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A COMUNIDADE BRASILEIRA EM PORTUGAL

Carlos Vianna
Presidente da Casa do Brasil de Lisboa

1. O Fenómeno Recente da Emigração Brasileira

Diversos factores, alguns nos anos 80 e outros nos anos 90, contribuíram para o surgimento de
um fenómeno social relativamente recente no Brasil: a existência sustentada de emigração para
diversos cantos do mundo. A emigração económica era quase inexistente até os anos 80 no
Brasil, país eminentemente receptor em toda a sua existência. No entanto, o fracasso dos planos
económicos de estabilização da moeda no governo Sarney e a eleição de Collor de Mello
marcaram o ponto de viragem do fenómeno migratório, que disparou a partir de finais da década
de 80 e início dos anos 90, com 3 destinos preferenciais: Estados Unidos, Europa e Japão. Não se
pode deixar de apontar o fenómeno anterior, já na década de 70, consistente na expansão das
fronteiras agrícolas para além das fronteiras políticas. A agressiva implantação da moderna
empresa capitalista no campo, que se consolidou nas décadas de 70 e 80 sob o regime militar,
“empurrou” muita gente, proprietários e deserdados, para o norte e o oeste, “invadindo” o
Paraguai e dando origem ao conhecido fenómeno dos “brasiguaios”. Actualmente, já serão mais
de 500 mil os brasileiros a viver em vários países fronteiriços.

Não cabe aqui analisar globalmente o fenómeno, mas apenas assinalar que a emigração é uma
opção que se vem consolidando para um grande números de brasileiros.

Não houve até agora um trabalho censitário digno deste nome, mas os números estimados pelo
Ministério das Relações Exteriores do Brasil apontam para um universo em torno dos 2,5
milhões de brasileiros fora da sua terra.

Sobre a emigração brasileira já se verifica uma razoável produção bibliográfica, exaustivamente


pesquisada por Gláucia de Oliveira Assis e Elisa Massae Sasaki1. No que tange a seminários e
eventos de cunho académico ou comunitário, três são de assinalar, por seu alcance e influência:

• 1º SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE A EMIGRAÇÃO BRASILEIRA, Lisboa, Outubro de 1997 organizado


pela Casa do Brasil de Lisboa, CEMI – Centro de Estudos de Migrações Internacionais do

1
Ver “Novos Migrantes do e para o Brasil: Um Balanço da Produção Bibliográfica” in Migrações
Internacionais – Contribuições para Políticas, editado pela CNPD – Comissão Nacional de População e
Desenvolvimento, Agosto de 2001

1
Departamento de Antropologia do IFCH, UNICAMP, Brasil e pelo Consulado Geral do
Brasil em Lisboa.

• SEMINÁRIO SOBRE MIGRAÇÕES INTERNACIONAIS – CONTRIBUIÇÕES PARA POLÍTICAS, Brasília, Dezembro


de 2000, organizado pelo CNPD - Comissão Nacional de População e Desenvolvimento,
com o apoio de outros órgãos do governo brasileiro.

• 1º ENCONTRO IBÉRICO DE BRASILEIROS NO EXTERIOR, Lisboa, Maio de 2002, promovido pela


Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão da Procuradoria Geral da República do Brasil
e organizado pela Casa do Brasil de Lisboa.

2. A Emigração Brasileira para Portugal

A emigração para Portugal apresenta uma evolução constante desde 1980 a 1987, aumentando
significativamente a partir deste ano até 19952, como se vê na Figura 1. Até 1998, os números
permanecem aparentemente no mesmo patamar de 1995, mas, na verdade, a partir de 1997 o
número de imigrantes indocumentados começa a fazer-se notar. E, a partir de 1999, estes
números disparam.

Em relação a Portugal, algumas condicionantes específicas devem ser assinaladas para explicar
esta evolução:

• A facilidade da língua comum e da cultura mais próxima, aliada à existência de alguns


acordos bilaterais;

• A possibilidade da obtenção de nacionalidade portuguesa por laços de parentesco e o retorno


de um certo número de emigrantes portugueses do Brasil, a partir do início dos anos 90, com
as suas famílias brasileiras;

• Os significativos investimentos económicos de empresas brasileiras em Portugal,


nomeadamente nos primeiros anos da década de 90 e, nos últimos 5 anos, de empresas
portuguesas no Brasil;

• A procura de profissionais brasileiros ou a conquista de “nichos” de mercado de trabalho ou


de serviços por parte de alguns sectores profissionais específicos (dentistas, informáticos,
publicitários e, nos últimos anos, trabalhadores da restauração, comércio e hotelaria), que
tende a gerar um efeito de auto-alimentação das vagas e oportunidades de trabalho;

2
Dos números da Tabela 1 deduz-se as seguintes taxas médias de crescimento dos imigrantes
legalizados: 603/ano (1980 a 1987); 1509/ano (1987 a 1995) e 1227/ano (1998 a 2001).

