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CENTRO UNIVERSITÁRIO HERMÍNIO DA SILVEIRA

INSTITUTO BRASILEIRO DE MEDICINA DE REABILITAÇÃO


UNI IBMR
CURSO DE PSICOLOGIA

A BISSEXUALIDADE FEMININA:
DA DISCRIMINAÇÃO AO PROCESSO DE
ACEITAÇÃO SOCIAL

DANIELLE PINTO MARQUES DE BARROS


RIO DE JANEIRO - RJ
JULHO, 2008
CENTRO UNIVERSITÁRIO HERMÍNIO DA SILVEIRA
INSTITUTO BRASILEIRO DE MEDICINA DE REABILITAÇÃO
UNI IBMR
CURSO DE PSICOLOGIA

A BISSEXUALIDADE FEMININA:
DA DISCRIMINAÇÃO AO PROCESSO DE
ACEITAÇÃO SOCIAL

Monografia apresentada ao
curso de graduação em
Psicologia do Centro
Universitário Hermínio da
Silveira – Uni-IBMR, como
requisito para obtenção do
grau.

ORIENTADOR: CARLOS ABSALÃO


CO-ORIENTADORAS: SANDRA BAPTISTA
RENATA VIEGAS M

DANIELLE PINTO MARQUES DE BARROS

RIO DE JANEIRO - RJ
JULHO, 2008
A bissexualidade feminina: da discriminação ao processo de aceitação social -ii-

A BISSEXUALIDADE FEMININA: DA DISCRIMINAÇÃO AO


PROCESSO DE AÇÃO SOCIAL

DANIELLE PINTO MARQUES DE BARROS

MONOGRAFIA APRESENTADA AO UNI-IBMR COMO PARTE DO


REQUISITO PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DO CURSO DE
PSICOLOGIA

APROVADA POR: __________________________________

RIO DE JANEIRO – RJ

JULHO DE 2008
A bissexualidade feminina: da discriminação ao processo de aceitação social -iii-

Ficha

Barros, Danielle Pinto Marques


A bissexualidade feminina: do preconceito ao processo de aceitação
social / Danielle Pinto Marques de Barros – Rio de Janeiro, 2008.
66 f.

Orientador: Carlos Absalão


Co-orientadoras: Sandra Baptista, Renata Viegas

Monografia (Graduação) – Centro Universitário Hermínio da Silveira –


Uni- IBMR. Curso de Psicologia.

1. A sexualidade e sua dimensão histórica; 2. A evolução dos


estudos em sexualidade humana; 3. Fatores determinantes da
sexualidade; 4. Reflexões acerca da sexualidade; 5. A bissexualidade e
o processo de aceitação social.
I. Absalão, Carlos. II. Baptista, Sandra. III. Viegas, Renata. IV.
Centro Universitário Hermínio da Silveira – Uni-IBMR. V. Curso de
Psicologia.
A bissexualidade feminina: da discriminação ao processo de aceitação social -iv-

A meus pais, Azenora e Rubens (in memoriam), por terem me ensinado

seus princípios e valores, essenciais a uma vida digna, por terem me apoiado no

decorrer do percurso acadêmico, compreendendo, com amor, minhas ausências,

cansaços e horários corridos.

Ao meu irmão, que conviveu comigo nestes últimos períodos turbulentos do

curso. O seu carinho, paciência, compreensão e credibilidade foram fundamentais.

Aos meus tios, Onila e Alvimar, que me apoiaram de muitas maneiras,

compartilhando momentos bons e difíceis, me dando suporte para continuar sem

perder a confiança.

A todos os meus amigos e familiares, que, apesar de não nomear, de

alguma forma, contribuíram, direta ou indiretamente, na minha formação e na

produção desta monografia que, apesar de parecer um trabalho individual, foi um

trabalho feito em equipe.

O processo durou cinco anos, foi trabalhoso e, ao mesmo tempo,

gratificante. Muitas vezes pensei que não iria suportar, mas, graças ao apoio de

amigos, familiares e professores, consegui vencer mais essa etapa.


A bissexualidade feminina: da discriminação ao processo de aceitação social -v-

Agradecimentos

A professora Sandra Baptista, pela ajuda bibliográfica e pelo direcionamento

a seguir na monografia ao longo destes últimos seis meses. Ao orientador, Carlos

Absalão, por seu comprometimento, empenho, dedicação e pelas críticas

construtivas ao longo deste último ano. A Renata Viegas, que me auxiliou sempre

que eu necessitava, neste trabalho e nos demais aspectos. Uma amiga que me

incentivou e orientou sem a obrigação de assim o fazer e sem pedir nada em troca.

Seu carinho e sua atenção foram contínuos e muito importantes. Muito obrigada a

todos!!!
A bissexualidade feminina: da discriminação ao processo de aceitação social -vi-

Monografia apresentada ao curso de graduação em Psicologia do


Centro Universitário Hermínio da Silveira – Uni-IBMR, como requisito
para a obtenção do grau.

A bissexualidade feminina: da discriminação ao processo de aceitação


social
Danielle Pinto Marques de Barros
Julho de 2008.

BARROS, Danielle P. M. A bissexualidade feminina: da discriminação ao processo de


aceitação social Rio de Janeiro, 2008. 66p. Monografia (Graduação no curso de
Psicologia), Centro Universitário Hermínio da Silveira, Uni-IBMR.

RESUMO
Através desta monografia procurou-se apresentar a evolução histórica da
sexualidade para entender como a bissexualidade feminina se apresenta na
atualidade. Partindo do princípio de que a sexualidade é formada pelos aspectos
biológicos, pela identidade sexual, pelo papel sócio-sexual e pela orientação sexual,
além das formas de vida social e seus atuais costumes, foram pesquisados todos
esses pontos a fim de entender o momento histórico vigente. O contexto sócio-
histórico e cultural particular de cada época e a comparação entre elas fizeram parte
da elaboração teórica deste trabalho. Assim, foi possível compreender o
comportamento sexual feminino, verificando algumas semelhanças e explicando
determinadas divergências.

Palavras-chave: Sexualidade, Bissexualidade, Psicologia, Sociedade.


A bissexualidade feminina: da discriminação ao processo de aceitação social -vii-

Sumário
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1) A SEXUALIDADE E SUA DIMENSÃO HISTÓRICA ........................... 4
1.1) Da Pré-história à Idade Antiga ...................................................... 4

1.2) A Idade Média e o Cristianismo .................................................... 8

1.3) A Idade Moderna: de 1453 d.C à 1789 d.C. ............................... 11

1.4) A Idade Contemporânea ................................................................. 13

CAPÍTULO 2) A EVOLUÇÃO DOS ESTUDOS EM SEXUALIDADE HUMANA ....... 18


2.1) Sigmund Freud e o Complexo de Electra ................................... 19

2.2) Alfred Kinsey e as primeiras pesquisas sistemáticas ................. 21

2.3) William Masters, Virginia Johnson e seus contemporâneos ....... 23

2.4) Michel Foucault: sexualidade e poder ........................................ 25

CAPÍTULO 3) FATORES DETERMINANTES DA SEXUALIDADE ..................... 28

3.1) Sexo e sexualidade: universos desconhecidos? ........................ 28

3.2) Aspectos biológicos .................................................................... 31

3.3) A dimensão social ....................................................................... 34

3.3.1) A identidade sexual .................................................................. 35

3.3.2) Papéis sócio-sexuais ou Papéis de gênero ............................. 37

3.3.3) Orientação sexual .................................................................... 38

CAPÍTULO 4) REFLEXÕES ACERCA DA SEXUALIDADE ..................................... 41


4.1) Heterossexualidade: avaliando papéis ........................................... 41
4.2) Homossexualidade: revendo concepções ...................................... 43
4.3) Bissexualidade feminina: transformando os mitos, conquistando o
prazer ....................................................................................................................... 46
A bissexualidade feminina: da discriminação ao processo de aceitação social -viii-

4.3.1) A bissexualidade em foco: considerações iniciais ....................... 46


4.3.2) Desvendando a bissexualidade ................................................... 50

CAPÍTULO 5) BISSEXUALIDADE E O PROCESSO DE ACEITAÇÃO SOCIAL 54

5.1) A elaboração dos Direitos Sexuais ............................................. 54

5.2) O papel da mídia na sexualidade ............................................... 56

5.3) O desejo por uma sexualidade sem rótulos ................................ 58

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 60

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 63


1

Introdução

O objetivo deste trabalho foi mostrar como a sexualidade feminina passou por
várias modificações durante gerações, sendo submetida a diversas situações
reforçadoras relacionadas a diferentes padrões de comportamentos e formas de
relacionamentos afetivos e sexuais, que interferiram e continuam a interferir na
subjetividade feminina e nos vínculos homem-mulher e mulher-mulher (Mayor, 2001).

As diferenças entre as culturas ocidental e oriental são muitas, e levando este


fato em consideração, este trabalho foi feito, em sua maior parte, a partir do viés da
cultura ocidental, desde o mito que deu início a Idade Antiga, representada pela Grécia
e por Roma a.C., passando pelos Hebreus, Idade Média, Cristianismo, Idade Moderna
e Idade Contemporânea, temas abordados no capítulo 1 (Araújo, 1997).

No capítulo 1, foram mencionadas a Idade Antiga, ou Antigüidade Clássica, que


formou o berço cultural da sexualidade, onde o poder da Igreja ainda não era
preponderante. Como o Cristianismo não ficou restrito somente no plano religioso, a
ascendência que a Igreja Católica teve, na Idade Média, fê-la detentora do poder
religioso e civil, transmitindo seus valores a toda a sociedade ocidental (Araújo, 1997).

Na Idade Antiga, a homossexualidade feminina não era reprimida, esse fato só


se deu quando os interesses sócio-político-econômicos foram associados a instituições
como família e igreja. De acordo com Kautz (1997), o lesbianismo, nesta época, era
exercido em paralelo ou em conjunto com relacionamentos heterossexuais, o que se
denomina, atualmente, de bissexualidade.

A Igreja Cristã Primitiva, com a proibição de todas as variações sexuais, gerou


medo e culpa. Essas ações, passando por momentos de maior e menor repressão,
perduram até os dias atuais. Posteriormente, na Idade Moderna, os indivíduos
passaram a pensar em si mesmos, aceitando seus desejos e impulsos como naturais.
Na Idade Contemporânea, o marco histórico é a contracultura sexual, que ganhou voz e
força política na década de 60. Essas mudanças, ocorridas com rapidez, geraram
muitos conflitos, devido à repressão sexual vigente até então.
2

No capítulo 2, foi feita uma abordagem de oito teóricos que dedicaram parte de
seus estudos à sexualidade, como o psiquiatra Magnus Hirschfeld e a fundação do
Instituto de Ciência Sexual, influenciando o movimento de reforma sexual, difundido por
todo o mundo.
Os trabalhos de Freud, Kinsey, Masters, Johnson, Kaplan, Hite e Foucault
também foram abordados. Na época, as obras de Freud causaram grande impacto. O
autor definiu sexualidade como toda atividade que proporcione prazer, e não somente
as atividades referentes ao sexo genital, sendo de extrema importância a diferenciação
entre sexo e sexualidade.

O biólogo Alfred Kinsey, com suas primeiras pesquisas sistemáticas, abriu


espaço para as pesquisas subseqüentes de William Masters, Virginia Johnson e Helen
Kaplan. Os dados dessas pesquisas ajudaram a legitimar a prática da bissexualidade e
desafiaram as proibições impostas pela sociedade e pela religião. Já Shere Hite
elaborou um questionário a fim de estimular uma discussão sobre as atividades sexuais
preferidas pelas mulheres.

Uma abordagem sócio-histórica será fornecida por Foucault, que assinala o fato
da cultura ocidental ter submetido a sexualidade à uma ciência sexual, ao invés da arte
erótica dominante na Antigüidade Clássica.

No capítulo 3, foi realizada uma diferenciação entre os conceitos de sexo e


sexualidade e, apesar dos aspectos biológicos serem citados, a sexualidade não deve
ser vista só por este viés. Para um estudo mais detalhado, foi necessário levar em
consideração os aspectos sócio-históricos, pois eles fazem parte da estruturação da
identidade, da orientação e da atividade sexual da pessoa.

Assim, as diferenciações sexuais estritamente biológicas foram mencionadas e,


posteriormente, para dar continuidade ao estudo sobre a bissexualidade feminina, o
sexo de criação e o sexo psicossocial também foram abordados. Essa análise
detalhada objetiva entender a escolha do objeto sexual, que nem sempre é pelo sexo
oposto, de forma que há uma pluralidade na sexualidade humana e uma expressão na
sociedade contemporânea, que volta a sofrer mudanças no início do século XXI.
3

No capítulo 4, foram descritas as possíveis escolhas de sexualidade, isto é, a


heterossexualidade, a homossexualidade e a bissexualidade. A heterossexualidade
como a única forma normal e aceita pela sociedade, que padroniza e reprime as demais
sexualidades. A homossexualidade, sua aceitação e rejeição sociais, em uma mesma
época, ou em épocas diferentes, ao longo da história, assim como suas causas
diversas, conforme a abordagem a ser utilizada.

Finalizando o capítulo 4, a heterossexualidade foi imposta socialmente no


intuito de ocultar a possibilidade lésbica existente em toda mulher. Assim, a dificuldade
de realizar pesquisas sobre esse tema é grande, pois o medo que as mulheres têm de
serem julgadas as leva a omitir a verdade.

Para um estudo mais detalhado sobre a bissexualidade feminina, foi necessário


estudar o aspecto biopsicossocial, a heterossexualidade e a homossexualidade, pois o
primeiro faz parte da estruturação da identidade, da orientação e da atividade sexual da
pessoa. Já o segundo, foi um dos muitos caminhos escolhidos para entender o capítulo
5, a bissexualidade feminina e o processo de aceitação social.

No capítulo 5, foram citadas a reforma de leis abusivas contra os


homossexuais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a elaboração dos
Direitos Sexuais, em 1995, assim como um avanço na aceitação de homossexualidade
e da bissexualidade feminina. As mudanças sociais e os direitos sexuais legalizados
contribuíram para que a mídia desse uma atenção maior aos movimentos sexuais.
Assim sendo, como importante formadora de opinião, a mídia, muitas vezes,
possibilitou a manutenção de estereótipos sexuais, mas também colaborou com a
aceitação social.

O desejo por uma sexualidade sem rótulos, último tema proposto nesse
trabalho, visa uma reflexão sobre contatos corporais, tais como apertos de mão, beijos,
abraços, carícias e confidências, que independem da orientação sexual, pois são
componentes normais que fazem parte da sexualidade do ser humano. Os indivíduos
precisam superar as dificuldades a fim de viver plenamente seus desejos e
relacionamentos.
4

Capítulo 1 - A sexualidade e sua dimensão histórica

As regras de convivência, essenciais no convívio humano, existem desde a pré-


história. No decorrer de seu desenvolvimento, o Homem percebeu que podia modificar
a natureza, inserindo valores e formando a cultura. A partir daí, o sexo deixou de ser
apenas biológico para se tornar cultural. Segundo Araújo (1999), diferentes culturas
possuem suas próprias normas, crenças e valores referentes à questão sexual, e as
fases de repressão alternam-se com as fases de maior liberalidade, isto é, há avanços
e retrocessos na forma de viver a sexualidade.

A cultura ocidental tem características típicas em relação ao comportamento


sexual, sendo geradora e defensora de verdades sobre a sexualidade que são
consideradas incontestáveis. Essas verdades podem ser contraditórias dentro de uma
mesma cultura, ou mesmo serem iguais em culturas diferentes. Algumas diferenças são
nítidas, e outras nem tanto (Baptista, 1998).

As atitudes referentes à sexualidade são formadas a partir de condições


políticas, religiosas, sociais, psicológicas, econômicas e da dimensão sexual do ser
humano no decorrer dos tempos. As crenças e valores que cada pessoa formou ao
longo da vida determinam suas atitudes, e a sociedade, ao mesmo tempo que
determina, também é determinada pela maneira que seus indivíduos interagem entre si.
Partindo de sua construção histórica, a sexualidade da cultura ocidental deve ser
estudada contextualmente para a sua compreensão atual (Araújo, 1999; Eisler, 1996).

1.1. Da Pré-história à Idade Antiga

A primeira concepção de sexualidade, segundo Highwater (1992), teve origem


na mitologia primitiva, denominada pré-helênica, datada de 200.000 a.C. a 5000 a.C. As
Ciências Sociais vêm estudando a base dos preconceitos sociais, recuperado antigas
lendas que foram reescritas por homens, a fim de servir a interesses patriarcais. Assim,
5

observa-se, por exemplo, que a subjugação feminina não é fato marcante em todas as
épocas e sociedades.

O historiador suíço Johann Jacob Bachofen (em Highwater, 1992), no século


XIX, defendeu a teoria do desenvolvimento social, na qual o primeiro período da
história, datado de 7500 a.C., foi matriarcal. Seguindo este ponto de vista, os
sacerdotes patriarcais agregaram antigos símbolos pré-helênicos e inverteram seu
significado sexual, obscurecendo o poder feminino, que foi trivializado e subordinado a
uma hierarquia religiosa masculina.

