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A EQUIVALÊNCIA FARMACÊUTICA NO

CONTEXTO DA INTERCAMBIALIDADE
ENTRE MEDICAMENTOS
GENÉRICOS E DE REFERÊNCIA:
BASES TÉCNICAS E CIENTÍFICAS
Sílvia STORPIRTIS1,2 ; Raquel MARCOLONGO 1; Fernanda S. GASPAROTTO 1; Crisálida M. VILANOVA 1
1. Gerência de Medicamentos Genéricos - Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
2. Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo 01035-000, São Paulo, SP.
Autor responsável E-mail: silvia.storpir tis@anvisa.gov.br

INTRODUÇÃO que cumpra com as mesmas especificações in vitro, em rela-


ção ao medicamento de referência. Entretanto, aceita-se que
A equivalência farmacêutica entre dois medicamen- a formulação e o processo de fabricação não sejam idênti-
tos relaciona-se à comprovação de que ambos contêm o cos, o que geralmente ocorre devido aos diferentes equipa-
mesmo fármaco (mesma base, sal ou éster da mesma molé- mentos e fornecedores de matérias-primas empregados por
cula terapeuticamente ativa), na mesma dosagem e forma distintos fabricantes, desde que essas diferenças não com-
farmacêutica, o que pode ser avaliado por meio de testes in prometam a bioequivalência entre os produtos (Dighe, 1999).
vitro (Shargel & Yu, 1999; WHO, 1999). Portanto, pode ser Nesse contexto, é fundamental ressaltar que diferen-
considerada como um indicativo da bioequivalência entre ças em relação a características físicas e físico-químicas do
os medicamentos em estudo, sem, contudo, garanti-la. fármaco e demais componentes da formulação, bem como
A legislação brasileira, tendo como base a regula- nos processos de fabricação, podem gerar diferenças na
mentação técnica e a experiência de diversos países na área biodisponibilidade que, no caso do genérico, podem com-
de medicamentos genéricos, estabelece que, para um medi- prometer a bioequivalência e, consequentemente, a inter-
camento ser registrado como genérico, é necessário que se cambialidade. Entretanto, tal fato pode ser evitado realizan-
comprove sua equivalência farmacêutica e bioequivalência do-se o desenvolvimento farmacotécnico do produto de
(mesma biodisponibilidade) em relação ao medicamento de forma adequada (Storpirtis et al., 1999).
referência indicado pela Anvisa (Brasil, 2003a). Assim sendo, merecem atenção especial as formas
Tal fato, aliado ao cumprimento das Boas Práticas de farmacêuticas em que o fármaco está presente na forma só-
Fabricação e Controle de Qualidade (BPFC), fornece as ba- lida, cuja dissolução pode ser afetada significativamente
ses técnicas e científicas para a intercambialidade entre o pelas características inerentes ao próprio fármaco, bem como
genérico e seu medicamento de referência, uma vez que, pela presença de excipientes que favorecem ou dificultam a
nesse caso, ambos podem ser considerados equivalentes dissolução, além das técnicas de fabricação empregadas
terapêuticos, ou seja, medicamentos que apresentam a mes- (Gibaldi, 1991). Portanto, formas farmacêuticas sólidas de
ma eficácia clínica e o mesmo potencial para gerar efeitos uso oral, de liberação imediata ou modificada, são aquelas
adversos (Marzo & Balant, 1995; Meredith, 1996; WHO, que, potencialmente, podem apresentar problemas em rela-
1996; Benet, 1999; Marzo, 1999; Meyer, 1999). ção à biodisponibilidade e à bioequivalência (Abdou, 1989;
O medicamento de referência é, geralmente, o inova- Arancíbia, 1991; Banakar, 1992).
dor cuja biodisponibilidade foi determinada, durante o desen- Essa constatação torna-se clara quando se conside-
volvimento do produto, e que teve sua eficácia e segurança ra os casos de isenção de testes de bioequivalência para o
comprovadas por meio de ensaios clínicos, antes da obten- registro de determinados medicamentos genéricos, como,
ção do registro para comercialização. Nesse caso, a empresa por exemplo, as soluções aquosas injetáveis por via intra-
fabricante desenvolveu a formulação e a forma farmacêutica venosa. Nessas formas farmacêuticas, o fármaco já está dis-
adequadas à via de administração e ao objetivo terapêutico solvido e toda a dose será administrada diretamente na cor-
do medicamento, estabelecendo e validando os processos de rente circulatória do paciente, o que implica em 100% de
fabricação, bem como as especificações que deverão ser re- biodisponibilidade. Para um genérico desse tipo, a compro-
produzidas posteriormente, lote a lote (Storpirtis, 1999). vação da equivalência farmacêutica e das BPFC é suficiente
Para o medicamento genérico, o fabricante deve in- para garantir a intercambialidade com o medicamento de
vestir no desenvolvimento farmacotécnico de um produto referência (Brasil, 2003b).

