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Carlos Vianna
Presidente da Casa do Brasil de Lisboa
Diversos factores, alguns nos anos 80 e outros nos anos 90, contribuíram para o surgimento de
um fenómeno social relativamente recente no Brasil: a existência sustentada de emigração para
diversos cantos do mundo. A emigração económica era quase inexistente até os anos 80 no
Brasil, país eminentemente receptor em toda a sua existência. No entanto, o fracasso dos planos
económicos de estabilização da moeda no governo Sarney e a eleição de Collor de Mello
marcaram o ponto de viragem do fenómeno migratório, que disparou a partir de finais da década
de 80 e início dos anos 90, com 3 destinos preferenciais: Estados Unidos, Europa e Japão. Não se
pode deixar de apontar o fenómeno anterior, já na década de 70, consistente na expansão das
fronteiras agrícolas para além das fronteiras políticas. A agressiva implantação da moderna
empresa capitalista no campo, que se consolidou nas décadas de 70 e 80 sob o regime militar,
“empurrou” muita gente, proprietários e deserdados, para o norte e o oeste, “invadindo” o
Paraguai e dando origem ao conhecido fenómeno dos “brasiguaios”. Actualmente, já serão mais
de 500 mil os brasileiros a viver em vários países fronteiriços.
Não cabe aqui analisar globalmente o fenómeno, mas apenas assinalar que a emigração é uma
opção que se vem consolidando para um grande números de brasileiros.
Não houve até agora um trabalho censitário digno deste nome, mas os números estimados pelo
Ministério das Relações Exteriores do Brasil apontam para um universo em torno dos 2,5
milhões de brasileiros fora da sua terra.
1
Ver “Novos Migrantes do e para o Brasil: Um Balanço da Produção Bibliográfica” in Migrações
Internacionais – Contribuições para Políticas, editado pela CNPD – Comissão Nacional de População e
Desenvolvimento, Agosto de 2001
1
Departamento de Antropologia do IFCH, UNICAMP, Brasil e pelo Consulado Geral do
Brasil em Lisboa.
A emigração para Portugal apresenta uma evolução constante desde 1980 a 1987, aumentando
significativamente a partir deste ano até 19952, como se vê na Figura 1. Até 1998, os números
permanecem aparentemente no mesmo patamar de 1995, mas, na verdade, a partir de 1997 o
número de imigrantes indocumentados começa a fazer-se notar. E, a partir de 1999, estes
números disparam.
Em relação a Portugal, algumas condicionantes específicas devem ser assinaladas para explicar
esta evolução:
2
Dos números da Tabela 1 deduz-se as seguintes taxas médias de crescimento dos imigrantes
legalizados: 603/ano (1980 a 1987); 1509/ano (1987 a 1995) e 1227/ano (1998 a 2001).
2
• A ideia, parcialmente incorrecta e ilusória, de que Portugal seria uma espécie de “porta de
entrada” para a Europa ou passagem para os Estados Unidos e que ofereceria maiores
“facilidades” para os brasileiros3.
• Os crescentes laços entre os 2 países, fortalecidos nos últimos anos, que aproximaram
Portugal do horizonte dos candidatos a emigrantes.
Todas estas variáveis, e seguramente outras, levaram à criação, ao longo dos últimos 15 anos, de
uma certa dinâmica de emigração de brasileiros para Portugal, que se acelerou nos últimos 4
anos, com um certo arrefecimento, ainda não quantificado, em 2002, devido às restrições para a
legalização impostas pelo governo.
Tomando por base o ano de 1980, com 3608 imigrantes brasileiros legalmente residentes, nota-se
um fluxo migratório em evolução quase constante até 2001, com uma suavização a partir de
1995.
O novo quadro legal proporcionado pelo Decreto-Lei 4/2001 vai mudar radicalmente esta
situação. Permitirá a obtenção da Autorização de Permanência, equivalente a um visto de
3
Cabe assinalar, pelas suas consequências, um programa da TV Globo (Fantástico), em Outubro de 1999, que
mostrou um retrato algo idílico de Portugal, contribuindo para uma nova leva de emigração para Portugal, marcante
a partir de 1999 e que só se atenuou a partir de meados deste ano.
3
trabalho, para 170 mil imigrantes indocumentados4, dos quais 33 053 brasileiros5. Destes,
estimamos que entre 10 a 20% já estavam em Portugal até finais de 1999, integrados no mercado
informal de trabalho. Simbolicamente, o famoso programa do Fantástico, da TV Globo, em
Outubro de 1999, é o ponto de viragem do aumento da emigração brasileira, que, em três anos
(finais de 1999 a finais de 2001) não terá sido inferior a 12 a 15 mil brasileiros/ano. Muitos
voltaram, desiludidos ou seguiram viagem para outras paragens.