Segundo Harrison (em Highwater, 1992), que realizou estudos sobre a mitologia
pré-helênica, antecessora da mitologia grega, a deusa Gaia foi a genitora dos deuses
gregos, que a baniram do Olimpo. O conceito de uma divindade masculina é
considerado uma invenção de 2500 a.C., com a chegada de Zeus e, em 1800 a.C., com
Abraão. Assim, a Idade Antiga, ou Antigüidade Clássica, tem seu início no ano de 5000
a.C., durando até 476 d.C.

A mitologia grega era formada por deuses detentores de vicissitudes sexuais


que, em conjunto com a beleza, a harmonia e o intelecto, fizeram surgir a idealização
do corpo nu e sua glorificação nas artes plásticas. Os gregos procuravam a harmonia
em todos os aspectos, combinando beleza física com desenvolvimento intelectual. O
sexo era visto como uma atividade própria do ser humano, de maneira naturalista
(Araújo, 1997; Chazaud, 1978).

Platão (em Ranke-Heinemann, 1996), ao apresentar o mito grego no Simpósio,


mencionou sobre a origem da bissexualidade e dos amores heterossexuais, bissexuais
e homossexuais. Assim, a constituição natural atual é diferente do que foi antes.
Originalmente, existiam três tipos de seres humanos completos, que eram criaturas
esféricas, possuindo o dorso redondo, os flancos em círculo, quatro mãos, quatro
pernas e dois rostos. A semelhança era total, sendo que a cabeça era única. Alguns
desses seres eram compostos de um homem com um homem, masculinos, outros de
uma mulher com uma mulher, femininas e, por fim, os heterossexuais, homem-mulher,
ou andróginos, compostos de um homem e uma mulher (Brener et al, 1991). Por um
castigo de Zeus, o deus dos deuses, esses humanos esféricos foram divididos pela
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metade, onde cada metade sai em busca de sua outra metade, abraçando-se na
tentativa de recuperar a natureza anterior (Ranke-Heinemann, 1996).

O mito despreza as metades heterossexuais, alegando que os homens


fragmentados do antigo sexo comum gostam de mulheres e são adúlteros. E as
mulheres, fragmentadas do sexo andrógino, são fascinadas por homens e adúlteras. Já
a imagem da homossexualidade era reverenciada (Ranke-Heinemann, 1996).

Seguindo a mitologia grega, Eros, o deus do amor, era uma divindade que
inspirava a natureza e a humanidade. No entanto, a partir da civilização judaico-cristã
helênica, somente o amor não-sexual foi valorizado. O termo ‘erótico’, que surgiu após
o Cristianismo, só possui ligação com o deus Eros em sua semântica, e o deus passou
a ser conhecido como o cupido e assexuado.

Em relação às artes plásticas, as imagens sexuais antigas faziam referência ao


sexo espiritual e à sua beleza, onde a genitália feminina era considerada sagrada,
associada à divindade feminina. Elas eram extremamente diferentes das imagens
pornográficas conhecidas no século XXI, onde a mesma genitália é tida como obscena
(Eisler, 1996).

Os gregos acreditavam que um corpo belo abrigava um espírito nobre, o que os


levou a dar importância ao harmônico. O dar e receber prazer, sem imposição de dor ou
submissão, era tido como uma experiência espiritual importante (Eisler, 1996), onde o
reino da natureza não era inferior ao reino da mente e do espírito (Highwater, 1992).
Termos como androginia, afrodisíaco, erotismo, homossexualidade, narcisismo,
ninfomania, satiríase e zoofilia não existiam na Grécia (Goldenson e Anderson, 1989),
mas são relatados nos dicionários do século XX como sendo de origem grega (Araújo,
1999).

A bissexualidade, tanto em homens, quanto em mulheres, era uma atividade


comum entre o povo grego (Cary, 1978). Segundo Sussman (em Araújo, 1997), as
mulheres eram denominadas de tríbades, o que significa pessoa que se esfrega. A
literatura provê informações sobre um objeto semelhante ao pênis, feito de pele ou
madeira, denominado de “olisbos“ ou “dildo”, usado na satisfação homossexual
feminina (Araújo, 1999).
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Apesar da ênfase dada à naturalidade sexual, a mulher não possuía os


mesmos privilégios concedidos aos homens, não sendo consideradas cidadãs. Vale
ressaltar que existia a prostituição sagrada, onde as mulheres ofereciam seus serviços
sexuais em homenagem aos deuses (Araújo, 1999). Araújo (1997) afirma que a moral
começa a ser discutida na filosofia grega, a partir da conceituação elevada do equilíbrio.
Porém, conforme sugere Vidal (2002), o pensamento platônico foi erroneamente
deturpado por Santo Agostinho que influenciou a forma de pensar a sexualidade no
ocidente cristão.

De acordo com o pensamento platônico, a alma era o intelecto e a vontade, e


deveria ser desenvolvida harmoniosamente, isto é, junto com o corpo. O Cristianismo
se inspirou no amor formulado por Platão, baseado no dualismo corpo e alma,
desvalorizando o amor corpóreo. Desta forma, o sexo feito por prazer e as
manifestações eróticas foram excluídas (Araújo, 1999). Todavia, fazendo um estudo
seqüencial sobre a sexualidade, a cultura grega teve forte ascendência no Império
Romano.

Grécia e Roma possuíram algumas divergências e convergências (Araújo,


1997). Entre as divergências estão as convenções sociais e sexuais. O povo grego era
livre da brutalidade, enquanto os romanos se excitavam, no Coliseu, com atos de
extrema crueldade, sexual ou não. A virgindade, sem valor para os gregos, era mágica
para os romanos, pois a falta dela indicava a futura infidelidade conjugal (Araújo, 1997 e
1999).

Já entre as convergências mais marcantes se encontram a crença politeísta, o


casamento entre homens ou entre mulheres (Masters, Johnson e Kolodny, 1989), a
atitude naturalista em relação ao sexo, sendo naturais todos os comportamentos
sexuais, uma forte ligação entre o sexo e a religião e a submissão feminina, ainda que
menor. Assim, a bissexualidade era aceita, mas sem o refinamento cultural grego e com
variações sexuais cada vez mais sádicas.

Os primeiros romanos foram influenciados pela mitologia grega, assimilando e


adaptando à sua realidade grande parte de seus deuses. No entanto, o povo judeu,
origem dos cristãos, era o único povo do Oriente próximo que tinha regras rígidas
8

referentes à sexualidade. E com a decadência do Império Greco-romano, o


Cristianismo passou a ganhar força (Araújo, 1997 e 1999).

1. 2. A Idade Média e o Cristianismo

De acordo com Sussman (em Araújo, 1997), os hebreus eram monoteístas e


seu deus, Jeová, não possuía nenhuma característica sexual. O código religioso
adotado também era um código moral, onde os três primeiros mandamentos eram
religiosos e os demais se referiam aos comportamentos morais (Araújo, 1999). Os
hebreus, povo de onde se originou os judeus, formavam um povo pequeno que lutava
por sua sobrevivência. Com esse pensamento, todas as manifestações homossexuais
foram consideradas indesejáveis, impuras, resíduos do desprezível paganismo anterior.
Segundo Masters, Johnson e Kolodny (em Rodrigues Jr., Costa e Sessa, 1990), estas
atitudes são compreendidas em função da importância de sua perpetuação .

Apesar do sexo ainda ser visto com naturalidade, sem a condição de pecado,
ele visava somente a procriação, que era a razão básica para o intercurso sexual
(Schiavo, 2004). Conforme Kosnik et al (em Araújo, 1997), algumas interpretações do
Antigo Testamento demonstram que a sexualidade era desejada por Deus, tendo o sexo
um aspecto amplo, constituinte da vida humana, não devendo ser um assunto nem
dominante, nem desprezado.

O ‘Cântico dos Cânticos’, citado no Velho Testamento, celebrava a sexualidade,


o amor e a adoração à Deusa Inanna, considerada a Rainha dos Céus. Esse Cântico foi
modificado por autoridades hebréias e, posteriormente cristãs, a fim de reinterpretar seu
significado de acordo com os mitos que queriam impor socialmente. Neste sentido,
percebe-se que a sexualidade feminina era sagrada e extática (Eisler, 1996).

No Novo Testamento, os ensinamentos cristãos não mencionam uma conduta


sexual sistematizada, isto é, não há uma norma completa da moral. Contudo, a Igreja
Cristã Primitiva impõe uma forte repressão sexual, valorizando a virgindade e a
castidade. O Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo viam a homossexualidade como
9

antinatural, pois o homem deve unir-se somente à mulher e esta ao homem (Ranke-
Heinemann, 1996).

De acordo com Léon-Dufour (em Araújo, 1999), as interpretações equivocadas


das filosofias platônicas e neoplatônicas culminaram no pensamento de que o corpo
atrapalhava a evolução da alma. Para os gregos, alma, virtude e carne simbolizavam
intelecto, vontade e existencialismo, respectivamente. Já para os cristãos, significavam
espírito, virtude religiosa e corpo.

Eisler (1996) afirma que o objetivo inicial da Igreja Católica era erradicar
vestígios de uma religião ocidental antiga, anterior ao Judaísmo, ao Cristianismo e ao
Islamismo. Tal religião glorificava e idolatrava uma divindade feminina. A Igreja Católica
afirmou que práticas sexuais imorais eram realizadas nesse tipo de seita, o que foi
usado nas perseguições violentas aos hereges:

“A condenação moral da sexualidade (...) foi (...) uma estratégia (...)


política da Igreja para impor e manter o controle sobre o povo que se
recordava vagamente de tradições religiosas muito antigas e ainda se
apegava a elas. (...) a Igreja queria consolidar seu poder e se firmar como
a única e exclusiva fé, [e] a persistência de mitos e rituais de um sistema
religioso antigo e arraigado – no qual a Deusa e seu filho ou consorte
divino eram adorados, mulheres eram sacerdotisas, e a união sexual entre
homens e mulheres possuía uma marcante dimensão espiritual – não
podia ser tolerada” (Eisler, 1996, p. 46).

Assim, a sexualidade foi maculada pelo pecado, o Deus Touro, ou Urano, filho e
consorte da Deusa, tornou-se o diabo, e o sexo se tornou fonte do pecado. Os males
sexuais e a dominação masculina já existiam antes da Igreja, o que ela fez foi associá-
los e condenar o prazer sexual, como os fez São Paulo e Santo Agostinho (Eisler,
1996).

Os ensinamentos evangélicos de maior relevância sobre a sexualidade iniciam


com Santo Agostinho e São Paulo, nas Epístolas aos Coríntios e aos Romanos (Eisler,
1996). Em sua Epístola aos Romanos, São Paulo condena as homossexualidades: “Por
isso os entregou Deus às paixões vergonhosas, pois, por uma parte, suas mulheres
trocaram o uso natural por aquele que é contra a natureza” ([Snd], p. 442, nº 37, 1995),
e afirma que a castidade é um dom concedido a poucos (Araújo, 1997).
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São Paulo aceitava o sexo no casamento e Santo Agostinho, partidário


maniqueísta, cuja crença baseava-se em duas forças regentes do mundo, o bem e o
mal, converte-se ao Cristianismo e aceita somente o sexo para procriação, sem prazer
(Vidal, 2002). Para ele, Deus criou o homem bom, mas este foi corrompido por opção e,
conseqüentemente, condenado justamente (Eisler, 1996). A sexualidade deixou de ser
constituinte da natureza humana e ficou distanciada da Bíblia.

De acordo com o exposto, as interpretações posteriores não levaram em


consideração o contexto sócio-histórico em que tais obras foram escritas. No século IV,
início da Idade Média, o imperador romano Constantino, uniu seu poder ao da Igreja
Católica, e esta adquiriu um poder jamais possuído por nenhuma outra religião (Araújo,
1997).

A queda do Império Romano, em 476, dá início a Idade Média, que dura até a
queda de Constantinopla, em 1453. No período inicial, conhecido como Idade das
Trevas, os escribas monásticos controlavam o que era escrito e o que poderia ser lido,
elaborando e difundindo ensinamentos anti-sexuais rígidos. Eles desvalorizaram o sexo
e criaram regras até para as posições coitais (Araújo, 1999). Assim, a Igreja continuou
seu domínio religioso e social, com maior poder coercivo sobre a sociedade.

Neste contexto, quaisquer variações da sexualidade eram proibidas, gerando


medo, culpa e pecado, e devendo ser punidas, em maior ou menor grau. Mesmo o sexo
para procriação não era exaltado no Cristianismo, devendo ser agendado, codificado e
limitado dentro das normas canônicas (Araújo, 1999; Eisler, 1996; Schiavo, 2004).
Assim, toda civilização ocidental foi influenciada por esta moralidade, e seus reflexos
perduram até os dias atuais (Baptista, 1998).

No século XV, com o Grande Cisma, o medo de criaturas demoníacas


aumentou, e sem nenhum conhecimento do psiquismo humano, os atos fora dos
padrões vigentes ou sem explicação, eram considerados bruxaria. Assim, as variações
sexuais, como a bissexualidade, aceita em épocas anteriores, eram pecados punidos
com a tortura (Araújo, 1999).

A Igreja Católica Medieval seguiu o livro Malleus Maleficarum, um manual de


caça às bruxas, onde a mulher era uma criatura pecadora, que deveria ser controlada
11

severamente (Eisler, 1996). Segundo o manual, toda a feitiçaria tem origem da luxúria
carnal feminina insaciável (Highwater, 1992). A Igreja desprezava as mulheres e os
poucos eclesiásticos simpáticos que as ignoravam, começaram também a acusá-las.

Durante essa época, o mundo cristão teve inúmeros homossexuais queimados


na fogueira. O que era rotulado pela Igreja como ‘antinatural’, a mitologia grega
considerava ‘natural’. Percebe-se que as idéias dos indivíduos sobre o que é ‘natural’ e
‘antinatural’ nem sempre, e nem em todos os lugares e épocas, são as mesmas
(Ranke-Heinemann, 1996).

1.3. A Idade Moderna: 1453 d.C a 1789 d.C.

A Idade Média cede lugar a Renascença. Os indivíduos passam a pensar em si


mesmos, aceitando seus desejos e impulsos como naturais. Segundo Sussman, (em
Araújo, 1997), a devoção e a fé medievais vão sendo substituídas por ideais baseados
na suspensão do juízo afirmativo ou negativo, onde as crenças anteriores passam a ser
contestadas.

O contato da Igreja Ortodoxa Grega com a Igreja Católica Romana, no Concílio


de Florença, em 1439, abriu as discussões de diferenças referentes às doutrinas, e o
declínio da espiritualidade dentro da Igreja Católica favoreceram algumas mudanças.
Belzer (em Araújo, 1997) afirma que o conhecimento de filhos ilegítimos de papas,
como Alexandre VI, em conjunto com a fase de maior liberdade pela qual Roma
passava, com autorização de abertura de bordéis pela Igreja, corroboraram com tal
declínio.

De acordo com Araújo (1997), no século XIV, Lutero, padre católico que
reconhecia o impulso sexual, era contra o celibato de freiras, a ilegitimidade dos filhos
dos padres e a indissolubilidade do casamento, e por ser contra, liderou a reforma
protestante. A Igreja Católica, em resposta a Lutero, promoveu o Concílio de Trento,
que ficou conhecido como a Contra-Reforma (Araújo, 1999). A queda de algumas
12

crenças impulsionou novos comportamentos e transformações sociais, mas nem por


isso deixou de ser menos rígida com a sexualidade.

Novas perspectivas despontaram no início do século XVI e perduraram até o


século XVIII, no início da Idade da Razão, em conflito com motivos religiosos. A
transição da sociedade medieval para a moderna se deu com as descobertas
marítimas, o crescimento comercial, a invenção da imprensa, os movimentos
intelectuais e a volta dos ideais de perfeição e harmonia greco-romanos (Araújo, 1997).

No final do século XVIII, assuntos referentes à moral e à religião foram


totalmente desvinculados. Segundo Belzer (em Araújo, 1999), as mudanças de valores
sociais e morais foram abordadas por Van Ussel (em Araújo, 1997), que seguiu o
pensamento de Norbert Elias (1990), indicando que as mudanças de valores sociais
precedem as mudanças pessoais:

“As transformações de organização na produção e distribuição das


riquezas (plano econômico) influenciam a quantidade e a qualidade das
relações sociais (plano social). O homem reconsidera-se sobre uma outra
relação (plano psicológico); aparecem transformações até na sua estrutura
física (plano biológico). Tudo isso influencia o conjunto dos juízos de valor
(plano dos valores) e, por conseqüência, também a educação. Logo, uma
sociogênese precede a psicogênese” (Elias, 1990, p. 42).

