men- estabelecida, concluindo que os pacientes
suração tenha sido aplicada após suas tenta- psiquiátricos que se encontram na categoria
tivas, todos os três indivíduos pontuaram de de alto risco (por exemplo, um escore total
uma forma que sugeria ideação suicida per- maior que 16 na SSI­‑W) são 14 vezes mais
sistente, e que requeria monitoramento cui- propensos a cometer suicídio do que pacien-
dadoso (por exemplo, o escore SIS de Janice tes que pontuaram dentro da categoria de
= 19; o escore SIS de Nick = 26; e o escore baixo risco (A. T. Beck et al., 1999).
SIS de Chad = 28). Os três indivíduos­ afir- A ideação suicida também pode ser
mavam um forte desejo de morrer e que seus mapeada utilizando­‑se apenas o item Pensa-
desejos de morrer superavam seus desejos mentos e Desejos Suicidas do Inventário de
de viver. Janice e Nick relataram um fraco Depressão de Beck – II (A. T. Beck, Steer e
desejo de fazer outra tentativa de suicídio, e Brown, 1996). Os pacientes assinalam uma
Chad indicou um forte desejo de fazer isso dentre quatro gradações para seus desejos
se ele continuasse sofrendo bullying. Jani- de cometer suicídio – 0 (“Eu não tenho pen-
ce indicou que ela experimentava apenas samento algum sobre me matar”), 1 (“Eu
uma breve ideação suicida, enquanto Chad tenho pensamentos sobre me matar, mas eu
experimentava ideações suicidas por perío- não os realizaria”), 2 (“Eu gostaria de me
dos maiores, e Nick experimentava ideações matar”), ou 3 (“Eu me mataria se tivesse a
suicidas quase continuamente. Tanto Janice chance”). Uma classificação de 2 ou mais
quanto Nick acreditavam que nada os im- neste item é consistente com nossa defini-
pediria de fazer outra tentativa, enquanto ção de ideação suicida com desejo suicida.
Chad expressou alguma preocupação de que Nosso grupo de pesquisa descobriu que os
iria magoar sua mãe ao tentar o suicídio. Ja- pacientes psiquiátricos ambulatoriais do es-
nice e Nick possuíam ideias de como iriam tudo de G. K. Brown e colaboradores (2000)
tentar o suicídio no futuro, mas os detalhes que pontuaram 2 ou mais nessa testagem
não estavam bem planejados. Em contraste, eram 6,9 vezes mais propensos a morrer por
Chad tinha um plano bem­‑formulado (por suicídio do que os pacientes que pontuaram
exemplo, cortar seus pulsos). Janice não ti- abaixo de 2. Ainda que a SSI e a Escala de
nha certeza se teria coragem de fazer outra Ideação Suicida de Beck proporcionem uma
tentativa, enquanto Nick e Chad estavam noção mais global da ideação suicida do pa-
confiantes de que seriam capazes de realizar ciente, este item sozinho tem o potencial de
outra tentativa. ser útil no mapeamento de pensamentos e
Assim como foi mencionado na In­tro­ desejos suicidas quando o clínico não possui
dução, a SSI foi adaptada para mensurar a os meios de conduzir uma avaliação psicoló-
intensidade de atitudes, comportamentos gica abrangente.
e planos específicos de cometer suicídio
­du­rante o período em que o indivíduo es­ti­
vesse mais suicida (Escala de Ideação Suici­da resumo e integração
– Pior Momento [SSI­‑W]; A. T. Beck, ­Brown,
Steer, Dahlsgaard e Grisham, 1999). Os pa- Este capítulo apresentou a nomenclatu-
cientes são instruídos a relembrar a data e as ra padrão que é utilizada ao longo do res-
circunstâncias aproximadas de quando esta- tante do livro. A ideação suicida, tentativas
vam experimentando o desejo mais intenso de suicídio e o suicídio são categorias mutua-
de cometer suicídio. Eles então são requisi- mente exclusivas que são diferenciadas por:
tados a manter essa experiência em mente
enquanto o clínico avalia sua ­resposta para a) se a pessoa engajou­‑se em um ato
os 19 itens da SSI a respeito de quão sui- para se matar (por exemplo, se al-
cidas estavam naquele momento. A valida- gum ferimento de fato ocorreu); e
de preditiva da SSI­‑W para o suicídio já foi b) se a pessoa ainda está viva.
Terapia cognitivo-comportamental para pacientes suicidas 31

Em contraste, outros termos apresen- intenção suicida de pacientes individuais.


tados neste capítulo são dimensionais por Além das mensurações descritas neste ca-
natureza e caracterizam o grau de seriedade pítulo, existem muitos outros instrumentos
do ato ou do pensamento suicida, como a disponíveis na literatura que avaliam esses
intenção e a letalidade médica. Todas essas construtos para crianças (ver Goldston,
variáveis são importantes para uma avalia- 2003, para uma revisão), adultos e idosos
ção em um contexto clínico, já que, quanto (ver G. K. Brown, 2002, para uma revisão)
mais alta for a carga do paciente nessas três que podem ser facilmente administrados em
dimensões, maior a probabilidade de ele contextos clínicos. Muitos itens nesses ins-
engajar­‑se em um ato suicida no futuro. trumentos avaliam aspectos dos pensamen-
Pesquisas demonstraram que existe tos e dos desejos suicidas que podem não vir
muita discordância entre os clínicos quando imediatamente ao pensamento de um clínico
convocados a determinar se um paciente rea­ (por exemplo, se uma pessoa tomaria pre-
lizou uma tentativa (Wagner et al., 2002). cauções para manter­‑se viva, como tomar
Nossa experiência nos diz que muitos clí- medicações prescritas para alguma doença
nicos não possuem definições operacionais médica). Ainda que essas mensurações to-
desses construtos para guiar suas decisões mem um tempo para serem aplicadas, acre-
clínicas. A adesão a definições apresentadas ditamos que proporcionem informações va-
neste capítulo é um importante passo que liosas que ajudarão os clínicos a julgar com
os terapeutas podem dar na identificação de confiança o risco de um paciente engajar­‑se
pacientes suicidas. Também encorajamos o em futuros atos suicidas, bem como o nível
uso de avaliações padronizadas para quan- de cuidado que é necessário para manter o
tificar a dimensão completa da ideação e da paciente seguro.

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