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Outro exemplo de isenção corresponde a determina- ra da reação (Cárcamo, 1992; Ritschel & Kearns,
das soluções aquosas de administração oral, que também 1999; Ansel et al., 2000; Martin & Viladrosa, 2000;
apresentam o fármaco já dissolvido, e em condições de ser Vippagunta et al., 2000).
absorvido pelo organismo. Para tais medicamentos, a expe- Dois polimorfos de um mesmo composto
riência internacional demonstrou que não é necessário re- podem ser tão diferentes em estrutura cristalina e
querer a comprovação da bioequivalência do genérico em propriedades como dois compostos distintos,
relação ao referência para fins de registro, uma vez que a sendo que essas diferenças manifestam-se en-
bioinequivalência é altamente improvável, desde que a for- quanto o fármaco está em estado sólido, ou seja,
mulação do genérico não contenha qualquer substância que uma vez obtida a solução as diferentes formas
possa alterar a absorção do fármaco, em relação à formula- não podem mais ser distinguidas (Martin & Vila-
ção do medicamento de referência (Brasil, 2003b). drosa, 2000; Vippagunta et al., 2000).
Portanto, as preocupações em termos de biodispo- Portanto, podem ser esperadas diferen-
nibilidade, bioequivalência e intercambialidade recaem so- ças na ação do fármaco, em termos farmacológi-
bre medicamentos apresentados sob formas farmacêuticas cos e terapêuticos devido à presença de polimor-
para as quais existem muitos fatores que podem alterar a fos em formas farmacêuticas sólidas, assim como
liberação, a dissolução e a absorção do fármaco no organis- em suspensões líquidas (Ansel et al., 2000; Mar-
mo. Tais fatores devem ser amplamente estudados durante tin & Viladrosa, 2000). Outro fator importante é
o desenvolvimento farmacotécnico do produto, o que, no que o polimorfo menos estável tende a se trans-
entanto, não exclui a necessidade da realização do teste de formar no polimorfo mais estável (transição poli-
bioequivalência (Banakar, 1992; Manadas et al., 2002). mórfica), o que pode ocorrer em função do tempo
Desse modo, o teste de bioequivalência realizado, e da temperatura de armazenamento, do tipo de
de acordo com as Boas Práticas de Clínica (BPC) e de Labo- processo de compressão utilizado e da redução
ratório (BPL), empregando-se voluntários sadios, é funda- do tamanho de partículas (Shargel & Yu, 1999;
mental para garantir que dois medicamentos que comprova- Ansel et al., 2000)
ram a equivalência farmacêutica apresentarão o mesmo de- Caso, no momento da formulação, não
sempenho no organismo em relação à biodisponibilidade, seja verificado qual será o polimorfo utilizado,
expressa em termos da quantidade absorvida do fármaco, a pode-se obter um produto ineficaz, devido ao
partir da forma farmacêutica administrada, e da velocidade comprometimento da dissolução do fármaco e,
do processo de absorção (Storpirtis & Consiglieri, 1995; conseqüentemente, de sua biodisponibilidade.
Shargel & Yu, 1999; Storpirtis, 1999; Consiglieri & Storpir- Outro aspecto a ser considerado, e que
tis, 2000). enfatiza a importância do controle da rota de sín-
tese de substâncias de interesse farmacológico,
Fatores que afetam a dissolução e a absorção de fármacos é o comportamento estereoquímico das molécu-
las. Grande parte das moléculas biológicas é qui-
O processo de absorção pode ser modulado pela ral, sendo isoladas normalmente como um único
velocidade de dissolução do fármaco nos líquidos do trato estereoisômero (Shargel & Yu, 1999).