2
• A ideia, parcialmente incorrecta e ilusória, de que Portugal seria uma espécie de “porta de
entrada” para a Europa ou passagem para os Estados Unidos e que ofereceria maiores
“facilidades” para os brasileiros3.

• Os crescentes laços entre os 2 países, fortalecidos nos últimos anos, que aproximaram
Portugal do horizonte dos candidatos a emigrantes.

Todas estas variáveis, e seguramente outras, levaram à criação, ao longo dos últimos 15 anos, de
uma certa dinâmica de emigração de brasileiros para Portugal, que se acelerou nos últimos 4
anos, com um certo arrefecimento, ainda não quantificado, em 2002, devido às restrições para a
legalização impostas pelo governo.

3. Os Números da Imigração Brasileira em Portugal

Tomando por base o ano de 1980, com 3608 imigrantes brasileiros legalmente residentes, nota-se
um fluxo migratório em evolução quase constante até 2001, com uma suavização a partir de
1995.

Os números da Tabela 1 e o exame da Figura 1, referentes a brasileiros com Autorização de


Residência, permitem inferir três pontos de inflexão na presença de imigrantes brasileiros em
Portugal: o ano de 1987, a partir do qual se intensificam de forma suave os números da
imigração; o ano de 1995, a partir do qual se estabiliza a presença de imigrantes legalmente
residentes durante 3 anos, até 1998, inclusive. Em 1999, a curva ascendente é retomada
prevendo-se uma nova quebra a partir de 2002 ou 2003, devido à política mais restritiva do
actual governo, quanto às Autorizações de Residência. A esta situação não são estranhos os dois
processos de legalização extraordinária realizados em 1993 e 1996. Nos processos citados,
candidataram-se à obtenção da Autorização de Residência, respectivamente, 5346 e 2336
cidadãos, sendo desprezível o número de recusas. Em sentido contrário, o sucesso do Plano Real,
em 1994, refreou a onda migratória e incentivou o retorno de muitos brasileiros, o que se notou
nos anos 1995 a 1998. Por outro lado, a crise cambial do início de 1999 e o aumento das taxas de
desemprego no Brasil, desde 1998, marcaram um “tocar de trombetas” para um novo disparo do
fluxo migratório.

O novo quadro legal proporcionado pelo Decreto-Lei 4/2001 vai mudar radicalmente esta
situação. Permitirá a obtenção da Autorização de Permanência, equivalente a um visto de

3
Cabe assinalar, pelas suas consequências, um programa da TV Globo (Fantástico), em Outubro de 1999, que
mostrou um retrato algo idílico de Portugal, contribuindo para uma nova leva de emigração para Portugal, marcante
a partir de 1999 e que só se atenuou a partir de meados deste ano.

3
trabalho, para 170 mil imigrantes indocumentados4, dos quais 33 053 brasileiros5. Destes,
estimamos que entre 10 a 20% já estavam em Portugal até finais de 1999, integrados no mercado
informal de trabalho. Simbolicamente, o famoso programa do Fantástico, da TV Globo, em
Outubro de 1999, é o ponto de viragem do aumento da emigração brasileira, que, em três anos
(finais de 1999 a finais de 2001) não terá sido inferior a 12 a 15 mil brasileiros/ano. Muitos
voltaram, desiludidos ou seguiram viagem para outras paragens.

Os dados proporcionados pela Inspecção-Geral do Trabalho, relativos aos contratos de trabalho


são elucidativos a esse respeito. O total de pedidos de legalização do contrato de trabalho que
deram entrada no IDICT/IGT de 10/1/2001 (entrada em vigor do DL 4/2001) até 20/11/2002 foi
de 38 414. De parte destes – 30 209 - as tabelas 2, 3 e 4 ilustram algumas informações. Por sua
parte, a Tabela 5 abarca o universo mais recente de 38 414 contratos de trabalho registados ou
por registar, fazendo o autor o agrupamento de profissões e sectores económicos onde se
inseriram estes brasileiros, a partir da extensa tabela de profissões fornecida pela IGT.