Sussman (em Araújo, 1997) afirma que entre os séculos XVII e XVIII as
contribuições científicas influenciaram a redefinição da sexualidade. Se na Antigüidade
Clássica a vida social era mais importante, com as casas e o psiquismo abertos à
sociedade, agora a modernização provocou uma intimização das emoções, com o sexo
passando para o domínio privado.

O ensino do autocontrole era um sistema confiável para canalizar a energia


sexual reprimida, pois quando a proibição é externa, o sujeito se sente envergonhado,
mas quando ela é interna, sobrevém a culpa. Neste sentido, os jovens eram mantidos
ocupados para evitar a masturbação, os dormitórios eram vigiados e as roupas feitas de
modo a dificultar contatos sexuais. Porém, essa repressão provocou uma sexualização
de estímulos, até então, neutros.

A repressão à sexualidade foi contínua no século XIX. Para ser valorizada, a


mulher deveria ser frígida e desprezar o sexo. A sua situação submissa, a ignorância
13

sexual, o erotismo, a sensualidade, dentre outros temas, foram abordados com


crescente interesse por intelectuais do século XX, aumentando a dupla moral. A
compreensão dos momentos históricos é de extrema importância para um estudo
abrangente, sério e minucioso (Araújo, 1997; Goldenson e Anderson, 1989).

1.4. A Idade Contemporânea

Segundo Baptista (1998) e Eisler (1996), no século XX, as transformações


científicas e tecnológicas provocaram novas idéias e o comportamento sexual foi
libertando-se de algumas repressões e preconceitos. A sexualidade começou a ser
aceita de forma plena, sem ficar restrita à procriação e ao genital (Araújo, 1999).
Contudo, vale ressaltar que os valores influem na personalidade de cada pessoa,
tornando o reconhecimento do direito ao prazer uma batalha árdua e extensa, em
decorrência do preconceito e do medo como reações comuns a uma tradição cultural
que se fundamentou na negação da sexualidade.

Na década de 60, a sexualidade passou a ser estudada com maior seriedade


nos laboratórios de pesquisa. Essas pesquisas não ocorreram em todas as culturas e
camadas sociais na mesma época e, ainda hoje, há locais em que a luta pela
subsistência continua reinante.

A luta pela liberdade de escolha sexual, caracterizada pela contracultura, teve


precedentes. A escritora inglesa Virgínia Woolf, com seu inconformismo e singularidade,
desafiou a cultura e a moral vitoriana (1837-1901) escrevendo sobre o psicológico
feminino. Mesmo casada com o historiador Leonard Woolf, ela amou a escritora Vita
Sackwille-West, que possuía tendências homossexuais e era casada com um
homossexual declarado ([Snd], nº 37, 1995). Em 1870, Virgínia Woodhull e Tennessee
Clafflin desafiaram a censura social ao contestarem princípios morais que privilegiavam
a sexualidade masculina.

Os movimentos feministas ganharam força e assuntos como a virgindade,


liberdade sexual, igualdade de direitos sociais, profissionais e sexuais, aborto e força de
14

trabalho feminino começaram ou voltaram a ser abordados. A contracultura da década


de 60 foi de extrema importância para a emancipação sexual feminina (Araújo, 1999;
Eisler, 1996).

Segundo Tannahill (em Araújo, 1999), a mulher passa a reivindicar seu lugar na
sociedade como cidadã, e não somente como esposa, exigindo seus direitos ao prazer
sexual. A moda, anteriormente recatada, e escondendo maior parte do corpo, passa a
dar ênfase às saias curtas, cabelos curtos, filmes com ideais femininos, influenciando
grande parte dos costumes, e a liberdade sexual feminina passa a ser maior (Araújo,
1999).

Giffin (1999) aponta que o movimento feminista e seus estudos foram


abordados de forma científica e dualista, separando as dimensões biológica, social e
cultural, reforçando o poder masculino. A princípio, liberdade sexual era sinônimo de
poder se relacionar sexualmente sem correr o risco de engravidar, e não era significado
da constituição do desejo feminino como um todo.

Em pesquisas posteriores, Weeks (em Giffin, 1999) alega que a dimensão


biológica não determinava a dimensão social, o que levou à re-conceituação da
sexualidade como um fenômeno relacional, e não natural, biológico e individual, de
modo que a relação e o aprendizado ganharam força. Mesmo com a idéia de que as
escolhas sexuais eram individuais, as condições históricas não o são, o que pode gerar
constrangimentos e oportunidades, necessidades e liberdades.

Na década de 70, os movimentos hippies e o movimento de Libertação Gay


foram de importante auxílio no entendimento para a sexualidade, enfrentando
preconceitos e assumindo uma postura política. Sem que a heterossexualidade fosse a
única forma ‘normal’ de sexualidade, e levando em consideração que uma parte da
população é formada por homossexuais, a maneira da sociedade perceber o tema
‘sexo’ foi modificada, abrindo caminho para os anos 80 e 90 (Eisler, 1996).

No entanto, as novas formas de relação sexual ocorreram muito rapidamente


para que pudessem ser assimiladas sem conflitos. Antigas e arraigadas tradições não
são alteradas sem crises. A angústia, a cobrança e o conflito se instauram quando a
pessoa deseja, racionalmente, comportar-se de uma forma, mas, emocionalmente,
15

sente-se diferente, ocorrendo o conflito entre o idealizado e o comportamento ou


sentimento manifesto (Silva, 1999).

Segundo Goldenberg (1999), os indivíduos consideram que a insatisfação


pessoal é prova de que não houve nenhuma mudança em décadas. No entanto, esse
posicionamento é extremamente ingênuo, já que a sociedade brasileira vivencia, de
forma acelerada, transformações nos papéis masculinos e femininos. Levando em
consideração os séculos de cultura repressora, é impossível modificar ou romper com
esta em curto espaço de tempo.

A revolução sexual das décadas de 60 e 70 consistem em capítulos históricos


contemporâneos de como, durante os últimos séculos, pessoas no mundo inteiro se
uniram para contestar o desequilíbrio de poder. Mas só começaram a obter êxito
quando passaram da ação individual para a ação em grupo. Assim, de acordo com
Eisler:

“... questões que antes não eram consideradas políticas têm de se tornar
políticas para que as renegociações de poder possam ser bem-sucedidas.
Ainda é uma política por se fazer, apenas começando a se compor, com
recuos e avanços” (Eisler, 1996, pp. 446-447).

Segundo Araújo (1999), a descoberta da AIDS, nos anos 80, aumentou a


necessidade da educação sexual. A abordagem de temas como DSTs, AIDS, gravidez
na adolescência e sexo como constituinte natural da vida humana precisam ser
estudados, apesar de parte da posição religiosa afirmar que educar jovens sobre o sexo
continua sendo imoral, e que isso o despertaria, precocemente, para a sexualidade.

Eisler (1996) aponta que as pessoas solicitam que o ensino religioso faça parte
do currículo escolar, mas recriminam a inclusão da educação sexual. As publicações de
livros e artigos sobre como as mulheres podem obter mais satisfação sexual e
emocional em seus relacionamentos cresceram consideravelmente, assim como a
necessidade de estudar os tabus, os valores, o ser humano social e seus papéis
sociossexuais para caminhar em direção a uma sexualidade plena, na qual os
indivíduos respeitam as suas próprias opções e as dos demais (Araújo, 1999).
16

Em 1991, um comitê da Igreja Presbiteriana, que tratou da sexualidade


humana, propôs que a Igreja Católica expandisse seus limites sexuais, abrangendo o
sexo antes do casamento, a homossexualidade e a bissexualidade, contanto que as
relações fossem orientadas pela ‘justiça-amor’. Pode-se observar que esse fato
constituiu somente uma contestação da autoridade ditatorial do Vaticano, e não uma
mudança considerável na forma das religiões definirem a moral sexual (Eisler, 1996).

A sexualidade continua sendo uma área que sofre preconceitos. Pesquisas


embasadas cientificamente continuam não sendo reconhecidas pela própria
comunidade científica. O medo provocado pela tradição cultural fundamentada na
negação da sexualidade, própria e do outro, é evidente (Baptista, 1998; Vasconcelos,
1999).

Cursos de pós-graduação, simpósios, congressos, fóruns, jornadas e encontros


de sexualidade humana começam a ganhar força, tentando compensar a falta de
diálogo de séculos (Araújo, 1999). Se a família e a escola abrissem espaços reflexivos
de discussão sexual, estariam evitando conflitos e facilitando o novo momento sexual
demandado pelas formas sociais atuais. Conforme Silva (1999), homens e mulheres
poderiam se sentir mais satisfeitos e, de acordo com Gewandsznajder (1997), não é
necessário criar rótulos como heterossexual, homossexual ou bissexual, pois a
sexualidade é única, o que muda é o objeto de atração. O desejo de se realizar e
encontrar satisfação independe da orientação sexual.

Mesmo tendo em vista a unicidade da sexualidade, é necessário ter cuidado


com os valores pessoais por influenciarem no ensino desse tema, considerado
problemático. Os estudiosos sérios que admitem poder aprender com estudiosos que
estão há menos tempo na área são poucos, e as fontes dos primeiros são tomadas,
rigidamente, como corretas. Nesse sentido, os educadores deveriam prestar atenção ao
ensinamento teórico. Muitas vezes, usam um tom de voz lúdico que, na realidade, serve
para ocultar dificuldades perante o desconhecido. No intuito de demonstrar sabedoria
no assunto, o professor pode chamar uma mulher que namora outra mulher de
17

tribadista1, sem perceber o mal psicológico que pode estar causar com este
comportamento (Gonçalves, 1999).

Segundo Gewandsznajder (1997), a pessoa que não consegue conviver com


homossexuais, guarda secretamente um componente homossexual, maior ou menor,
que denuncia o medo de olhar para um espelho que reflita seus segredos íntimos.
Vasconcelos (1999) acredita que a homofobia explicaria uma falta de coragem para
assumir o componente homossexual existente dentro de si, o que leva à repressão de
quaisquer sentimentos homossexuais.

A aceitação e o repúdio da bissexualidade ainda é bastante controverso. O


Manifesto do Grupo de Ação Lésbico Feminista de São Paulo (em Vasconcelos, 1999) e
Brener et al (1991) apontaram para o fato de que a homossexualidade masculina é
mais aceita do que a feminina, o que vai contra a opinião de palestrantes da II Semana
da Diversidade Sexual, no Rio de Janeiro, realizada em outubro de 2007
(http://www.eco.ufrj.br/diversidade) e de reportagem no Jornal do Brasil
(http://quest1.jb.com.br/jb/papel/colunas/intima/2005/03/04/jorcolitm20050304001.html).

Assim sendo, a sexualidade humana sempre existiu. O que demorou a ter início
foi o estudo sobre ela. Segundo Baptista (1998), o interesse crescente nesta área faz
com que o número de novos e interessantes trabalhos aumente. As preocupações
sempre vão diferir com o passar dos tempos, com novas ideologias sexuais, novo clima
social e nova filosofia terapêutica e educacional. Contudo, alguns valores voltam a ser
questionados, suscitando uma modificação de atitude anti-sexual para pró-sexual, do
preconceito à aceitação, comportamentos que promovem a emancipação sexual em
algumas camadas sociais (Araújo, 1997).

1
forma de praticar o ato sexual lésbico, roçando ou esfregando a sua genitália na da parceira,
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tribadismo.
18

Capítulo 2 - A evolução dos estudos em sexualidade humana

Magnus Hirschfeld, psiquiatra alemão, em 1919, fundou o Instituto de Ciência


Sexual, em Berlim. No Instituto havia um centro de estudos do comportamento sexual,
onde foram atendidos mais de dez mil indivíduos, que recebiam conselhos sexuais de
acordo com os problemas relatados, a partir de entrevistas realizadas com um
questionário composto de 130 itens. Essa pesquisa foi a principal antecessora às de
Kinsey (Goldenson e Anderson, 1989).

Conforme destaca Gregersen (em Baptista, 1998), Hirschfeld influenciou o


movimento de reforma sexual, na Alemanha, que originou a Liga Mundial pela Reforma
Sexual e foi difundida por todo o mundo. Infelizmente, a maioria das pesquisas e
escritos foram perdidos na década de 30, com a chegada de Hitler ao poder. Dentre os
sexologistas seguidores de Hirschfeld, destaca-se Havelock Ellis, da Inglaterra.

Ellis acreditava que os desviantes sexuais não eram criminosos depravados e a


tolerância sobre a masturbação e a sexualidade feminina deveria ser maior. O autor cita
que, apesar da força fisiológica, o sexo também é dominado pela sociedade. Assim, as
pessoas diferem sexualmente, e as culturas tiram proveito de tais desigualdades. Suas
idéias não foram bem aceitas, mas seu trabalho inspirou diversas pesquisas e
investigações sobre a saúde sexual (Baptista, 1998). Sobre o sexologista, destacou
Leiblum e Pervin (em Baptista, 1998):

“... sua tentativa de introduzir na sociedade uma nova atitude em relação


ao sexo - uma atitude que englobasse pontos de vista biológicos,
sociológicos, históricos e antropológicos - (...) enfatizou o sexo como
instinto humano natural, e não uma força patológica que precisava de
censura, e afirmou que todos os indivíduos tinham direito à informação
sexual” (Baptista, 1998, p. 42).

A partir da década de 70, o estudo da sexualidade teve um crescimento


vertiginoso. No entanto, autores anteriores a esta data, como Freud, Kinsey, Masters e
Johnson, contribuíram muito, e deve-se a eles várias das transformações do
pensamento atual sobre sexo (Baptista, 1998). Esses primeiros estudos foram
19

influenciados, principalmente, pela Medicina, e poucos antropólogos e etnólogos, nessa


época, tinham interesse nesse assunto (Araújo, 1997).

2.1. Sigmund Freud e o Complexo de Electra

A obra de Freud causou grande impacto com a teoria da libido, do


desenvolvimento psicossexual, da sexualidade infantil, e da motivação inconsciente
(Araújo, 1997). Ele definiu sexualidade de uma forma natural e mais abrangente,
considerando sexual toda e qualquer atividade que proporcionasse prazer, desde o
nascimento, e não somente as atividades referentes ao sexo genital, que tem início na
adolescência (Baptista, 1998).

Freud afirmou que a sexualidade adulta é um modelo da sexualidade infantil e


que toda relação possui uma natureza sexual, já que, por ela, é obtido algum tipo de
prazer. Na infância, a criança possui uma sexualidade perverso polimorfa, isto é, ela
sente prazer em todo o corpo. Em consonância com o pensamento psicanalítico,
Laplanche e Pontalis (em Baptista, 1998) definem que:

“... a sexualidade não designa apenas as atividades e o prazer que


dependem do funcionamento do aparelho genital, mas toda uma série de
excitações e de atividades presentes desde a infância que proporcionam
um prazer irredutível à satisfação de uma necessidade fisiológica
fundamental (respiração, fome, função de excreção, etc.) e que se
encontram a título de componentes na chamada forma normal do amor
sexual” (Baptista, 1998, p. 10).

Tal seqüência de maturação sexual afeta a personalidade. E, neste sentido,


Freud (1924) dividiu esse desenvolvimento em fases: oral, anal, fálica, onde ocorre o
Complexo de Édipo nos meninos, e de Electra nas meninas, período de latência e fase
genital. Em uma breve retrospectiva, a fase genital ocorre na adolescência, onde o
interesse e a atividade eróticos estão centrados no(a) parceiro(a). No período de
latência, o interesse sexual explícito é reprimido e sublimado em atividades de
observação (Goldenson e Anderson, 1989). E no Complexo de Electra, a menina
começa a perceber, de forma inconsciente, as diferenças sexuais, sendo esta
20

confirmada na adolescência, com a heterossexualidade, a homossexualidade ou a


bissexualidade.

O Complexo de Electra é caracterizado por sentimentos contraditórios de amor


e hostilidade: a menina sente amor pelo pai e hostilidade pela mãe. Conforme os
sentimentos de amor-hostilidade, Freud afirma que, ao atingir os três anos, a criança
passa a entrar em contato com algumas interdições necessárias, ela percebe que não
pode realizar todos os seus desejos, e que seus pais ou responsáveis lhe impõem
regras (Freud, 1924).

Essa etapa mostra a realidade cultural à criança, onde os pais não são sua
propriedade, além dos cuidados infantis, eles têm compromissos outros, como trabalho
e amigos. A menina percebe que a mãe pertence ao pai, o que causa ciúmes e
sentimentos hostis por essa mãe. Esses sentimentos são contraditórios, já que a
criança também a ama. Essa identificação da criança por um dos pais é que acarretará
a sua futura escolha sexual.

Na identificação positiva, a menina quer ser semelhante à mãe a fim de


conseguir que o olhar paterno volte-se à ela. Assim, ao mesmo tempo, há uma
identificação e uma competição com a mãe. A criança tem medo de perder o
acolhimento do amor materno. Já na identificação negativa, a criança, com medo de
perder a pessoa por quem sente hostilidade, acaba identificando-se com a figura do
sexo oposto, o que pode acarretar em comportamentos homossexuais (Freud, 1925).

