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Da popularização gerundista

“A senhora pode estar aguardando na linha enquanto eu vou estar transferindo a


ligação”. A frase anterior poderia, certamente, ser confundida com uma tradução literal
do inglês, oriunda, talvez, de um dos populares – e de eficácia duvidosa – tradutores
online que se multiplicam mundo afora. Sentenças como esta se tornaram, contudo,
muito comuns no cotidiano. Ultrapassaram as fronteiras do telemarketing - onde
nasceram - e invadiram toda sorte de diálogo do “mundo real”.
O fenômeno, que Carlos Nader, colunista da revista Trip, denominou
“neogerúndio emergente”, em seu texto Estou estando (05/11/2002), tornou-se uma
epidemia: proliferou-se de forma tal que já é possível ouvir pessoas pertencentes às
mais variadas classes sociais fazendo uso da construção verbal, em clara tentativa de
parecer mais cultas do que realmente são. Esta pseudo-erudição é responsável pelo vício
de linguagem, já que, evidentemente, ninguém se utiliza dele por pura vontade de cansar
os ouvidos alheios. Ao contrário, as pessoas tendem a pensar que, dessa forma, causam
maior impacto nos ouvintes, quando, na realidade, caem no lugar-comum.
O ator Roberto Camargo, integrante do grupo de teatro Terça Insana,
aproveitou-se do modismo para fazer humor. Uma das personagens criadas por ele,
Betina Botox, popularizou-se por utilizar, excessivamente, verbos no gerúndio em suas
falas. No fim da esquete há espaço para a alfinetada em pessoas que usam esta
construção a todo momento, por julgar que ela torna o texto mais refinado: com a frase
“acho chique e acho digno”, Betina justifica seu apreço pelo “neogerúndio” e faz piada
com a suposta tentativa de “falar bonito”.
Não obstante, a moda não é propriamente um erro, mas uma tentativa frustrada
de acerto. Sim, pois alguém que desconhece a riqueza do idioma e ouve a todo
momento a referida conjugação, inevitavelmente adota a mesma forma de se expressar.
Este fenômeno tem nome e definição: hipercorreção - preocupação em falar bem que
resulta em erro. Não adianta, então, argumentar que “eu enviarei” significa o mesmo
que “eu vou estar enviando”, sem desperdício de palavras, ou que o uso do futuro do
presente evitaria o emprego de três verbos seguidos em uma só frase. A prática tornou-
se vício, e, como tal, não é fácil deixá-lo para trás.
Falta cultura, faltam conhecimentos mais amplos da língua materna e, sobretudo,
falta hábito de leitura à população brasileira em geral. Se assim não fosse, ninguém se
limitaria a repetir expressões clichês como se fossem enfeites lingüísticos e, desta
maneira, colaborar com a banalização da língua portuguesa que, em pouco tempo,
provavelmente vai estar pedindo socorro.

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