A tabela 5 não deixa margem a dúvidas quanto à radical mudança da estratificação social da
nova emigração brasileira, comparativamente ao outro universo dos brasileiros com Autorização
de Residência, ilustrado de forma menos extensa pela tabela 6.

Nossa comunidade também é composta por cidadãos que obtiveram a nacionalidade portuguesa.
Ao contrário do que correntemente se julga, o número de brasileiros que também têm a cidadania
portuguesa é pequeno. Os baixíssimos números de obtenção da cidadania portuguesa por
naturalização, conforme evidencia a Tabela 7, são explicados pelas fortes dificuldades legais e

4
“Vivem e trabalham actualmente em Portugal, de forma legal, 413.868, cidadãos estrangeiros (dados
de 31 de Outubro de 2002), divididos entre titulares de autorizações de residência (232.983),
autorizações de permanência (170.673) e titulares de visto de trabalho (10.212). A este número há ainda
que somar os dados relativos aos titulares de vistos de estada temporária que ascende a 9.245 emitidos
até 31 de Outubro de 2002. Outro elemento que assume relevância na análise do número de cidadãos
estrangeiros que vivem em Portugal é o que resulta da possibilidade que o Decreto-lei nº 4/2001, de 10
de Janeiro concedeu aos familiares de titulares de autorização de permanência, de visto de trabalho, de
estudo ou de estada temporária de solicitar a prorrogação de permanência para efeitos de reunificação
familiar. Assim, em 2001, foram concedidas 2221 prorrogações de permanência a familiares de titulares
dos referidos institutos e em 2002, até 31 de Outubro, foram concedidas 7.517 prorrogações. Importante
é também referir que o número de vistos de estudo concedidos, de Janeiro de 2000 ao final de Outubro
de 2002, é de 13 632. A manter-se o actual fluxo e conscientes de que o fenómeno migratório, tende a
alimentar-se a si próprio, o que é demonstrado pelo número de pedidos de reagrupamento familiar -
cerca de 4.743 deferidos em 2002 - e pelo número de pedidos de reunião familiar a que me referi
anteriormente (7.517 este ano) é previsível que a curto prazo se atinja o número de meio milhão de
imigrantes, isto é, 5% do total da população portuguesa.” (dados apresentados pelo Dr.Manuel Palos,
director-adjunto do SEF, no Seminário da UC, Novembro 2002)
5
Tendo em conta o número de contratos registados ou por registar na IGT (38 414 em 20/11/02) é
provável que até o final de 2002 os brasileiros com A.P., Visto de Trabalho e de Estadia Temporária
venha a situar-se num número entre 35 a 40 mil.

4
burocráticas impostas aos candidatos, produto do que está disposto e do modo de aplicação da
Lei da Nacionalidade de Portugal, datada de 1981. Um número bem maior, tem adquirido a
nacionalidade por ser filho de portugueses ou por casamento. No entanto, grande parte destes
cidadãos continua a residir no Brasil. Não foi possível quantificar a parcela da comunidade
brasileira em Portugal que está nesta situação. Numa estimativa subjectiva, pode-se situar este
número como contido na faixa de 1 000 a 3 000.

Os brasileiros estão concentrados nas grandes cidades das regiões de Lisboa, Centro (Aveiro e
Coimbra) e Norte (Porto e Braga). As Tabelas 4 e 8 indicam a distribuição geográfica, de acordo
com os registos de contratos nas delegações da IGT ou conforme a jurisdição das Direcções
Regionais do SEF, respectivamente.

Brasil e Portugal têm uma série de Tratados e Acordos. Destes, o mais importante para os
imigrantes brasileiros é o novo Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta, já confirmado em
2002 pelos dois países, que engloba e revê alguns acordos individuais, entre os quais o famoso
Acordo Cultural e a Convenção de Igualdade de Direitos de 1971. A Tabela 9 resume os acordos
bilaterais, que têm força de lei em ambos países.

Os brasileiros com mais de dois anos de residência legal podem votar nas autárquicas e com
mais de três, pelo novo Tratado, podem obter o Estatuto de Igualdade de Direitos Políticos. O
Estatuto de Igualdade de Direito Civis pode ser obtido assim que se tem a Autorização de
Residência. Boa parte dos brasileiros que possuem Autorização de Residência tem o Estatuto de
Igualdade de Direitos Civis, que dá direito à emissão de um bilhete de identidade especial para
brasileiros, sendo estes os únicos estrangeiros residentes a possuir este tipo de documento. Todos
estes direitos não existem para quem possui Autorização de Permanência ou Visto de Trabalho, a
maior parte dos imigrantes brasileiros. A tabela 10 ilustra dados a respeito.