Freud, dando continuidade aos seus estudos, observa o conceito de


inconsciente, onde, ao reprimir a sexualidade, esta se torna fonte de tensão latente,
deixando o sujeito sensível aos sinais diretos ou simbólicos do material reprimido. Com
isso, mesmo sendo reprimido, o sexo se manifestava em situações aparentemente não
sexuais. Os debates sobre sexo e sexualidade eram muitos, porém, no intuito de uma
repressão controladora, e não de uma liberação (Araújo, 1999).

A Psicanálise explica que todo sujeito, em determinado momento de sua


existência, faz uma escolha homossexual e esta se mantém inconsciente.
Posteriormente, o sujeito pode se defender dessa escolha por uma atitude
energicamente contrária. Chazaud (1978) acredita chegar próximo aos pensamentos
21

freudianos ao afirmar que a homossexualidade é uma defesa psicótica. Essas idéias


foram afirmadas e contestadas ao longo da história.

Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os estudos de Hirschfeld, Ellis e


Freud, dentre outros, em conjunto com as propagandas nos meios de comunicação, a
possibilidade dos povos de se comunicarem com maior rapidez e o cinema com seu
ideal romântico fizeram com que o jovem, no meio de todas essas modificações,
continuasse a lutar por maior liberdade (Araújo, 1997).

2.2. Alfred Kinsey e as primeiras pesquisas sistemáticas

Na década de 40, o biólogo Alfred Kinsey enfrentou problemas, na comunidade


científica, ao desenvolver pesquisas sobre sexualidade. Tal comunidade promovia
movimentos conservadores a fim de pressionar a opinião pública e a própria ciência
para que tais trabalhos fossem interrompidos (Baptista, 1998). Este trabalho, apesar de
não ser o primeiro, tornou-se referência objetiva do comportamento sexual humano.

Kinsey realizou pesquisas sistemáticas a fim de estabelecer padrões


normativos de comportamento sexual. A amostra era representativa de pessoas de
acordo com a idade, o sexo, a classe social, a educação, a religião e a localização
geográfica, de modo que resultassem em uma classificação científica das práticas
sexuais, com as freqüências e as relações com variáveis demográficas norte-
americanas.

Kinsey, Pomeroy e Martin (em Masters, Johnson e Kolodny, 1982) utilizaram a


Escala Kinsey, criada em 1948, para avaliar a orientação afetivo-sexual, que foi
chamada, na época, de ‘desejo’. Segundo essa escala, 46% dos entrevistados eram
exclusivamente heterossexuais, 4% exclusivamente homossexuais e 50% não se
apresentavam exclusivamente homossexuais, nem heterossexuais, e sim, bissexuais
(Vieira, 1976).
A escala variava de 0 a 6 e era utilizada para realizar uma classificação prática,
segundo a biografia sexual que os indivíduos apresentavam:
22

0) Exclusivamente heterossexual.
1) Reações e experiências quase totalmente heterossexuais, ainda que
circunstancialmente possa se relacionar com o mesmo sexo.
2) Preponderância de reação heterossexual, ainda que responda a estímulos
homossexuais e tenha experiências homossexuais, mais que ocasionais.
3) Bissexual em sua atitude.
4) Reage mais a estímulos homossexuais que a heterossexuais.
5) Quase totalmente homossexual em sua reação psicológica e, na prática, com
contatos heterossexuais muito ocasionais.
6) Exclusivamente homossexual ([Snd], nº 38, 1995).

Goldenson e Anderson (1989) afirmam que os dados pesquisados indicaram


que 37% dos homens adultos brancos e 13% de mulheres adultas brancas, nos EUA,
tiveram alguma experiência homossexual, que avançava até o ponto do orgasmo. Os
exclusivamente homossexuais, por grande parte de suas vidas, demonstraram ser
poucos: 8% entre homens e de 1 a 3% entre mulheres. Essas revelações provocaram
choques e críticas jornalísticos (Cary, 1978).

Ao se basear nas condições sociais vigentes, Kinsey verificou que a moralidade


e as leis sexuais da sociedade não condiziam com o comportamento das pessoas, e
que os comportamentos variavam, demasiadamente, em uma mesma sociedade. Seus
livros mostram a minuciosidade de suas pesquisas e a amplitude de comportamentos
sexuais existentes (Baptista, 1998). De acordo com Goldenson e Anderson:

“Kinsey ressaltou que a maioria das pessoas deseja dar vazão à sua
sexualidade de muitas maneiras, que virtualmente todas as pessoas têm
algum comportamento sexual que é de algum modo condenado pela
sociedade ou talvez até pela lei” (Goldenson e Anderson, 1990, p. 200).

Em 1953, as pesquisas realizadas sobre os mecanismos da bissexualidade


feminina humana foram publicadas no livro Sexual behavior in the human female (Filme
Kinsey - vamos falar de sexo, 2004). Neste mesmo ano, a incidência do comportamento
homossexual feminino foi destacada em 28% das mulheres, e este número decrescia a
partir dos 45 anos. De acordo com Leiblum e Pervin (em Baptista, 1998), os dados
23

dessa pesquisa ajudaram a legitimar a prática da bissexualidade e desafiaram as


proibições impostas pela lei e pela religião.

Leiblum e Pervin (em Baptista, 1998) criticaram Kinsey pela sua tolerância e
rejeição à dicotomia normal-anormal no comportamento humano. Afirmaram que Kinsey
percebia todo comportamento sexual como parte de um mesmo contínuo, sem
considerar as diferenças existentes na natureza feminino-masculino.

Na década de 90, Pamplona-Costa (2004) criticou a Escala Kinsey por não


tratar de bissexuais ou intersexos, contendo apenas sete graus, indo do heterossexual
pleno (K0) ao homossexual pleno (K6), enfim, os admiradores, curiosos, críticos e
seguidores de Kinsey foram muitos (Araújo, 1997).

2.3. William Masters, Virginia Johnson e seus contemporâneos

Dentre os seguidores de Kinsey, destacam-se o médico William Masters e sua


esposa, a psicóloga Virgínia Johnson. Mc David e Harari (em Baptista, 1998) citam que
a primeira pesquisa foi realizada com 380 mulheres e 112 homens, selecionados com
cuidado extremo. Os entrevistados responderam a perguntas minuciosas e foram
observados durante atos masturbatórios e relações sexuais, a fim de que os
pesquisadores pudessem medir a fisiologia de suas respostas sexuais, englobando as
alterações corporais (Masters, Johnson e Kolodny, 1982).

Com esses estudos, Masters e Johnson propuseram uma terapia sexual focal e
formularam a descrição do ciclo de respostas sexuais humanas, que ficou conhecido
como Modelo Quadrifásico, dividido em Fase do Excitamento, Fase Plateau, Fase
Orgásmica e Fase de Resolução. Mesmo assim, os pesquisadores consideraram um
estudo limitado (Baptista, 1998). Os resultados serviram para entender os tipos de
resposta sexual, mas a variação individual na duração e na intensidade de cada
resposta fisiológica específica à estimulação sexual é inegável, além de questões éticas
envolvidas nesse tipo de pesquisa.
24

Os resultados mostraram que as mulheres tinham tanto interesse sexual quanto


os homens e eram capazes de desfrutá-lo. O critério moral de maior liberdade sexual
para os homens, aparentemente, estava ficando no passado e, gradativamente,
mulheres e homens homossexuais se assumiriam (Eisler, 1996). Esses trabalhos foram
publicados nos livros A conduta sexual humana (1966) e A incompetência sexual
(1970) (Araújo, 1997).

Outra contribuição importante refere-se à teoria freudiana do orgasmo vaginal.


Pesquisas realizadas por Masters e Johnson mostraram que a principal fonte da
excitação feminina situa-se no clitóris, que possui muitas terminações nervosas, e não
nas paredes vaginais, com poucas terminações. Assim, o mito do orgasmo vaginal foi
sendo desmistificado, juntamente com o abandono do dogma de que somente este tipo
de orgasmo era normal. O orgasmo clitoriano, considerado imaturo e anormal, condizia
com a visão antiga do sexo, focada no homem (Eisler, 1996).

Apesar de Masters e Johnson (em Baptista, 1998) terem concedido maior


ênfase às disfunções sexuais, a contribuição para melhor compreender a função sexual
foi grande e também serviu de base para os trabalhos de Helen Kaplan, na década de
70, que ainda eram consideradas pesquisas pioneiras na área da sexualidade (Baptista,
1998).

Em 1977, Kaplan deu continuidade aos estudos sobre a resposta sexual,


fazendo modificações pertinentes, unindo e sintetizando as abordagens psicanalítica e
comportamental na formulação de sua terapia sexual, alterando o Modelo Quadrifásico.
Kaplan afirmou que é preciso que a pessoa sinta desejo antes de ficar excitada. Assim
sendo, formulou o Conceito Trifásico da Sexualidade Humana, dividido em Desejo,
Excitação e Orgasmo.

Contemporânea de Kaplan, Shere Hite (1992) realizou um estudo sobre a


sexualidade feminina, utilizando questionários semi-estruturados, no intuito de estimular
uma discussão que abordasse os relacionamentos de forma pessoal, generosa, positiva
e construtiva. As respostas referiam-se também às atividades sexuais preferidas pelas
mulheres, e como chegavam ao orgasmo. Apesar da compilação de dados ter sido
pouco rigorosa, o grau de curiosidade despertado foi imenso.
25

A sexualidade continua despertando interesse nas pessoas comuns e em


alguns pesquisadores, independente de suas áreas de conhecimento. A história tem
demonstrado, no decorrer do tempo, inegável importância aos estudos da Sexualidade
Humana.

2.4. Michel Foucault: sexualidade e poder

O filósofo francês Michel Foucault abordou o tema da sexualidade de forma


sócio-histórica, e não com pesquisas sistemáticas. O autor leva em consideração a
sexualidade, o discurso e o poder. Ao abordar esse assunto, Foucault (1993) sinaliza
que os diversos discursos reinantes na sociedade ocidental, desde o século XVI,
acabaram por obscurecer a sexualidade, ao invés de proporcionar o seu entendimento.
E esses discursos contribuíram para a produção de pseudo-verdades sobre o sexo, isto
é, estabeleceu-se o que era permitido e proibido vivenciar em termos sexuais. Assim, a
história da sexualidade, para o autor, deve ser feita a partir desses discursos.

Foucault (em Gonçalves, 1999) afirma que a sexualidade não é submetida à


estética, à religião ou à moral, e sim à ciência. O século XXI herdou esse deslocamento
da estética, da religião e da moral para a ciência. A cultura ocidental foi a única a
desenvolver uma ciência sexual, ao invés de uma arte erótica. O autor expõe os
conceitos de ars erotica e da scientia sexualis.

O primeiro conceito, reinante na Grécia e em Roma, apresentava as formas de


ampliação do prazer, onde a verdade advém do prazer, recolhido como experiência e
estudado pela sua qualidade, vividos no cotidiano. Já o segundo conceito, típico do
ocidente, é a base da repressão na Pedagogia, na relação entre adultos e crianças, nas
relações familiares, na Medicina e na Psiquiatria. Contudo, esses esquemas de
dominação podem sofrer modificações, sendo mantidos ou destruídos pelo poder, já
que este pode ser negativo ou produtivo, pois onde há poder também há resistência
(Foucault, 1993).
26

Na maioria dos discursos, o termo poder é entendido como lei e como


interdição. A história da sexualidade deveria ser estudada pelo ‘poder-incitação’, pelo
‘poder-saber’, e não pelo ‘poder-repressão’ ou ‘poder-censura’. Todavia, a cultura
ocidental se interroga sobre a verdade do sexo e exige que cada indivíduo a formule
sobre si (Foulcault, 1976). O filósofo põe em dúvida o porquê dos sujeitos sentirem
rancor ao expressar a repressão sexual, afirmando que este sentimento pode tanto ser
uma crítica, como conseqüência de uma técnica discreta de poder.

A superação do discurso moralista sobre o sexo é mais importante do que o


moralismo propriamente dito. O sexo deveria ser regulado com discursos úteis que
fortalecessem os cidadãos. Até então, em oposição, o aumento desses discursos teve
como foco produzir uma sexualidade economicamente ativa, com a análise da taxa de
natalidade, a idade do casamento, a freqüência das relações sexuais e a maneira de
torná-las fecundas ou estéreis (Foucault, 1993).

Mesmo moralista, o discurso sobre o sexo incita a curiosidade em todos. O


discurso repressivo está de acordo com a sociedade atual dominante, que se sente
bem ao poder falar de um período em que tudo vai ser melhor, ou seja, o começo da
liberação sexual. A sexualidade humana não deve ser concebida como um dado da
natureza que o poder tenta reprimir. Consiste na consciência do que e como se age, no
modo como a experiência é vivida e no valor atribuído a ela. O filósofo cita uma
liberdade de escolha sexual, e não de ato sexual (Foucault, 1982). As sexualidades são
socialmente construídas com a intensificação dos prazeres, com a incitação ao
discurso, a formação de conhecimentos, o reforço de controles e resistências. Cada ser
humano deve aceitar a verdade que mais lhe convém ou as contestar, criando novas
verdades (Foucault, 1993).

Em entrevista concedida a revista canadense Body Politic, Foucault aponta que


o movimento homossexual tem necessidade de viver a sexualidade e não de um
conhecimento científico. A sexualidade é construída pelo ser humano e auxilia em como
a cultura será usufruída por ele. Os desejos, bases dessa sexualidade, instauram novas
formas de relacionamento e amor. Com isso, o sexo não é uma fatalidade, é uma
possibilidade de ascender a uma vida criativa.
27

Desde o início da década de 60, o processo de liberação sexual foi benéfico à


mentalidade social. No entanto, tal situação não se manteve estável. A possibilidade do
indivíduo escolher a sua sexualidade continua sendo importante e a criação de novas
formas de relações, amizades, a arte, a cultura instaurada pelas escolhas sexuais,
éticas e políticas podem permitir uma estabilidade mais duradoura. As mudanças
necessárias não virão de partidos políticos, e sim de movimentos que já conseguiram
transformar muitas mentalidades e atitudes, mesmo de pessoas que não pertenciam a
esses movimentos (Foucault, 1984).
28

Capítulo 3 – Fatores determinantes da sexualidade

3.1. Sexo e sexualidade: universos desconhecidos?

A palavra sexo possui duas definições: uma que distingue o macho da fêmea,
nos animais; e a outra como sinônimo de relação sexual. A primeira definição será
utilizada no início deste capítulo, enquanto a ultima definição, que será utilizada no
capítulo 4, engloba uma das motivações humanas básicas, fisicamente sentidas com
maior intensidade e completude, mais do que quaisquer outras relações pessoais
(Schiavo, 2004).

De acordo com Eisler (1996), o sexo é uma atividade humana inata e


indispensável, e as atitudes e as práticas sexuais é que são aprendidas. As pessoas
mudam radicalmente suas atitudes e comportamentos sexuais em períodos curtos, de
menos de uma geração. Desta forma, o modo como as relações sexuais são
construídas tendem a afetar as demais. Mesmo assim, o sexo é tratado como um
problema que precisa ser resolvido por um discurso científico, onde as práticas sexuais
e os indivíduos possam ser nomeados, classificados e rotulados, de acordo com o tipo
de relação que vivenciam, o que torna o controle eficaz.

Comumente, as pessoas tendem a pensar que há somente uma forma boa de


praticar o sexo, recusando as demais e criando estereótipos e clichês, que reduzem e
empobrecem a experiência sexual humana. Homossexualidade e bissexualidade
passam a ter um significado pejorativo, diferentemente da heterossexualidade
(Gonçalves, 1999).

Já a sexualidade, considerada como uma das características mais conflituosas,


controversas e desconhecidas do ser humano, é parte integral da personalidade, com
suas sensações, conflitos e relacionamentos sociais, e não só como a vida sexual é
exercida. É a integração entre o corpo, a mente, a família e a sociedade e é nesta
interação que a escolha da sexualidade se dará (Pamplona-Costa, 2004; Vasconcelos,
1999).
29

A sexualidade se refere às necessidades biológicas, a possibilidade de


procriação, e envolve os indivíduos como um todo, influenciando diretamente os
sentimentos e a maneira de ser, agir e pensar. O seu desenvolvimento sadio depende
da satisfação de necessidades humanas emocionais básicas, como desejo de contato,
intimidade, expressão emocional, prazer, carinho e amor (Rodrigues Jr., 2007).

De acordo com Pamplona-Costa (2004) e Eisler (1996), a sexualidade é


múltipla e varia de pessoa para pessoa, possuindo uma dinâmica idiossincrática, não
sendo estagnada. Pode se exteriorizar de diferentes maneiras ao longo da vida, e até
mesmo em um único dia. Conforme sugerem os autores:

“Sexualidade é o termo que se refere ao conjunto de fenômenos da vida


sexual. Ela é o aspecto central de nossa personalidade, por meio da qual
nos relacionamos com os outros, conseguimos amar, ter prazer e procriar“
(http://www.osonzesexos.com.br/home/consultorio.php?ancora=5).