gastrintestinal (Shargel & Yu, 1999). Entre os fatores que Quirais são moléculas de composição
podem alterar a desagregação da forma farmacêutica e a química idêntica, mas que não são sobreponí-
dissolução do fármaco destacam-se: veis com sua imagem no espelho. A maior parte
das rotas de síntese empregadas atualmente dá
1. Processo de obtenção do fármaco e suas propri- origem a racematos, ou seja, uma mistura de este-
edades físico-químicas reoisômeros, pelo fato de serem rotas menos com-
A existência de polimorfismo pode influ- plexas em termos tecnológicos. Aparentemente,
enciar a biodisponibilidade, a estabilidade quími- essa diferença é irrelevante. Entretanto, tais com-
ca e física do fármaco e ter implicações no desen- postos podem apresentar atividades biológicas
volvimento e estabilidade da forma farmacêutica, distintas ou diferenças significativas em relação
levando-se em consideração as alterações ocor- à intensidade da ação farmacológica (Lima, 1997).
ridas nas características dos cristais (Arancíbia Outros fatores ligados às propriedades
& Pezoa, 1992). físico-químicas do fármaco também devem ser
Define-se polimorfismo como a proprie- considerados:
dade que certas substâncias apresentam de cris- • tamanho das partículas: com a redução
talizar sob distintas formas cristalinas, quimica- do tamanho das partículas do fármaco ob-
mente idênticas, mas com diferentes proprieda- tém-se maior área superficial do sólido em
des físicas (ponto de fusão, solubilidade). Tal fato contato com o meio de dissolução, resul-
decorre das condições empregadas na síntese e tando em maior velocidade de dissolução
purificação da substância, dependendo, por exem- (Ansel et al., 2000; Martin & Viladrosa,
plo, do tipo de solvente utilizado e da temperatu- 2000).

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• higroscopicidade: as formas anidras dos formação de matrizes que modulam a liberação
fármacos apresentam atividade termodi- do fármaco. Esses fatores afetam diretamente os
nâmica maior em relação aos seus hidra- processos de desagregação do medicamento nos
tos correspondentes e, conseqüentemen- líquidos do trato gastrintestinal, influenciando a
te, maior solubilidade e velocidade de dis- dissolução e, conseqüentemente, a absorção do
solução em relação às formas hidratadas fármaco (Storpirtis & Rodrigues, 1998; Manadas
(Abdou, 1989). et al., 2002).
• solubilidade: somente o fármaco dissol-
vido nos líquidos do trato gastrintestinal 3. Tecnologia de fabricação
pode ser absorvido, o que requer deter- Os processos envolvidos na fabricação
minada hidrossolubilidade; entretanto, o dos medicamentos também podem influenciar a
fármaco deve apresentar também certa li- dissolução e a biodisponibilidade. Comprimidos
possolubilidade para atravessar as mem- obtidos por compressão direta, granulação via
branas biológicas que são de natureza seca ou via úmida podem apresentar comporta-
lipo-protéica; os compostos relativamen- mentos in vitro e in vivo diferentes. Aspectos
te insolúveis têm absorção incompleta ou como forma e condições de secagem do granula-
irregular (Shargel & Yu, 1999). do, tempo de mistura ou agitação, velocidade e
força de compressão também podem alterar sig-
2. Natureza dos excipientes que nificativamente o desempenho da forma farma-
compõem a formulação cêutica no organismo (Manadas et al., 2002).
Os excipientes presentes em uma formu- Nesse sentido, torna-se relevante desta-
lação farmacêutica podem afetar a dissolução do car que com o aparecimento no mercado de exci-
fármaco e, conseqüentemente, a velocidade e pientes com características especiais de compres-
quantidade pelas quais o mesmo estará disponí- sibilidade, as empresas tendem a substituir o pro-
vel para ser absorvido (Gibaldi, 1991). Tal fato cesso de granulação via úmida pela compressão
ressalta a importância da avaliação do impacto direta. Entretanto, no caso de medicamentos já
das alterações efetuadas na formulação, após o registrados e comercializados, essa alteração deve
registro do medicamento como genérico, em rela- ser cuidadosamente avaliada quanto ao possível
ção ao perfil de dissolução do fármaco contido impacto nas características de dissolução e bio-
em formas farmacêuticas sólidas, o que, muitas disponibilidade (Shargel & Yu, 1999).