A tabela 5 não deixa margem a dúvidas quanto à radical mudança da estratificação social da
nova emigração brasileira, comparativamente ao outro universo dos brasileiros com Autorização
de Residência, ilustrado de forma menos extensa pela tabela 6.
Nossa comunidade também é composta por cidadãos que obtiveram a nacionalidade portuguesa.
Ao contrário do que correntemente se julga, o número de brasileiros que também têm a cidadania
portuguesa é pequeno. Os baixíssimos números de obtenção da cidadania portuguesa por
naturalização, conforme evidencia a Tabela 7, são explicados pelas fortes dificuldades legais e
4
“Vivem e trabalham actualmente em Portugal, de forma legal, 413.868, cidadãos estrangeiros (dados
de 31 de Outubro de 2002), divididos entre titulares de autorizações de residência (232.983),
autorizações de permanência (170.673) e titulares de visto de trabalho (10.212). A este número há ainda
que somar os dados relativos aos titulares de vistos de estada temporária que ascende a 9.245 emitidos
até 31 de Outubro de 2002. Outro elemento que assume relevância na análise do número de cidadãos
estrangeiros que vivem em Portugal é o que resulta da possibilidade que o Decreto-lei nº 4/2001, de 10
de Janeiro concedeu aos familiares de titulares de autorização de permanência, de visto de trabalho, de
estudo ou de estada temporária de solicitar a prorrogação de permanência para efeitos de reunificação
familiar. Assim, em 2001, foram concedidas 2221 prorrogações de permanência a familiares de titulares
dos referidos institutos e em 2002, até 31 de Outubro, foram concedidas 7.517 prorrogações. Importante
é também referir que o número de vistos de estudo concedidos, de Janeiro de 2000 ao final de Outubro
de 2002, é de 13 632. A manter-se o actual fluxo e conscientes de que o fenómeno migratório, tende a
alimentar-se a si próprio, o que é demonstrado pelo número de pedidos de reagrupamento familiar -
cerca de 4.743 deferidos em 2002 - e pelo número de pedidos de reunião familiar a que me referi
anteriormente (7.517 este ano) é previsível que a curto prazo se atinja o número de meio milhão de
imigrantes, isto é, 5% do total da população portuguesa.” (dados apresentados pelo Dr.Manuel Palos,
director-adjunto do SEF, no Seminário da UC, Novembro 2002)
5
Tendo em conta o número de contratos registados ou por registar na IGT (38 414 em 20/11/02) é
provável que até o final de 2002 os brasileiros com A.P., Visto de Trabalho e de Estadia Temporária
venha a situar-se num número entre 35 a 40 mil.
4
burocráticas impostas aos candidatos, produto do que está disposto e do modo de aplicação da
Lei da Nacionalidade de Portugal, datada de 1981. Um número bem maior, tem adquirido a
nacionalidade por ser filho de portugueses ou por casamento. No entanto, grande parte destes
cidadãos continua a residir no Brasil. Não foi possível quantificar a parcela da comunidade
brasileira em Portugal que está nesta situação. Numa estimativa subjectiva, pode-se situar este
número como contido na faixa de 1 000 a 3 000.
Os brasileiros estão concentrados nas grandes cidades das regiões de Lisboa, Centro (Aveiro e
Coimbra) e Norte (Porto e Braga). As Tabelas 4 e 8 indicam a distribuição geográfica, de acordo
com os registos de contratos nas delegações da IGT ou conforme a jurisdição das Direcções
Regionais do SEF, respectivamente.
Brasil e Portugal têm uma série de Tratados e Acordos. Destes, o mais importante para os
imigrantes brasileiros é o novo Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, já confirmado em
2002 pelos dois países, que engloba e revê alguns acordos individuais, entre os quais o famoso
Acordo Cultural e a Convenção de Igualdade de Direitos de 1971. A Tabela 9 resume os acordos
bilaterais, que têm força de lei em ambos países.
Os brasileiros com mais de dois anos de residência legal podem votar nas autárquicas e com
mais de três, pelo novo Tratado, podem obter o Estatuto de Igualdade de Direitos Políticos. O
Estatuto de Igualdade de Direito Civis pode ser obtido assim que se tem a Autorização de
Residência. Boa parte dos brasileiros que possuem Autorização de Residência tem o Estatuto de
Igualdade de Direitos Civis, que dá direito à emissão de um bilhete de identidade especial para
brasileiros, sendo estes os únicos estrangeiros residentes a possuir este tipo de documento. Todos
estes direitos não existem para quem possui Autorização de Permanência ou Visto de Trabalho, a
maior parte dos imigrantes brasileiros. A tabela 10 ilustra dados a respeito.