A orientação sexual, parte constitutiva da sexualidade, é bastante diversificada, e


os modos de apropriação e uso social da sexualidade estão sendo considerados com
maior naturalidade, apesar de ainda existir o preconceito. A diversidade sexual
começou a ser melhor aceita pela sociedade a partir da Revolução Sexual, ocorrida
entre as décadas de 60 e 80, da exclusão da homossexualidade como doença mental
pela Associação Psiquiátrica Americana na década de 70, e da mesma atitude que foi
decididamente tomada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1994
(http://www.eco.ufrj.br/diversidade/).

A maneira como a sociedade constrói a sexualidade, em uma determinada


época e local, seja ela heterossexual ou homossexual, está sempre correlacionada aos
seus mitos. O termo mito é utilizado por Highwater (1992) como uma verdade imutável,
sagrada, uma base para os comportamentos sexuais expressos. Schiavo afirma que
“mito [refere-se a uma] coisa inacreditável, fantasiosa, irreal. Forma de pensamento
oposta à do pensamento lógico, científico” (Schiavo, 2004, p. 105). É uma
representação de fatos de modo exagerado, pela imaginação social e tradição.
Similarmente, a crendice é uma crença popular que, se pensada racionalmente, torna-
se absurda. E tabu é a proibição convencional imposta pela tradição ou costume a
30

certos atos e temas, tidos como impuros e que não podem ser violados, sob pena de
repressão e perseguição social. O próprio sexo é um tabu.

Assim, a cultura ocidental não consegue lidar com esse importante aspecto da
vida e cria modelos estanques onde os indivíduos devem ser encaixados e
classificados. A maioria desses modelos é baseada no preconceito e na falta de
informação, não permitindo que o ser humano seja exatamente aquilo que quer, deseja
e poderia ser (Eisler, 1996).

Gonçalves (1999) acredita que a busca espontânea de verdades sobre a


sexualidade e o sexo sugere inquietações que as pessoas tendem a recalcar. As
relações, variadas e possuidoras de fatos desconhecidos, desencadeiam reações
diversas em cada ser humano. Neste mesmo pensamento, Vasconcelos (1999)
acrescenta não ser correto condenar a homossexualidade ou a bissexualidade por não
ser reprodutiva, já que a heterossexualidade não reprodutiva não é mais tão
condenada.

A antropóloga Gayle Rubin (em Gonçalves, 1999; em Eisler, 1996) corrobora


com a não condenação, pois não há conferência de coerção e violência nas relações
supostamente boas, e amor e respeito nas consideradas más. Os atos sexuais são pré-
julgados preconceituosamente, sem levar em consideração como os envolvidos são
tratados, se há consideração mútua, presença ou ausência de coerção e quantidade e
qualidade de prazeres que oferecem.

Tais definições e classificações presumem um modelo de normalidade onde


todos devem se ajustar, sendo os demais desviantes. Pela oposição binária normal-
anormal se ensina a decifrar os comportamentos alheios e a fazer julgamentos
antecipados, como meninas femininas versus meninas masculinizadas, e
heterossexuais versus homossexuais (Gonçalves, 1999; Goldenson e Anderson,
(1989). Assim, nesta oposição binária, não há lugar para a bissexualidade.

Quando o sujeito sente um desejo inusitado, que não seja heterossexual, já


considera a possibilidade de procurar uma consulta psicoterápica. De acordo com
Vasconcelos, “isso é uma pena, pois a ocorrência dessas situações é sinal certo de que
estamos no caminho da descoberta de nossa sexualidade” (Vasconcelos, 1999, p. 222).
31

Acolher o desejo não significa ceder a um impulso, e sim dar tempo, analisar e
transformá-lo em uma auto-descoberta. O desejo pode ser bom ou mau, ou, bom e
mau, sem maniqueísmo, tudo irá depender da reflexão para o auto-conhecimento.

No entanto, os valores institucionais, a família, a Igreja Católica e o casamento,


pilares da moral burguesa que regem o comportamento do denominado cidadão de
respeito, fazem com que a sexualidade continue sendo tratada e abordada de modo
negativo. Com isso, o sexo como lazer, profissão ou ato praticado de maneira não-
convencional é percebido preconceituosamente, o que torna fundamental a
desconstrução de imagens pré-estabelecidas pelo senso comum, que é contaminado
por ideologias hegemônicas (http://www.eco.ufrj.br/diversidade).

Dessa forma, é percebido que sexo e sexualidade não são sinônimos, apesar
de, muitas vezes, serem tidos como tal. A sexualidade engloba o sexo, assim como
todos os tipos de sexualidade, mas não se reduz a nenhuma destas definições
isoladamente.

3.2. Aspectos biológicos

A criança, ao nascer, é distingüida como homem ou mulher, de acordo com sua


genitália externa. E já nasce com três potencialidades, a psicológica, a biológica e a
social, sendo necessário desenvolvê-las. No entanto, essas potencialidades não são
estanques, são inter-relacionadas e inseparáveis, o corpo e o psiquismo necessitam do
social para se completar (Pamplona-Costa, 1994).

O indivíduo deve ser compreendido nessa tríade, já que o psíquico remete às


relações com as outras pessoas. A abordagem psicológica engloba a mente, o
psiquismo, as emoções mais primárias, os afetos, os desejos, as fantasias e os sonhos.
Por eles, os indivíduos conseguem se relacionar de acordo com os papéis sociais que
desenvolverão.

Essas potencialidades são responsáveis pelo desenvolvimento da identidade


sexual, sendo um movimento de mão dupla, onde cada elemento da tríade influencia o
32

outro (Pamplona-Costa, 1994). O ser mulher, bem como o ser homem, só inicia com o
reconhecimento de si mesmo ou a formação da identidade pessoal, passo inicial da
estruturação da personalidade (Baptista, 1998).

Assim, a essência de uma pessoa em si não é constituída somente pela sua


sexualidade. Baptista (1998) aponta que é a impressão global de várias características
que constitui uma pessoa, podendo ser estas mais independentes, co-dependentes e,
até mesmo, discordantes do que dependentes entre si. Todavia, as escassas
especificidades do termo sexo e de seus provenientes causam muitos usos e
interpretações, variando de acordo com os autores. As concepções teóricas que entram
em conflito para explicar o tema também são muitas, devido a falta de linguagem em
comum nas diversas áreas da ciência (Silva, 1999; Schiavo, 2004).

Para Fagundes (http://www.eduk.com.br/?q=comment/reply/80) e Silva (1999),


a identidade sexual é melhor configurada como identidade de gênero devido à diferença
entre os conceitos de sexo e gênero. O termo gênero implica na construção social e
histórica do ser mulher e do ser homem. As semelhanças e diferenças pertencentes ao
gênero, masculino e feminino, são muitas e complexas, dependendo se as
interpretações englobam a Biologia, a Psicologia ou a Sociologia Cultural. Elas
interagem independentemente e todas atuam sobre o mesmo indivíduo.

O processo de diferenciação sexual é longo e envolve características


específicas em cada estágio evolutivo (Silva, 1999). Assim sendo, com base no viés do
determinismo biológico normal, afirma-se que ele nos separa em um dos sexos,
feminino ou masculino.

O primeiro momento de diferenciação normal ocorre na fecundação, quando um


cromossomo X ou Y, no espermatozóide, é acrescido do cromossomo X, incluso no
óvulo. Esta primeira fase é denominada de sexo cromossômico ou genético, sendo XX
na mulher e XY no homem. A programação genética desenvolve-se a partir dessa união
e é a ausência do Y que determinará o sexo gonádico (Silva, 1999; Costa, 2000).

Os fetos XX e XY possuem gônadas primitivas bipotenciais nas primeiras


semanas de gestação, onde as células germinativas primordiais formam as gônadas,
masculinas e femininas e, após a 7ª semana do desenvolvimento, originam,
33

respectivamente, os testículos e os ovários. Essa etapa caracteriza o desenvolvimento


do sexo gonádico, gonadofórico ou gonadal.

De acordo com o sexo gonádico, os embriões possuem outros elementos


internos indiferenciados, que irão desenvolver os dutos de Müller, na mulher, e os dutos
de Wolf, no homem. A formação dos testículos e a produção de androgênio, no homem,
inibem o desenvolvimento dos dutos de Müller.

Os dutos de Wolf irão se transformar em vesículas seminais, canais deferentes e


próstata, que são as estruturas genitais internas masculinas. Na mulher, os dutos de
Müller, desenvolvidos pela ausência dos testículos, desenvolver-se-ão em útero,
trompas e terço interno do canal vaginal, formando o aparelho genital interno feminino
(Silva, 1999; Costa, 2000).

Posteriormente a estas etapas, o tubérculo genital, estrutura comum e indefinida


em ambos os sexos, formará a genitália externa masculina ou feminina dependendo do
equilíbrio hormonal. Na presença de testosterona, o pênis e a bolsa escrotal se
formarão; e na sua ausência, a vulva, a parte externa do canal vaginal e o clitóris irão
se desenvolver. Esse processo é denominado de sexo hormonal (Silva, 1999).

Segundo Silva (1999), a diferenciação genital ocorre com a ação dos hormônios
na organização cerebral, em um ritmo funcional do sistema hipotalâmico-hipofisário,
cíclico na mulher, e tônico no homem. O hipotálamo controla a hipófise, que estimula os
ovários ou os testículos na produção de hormônios sexuais respectivos de cada sexo.
O hipotálamo tem sua própria organização, ficando em repouso durante a infância e
sendo ativado na puberdade, quando ditará o ritmo ovariano ou testicular. Colombino
(em Costa, 2000) denomina esta etapa de sexo hipotalâmico, e afirma que o ritmo
funcional determinará a conduta sexual.

O funcionamento das gônadas masculinas e femininas tem início na puberdade,


ditando o aparecimento de caracteres sexuais secundários. Nas meninas, ocorre o
crescimento de pêlos pubianos, aumento do tamanho dos órgãos genitais,
arredondamento de formas, desenvolvimento dos seios, além da capacidade biológica
primordial de reprodução (Silva, 1999).
34

Canella e Nowak (em Costa, 2000) se referem ao sexo somático, definido pelos
genitais internos e externos e caracteres sexuais secundários. Colombino (em Costa,
2000) menciona ainda o sexo ósseo, estabelecido por radiografias, o sexo cromatínico,
determinado pelos corpúsculos de Barr das células femininas, o sexo hormonal,
definido pelos andrógenos no homem e pelos estrógenos na mulher, e o sexo gamético,
como sendo aquele que contribui para a produção de espermatozóides e óvulos.

Todas essas influências biológicas pré-natais não cessam abruptamente após o


nascimento. Elas impõem fronteiras a certos aspectos do desenvolvimento pós-natal. E,
entre o período fetal e a puberdade, a dosagem de hormônios sexuais é equilibrada, em
homens e mulheres. O médico Pamplona-Costa (2004) afirma que a criança começa a
ter consciência de sua identidade genital entre os dois e três anos de idade, havendo
uma inter-relação de fatores biológicos e psicossociais, quando a aprendizagem terá
mais influência.

Apesar do processo fisiológico ser melhor determinado do que o psicológico,


este último engloba fortes influências sócio-culturais, onde o indivíduo se desenvolve.
Dentro das teorias psicológicas ainda há as diversas tendências por onde podem ser
estudadas, como a Psicanálise, as teorias de aprendizagem social e as teorias
cognitivas. A maioria dos teóricos reconhece os três fatores, o biológico, o psicológico e
o social. Porém, observa-se uma ênfase maior nesse ou naquele aspecto, dependendo
da área a que o profissional pertence (Silva, 1999).

3.3. A dimensão social

Desde a infância, a mãe educa sua filha com brincadeiras de casinha para que
ela aprenda como deve portar-se no futuro: casar, ser esposa e ser mãe. Deste modo, a
sexualidade começa a ser introjetada na construção da identidade e do papel sexual,
com os fatores biológicos, sócio-culturais e psicológicos interatuando (Baptista, 1998).

O ser humano necessita da convivência com seus semelhantes, e inicia esse


contato por intermédio do amor e de sentimentos emocionais e físicos mais intensos,
35

que provêm do contato afetivo e emocional com seus pais, principalmente, após o
nascimento. Esse contato inicial pode auxiliar ou prejudicar a pessoa em seu processo
sócio-evolutivo. A auto-imagem construída nessa etapa contribuirá no desenvolvimento
da identidade pessoal e de gênero.

Na maioria das culturas ocidentais, a construção social da sexualidade tende a


ser baseada no controle das mulheres pelos homens. Contudo, as atitudes e
relacionamentos aprendidos podem ser modificados a posteriori, e os antigos valores
constituem camadas internas significativas, difíceis de serem alteradas. Assim, um
importante componente do processo de construção da identidade é a identidade sexual,
formada por componentes conscientes e inconscientes (Baptista, 1998; Eisler, 1996;
Silva, 1999).

3.3.1. A identidade sexual

Money e Tucker (1981) afirmam que a identidade sexual é a auto-avaliação, a


consciência e o sentimento que a pessoa tem de pertencer a um determinado gênero,
masculino, feminino ou ambivalente, em maior ou menor grau. Enfim, é a experiência
pessoal do papel sexual, o que será analisado posteriormente. Essa mesma idéia é
defendida por Goldenson e Anderson (1989), que acreditam que a formação da
identidade nem sempre ocorre com facilidade (Fagundes, 1999).

No livro Os onze sexos, Pamplona-Costa (1994) menciona que a formação da


identidade sexual ocorre na infância, entre os 5 e 7 anos de idade. Mas, na prática, é a
sensação de que o sexo psicológico está de acordo ou não com o sexo anatômico.
Giffin (1999) utiliza um modelo binário heterossexual, homem-mulher, exemplificando a
identidade de gênero como quando o homem faz sexo com mulheres, e a mulher,
quando faz sexo com homens.

Partindo da dicotomia mulher-homem, a mulher introjeta a condição feminina


inferior, como o feminino sendo a negação do masculino, ao passo que o homem
introjeta o masculino como sinônimo de superioridade e poder (Fagundes, 1999). A
36

rígida separação de gêneros divide e limita os potenciais sexuais humanos, enquanto a


sua subversão reconhece as múltiplas formas de ser entre os dois pólos (Cornell e
Thurschwell, 1990, em Fagundes, 1999).

Silva (1999), Goldenson e Anderson (1989), dentre outros autores, acreditam


que uma pessoa não desenvolverá sua identidade caso não se situe como homem ou
mulher. Nesse sentido, Money (em Silva, 1999) destaca haver uma predisposição inata
para que a estruturação aponte para um ou outro gênero, o que foi chamado de ‘núcleo
de base da identidade de gênero’, isto é, um sentimento subjetivo. O autor estabelece
um período crítico, entre os 18 e os 24 meses, para que essa estruturação aconteça.
Money também ressalta que as pessoas não são programadas para uma identidade
sexual, mas possuem inclinações que irão se desenvolver com a estimulação do meio
sócio-psicológico.

Alguns fatores e suas integrações são de extrema importância para constituir


esse núcleo de base, tais como o relacionamento parental, a genitália externa, a
capacidade cognitiva e a linguagem. Com isto, a criança percebe a relação entre ter um
genital externo e ser aceita como de um ou de outro sexo. Ao sedimentar o núcleo de
base com uma identidade de gênero sólida, a internalização dos papéis sexuais, pelos
processos de imitação e analogia parentais, será mais fácil, e a ampla socialização
possibilitará a continuidade do processo, sofrendo forte efeito impulsionador na
puberdade.

Assim, uma menina que goste de lutar e não de desenhar, mais agressiva do
que afetiva, não irá preferir, necessariamente, relações sexuais com mulheres. Um
meio social sem muitas críticas, uma família que demonstre amor e não verbalize estes
comportamentos como masculinos, fazem com que o desenvolvimento seja um pouco
diferente da maioria, mas não abalam a crença básica de que é mulher (Silva, 1999).

Identidade, papel e atividade sexuais não formam um conjunto único de


sentimentos manifestos separadamente. Ao mudar algumas atitudes, as pessoas se
capacitam para uma mudança de papéis sociais que, conseqüentemente, sustenta a
mudança pessoal seguinte (Silva, 1999; Eisler, 1996).
37

3.3.2. Papéis sócio-sexuais ou Papéis de gênero

Conforme assinala Rubin (em Giffin, 1999), a identidade e os papéis sexuais


estão interligados aos estereótipos culturais sexuais, de modo que as regras não
possuem associação direta com ser homem ou mulher, em sentido biológico, ou mesmo
psicológico. Assim, as pessoas do sexo feminino possuem características em comum,
que são distintas das do sexo masculino.

A família, ao condicionar a criança para que saiba o que é esperado dela


socialmente, ensina os papéis sócio-sexuais, podendo reforçar ou criar novos
estereótipos sexuais (Baptista, 1998; Rappaport, 1996). Giffin (1999) avalia que há uma
dicotomia mulher-homem nos papéis sexuais, que variam em diferentes épocas e
culturas, tanto no conteúdo, quanto na severidade dos limites impostos (Silva, 1999;
Goldenberg, 1999). Contudo, há uma diversificação de níveis e intensidade entre esses
dois modelos que extrapolam tal dicotomia social.