vezes, pode requerer a realização de novo teste
de bioequivalência (Brasil, 2003c). Relação entre desenvolvimento farmacotécnico,
Cabe ressaltar que, em relação aos excipi- perfil de dissolução e biodisponibilidade
entes, a RDC 135 de 29 de maio de 2003, atual-
mente em vigor para o registro de medicamentos Considerando-se que os medicamentos sólidos de
genéricos, estabelece que os excipientes empre- uso oral são aqueles que podem apresentar maiores proble-
gados na formulação desses medicamentos po- mas em relação a biodisponibilidade, torna-se imperativo
dem ou não ser idênticos aos empregados na for- avaliar o impacto desses fatores sobre a dissolução do fár-
mulação de seus respectivos medicamentos de maco, a partir da forma farmacêutica, realizando teste in vi-
referência (Brasil, 2003a). Dessa forma, é possí- tro que permita visualizar como a dissolução ocorre em fun-
vel que dois produtos sejam considerados equi- ção do tempo (Arancíbia et al., 1992).
valentes farmacêuticos, mas apresentem formu- Esse teste, conhecido como perfil de dissolução, de-
lações diferentes em relação à composição quali rivou-se do teste de dissolução de um único ponto incluído
e quantitativa dos excipientes (Dighe, 1999). na maioria das farmacopéias, e tem sido utilizado como fer-
Alguns componentes das formulações, ramenta no desenvolvimento de formulações, uma vez que
como amido e outros desintegrantes tendem a evidencia diferenças na dissolução causadas por fatores
favorecer a dissolução. Outros como o talco e o ligados ao fármaco, aos excipientes e à técnica de fabrica-
estearato de magnésio, que atuam como lubrifi- ção empregada (Del Comune et al., 1996; Yugue et al., 1996;
cante e deslizante, respectivamente, dificultam a Storpirtis et al., 1998).
dissolução e devem ser adicionados em quanti- Para obter se o perfil de dissolução, deve-se realizar
dades mínimas (Gibaldi, 1991). várias coletas do meio de dissolução, em tempos adequa-
Também, são importantes, no caso de dos, determinando-se a porcentagem de fármaco dissolvi-
comprimidos revestidos e drágeas, as diferenças do a cada tempo. É importante empregar método para quan-
no tipo e composição do revestimento, uma vez tificação do fármaco previamente desenvolvido e validado.
que há vários polímeros atualmente disponíveis A partir da curva resultante, pode-se determinar a cinética
comercialmente e empregados para exercer dis- do processo de dissolução, bem como calcular diversos
tintas funções, desde a gastro-resistência até a parâmetros, tais como o tempo de latência da forma farma-

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cêutica (tempo para o início do processo de desagregação) res ao registro do medicamento, possam ser justificadas
e a eficiência de dissolução (Cárcamo, 1992; Ferraz et al., pelo fabricante, sendo avaliadas e aceitas pela autoridade
1998; Porta et al., 2002). regulatória, quando pertinente, sem a necessidade de reali-
Durante o desenvolvimento de um medicamento ge- zar novo teste de bioequivalência, desde que se comprove
nérico na forma farmacêutica sólida, a empresa deve buscar que as formulações pré e pós alteração geram perfis de dis-
reproduzir, a partir de seu produto, o mesmo perfil de disso- solução comparáveis (Uppoor, 2001).
lução obtido com o medicamento de referência, adotando Na Farmacopéia Americana, o teste de dissolução
como critério de semelhança entre os perfis o fator f2, cujo que consta da monografia do produto é aquele que foi de-
resultado deverá estar entre 50 e 100 (Liu et al., 1997; Shah senvolvido pela empresa inovadora. Em alguns casos, será
et al., 1998). incluído, posteriormente, outro teste de dissolução para o
Entretanto, o fato de obter a semelhança entre os medicamento genérico, desde que a empresa fabricante com-
perfis de dissolução (in vitro) não garante que os produtos prove que, apesar de seu produto ser bioequivalente ao
serão bioequivalentes. Em alguns casos, o candidato a ge- inovador, o teste de dissolução que consta da referida mo-
nérico pode ter comprovado a equivalência farmacêutica nografia não é adequado para controlar a qualidade do seu
em relação ao de referência, apresentar perfil de dissolução produto. Como a bioequivalência é soberana, aceita-se que
considerado semelhante ao referência e, mesmo assim, não seja empregado outro teste de dissolução, desde que devi-
passar pelo teste de bioequivalência (in vivo), o que motiva damente justificado e validado (Marques, M.R.C. – Infor-
muitas empresas a realizarem um teste piloto in vivo, com mation and Standards Development Department, US Phar-
menor número de voluntários (seis, por exemplo), para ava- macopoeia – Comunicação pessoal, 2004).