4. O Perfil Sócio-Económico

Embora não haja estudos rigorosos para identificar o perfil sócio-económico e humano da
comunidade brasileira em Portugal, dos dados fornecidos pelo SEF e pela IGT, pode-se indicar
algumas das suas principais características:

• Jovem e em busca de oportunidades de trabalho:

Tendo em conta a forte disparidade existente entre homens e mulheres na emigração mais
recente (aproximadamente 2 para 1), comparativamente aos imigrantes mais antigos possuidores

5
de autorização de residência6 (praticamente 1 para 1), a distribuição por género pode ser
estimada actualmente em 60% de homens e 40% de mulheres.

Uma clara maioria (não menos de 70%) situa-se na faixa dos 18 aos 40 anos e uma percentagem
ainda maior faz parte da população economicamente activa de Portugal.

Têm origem nos principais Estados brasileiros (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro),
embora, recentemente, muita gente de outros Estados (Bahia, Paraná, Espírito Santo, Goiás,
Pernambuco), não só das grandes cidades mas também de pequenas e médias cidades do interior,
tenha chegado. A opção pela emigração vai contagiando novos contingentes e camadas sociais
da população brasileira.

• Emigração temporária x consolidação da condição imigrante

Somente uma minoria de emigrantes saiu do país com uma perspectiva de longo prazo ou mesmo
de mudança mais definitiva de vida. As expectativas mais comuns eram a de “fugir da crise e do
desemprego”, “dar um tempo”, “conhecer e abrir novos horizontes”, “juntar dinheiro e voltar” e
até estudar.

A consolidação de uma verdadeira comunidade de imigrantes brasileiros não é um dado


adquirido, tendo em conta a situação ainda recente e precária do ponto de vista legal e social da
maior parte dos mais de 60 mil brasileiros com algum tipo de estatuto legal em Portugal. De um
modo quase geral, pode-se já dizer que os portadores de Autorização de Residência já estão ou,
no caso dos que obtiveram a residência nos últimos 4 anos, tenderão a ficar em Portugal por um
longo período. Este também é o desejo de grande parte da leva mais recente, portadores de
Autorização de Permanência ou vistos temporários, que mantêm o imigrante numa situação
instável, quer do ponto de vista legal, quer nas relações de trabalho, posto que dramaticamente
dependente da vigência do contrato de trabalho num ambiente económico onde a instabilidade é
a regra.

• Nível de escolaridade acima das médias brasileira e portuguesa

Provavelmente mais da metade dos imigrantes brasileiros tem formação escolar secundária. Uma
parcela importante compõe-se de graduados universitários, a diversos níveis. Percentualmente
em relação ao total da comunidade, esta parcela será superior que os brasileiros ou portugueses
em relação às respectivas populações. Dentistas, engenheiros, técnicos superiores ou médios de
Informática, publicitários e profissionais da saúde serão as especialidades mais comuns entre os
brasileiros com nível superior.

6
12 153 homens e 11 388 mulheres em 31/12/01.

6
• Diversidade social e reprodução das desigualdades

Tal como na sociedade brasileira, os imigrantes estão inseridos em classes sociais e categorias
profissionais muito diversas. No seio da própria comunidade de imigrantes, as desigualdades
sociais e a falta de solidariedade que, infelizmente, caracterizam a sociedade brasileira, tendem a
reproduzir-se.

É notória a proletarização da comunidade de imigrantes brasileiros nos últimos 4 anos. Já


constituem a maioria os que trabalham no comércio (bares, restaurantes, hotelaria, comércio
retalhista), na construção civil, nos empregos domésticos, na indústria transformadora e em
outros serviços subalternos. Embora ainda haja uma presença significativa de profissionais de
nível superior, começamos a parecer-nos, socialmente, com as comunidades portuguesas em
alguns países europeus. A Tabela 4 evidencia o perfil proletarizado dos brasileiros chegados
mais recentemente, que obtiveram o estatuto de Autorização de Permanência7.