A educação afetiva e delicada é uma regra aplicada às meninas, com os


brinquedos, a literatura infantil, o colégio e a TV dando continuidade ao processo
dicotômico. Desta forma, a exigência dos papéis sexuais tende a ser coerente com o
sexo biológico e é introjetada pela criança desde cedo (Silva, 1999; Goldenberg, 1999).
Esses papéis são a base para o desenvolvimento dos demais papéis sociais, sendo
impossível dissociar o primeiro do último e da sexualidade, ao qual está diretamente
vinculado. O papel sexual não se limita a excitação e a resposta sexual (Costa, 1994;
Money e Tucker, 1981).

Uma sociedade mais flexível tende a constituir pessoas menos tipificadas em


seus papéis de gênero. As alterações desses papéis estão ocorrendo. Porém, as
pessoas menos estereotipadas sofrem críticas e discriminações por não estarem nos
padrões preestabelecidos (Silva, 1999). Uma reflexão sobre a necessidade e a utilidade
de rígidas delimitações à atual vivência social seria benéfica e saudável, já que não é
dada a devida importância às potencialidades pessoais (Silva, 1999; Goldenberg, 1999)
e, simplesmente, tais papéis são aceitos como verdades absolutas (Masters, Johnson e
Kolodny, 1988).
38

Assim sendo, o papel sexual é a expressão pública da identidade de gênero,


isto é, o conjunto de condutas esperadas associadas à sexualidade, e socialmente
exigidas do indivíduo (Goldenson e Anderson, 1989). A construção social dos papéis e
os gêneros biológicos afetam e são afetadas em conjunto (Eisler, 1996). Porém, os
papéis são cristalizados de tal forma na personalidade, que acabam sendo
considerados naturais, e não aprendidos (Gonçalves, 1999). A Biologia determina a
diferença sexual anatômica e a sociedade define os papéis sexuais. E, dentro desses
papéis, Eisler afirma que:

“... embora várias mulheres tenham internalizado a visão de que não


devem dominar, também, com freqüência, internalizaram um sistema de
valores no qual o poder para dominar é altamente valorizado” (Eisler, 1996,
p. 355).

Pelo método explicativo foi descrita a educação sexual referente à identidade


de gênero e aos papéis e estereótipos sexuais. Dentro de tais definições encontra-se,
ainda, a orientação sexual que cada pessoa fará de maneira individual.

3.3.3. Orientação sexual

O psiquiatra e psicodramatista Ronaldo Pamplona da Costa (1994) e a


psicóloga Arlete Gavranic (http://www.topgyn.com.br/conso36a/conso36a29.htm)
concordam que a orientação sexual não é uma opção pessoal. Dessa forma, os termos
antes utilizados (‘opção sexual’ e ‘preferência sexual‘) foram trocados pelo termo
‘orientação sexual’, pois os dois primeiros supõem uma escolha consciente, o que não
é possível (http://pt.wikipedia.org/wiki/Prefer%C3%AAncia_sexual). O ser homossexual
ou bissexual não é uma imaturidade sexual, nem uma 'safadeza', e sim, uma orientação
sexual desenvolvida com influências psicossociais e biológicas que ainda não se sabe
ao certo o quanto podem interferir nessa orientação.

Desta maneira, a orientação sexual é a denominação referente à direção que o


desejo sexual toma em relação ao objeto de desejo e realização sexual, sendo mais um
aspecto formador da identidade sexual, e não um mero sinônimo (Silva, 1999). Essa
39

orientação, segundo Gavranic (http://www1.uol.com.br/vyaestelar/bissexualidade.htm),


é individual e diz respeito à sensação interna da capacidade de se relacionar amorosa
e/ou sexualmente com alguém:

“Se essa atração ocorrer por alguém de sexo igual ao seu - será uma
atração homossexual, se a atração sexual for por alguém de sexo diferente
do seu - será uma atração heterossexual, ou ainda se a atração sexual
ocorrer tanto pelo sexo feminino como pelo masculino - será uma atração
bissexual” (http://www.topgyn.com.br/conso36a/conso36a29.htm).

O indivíduo pode ter uma orientação assexual, não sentindo nenhuma atração
sexual, heterossexual, homossexual, bissexual ou, até mesmo, pansexual2. O fato de
nascer homem ou mulher não define, isoladamente, a vida sexual. A mulher bissexual
ou homossexual não tem problema na relação corpo-identidade. Ela possui uma
identidade sexual formada e gosta de suas características anatômicas e não deseja
alterá-las (Gavranic, http://www1.uol.com.br/vyaestelar/bissexualidade.htm).

Desta forma, a orientação sexual é um dos elementos de grande importância na


adolescência, onde o jovem começa a ter novas e diferentes sensações. A dupla moral
continua vigente na sociedade atual e, com isso, o adolescente aprende que não deve
fazer perguntas aos adultos, fato que causa uma maior insegurança de como deve agir.

A entrada na puberdade traz novas pressões sobre a identidade sexual, pois a


ativação do funcionamento ovariano ou testicular introduz nova quantidade de
hormônios, o que começa a causar os impulsos eróticos (Eisler, 1996; Silva, 1999).
Novos aspectos serão esculpidos, com alterações anatômicas, fisiológicas, psicológicas
e sociais presentes. A forma que essa etapa será vivida dependerá das estruturas
primárias sedimentadas, como o núcleo de base da identidade sexual (Silva, 1999).
McConaghy (em Masters, Johnson e Kolodny, 1982) aponta que a orientação sexual é
irreversível em adultos, e o que pode ser modificado é o comportamento sexual.

Para Mott (1999), as dúvidas entre o que se sente e o que a sociedade diz ser o
correto sentir são muitas nessa fase. O jovem costuma testar suas potencialidades e os
diversos caminhos que pode seguir. Segundo Schiavo (2004), as meninas se
aproximam de outras meninas, a companhia de uma amiga do mesmo sexo é mais
2
mistura de homossexualidade, transgênero e bissexualidade, dependendo das oportunidades existentes.
40

agradável e a interação se dá de forma mais harmoniosa, o que não significa indício de


homossexualidade. Assim, no início da puberdade, podem ocorrer comportamentos
homossexuais ocasionais, ou experimentais, que tendem a desaparecer no final da
adolescência. Com isso, a homossexualidade, nesta etapa evolutiva, é considerada
natural (Goldenson e Anderson, 1989).

Nenhuma pessoa deve se sentir responsável ou culpada pela orientação sexual


do outro. Contudo, os pais que aceitam de forma positiva a orientação sexual
diferenciada dos filhos são poucos. A maioria ainda tem comportamentos negativos,
como a negação dos filhos, com a expulsão ou não de casa, o silêncio absoluto após o
filho assumir sua sexualidade, nunca mais voltando a tocar no assunto, ou o
encaminhamento a padres, psicólogos ou médicos para curá-los. Ainda que a história
da cultura ocidental explique essa dificuldade, a discriminação já deveria ter sido
trocada pela aceitação (Mott, 1999).

Muitas vezes, o preconceito pessoal oprime os direitos das pessoas a obterem


serviços competentes com dignidade. Os não-heterossexuais costumam ter de lutar
contra tentativas de alterar a sua orientação sexual, ao procurar os serviços
profissionais (Masters, Johnson e Kolodny, 1982).

Capítulo 4 – Reflexões acerca da sexualidade


41

4.1. Heterossexualidade: avaliando papéis

Para cada discurso sobre o sexo, seja médico, político, religioso, pedagógico ou
popular, existe um valor que está acima dos demais, e é através dele que os
julgamentos são regulados. O casal heterossexual, monogâmico e procriativo, e o sexo
considerado saudável e natural estão no topo dessa hierarquia. No extremo oposto,
estão os considerados pervertidos, praticantes de um sexo considerado doentio,
anormal, antinatural e pecaminoso (Gonçalves, 1999).

Na cultura ocidental, a mulher vem utilizando o mecanismo psicológico de


negação de modo a aceitar sua posição submissa perante o homem, sem cogitar que
tal posição pode estar equivocada. Esse fato proporcionou a conservação das relações
de dominação e submissão, onde o elo natural do dar e receber, do amor e do prazer
sexual entre mulheres e homens, foi e continua sendo impedido.

O reconhecimento histórico de que as mulheres não foram somente vítimas


passivas é muito importante. A sociedade faz parte de um sistema opressivo e, ao longo
da história, mulheres e homens quase sempre colaboraram ativamente na dominação e
opressão feminina e de outras minorias. Ao tomar consciência da verdadeira situação
reinante, é possível adquirir poder para efetuar algumas das mudanças necessárias.

Apesar da sociedade ocidental começar a aceitar a independência feminina, ao


invés de definir a mulher como favorecedora ou impedinte das metas masculinas,
muitas mulheres ainda não admitem a associação do sexo com a dominação, julgando
essas experiências conjugais como normais e inevitáveis (Eisler, 1996).

A preocupação em conhecer a qualidade de vida afetiva, o nível de prazer ou


felicidade que o ser humano tem é inexistente. A importância está em ter que escolher a
heterosexualidade. Com essa forte imposição, muitas pessoas tentam encontrar alívio
de seus desejos homoeróticos adotando um padrão de vida dupla, onde assumem um
comportamento heterossexual na sociedade e, em um mundo privado, exercem a sua
42

homossexualidade. O choque entre esses dois comportamentos acaba gerando


conflitos interiores (http://pt.wikipedia.org/wiki/Prefer/C3/AAncia_sexual).

Do final do século XX até os dias atuais, os seres humanos estão vivendo em


um período de transição, apostando e investindo na maior qualidade do relacionamento
amoroso. Porém, como qualquer mudança, essa transição envolve perdas e riscos.
Abrir mão de privilégios e questionar as imposições sociais, ter uma atitude criativa e
crítica perante a própria vida, deixando de lado falsos mitos de que a ‘normalidade’ traz
felicidade, impostos pelas normas sociais, ainda é uma batalha a ser vencida.

Na tentativa de vencer essa batalha, as décadas de 60 e 70 abriram espaço


para que homens e mulheres ‘de bem’ pudessem viver juntos e abertamente, sem se
casar. No entanto, mesmo com as inúmeras modificações nas formas tradicionais de
casamento, esta continua sendo uma instituição procurada por muitos casais, mas
sentida de maneira diferente por cada um (Eisler, 1996; Goldenberg, 1999). Este tipo de
sexualidade é o único considerado normal, pois a visão social tem mudado de forma
gradativa.

Com as mudanças sociais, as mulheres começaram a procurar relacionamentos


onde o respeito às diferenças e ao espaço do outro, a negociação diária, o diálogo
permanente, a reciprocidade, o crescimento mútuo e a liberdade estivessem presentes.
Atualmente, muitas dessas características que eram procuradas, são encontradas, com
menor dificuldade, em relacionamentos homossexuais. Elas existem nos
relacionamentos heterossexuais, mas são poucas, de acordo com a esfera social
(Vasconcelos, 1999).

As teorias psicológicas que abordam assuntos referentes aos sentimentos, aos


desejos, às emoções e às inquietações existenciais, são diversas, o que gera uma
variedade de respostas. O ser humano está experimentando formas de amar e viver a
sexualidade diferentemente do que foi descrito nos denominados manuais
heterossexuais, e as respostas psicológicas serão provisórias e limitadas, variando no
decorrer do tempo (Gonçalves, 1999).

Para Schiavo (2004), a diferença entre o heterossexual e o homossexual é a


orientação de seu desejo sexual. Segundo Vasconcelos (1999), a homossexualidade
43

continua ignorada e inquietante, permanecendo como uma espécie de sombra, objeto


de curiosidade e não de compreensão. Assim sendo, o pensamento sobre a
heterossexualidade, considerada como a única forma normal de exercer a sexualidade,
na maior parte da cultura ocidental, está sendo invadido por outros pensamentos. O
normal e o patológico, nos diversos tipos de sexualidade, tomam novos rumos.

4.2. Homossexualidade: revendo concepções

O termo homossexual foi cunhado pela médica húngara Karoly Maria Benkerr,
em 1869. Ela uniu o termo grego ‘homos’, que significa ‘o mesmo’, com o termo ‘sexus’,
do latim, que significa ‘sexo’. Apesar da homossexualidade ter sido considerada como
normal na Grécia Antiga, esse termo não existia. Desta forma, homossexualidade
significa:

“... [um] padrão de interesse erótico pelo mesmo sexo. [Também


denominado por] homoerotismo, homofilia e homogenitalismo. [Ela pode
ser] egodistônica, termo psicanalítico para um distúrbio psicossexual
caracterizado por uma persistente atração homossexual que o indivíduo
considera extremamente perturbadora, desagradável e vergonhosa. (...)
Ele permanece preso ao padrão homossexual e sem condições de
estabelecer relacionamentos heterossexuais. [Ou] egossintônica, [quando]
o indivíduo [assume] e considera aceitável e adequado a sua
personalidade e suas necessidades emocionais” (Goldenson e Anderson,
1989, p. 137-139).

A palavra lésbica e, conseqüentemente, o termo lesbianismo, teve sua origem


no nome da cidade de Lesbos, uma ilha grega, onde há mais de 2600 anos nasceu e
viveu a poetisa Safo, que cantou em seus poemas o amor entre mulheres e a paixão
entre suas companheiras (manifesto do Grupo de Ação Lésbico Feminista de São
Paulo, 1991). A partir daí, a palavra lésbica ganhou dois sentidos: 1. uma origem bonita,
dotada de força e liberdade, usada pelas homossexuais e, 2. uma palavra ofensiva,
com intuito de ferir, tendo como sinônimos sapatão, fanchona, machona, mulher-macho,
paraíba, dentre outras, usadas pelos ditos ‘cidadãos de bem’ ([Snd], nº 37, 1995).
44

De acordo com a Psicanálise, a sexualidade é determinada por um desejo


inconsciente. A qualidade de contato com pessoas de ambos os sexos, as gratificações
e decepções vividas individualmente irão influenciar a decisão de realizar ou não os
desejos heterossexuais e homoeróticos presentes no sujeito. Contudo, a opção de
gostar ou não de outro sexo, a partir de um dado momento, é inexistente (Pamplona-
Costa, 1994).

O ser humano possui recalques de um prazer experimentado e esperanças de


reencontrá-lo de acordo com a história familiar e afetiva, tal como o prazer junto à mãe,
quando a sexualidade infantil é despertada. Este desejo pode permanecer recalcado a
vida inteira, e o que parece ser o desejo do próprio sujeito, pode ser o desejo social,
ensinado e introjetado. Vasconcelos (1999) acredita que é necessário desaprender o
que foi ensinado e dar voz ao próprio desejo.

Eisler (1996) pontua que um dos fatores que podem interferir na orientação
homossexual são as experiências dolorosas vividas com o sexo oposto.
Diferentemente, Simone de Beauvoir (1982) discorda, pois isso seria admitir que as
mulheres aderiram ao mito masculino, no qual existem qualidades puramente
femininas. Para as mulheres, trata-se da exigência de seus direitos sexuais.

Os fatores que originam a homossexualidade são muitos, o que dificulta a


identificação de um fator específico. A pesquisa científica contemporânea indica que a
atração e a excitação sexuais por homem ou mulher, com todas as variações
individuais, tende a ser resultado de elaborações e re-elaborações mentais, de acordo
com o que se aprende a sentir e a pensar, ao invés de motivos ou instintos, inatos ou
físicos (Eisler, 1996).
O pesquisador alemão Dörner realizou uma pesquisa onde concluiu que a causa
da homossexualidade era um excesso de andrógenos, no hipotálamo das lésbicas,
antes do nascimento. No entanto, essa pesquisa aponta somente uma disposição
cerebral em aprender mais facilmente as práticas homossexuais, e não como sendo a
única.

Goldenson e Anderson (1989) citam a existência de uma base endócrina


causada por um desequilíbrio de hormônios sexuais. Já estudos feitos por Masters e
45

Johnson (1982) forneceram resultados ambígüos e insuficientes. O jornalista americano


Chandler Burr (em Vasconcelos, 1999) afirma que os fatores biológicos determinam a
orientação sexual, o que foi e continua sendo duramente refutado.

A homossexualidade começou a ser estudada, em 1869, como um desvio


sexual, ou seja, ela deixou de ser pecado para tornar-se uma doença, o que piorou a
forma de classificar as pessoas consideradas sexualmente diferentes
(http://www.topgyn.com.br/conso36a/conso36a29.htm). Essa visão durou até o século
XIX, onde os médicos se sentiam responsáveis por encontrar a cura (Gewandsznajder,
1997; Schiavo, 2004 ).