liar o comportamento da formulação que está sendo desen-
volvida, antes de submetê-la ao teste de bioequivalência Teste de equivalência farmacêutica (medicamento
(Marques, M.R.C. – Information and Standards Develop- teste comparado ao referência) versus laudo
ment Department, US Pharmacopoeia – Comunicação pes- analítico do medicamento teste (cumprimento
soal, 2004). de especificações farmacopéicas)

Desenvolvimento de especificações farmacopéicas O teste de equivalência farmacêutica implica na exe-


para dissolução formas farmacêuticas sólidas cução de testes físicos e físico-químicos comparativos en-
tre o candidato a genérico e seu respectivo medicamento de
No caso do medicamento inovador, o método e as referência, realizado por centro prestador de serviço em equi-
especificações relativos à dissolução são estabelecidos, de- valência farmacêutica (EQFAR) devidamente habilitado pela
finitivamente, após a realização do ensaio que determina Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde (Re-
sua biodisponibilidade absoluta (fração da dose adminis- blas – Anvisa).
trada efetivamente absorvida por via extravascular, tendo Essa exigência baseia-se em:
como referência, quando possível, a mesma dose adminis- • Por razões de caráter ético, não se deve expor
trada por via intravenosa) e dos ensaios clínicos que com- seres humanos a testes de bioequivalência, sem
provam a eficácia clinica e a segurança do medicamento a garantia prévia de que os lotes dos medicamen-
(Storpirtis & Consiglieri, 1995). tos a serem utilizados no estudo cumprem com
Desse modo, otimiza-se e se valida o teste que será os requisitos de qualidade normatizados pelas
empregado no controle de qualidade rotineiro, lote a lote, BPFC vigentes no país.
após registro e autorização de comercialização do produto, • Nem todos os medicamentos dispõem de mono-
e que deverá ser discriminativo para qualquer alteração que grafias descritas em compêndios oficiais, o que
ocorra e que possa afetar a dissolução do fármaco (Mar- requer que o fabricante do genérico estabeleça
ques & Brown, 2002; Skoug et al., 1996). os testes a serem realizados e valide os métodos
Em muitos casos, especialmente para formas farma- analíticos a serem utilizados (os métodos serão
cêuticas sólidas de liberação modificada, a empresa pode covalidados posteriormente pelo EQFAR, caso a
ainda investir mais recursos na tentativa de obter uma cor- empresa não disponha de laboratório habilitado
relação entre parâmetros derivados da dissolução (in vitro) para execução desses testes).
e da absorção (biodisponibilidade absoluta) determinada in • A constatação de que o teste de bioequivalência
vivo (Manadas et al., 2002). será realizado entre medicamentos cujo teor de fár-
Tal investimento justifica-se, quando se obtém uma maco não apresente diferença maior do que 5% e
correlação in vitro-in vivo de nível A, para a qual as curvas de que tenham sido fabricados preferencialmente até
porcentagem de fármaco dissolvido versus tempo e de por- 6 meses antes da data do teste, aliada à validação
centagem de fármaco absorvido versus tempo podem ser des- dos processos de fabricação e ao cumprimento das
critas pela mesma equação matemática, o que implica em que BPFC vigentes, é fundamental para assegurar que
as curvas se sobrepõem (Storpirtis & Consiglieri, 1995). a intercambialidade entre o genérico e o referência
Esse tipo de correlação de dados permite que altera- será mantida durante todo o período em que os
ções de formulação ou de processo de fabricação, posterio- mesmos se mantiverem no mercado.

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• No caso de medicamentos isentos de bioequivalên- interfiram nos resultados. A forma pela qual as
cia, a equivalência farmacêutica passa a ser o princi- amostras serão coletadas, processadas, armaze-
pal requisito que sustenta a intercambialidade. nadas e transportadas também faz parte do pla-
nejamento da etapa clínica (Shargel & Yu, 1999).