O Consulado do Brasil em Lisboa realizou em 1999 um meritório trabalho de caracterização do


perfil dos brasileiros que se matriculam naquela repartição consular, universo que inclui cidadãos
com residência legal ou ainda indocumentados. Embora não tenha um carácter científico e não
abranja todo o território português, já que não é tida em conta a jurisdição consular do Porto, os
dados levantados permitem uma razoável aproximação do perfil etário, origem geográfica e
sócio-económico da comunidade.

Está por fazer um estudo sistemático do perfil profissional dos brasileiros em Portugal.

A Casa do Brasil de Lisboa irá realizar em 2003 um projecto de pesquisa de opinião e de


caracterização sócio-económica da parcela da comunidade de imigrantes que possui Autorização
de Permanência ou Visto de Trabalho, atingindo também os ainda indocumentados. Pretende-se
com esta pesquisa colmatar o escasso conhecimento dos que já são a maioria da nossa
comunidade, sendo a parcela sobre a qual incide os maiores problemas de integração,
legalização, desrespeito de direitos e precarização das relações laborais8.

5. Associativismo e Representação

Ainda é muito incipiente o espírito associativo e o desenvolvimento de uma certa consciência


comunitária. Há somente uma associação de imigrantes, legalmente constituída enquanto tal, a

7
Do número total de contratos de trabalho registados ou ainda em apreciação pela IGT (38 414),
estimamos que por volta de 3 000 ainda não obtiveram (em final de Novembro de 2002), a autorização
de Permanência emitida pelo SEF.
8
Este projecto foi considerado relevante pelo Observatório da Imigração e objecto dum apoio pelo
ACIME, em Dezembro de 2002. Será levado a cabo em 2003 por uma equipa coordenada pela CBL.

7
Casa do Brasil de Lisboa9, fundada em Janeiro de 1992, que se afirmou, ao longo de vários
anos de actividades, como uma voz reconhecida da comunidade brasileira junto à sociedade
portuguesa e aos Estados português e brasileiro. A CBL tem assento no COCAI – Conselho
Consultivo para os Assuntos da Imigração, órgão ligado à Presidência do Conselho de Ministros,
no Conselho Municipal de Comunidades Imigrantes e Minorias Étnicas, de Lisboa e no
Conselho de Cidadãos, órgão consultivo ligado ao Consulado do Brasil em Lisboa. A CBL é
também fundadora e coordenadora do SCAI – Secretariado Coordenador de Associação de
Imigrantes, órgão informal de coordenação de várias associações de imigrantes.

A Associação Brasileira de Odontologia – secção Portugal foi muito activa entre 1992 e 1998,
quando houve uma resolução negociada da demorada questão que conflituou os profissionais
brasileiros em exercício em Portugal e a Associação Portuguesa dos Médicos-Dentistas -APMD.
Actualmente existe uma associação denominada Sociedade Luso-Brasileira de Saúde Oral, mais
voltada para a organização de eventos técnico-científicos.

Há algumas associações informais de estudantes brasileiros (Lisboa, Aveiro e Porto) e quatro


projectos de associações comunitárias em processo de formação, ainda por legalizar, sendo dois
em Lisboa, uma em Évora e uma no Porto.

Há um único núcleo partidário organizado desde 1993, do PT – Partido dos Trabalhadores, que é
o principal partido da coligação vencedora nas eleições presidenciais de Outubro de 2002.

A comunidade brasileira não tem representantes na Assembleia da República ou algum deputado


fortemente ligado a ela, ao contrário das comunidades cabo-verdiana e hindu. Na presente
legislatura há um deputado luso-brasileiro, do PSD, em representação da emigração portuguesa
no Brasil e demais países das Américas. O número de autarcas brasileiros, eleitos para juntas de
freguesias nas últimas eleições, não ascende a cinco. A inscrição eleitoral e o exercício do direito
de voto pelos brasileiros com autorização de residência é inferior a cinco por cento do universo
possível.

6. O Futuro

Já se pode falar em alguma estabilidade numérica e de expectativas na comunidade brasileira em


Portugal, que é a segunda nacionalidade em termos de estrangeiros legalmente residentes em
Portugal, depois dos ucranianos e “empatados” com os cabo-verdianos. Aproximadamente 40%
a metade tem mais de mais de quatro anos de estadia em Portugal, com um grau acentuado de
integração sócio-económica e cultural. Estão para ficar e têm um alto nível de expectativas em
9
Maiores informações sobre a Casa do Brasil e outras associações em www.casadobrasildelisboa.rcts.pt

8
relação à sua integração crescente na sociedade portuguesa. Os outros 60% ainda estão numa
situação de maior precariedade de laços com o entorno social devido, fundamentalmente, ao
estatuto jurídico (“autorização de permanência”, “visto de trabalho” ou situação irregular) e às
precariedades próprias dum mercado de trabalho onde, para certos sectores ou empresas, o
cumprimento as leis laborais é uma excepção.