4. O Perfil Sócio-Económico
Embora não haja estudos rigorosos para identificar o perfil sócio-económico e humano da
comunidade brasileira em Portugal, dos dados fornecidos pelo SEF e pela IGT, pode-se indicar
algumas das suas principais características:
Tendo em conta a forte disparidade existente entre homens e mulheres na emigração mais
recente (aproximadamente 2 para 1), comparativamente aos imigrantes mais antigos possuidores
5
de autorização de residência6 (praticamente 1 para 1), a distribuição por género pode ser
estimada actualmente em 60% de homens e 40% de mulheres.
Uma clara maioria (não menos de 70%) situa-se na faixa dos 18 aos 40 anos e uma percentagem
ainda maior faz parte da população economicamente activa de Portugal.
Têm origem nos principais Estados brasileiros (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro),
embora, recentemente, muita gente de outros Estados (Bahia, Paraná, Espírito Santo, Goiás,
Pernambuco), não só das grandes cidades mas também de pequenas e médias cidades do interior,
tenha chegado. A opção pela emigração vai contagiando novos contingentes e camadas sociais
da população brasileira.
Somente uma minoria de emigrantes saiu do país com uma perspectiva de longo prazo ou mesmo
de mudança mais definitiva de vida. As expectativas mais comuns eram a de “fugir da crise e do
desemprego”, “dar um tempo”, “conhecer e abrir novos horizontes”, “juntar dinheiro e voltar” e
até estudar.
Provavelmente mais da metade dos imigrantes brasileiros tem formação escolar secundária. Uma
parcela importante compõe-se de graduados universitários, a diversos níveis. Percentualmente
em relação ao total da comunidade, esta parcela será superior que os brasileiros ou portugueses
em relação às respectivas populações. Dentistas, engenheiros, técnicos superiores ou médios de
Informática, publicitários e profissionais da saúde serão as especialidades mais comuns entre os
brasileiros com nível superior.
6
12 153 homens e 11 388 mulheres em 31/12/01.
6
• Diversidade social e reprodução das desigualdades
Tal como na sociedade brasileira, os imigrantes estão inseridos em classes sociais e categorias
profissionais muito diversas. No seio da própria comunidade de imigrantes, as desigualdades
sociais e a falta de solidariedade que, infelizmente, caracterizam a sociedade brasileira, tendem a
reproduzir-se.
Está por fazer um estudo sistemático do perfil profissional dos brasileiros em Portugal.
5. Associativismo e Representação
7
Do número total de contratos de trabalho registados ou ainda em apreciação pela IGT (38 414),
estimamos que por volta de 3 000 ainda não obtiveram (em final de Novembro de 2002), a autorização
de Permanência emitida pelo SEF.
8
Este projecto foi considerado relevante pelo Observatório da Imigração e objecto dum apoio pelo
ACIME, em Dezembro de 2002. Será levado a cabo em 2003 por uma equipa coordenada pela CBL.
7
Casa do Brasil de Lisboa9, fundada em Janeiro de 1992, que se afirmou, ao longo de vários
anos de actividades, como uma voz reconhecida da comunidade brasileira junto à sociedade
portuguesa e aos Estados português e brasileiro. A CBL tem assento no COCAI – Conselho
Consultivo para os Assuntos da Imigração, órgão ligado à Presidência do Conselho de Ministros,
no Conselho Municipal de Comunidades Imigrantes e Minorias Étnicas, de Lisboa e no
Conselho de Cidadãos, órgão consultivo ligado ao Consulado do Brasil em Lisboa. A CBL é
também fundadora e coordenadora do SCAI – Secretariado Coordenador de Associação de
Imigrantes, órgão informal de coordenação de várias associações de imigrantes.
A Associação Brasileira de Odontologia – secção Portugal foi muito activa entre 1992 e 1998,
quando houve uma resolução negociada da demorada questão que conflituou os profissionais
brasileiros em exercício em Portugal e a Associação Portuguesa dos Médicos-Dentistas -APMD.
Actualmente existe uma associação denominada Sociedade Luso-Brasileira de Saúde Oral, mais
voltada para a organização de eventos técnico-científicos.
Há um único núcleo partidário organizado desde 1993, do PT – Partido dos Trabalhadores, que é
o principal partido da coligação vencedora nas eleições presidenciais de Outubro de 2002.