Fatores relacionados ao ensaio in vivo que afetam a A etapa analítica é aquela em que o fárma-
conclusão sobre a bioequivalência entre medicamentos co é quantificado nas amostras e deve, por essa
razão, ser realizada de forma a não deixar dúvidas
Além dos fatores relacionados anteriormente, pode sobre os resultados obtidos. Durante o planeja-
haver falha em demonstrar a bioequivalência entre dois me- mento da etapa analítica devem ser estabeleci-
dicamentos considerados equivalentes farmacêuticos de- dos o analito a ser quantificado (fármaco inalte-
vido a fatores relacionados diretamente à natureza do teste rado, metabólito ou pró-fármaco), a matriz bioló-
de bioequivalência. Entre eles, destacam-se: gica utilizada (sangue total, plasma, soro ou uri-
na) e o método analítico adequado. O método de
1. Características de absorção do fármaco quantificação deve ser específico para cada ana-
Existem fármacos que apresentam maior lito, exato e relativamente simples, de modo a mi-
variabilidade em relação a parâmetros relaciona- nimizar os erros. Toda a metodologia deve estar
dos à absorção, o que dificulta o estabelecimen- devidamente validada antes da realização do es-
to da bioequivalência entre produtos ou até mes- tudo, apresentando todos os parâmetros de vali-
mo entre dois lotes de um mesmo produto (Bo- dação previamente estabelecidos (Bressole et al.,
ddy et al., 1995; Shah et al., 1996; Tothfalusi et 1996; Causon, 1997).
al., 2001). A etapa estatística começa, na realidade,
Quanto maior a variabilidade, maior deverá antes do início do estudo, com o cálculo do núme-
ser o número de voluntários sadios empregado no ro adequado de voluntários para o fármaco em ques-
teste de bioequivalência, sendo que o cálculo do tão e a elaboração da lista de randomização. Tam-
número adequado de voluntários a serem incluí- bém faz parte do planejamento da etapa estatística,
dos no estudo deve ser realizado com base em o tratamento a que serão submetidos os dados
dados de coeficiente de variação (CV) dos parâme- gerados na etapa analítica (Shargel & Yu, 1999).
tros de absorção a serem considerados, constan-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
tes na literatura, ou derivados de estudos prévios
(Chow & Liu, 1992; Brasil, 2003d).
Na última década, a evolução dos aspectos técnicos
da regulamentação brasileira na área de medicamentos, ten-
2. Planejamento do estudo de bioequivalência
do como base princípios científicos, é inquestionável. A
A realização do teste de bioequivalência
implantação dos medicamentos genéricos tem colaborado
deve ser precedida, necessariamente, pela reali-
para o aprimoramento da fabricação e garantia de qualidade
zação do teste de equivalência farmacêutica. A
dos medicamentos no país, introduzindo conceitos tais
comparação dos perfis de dissolução do fárma-
como equivalência farmacêutica, biodisponibilidade e bioe-
co, a partir dos medicamentos em estudo, antes
quivalência.
da realização do teste de bioequivalência, tam-
Nesse processo, a qualificação profissional tem sido
bém, é necessária e recomendável. Entretanto,
fundamental, bem como a interação e o debate envolvendo
como abordado anteriormente, a demonstração
autoridades e pesquisadores pertencentes à agência regu-
da semelhança entre os perfis de dissolução per
latória, ao setor regulado e às universidades. O processo de
se não qualifica os produtos como bioequivalen-
análise e registro de medicamentos tem sido otimizado, bem
tes (Shargel & Yu, 1999).
como o intercâmbio com instituições internacionais.
Para que o estudo de bioequivalência apre-
Além disso, as perspectivas reais de consolidação
sente resultados confiáveis é necessário que o
dos mecanismos de transformação do mercado farmacêuti-
mesmo seja bem planejado e conduzido. Esse pla-
co nacional, nos próximos anos, requerem atitudes concre-
nejamento envolve todas as etapas: clínica, ana-
tas e participação de todos os segmentos envolvidos como
lítica e estatística (Storpirtis & Consiglieri, 1995;
forma de garantir à população o acesso a medicamentos de
Consiglieri & Storpirtis, 2000).
qualidade assegurada a custos compatíveis.
Na etapa clínica, devem ser estabelecidos
o cronograma de coleta das amostras, de acordo
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diata ou modificada) e a meia-vida de eliminação
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