A sua tolerância teve início em 1957, na Inglaterra, em 1969, com os direitos de


cidadania iguais aos dos heterossexuais, e em 1974, quando a Associação Americana
de Psiquiatria retirou o homossexualismo das categorias de doenças psiquiátricas
(Rodrigues Jr., Costa e Sessa, 1990). As pesquisas realizadas nessa época, provando
que não existiam diferenças psicológicas entre os heterossexuais e os homossexuais,
influenciaram na decisão da Associação (Schiavo, 2004). Em 1993, editado pela
Organização Mundial de Saúde, a hossexualidade foi retirada do CID 10 (Goldenson e
Anderson, 1989).

Entretanto, com a difusão da Psicologia, a homossexualidade passou a ser


notada como resultado de carências afetivas, relacionamentos mal resolvidos com os
pais, dificuldades internas, de ajustamentos sociais, identidade sexual não realizada e
causa de condutas relapsas. Ambas as atitudes a tratam como uma deficiência que
demanda tratamento (Vasconcelos, 1999).

Visão semelhante tem Vasconcelos (1999), que acredita que o desenvolvimento


sexual não é definido em etapas, e o tempo cronológico não determina o psicológico. A
autora aponta ser errônea a afirmação de que a homossexualidade é uma etapa que
ocorre na adolescência e deve ser superada a seguir, em um desenvolvimento normal.
Assim sendo, aponta:

“...certas posições psicanalíticas ultrapassadas continuam a vigorar em


alguns meios, encorajando uma patologia da normalidade. A
homossexualidade feminina se deveria a uma fixação da mulher em si
mesma, em sua própria genitália, ou seria manifestação de um complexo
de castração, de virilidade ou de um édipo mal resolvido. [Essas] hipóteses
46

(...) decorreram de análises isoladas e na dependência de fatores sociais


de épocas passadas, quando qualquer mulher que não aceitasse a
dependência de um homem era considerada anormal“ (Vasconcelos, 1999,
p. 229).

Mesmo assim, o relacionamento sexual entre pessoas do mesmo sexo ainda é


considerado de várias maneiras: uma doença, uma condenação acentuada, uma
tolerância simples, até uma proteção total, um comportamento adequado, sadio e
desejado, dependendo da cultura em que se está inserido. Vale ressaltar que as
atitudes mudam com o decorrer do tempo, podendo chegar a uma total inversão de
valores (Gewandsznajder, 1997; [Snd], nº 38, 1995).

Uma mudança real será iniciada quando a homofobia for enfrentada e quando a
sexualidade humana for entendida na sua complexa variedade, sem os obstáculos
dogmáticos que afirmam existir uma lei natural que dirige a orientação sexual. O Brasil
e os EUA são países de maiores freqüências homossexual e, inversamente, os de
maiores índices homofóbicos (Vasconcelos, 1999; Goldenson e Anderson, 1989;
Chazaud, 1978).

4.3. Bissexualidade feminina: transformando os mitos, conquistando o prazer

4.3.1. A bissexualidade em foco: considerações iniciais

O termo bissexualidade e seus derivados possuem significados semelhantes,


mas não idênticos, variando de acordo com o autor. Para Rodrigues Jr., Costa e Sessa
(1990), o termo é usado na classificação de fantasias sexuais com pessoas de ambos
os sexos, e não somente para relacionamentos vivenciados. Para melhor elucidação,
Schiavo (2004) define fantasia sexual como imagens mentais, devaneios ou sonhos
onde os desejos sexuais e impulsos inconscientes tomam forma e são expressos de
modo simbólico.

Já Goldenson e Anderson (1989) afirmam que bissexualidade significa a


atração sexual por ambos os sexos, não apenas em fantasias, mas na prática. A
47

pessoa ambisséxua, ou bissexual, sente-se atraída física, emocional e espiritualmente


por pessoas de ambos os sexos, com níveis variantes de interesse, mas nem sempre
concretizam seus desejos homoeróticos. Ao concretizar tais desejos, homossexual e
heterossexual, estes podem ser vividos de forma igual, ou com um deles mais
freqüente do que o outro ([Snd], nº 38, 1995).

Gavranic (http://www1.uol.com.br/vyaestelar/bissexualidade.htm) concorda com


a posição apresentada e afirma que uma mulher heterossexual não se torna bissexual
somente experimentando, em seu imaginário, sensações agradáveis com outra mulher.
Essa circunstância não muda sua orientação sexual. Além da atração física por ambos
os sexos, é necessário ter o desejo realizado e satisfeito.

O termo também serve de meio-termo entre o heterossexual e o homossexual.


O número de indivíduos que apresenta comportamentos e interesses bissexuais é
maior do que se supõe. A afirmativa de suposição, e não de certeza, deve-se a pouca
discussão deste tema, pois a sociedade tende a analisar a sexualidade em sua
polarização, isto é, entre a heterossexualidade e a homossexualidade
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Bissexualidade).

As pesquisas realizadas até o momento foram poucas e não contribuíram muito


para que as mulheres bissexuais se assumissem (Brener et al, 1991). Uma das
dificuldades a ser enfrentada é a veracidade das respostas dadas pelas mulheres em
entrevistas e questionários, tendo em vista o medo de serem julgadas e,
conseqüentemente, rejeitadas. Tal situação prejudica a fidedignidade dos resultados.

Uma matéria publicada no Jornal do Brasil, por Regina Navarro Lins,


(http://quest1.jb.com.br/jb/papel/colunas/intima/2005/03/04/jorcolitm20050304001.html),
no dia 05 de março de 2005, contesta a idéia acima, afirmando que o número de
mulheres que assumiu sua bissexualidade tem aumentado consideravelmente. Esse é
um dos motivos pelos quais a bissexualidade feminina passou a ser um assunto de
extrema importância. São mulheres que, apesar de gostarem de homens, também
gostam de mulheres. No entanto, a maioria delas afirma que, se descobrissem que seu
parceiro é bissexual, romperia o relacionamento.
48

O site 'topgyn' (http://www.topgyn.com.br/conso36a/conso36a29.htm), criado


em Goiânia, cita que as mulheres bissexuais vivem camufladas entre as que amam
exclusivamente homens e as que amam apenas mulheres, parecendo invisíveis. O
Grupo Lésbico da Bahia, porém, possui 300 mulheres bissexuais, número três vezes
maior do que o de participantes lésbicas.

O fato dos trabalhos referentes à bissexualidade feminina serem escassos


sugere que essas mulheres sofrem um preconceito maior quando comparadas às
mulheres homossexuais, pois não estão classificadas nem na heterossexualidade, nem
na homossexualidade, sendo julgadas como sexualmente indecisas ([Snd], nº 39, 1995;
Rodrigues Jr., Costa e Sessa, 1990).

Não há uma única definição utilizada pelas bissexuais para si próprias. Elas se
dizem anormais, e afirmam estar vivendo em uma fase de transição. Sentem-se
incomodadas por terem de encontrar um grupo para se encaixar, e há também as que
defendem a tese do amor por indivíduos, não por pênis ou vaginas (site topgyn).

A maioria das pessoas não consegue perceber que estas mulheres buscam um
sentimento existente no ser humano, elas não dão demasiada importância ao gênero
masculino ou feminino, e sim à pessoa como um todo. E por mais este preconceito
social, as mulheres bissexuais tendem a ser afetadas em sua personalidade, sofrendo
de angústia, desgosto e depressão quando não se aceitam ou não são aceitas em seu
ambiente social e familiar.

As terapeutas americanas, bissexuais, Elizabeth Oxley e Claire Lucius (site


topgyn) afirmam, no artigo Looking Both Ways: Bisexuality and Therapy, que muitas
dessas mulheres se misturam em grupos de heterossexuais ou de homossexuais.
Porém, algumas acreditam que entrar em um desses grupos significa negar uma parte
de sua sexualidade. Elas tendem a ser mulheres isoladas e, muitas vezes, confusas,
sem saber aonde se encaixam.

A atmosfera de rejeição e de dissimulação, em um meio ambiente que escarnece


da bissexualidade a cada momento, e em uma sociedade que desaprova tais
atividades, causa sérios danos emocionais ([Snd], nº 38, 1995). Para Vieira (1976), vale
ressaltar que a bissexualidade feminina tende a ser aceita no imaginário sexual
49

masculino, mas não de forma romântica. O amor bissexual é, muitas vezes, apontado
como blasfêmia. Somente a fantasia erótica masculina é liberta de preconceitos
(Rodrigues Jr., 2000).

Esse tipo de sexualidade tem gerado interesse em diferentes profissionais,


destacando-se sociólogos, psicólogos, assistentes sociais, antropólogos, dentre outros,
que se propõem a discutir as novas tendências sociais referentes à sexualidade. O
estudo das múltiplas opções e comportamentos sexuais se mostra essencial para que o
discurso conservador, muitas vezes naturalizado pela mídia, não resulte como
dominante, podendo ser contestado à medida em que o conhecimento relativo a essa
‘problemática’ seja compartilhado pelo meio acadêmico e pela população.

Qualquer que seja o ponto de vista escolhido, para estudar e tentar entender a
bissexualidade é preciso rever mitos e preconceitos, alheios e particulares. O desejo
não possui leis, não tem orientação sexual, esses fatores são impostos pela sociedade,
que anula a versatilidade sexual ao impor as leis heterossexuais (Gavranic,
http://www1.uol.com.br/vyaestelar/bissexualidade.htm).

A cultura e a sociedade ocidental impõem restrições mais amenas para as


mulheres demonstrarem, livre e espontaneamente, o afeto. Porém, se esse afeto é
sexualizado, em um sentido mais amplo do que a amizade, e direcionado a outra
mulher, as restrições aumentam consideravelmente (Mott, 1999).

Os sentimentos e comportamentos exclusos da heterossexualidade sempre


existiram em todas as sociedades e culturas, primitivas ou avançadas. A classificação e
o julgamento dessas pessoas é que vêm mudando ao longo do tempo. Alguns sites
especializados em sexualidade, seja heterossexual, homossexual ou bissexual, ao
publicar reportagens, omitem nomes de autores, ficando a dúvida se são sites sérios,
ou se os próprios autores pedem maior sigilo ou ambas as hipóteses.

Assim sendo, a aprendizagem, a pressão familiar e social influenciam na busca,


maior ou menor, das relações homossexuais e heterossexuais. As mulheres tendem a
restringir sua experiência à heterossexualidade ou a ter algumas aventuras ocasionais
na homossexualidade. Mesmo assim, se a orientação for bissexual, os desejos
50

bissexuais irão acontecer na vida real, nas fantasias sexuais e/ou nos sonhos eróticos
(Gavranic, http://www1.uol.com.br/vyaestelar/bissexualidade.htm).

Para Brener et al (1991), a dúvida sobre a bissexualidade ser uma escolha


sadia ou não, é a mesma que ocorre na homossexualidade, já que a descaracterização
patológica desses comportamentos sexuais ainda não ocorre, infelizmente, em todos os
âmbitos. Outro tema que fica suspenso é se existe um tempo cronológico específico
para que a pessoa descubra a sua orientação sexual.

4.3.2. Desvendando a bissexualidade

Característica inata, orientação sexual consciente, estágio comportamental,


exercício da liberdade e terceiro sexo são algumas das possibilidades referentes à
bissexualidade. Uma pesquisa sobre homossexualidade e bissexualidade, aplicada a
ginecologistas brasileiros, realizada por Rodrigues Júnior, Costa e Sessa (1990),
mostrou que a formação de opinião sobre a bissexualidade é menor do que para a
homossexualidade, apontando uma menor divulgação e discussão científica do
assunto.
Essa pesquisa apontou divergências entre os médicos. O ginecologista se refere
à bissexualidade como um desvio ou uma inadequação, já a ginecologista tem um
ponto de vista menos preconceituoso, considerando-a inadequada. Os ginecologistas
da região sul do país percebem-na como uma patologia. Os médicos paulistas e as
médicas do Rio de Janeiro admitem igualdade de direitos aos bissexuais e uma visão
não-patológica do comportamento, respectivamente.
O fato é que tais médicos, assim como a maior parte das pessoas, também
receberam educação restritiva e preconceituosa, em especial no que tange à
sexualidade, conseqüentemente, vêem a bissexualidade como um desvio, uma
inadequação ou uma doença. A visão sexual foi aprendida na infância, isto é, anterior à
escolha profissional. Com isso, a opinião deles tende a ser a mesma que a da maioria,
mesmo sendo considerados mais adequados em termos educacionais e culturais.
Somente uma minoria a percebe como comportamento alternativo.
51

O ser humano possui ambos os desejos dentro de si, heterossexual e


homossexual. Basta decidir transformá-lo em vontade ou não, isto é, vivê-lo ou não, e
quando deve fazê-lo, levando em consideração o meio sócio-cultural que poda ou
aceita tal comportamento (Eisler, 1996; Vasconcelos, 1999). Um dos desafios consiste
em evitar os extremos: a repressão da libido ou o forçar-se a fazer algo de acordo com
os padrões sociais de conduta sexual (Gavranic,
http://www1.uol.com.b/vyaestelar/bissexualidade.htm).

Vasconcelos (1999) menciona que a mulher pode descobrir-se lésbica em


qualquer momento de sua vida. A psicóloga Arlete Gavranic
(http://www.topgyn.com.br/conso36a/conso36a29.htm) e o Grupo de Ação Lésbico
Feminista de São Paulo (1991) defendem a mesma idéia sobre a bissexualidade. Para
eles, as pessoas podem assumir a bissexualidade em qualquer idade, já que são
muitas as situações que podem interferir em suas vidas.

No caso das mulheres, sentimentos de amizade e admiração por outra mulher


vão sendo modificados em uma vontade de compartilhar sua vida, sua paixão, seu
trabalho e uma atração física espontânea por outra mulher, além da simples amizade. A
heterossexualidade foi imposta, socialmente, no intuito de ocultar a possibilidade
lésbica existente em toda mulher (manifesto do Grupo de Ação Lésbico Feminista de
São Paulo, 1991).

Os relacionamentos de caráter afetivo e de complementação, em diversos


planos que os estritamente sexuais, acontecem com mais freqüência na relação
mulher-mulher, fazendo com que a prática do sexo entre mulheres seja bastante
diferenciada da homossexualidade masculina e da heterossexualidade ([Snd], nº 38,
1995). As mulheres homossexuais e bissexuais não são propensas à prática do sexo
impessoal. Elas buscam o estabelecimento de relações afetivas mais intensas e
duradouras, explorando o seu corpo com o de outra mulher, de forma criativa, e fugindo
da sensação de ser objeto sexual, muitas vezes imposta pelo homem
(Gewandsznajder, 1997).

Uma relação heterossexual, de amor intenso e significativo, pode ser vivida por
muito tempo pela mulher. No entanto, uma crise, uma separação ou uma viuvez, em
52

união com a aproximação de outra mulher, pode suscitar um desejo pelo mesmo sexo
que era desconhecido até que tal situação acontecesse de fato (Gavranic,
http://www1.uol.com.br/vyaestelar/bissexualidade.htm).

As causas estimuladoras da inclinação bissexual podem ser muitas, como por


exemplo, a experimentação sexual com uma amiga íntima. Determinadas pessoas
chegam a manter posições bissexuais como resultado de suas próprias convicções,
como é o caso das mulheres que participaram ativamente de movimentos feministas.
([Snd], nº 39, 1995).

O ser humano tem suas idiossincrasias e com as bissexuais não é diferente. A


única característica que as iguala é a orientação bissexual. Esta orientação promove
uma reviravolta no conceito tradicional de heterossexualidade, o que pode levar a
mulher a viver na ambigüidade, tendo um sexo biológico, e outros dois, psicológico e
social, causando uma experiência angustiante, um sentimento de inadequação, de
angústia e desvalia progressiva, que tende a progredir com o tempo (Gavranic,
http://www1.uol.com.br/vyaestelar/bissexualidade.htm).

Os resultados das cobranças sociais não costumam trazer boas conseqüências


para as mulheres que experienciam sua bissexualidade (Silva, 1999). A humanidade,
dita civilizada, já deveria ter trocado a visão preconceituosa pela neutra, garantindo que
cada indivíduo escolhesse livremente seu objeto de atração (Gewandsznajder, 1997).

Uma limitada capacidade de aceitar perspectivas amorosas mais amplas


associada à crença de que a homossexualidade é um desvio de comportamento, uma
doença que pode e deve ser tratada, geram o medo e a homofobia. Gonçalves (1999)
afirma que os cursos de Sexualidade Humana recebem uma clientela que tem urgência
em discutir e decifrar a homossexualidade. Essas pessoas possuem, geralmente, um
misto de curiosidade e aversão pelo assunto.

O modismo é outro fator que pode facilitar ou dificultar a orientação sexual, já


tão complexa e imposta de maneira estática. No século XXI, algumas mulheres
procuram se relacionar com outras mulheres por ouvirem falar a respeito. São amigas
que vivem ou já viveram essa realidade, são celebridades que dão seus depoimentos,
enfim, as mulheres tentam seguir modelos que estão na moda, em evidência.
53

Ao mesclar o conceito social de que a heterossexualidade foi imposta pela


sociedade com o conceito psicológico de que todos possuem um continuum entre
heterossexualidade e homossexualidade (Kinsey, 2004), chega-se ao denominador
comum de que é possível tornar o desejo latente em vontade manifesta, levando à
bissexualidade (Vasconcelos, 1999).