6. O Futuro
8
relação à sua integração crescente na sociedade portuguesa. Os outros 60% ainda estão numa
situação de maior precariedade de laços com o entorno social devido, fundamentalmente, ao
estatuto jurídico (“autorização de permanência”, “visto de trabalho” ou situação irregular) e às
precariedades próprias dum mercado de trabalho onde, para certos sectores ou empresas, o
cumprimento as leis laborais é uma excepção.
A Casa do Brasil de Lisboa tem, de certa forma, “marcado a agenda” das iniciativas no sentido
da afirmação política da comunidade imigrante em Portugal, quer para a sua afirmação na
opinião pública e junto às autoridades portuguesas, quer na relação com a sociedade e o estado
brasileiros. No primeiro caso, a Casa do Brasil assumiu a coordenação do SCAI – Secretariado
Coordenador de Associações de Imigrantes, existente desde meados de 2002, que tem sido o
principal porta-voz dos imigrantes na discussão e resistência a aspectos essenciais da nova Lei de
Estrangeiros. No segundo caso, a Casa do Brasil assumiu um papel determinante para o êxito do
1º Encontro Ibérico de Brasileiros no Exterior, realizado em Maio de 2002, do qual saiu um
corpo coerente de sugestões e reivindicações dos emigrantes brasileiros no mundo, na sua
relação com o Estado brasileiro. Além disso a Casa do Brasil mantém contactos permanentes
com acadêmicos, membros do novo governo brasileiro e parlamentares interessados na questão
da emigração, com vista a conseguir uma nova atitude, mais activa, por parte do Estado
brasileiro na sua relação com os cidadãos a viver fora do território nacional.
9
A exemplo da história da emigração portuguesa no Brasil, os imigrantes brasileiros em Portugal
querem ser um instrumento vivo da integração entre as duas Nações irmãs. Para isto é preciso
uma vontade política activa e permanente por parte das elites dirigentes. O cimento humano e
cultural já existe.
10
Tabela 1 - Evolução do número de brasileiros com Autorização de Residência A.R.) desde 1980
26000
24000
22000
20000
18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
11
Figura 1 - Representação gráfica dos dados da Tabela 1
12
Tabela 2 - Distribuição etária e por género dos brasileiros com Autorização de Permanência
Tabela 4 - Delegação da IGT onde estão registados os contratos (sede das empresas contratantes)
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Vila Real 60 Beja 463
Évora 825 Portalegre 391
Alentejo 1 679 Total Geral 30 309
14
Tabela 5 - Profissões declaradas agrupadas em categorias
11
O número de trabalhadores no sector de hotelaria é seguramente muito superior a este, porém a
diferença está diluída em outras categoria que agrupam empresas que trabalham para os hotéis, como
certas empresas de limpeza e outros prestadores de serviços.
15
Tabela 6: Profissão ou Ocupação Declarada no Registo Consular
16
Tabela 4 - Processos de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização
formulados por cidadãos brasileiros de Janeiro de 1994 até Outubro de 2002
17
Tabela 8 - Distribuição geográfica de moradia, por Distrito, nos últimos 4 anos, dos brasileiros
com Autorização de Residência
BRAGANÇA
C. BRANCO
COIMBRA
GUARDA
AVEIRO
BRAGA
ÉVORA
LEIRIA
FARO
BEJA
Em 31.12 de
V. CASTELO
SANTARÉM
VILA REAL
MADEIRA
SETÚBAL
AÇORES
LISBOA
PORTO
TOTAL
VISEU
Em 31.12 de
1998 8.880 33 3.051 126 811 263 264 545 103 193 19.769
1999 9.292 44 3.180 163 905 265 255 602 115 192 20.851
2000 9681 63 3360 196 1036 275 270 628 129 219 22 222
2001 10093 73 3524 219 1212 290 279 666 138 268 23 541
Fonte: SEF –Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (26/11/2002)
• Protocolo adicional ao Acordo Cultural, que cria o Prémio Luís de Camões, assinado
em 7/9/66, Dec. nº 43/88 de 30 de Setembro
18
• Memorando de Entendimento sobre a “lista de profissionais”, na forma de Aviso
Ministério de Negócio Estrangeiros, publicado em 8/4/96
3. Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres
19
Tabela 9: Evolução da Concessão dos Estatuto Geral de Igualdade de Direitos Civis e do
Estatuto Especial de Igualdade de direitos Políticos a brasileiros residentes em Portugal,
desde 1994
20
60 e acima 2,28 Outros estados 29,13
Fonte: Consulado do Brasil em Lisboa (universo considerado: 9 381 brasileiros matriculados
desde 1997 até 24/10/99)
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