~
54

Capítulo 5 – A bissexualidade e o processo de aceitação social

5.1. A elaboração dos Direitos Sexuais

No início do século XX, Hirschfeld advogou a reforma de leis abusivas que


puniam os homossexuais (Goldenson e Anderson, 1989). Conforme assinala Petchesky
(em Rodrigues Jr., 2007), em 1948, surgiu a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, mas sem nenhum conteúdo referente a direitos sexuais, os quais eram
colocados de lado quando se tratava de indivíduos não-heterossexuais.

Em 1995, surge o termo ‘Direitos Sexuais’ na Conferência da Mulher, em


Beijing. As dificuldades em promover um conceito positivo dos direitos sexuais são
muitos, por se tratar de um combate às discriminações e abusos sobre minorias
sexuais. Mesmo assim, foi adotada uma definição, onde os direitos humanos das
mulheres incluíam o direito ao exercício da sexualidade. O parágrafo 96 dos Direitos
Sexuais foi citado:

“Os direitos humanos das mulheres incluem seu direito a ter controle e
decidir livre e responsavelmente sobre questões relacionadas a
sexualidade, incluindo a saúde sexual (...), livre de coação, discriminação e
violência. Relacionamentos igualitários entre homens e mulheres nas
questões referentes às relações sexuais (...), inclusive o pleno respeito
pela integridade da pessoa” (Rodrigues Jr., 2007, p. 57).

A Declaração dos Direitos Sexuais constituiu um dos elementos principais para


a elaboração de um novo documento sobre saúde sexual, feito por um Comitê de
especialistas da Organização Pan-americana de Saúde, na cidade de La Antigua,
Guatemala, em 2000. Ainda em evidência, a definição de saúde sexual foi compilada da
Organização Mundial de Saúde, de 1975, como sendo, a integração dos elementos
somáticos, emocionais, intelectuais e sociais do ser sexual por meios que sejam
positivamente enriquecedores e que potencializem a personalidade, a comunidade e o
amor, com um critério positivo relacionado à sexualidade humana (OMS, 1975, em
Rodrigues Jr., 2007).
55

A novidade na formulação dos direitos sexuais reside no fato de que foram


pensados, criados e reivindicados por mulheres que, até então, eram guardiãs de
normas, e não suas inventoras. As mulheres afirmam que pensar em direitos é pensar
em cidadania, acarretando que qualquer intolerância contra a bissexualidade ou a
homossexualidade deve ser considerada como um atentado aos direitos humanos.

Os direitos sexuais visam a universalidade, a preservação do ser humano e da


construção subjetiva da sexualidade. A atividade sexual é a expressão comportamental
da sexualidade pessoal, onde o componente erótico da sexualidade é o mais evidente.
Dentre os direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por todos estão: o direito
à educação sexual compreensiva, à saúde sexual, à liberdade sexual, à expressão
sexual, à autonomia sexual, à integridade sexual, à igualdade sexual e ao prazer sexual
(Rodrigues Jr., 2007).

Segundo Rodrigues Jr. (2007), no Brasil, a busca dos direitos não-


heterossexuais admite a não discriminação e os mesmos direitos conferidos aos
heterossexuais. Mott (1999) afirma que a violência e o preconceito contra pessoas
consideradas diferentes da normalidade sexual continuam em grande parte da
sociedade brasileira, mesmo com 73 leis orgânicas municipais e duas constituições
estaduais que proíbem e punem a discriminação por orientação sexual.

Assim sendo, esses casos são tratados isoladamente, mas unindo-os em um


estudo, percebe-se que o modo como as minorias sexuais estão sendo tratadas pelo
Estado brasileiro está mudando, sugerindo uma nova fase no conceito de direitos
sexuais no sentido mais amplo. Assim, chefes de Estado, na Reunião Mundial sobre
Desenvolvimento Sexual, em 1995 (em Rodrigues Jr., 2007), afirmam que:

“É necessário mudar o atual paradigma social dos sexos e dar passo para
uma nova geração de homens e mulheres que lutem juntos para criar uma
ordem mundial mais humana” (Rodrigues Jr., 2007, p. 63).

Desta maneira, a pessoa passa a exercer seu papel social, de gênero e afetivo-
sexual de forma salutar. A cidadania tem seus direitos e deveres garantidos por leis e,
assim, deve ter também o direito de exercer a sua sexualidade, independente da forma
como ela irá se exteriorizar.
56

O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo divulgou, em seu site, a


criação de um grupo de trabalho sobre GLBT. A iniciativa foi tema tanto de revolta,
quanto de contentamento:

“O GT Psicologia e questões GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis,


Transexuais e Transgêneros) surgiu da necessidade de criar espaços de
discussão e defender os Direitos Humanos, especificamente da
comunidade GLBTTT. Discutirá as questões de parceria civil, Lei da
discriminação nas escolas, (...) e comunidade GLBTTT, além das
Resoluções CFP 01/99 e CFP 91/2006, objetivando a construção coletiva
de referências para a profissão, a contribuição na construção de Políticas
Públicas e o fortalecimento de relação entre Psicologia e Direitos
Humanos” (http://www.crpsp.org.br/boletim/set_boletim2_39.htm).

As mudanças sociais e os direitos sexuais legalizados contribuíram para que a


mídia desse mais atenção aos movimentos sexuais, proporcionando uma maior
aceitação gradativa das sexualidades alternativas. Um exemplo desta situação é a
cobertura do Dia do Orgulho Gay, comemorado mundialmente no dia 28 de junho, e a
parada gay, que ocorre em São Paulo, no dia 29 de maio, desde 1999
(http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u303251.shtml). Essa atitude da mídia
permitiu o vínculo entre o nascente movimento brasileiro e a tendência mundial de
construir a sexualidade como ponto de luta política (Rodrigues Jr., 2007).

5.2. O papel da mídia na sexualidade

A partir da década de 70, revistas, jornais, programas de rádio e televisão e


cinemas passaram a mostrar o nu, que foi veiculado para milhões de pessoas. Do outro
lado, a Igreja Católica prosseguiu na condenação à sexualidade, mantendo sua visão
conservadora (Araújo, 1997). Contudo, a sexualidade faz parte da realidade e o ser
humano se dá conta que tem direito a ela quando a produção cultural passa a abordá-la
(Vasconcelos, 1999).

Os meios de comunicação em massa, com seus programas de rádio e televisão,


influenciaram a percepção e a tolerância atual da homossexualidade. A bissexualidade,
por sofrer um maior preconceito, talvez ainda demore mais a receber tal ênfase
57

(http://www.eco.ufrj.br/diversidade). Este é um caminho de progressos e retrocessos


que tende a se perpetuar por algum tempo. Entretanto, vale ressaltar que algumas
dessas mudanças sociais permitiram que a mulher assumisse sua bissexualidade.

A mídia, importante formadora atual de opinião, contribui deveras para a criação


e/ou manutenção de estereótipos sexuais. A censura da TV Globo ao beijo
homossexual, masculino e feminino, e a abertura de novos espaços na Internet sobre
namoros são exemplos de mudanças que, a primeira vista, parecem pequenos, mas
definem, por vezes, os diferentes graus de alteridade, percepção e tolerância quanto
aos sexualmente diversos, como os bissexuais (http://www.eco.ufrj.br/diversidade).
Além disso, há a relevância dos relacionamentos juvenis que consideram a opinião dos
iguais e seguem o modelo vigente no grupo (Rodrigues Jr., 2000).

Assim sendo, é possível observar que a cultura oferece à imprensa a


oportunidade de debater a transformação dos valores sexuais. A dupla face dos valores
sexuais atuais é registrada em reportagens sobre homossexualidade, bissexualidade, e
outras práticas não-normativas, com os valores contraditórios da sociedade ficando em
evidência. Desta forma, a mídia cumpre seu papel de debate e contestação neste
processo de mudança sócio-cultural. Infelizmente, as matérias que tratam da diferença
sexual com tom debochado e leviano ainda são numerosas (Rodrigues Jr., 2000).
Como assinala Rodrigues Jr (2007), a mudança é sempre dolorosa e contestada, ainda
mais em se tratando de sexualidades não-normativas.

Outra luta que está em evidência é a maneira como essas pessoas querem ser
denominadas. Termos como bissexualismo e homossexualismo já são considerados
pejorativos, assim como homossexualidade está sendo trocados pelo termo
homoerótico (Kautz, 1997).

Apesar do sexo ser o mantenedor da população, as pessoas ainda ficam


ruborizadas ao tocar neste assunto, em pleno século XXI. O desconhecimento facilita a
formação de equívocos e da repressão, reforça crenças, e favorece o aparecimento de
novos mitos, crendices, tabus e preconceitos, além de fortalecer os antigos (Baptista,
1998).
58

5.3. O desejo por uma sexualidade sem rótulos

A mulher e o homem podem sentir prazer tanto na companhia de homens, como


de mulheres, em contatos corporais, tais como apertos de mão, beijos, abraços,
carícias e confidências, independente de sua orientação sexual. Isto significa afirmar
que o erotismo tem múltiplas manifestações, como as auto-eróticas e as amizades.
Todos esses contatos são componentes normais da sexualidade que acontecem ao
longo da vida. O predomínio de pessoas de um ou de outro sexo, em um dado
momento, é que varia (Rappaport, 1996).

Ao superar dificuldades para viver plenamente os desejos e relacionamentos, a


vida sexual e a saúde psicológica irão melhorar consideravelmente. O prazer está
presente no corpo todo, e não somente no contato genital. Viver a sexualidade como
algo natural, longe de tabus e preconceitos, é uma meta que o ser humano deve se
propor a alcançar (Kautz, 1997).

Rodrigues Jr., Costa e Sessa (1990) citam que a dificuldade de adaptação dos
bissexuais é maior, pois são desprezados pelos homossexuais por sentirem atração por
pessoas do sexo oposto, e desprezados pelos heterossexuais por sentirem atração por
pessoas do mesmo sexo. Contraditoriamente, Wolff (em Rodrigues Jr., Costa e Sessa,
1990) entrevistou bissexuais e coletou dados que se referem à bissexualidade como
vantajosa em dois aspectos. Estímulo à criatividade e eles passam mais
desapercebidos que os homossexuais, constituindo uma vantagem na adaptação
social.

O psicanalista Arnaldo Dominguez (1998) questiona se o sujeito bissexual existe


de fato ou se ele passa por uma falta de definição heterossexual ou homossexual,
queixa comum nos consultórios psicanalíticos. A Revista ‘Isto é’, de 18 de outubro de
1995, publicou que muitas escolas e universidades norte-americanas possuem
agremiações de bissexuais e estes grupos já ultrapassam 1.400 no mundo todo. Eles
definem seu comportamento sexual como ‘transitante’, por não estarem presos a
nenhum dos dois comportamentos: homossexual ou heterossexual.
59

Nesta mesma revista, a escritora americana Camille Páglia cita que os


bissexuais são “órfãos de famílias desintegradas, mentalmente francos e culturalmente
débeis” (p.41). Mesmo dentro dessa discriminação, a escritora prevê esse
comportamento como norma universal no século XXI (Dominguez, 1998).

Já Sandra Bem (em Rodrigues Jr., Costa e Sessa, 1990) acredita no


desenvolvimento de atributos femininos e masculinos em partes iguais, o que
beneficiaria a saúde psíquica do ser humano. A autora não afirma que a relação sexual
genital deve ocorrer indiscriminadamente com ambos os sexos, e sim, em uma
eliminação da estereotipia sócio-sexual.
60

Considerações finais

A maneira como interpretamos a realidade é extremamente influenciada por


nosso condicionamento cultural e cada cidadão tem a responsabilidade não apenas de
observar e interpretar, mas de agir (Eisler, 1996). E chegar a um consenso nesse
assunto é algo complicado de se atingir. Muitos desistem de se encontrar sexualmente,
resignando-se ou se iludindo, mesmo aqueles que têm um prenúncio desse encontro
quase sempre se atemorizam. Um dos desafios é não cair em extremos, não reprimir a
libido e também não se forçar a fazer algo definido em padrões sociais de conduta
(Vasconcelos, 1999).

Nathaniel Branden (em Cavalcanti, 1998) cita que o prazer, para os seres
humanos, é uma profunda necessidade psicológica. Na cultura ocidental, as restrições
dificultam a evolução adequada da sexualidade, e atributos como amizade,
comunicação, paixão, atração, amor, dentre outros, saem prejudicados (Cavalcanti,
1998).

Vale ressaltar que o modo de interferir nas relações sexuais não é encontrado
somente nas religiões ocidentais. O medo e a força são idéias fixas encontradas em
sociedades rigidamente dominadas pelos homens, como em algumas nações islâmicas.
A mutilação clitoriana continua sendo feita e é exaltada como rito religioso moralmente
necessário para o controle da sexualidade feminina (Eisler, 1996). No entanto, os
relacionamentos femininos eram considerados normais na Índia, como mostra a citação
a seguir:

“Na antiga Índia, o contato físico entre mulheres era considerado normal e
saudável. As famílias ricas costumavam escolher uma ou mais
companheiras para suas filhas entre as jovens das classes mais humildes.
Estas garotas (sakhi) viviam com elas como se fossem “irmãs” e
costumavam dormir em sua cama. Quando uma jovem da nobreza se
casava, sua sakhi se convertia em co-esposa do marido e a assistia nos
rituais eróticos” ([Snd], nº 37, 1995, p. 444, 1995).

A opção de vida sexual do indivíduo deve ser entendida levando-se em


consideração os modelos que lhe foram incutidos desde a socialização primária, sem,
61

com isso, descartar os fatores individuais de personalidade (Rodrigues Jr., Costa e


Sessa, 1990). Pela evolução da humanidade, era de se esperar que uma visão
preconceituosa já tivesse sido trocada por uma neutra, que garantisse a cada indivíduo
a escolha livre do seu objeto de atração (Gewandsznajder, 1997).

O reconhecimento da necessidade, pela sociedade, de novos modelos de


papéis é de grande importância. O homem precisa perder seus medos de se tornar
‘feminino’. A necessidade de encontrar um novo modelo de papel não significa que
homens devam assumir a postura submissa, associada à feminilidade. Mas de homens
e mulheres que aprendam a expressar suas carências e desejos de uma maneira
assertiva, sem intimidação nem violência (Eisler, 1996).

Alguns sentimentos, como empatia e afeto, são considerados estereótipos


femininos, mas se os homens deixarem que esses sentimentos fluam, a relação social
será enriquecida. Essa mudança não o tornará inferior, mas superior. Outros
sentimentos e traços considerados masculinos também deveriam ser compartilhados
pelas mulheres (Eisler, 1996).

A defesa da diversidade não significa justificar todo tipo de comportamento


sexual, principalmente quando este traz seqüelas. É importante perceber que certos
atos causam grande dor física e/ou psicológica, e, independente de serem ou não
tolerados socialmente e institucionalizados, produz conseqüências reais graves para
quem as pratica e/ou para os demais (Eisler, 1996).

Determinadas atitudes e comportamentos permitem que a sexualidade se


mostre no corpo e na mente. Dentre essas atitudes estão: compreender, mas não
precisar seguir regras pré-estabelecidas para se obter a felicidade prometida pela
maioria, não se sentir culpado por não seguir modelos de atuação sexual, confiar em si
mesmo e em sua sexualidade (Vasconcelos, 1999). As mudanças sociais são
necessárias para apoiar os novos padrões sexuais. Uma nova ética sexual não implica
somente em mudar as relações individuais, e sim mudar as condições sociais (Eisler,
1996, p.415).

Algumas mulheres buscam ajuda psicoterápica no intuito de modificar sua


orientação bissexual para heterossexual. Contudo, o profissional em questão não deve
62

considerar a bissexualidade como uma enfermidade, um distúrbio ou uma carga


pesada, pois, no caso das técnicas de reaprendizagem utilizadas falharem, eles devem
auxiliar na adaptação da cliente, para que ela aceite sua bissexualidade como fonte de
satisfação, e não de problemas (Cary, 1978, Rappaport, 1996). Os terapeutas estão
começando a conceber que algumas bissexuais e homossexuais procuram tratamento
para incrementar sua vida sexual, e não em busca de uma cura, de uma conversão à
heterossexualidade (Masters, Johnson e Kolodny, 1982).

No meio científico e nos livros de sexualidade, a bibliografia específica sobre a


bissexualidade e a homossexualidade feminina ainda é muito escassa (Kusnetzoff,
1988). O ser humano está experimentando formas de amar e viver a sexualidade
diferentemente do que foi descrito nos denominados manuais heterossexuais, e as
respostas psicológicas serão provisórias e limitadas, variando no decorrer do tempo.

Finalizando, a forma como a sexualidade foi abordada, seja ela


heterossexualidade, homossexualidade ou bissexualidade, não significa que sempre
será assim, nem que está correta, mas esta é a maneira como ela está sendo
percebida atualmente.
63

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