O estatuto jurídico do imigrante brasileiro, a exemplo de outras comunidades, representa um


divisor de águas. A precariedade imposta pela condição de imigrante “não-residente”, mas
legalizado apenas com um visto de trabalho ou autorização de permanência10, angustia a maioria
da comunidade brasileira e dificulta objectivamente a sua integração na sociedade portuguesa.
As associações imigrantes, CGTP, Igreja Católica e inúmeras entidades da sociedade civil são
unânimes em condenar a divisão dos imigrantes entre “residentes” e “não-residentes”. Por outro
lado persiste, no início de 2003, uma significativa “bolsa” de estrangeiros em situação irregular,
entre os quais alguns milhares de brasileiros.

A Casa do Brasil de Lisboa tem, de certa forma, “marcado a agenda” das iniciativas no sentido
da afirmação política da comunidade imigrante em Portugal, quer para a sua afirmação na
opinião pública e junto às autoridades portuguesas, quer na relação com a sociedade e o estado
brasileiros. No primeiro caso, a Casa do Brasil assumiu a coordenação do SCAI – Secretariado
Coordenador de Associações de Imigrantes, existente desde meados de 2002, que tem sido o
principal porta-voz dos imigrantes na discussão e resistência a aspectos essenciais da nova Lei de
Estrangeiros. No segundo caso, a Casa do Brasil assumiu um papel determinante para o êxito do
1º Encontro Ibérico de Brasileiros no Exterior, realizado em Maio de 2002, do qual saiu um
corpo coerente de sugestões e reivindicações dos emigrantes brasileiros no mundo, na sua
relação com o Estado brasileiro. Além disso a Casa do Brasil mantém contactos permanentes
com acadêmicos, membros do novo governo brasileiro e parlamentares interessados na questão
da emigração, com vista a conseguir uma nova atitude, mais activa, por parte do Estado
brasileiro na sua relação com os cidadãos a viver fora do território nacional.

Faz parte do imaginário do brasileiro em Portugal a expectativa em relação a um tratamento de


discriminação positiva por parte da sociedade e do Estado português. Em relação à sociedade,
vários indicadores corroboram esta tendência. No que diz respeito ao Estado, as expectativas das
entidades ligadas directa ou indirectamente à comunidade de residentes, em especial, da CASA
DO BRASIL DE LISBOA, são muitas e permanentes.
10
A respeito da nova Lei de Estrangeiros, ainda por ser oficialmente publicada e ter vigência à data de
conclusão deste artigo, deve ser consultado o sítio Internet www.casadobrasildelisboa.rcts.pt, item
Imigrante em Portugal, sub-item SCAI.

9
A exemplo da história da emigração portuguesa no Brasil, os imigrantes brasileiros em Portugal
querem ser um instrumento vivo da integração entre as duas Nações irmãs. Para isto é preciso
uma vontade política activa e permanente por parte das elites dirigentes. O cimento humano e
cultural já existe.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2003.

10
Tabela 1 - Evolução do número de brasileiros com Autorização de Residência A.R.) desde 1980

Ano Brasileiros com Ano Brasileiros com Ano Brasileiros com


A.R. A.R. A.R.
1980 3 608 (58 091) 1988 9 333 (94 694) 1996 20 082 (172 912)
1981 4 349 (62 692) 1989 10 520 (101 011) 1997 19 990 (175 263)
1982 5 016 (68 153) 1990 11 413 (107 767) 1998 19769(177 774)
1983 5 870 (79 015) 1991 12 678 (113 978) 1999 20851(190 896)
1984 6 316 (89 625) 1992 14 158 (123 612) 2000 22222(209 102)
1985 6 804 (79 594) 1993 16 168 (136 932) 2001 23541(223 602)
1986 7 470 (86 982) 1994 18 612 (157 073) 2002 (232 983)
(31/1
0)
1987 7830 (89 778) 1995 19 901 (168 316)
Fonte: SEF –Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Entre parênteses, o nº total de
estrangeiros com A.R.)

Evolução do nº de brasileiros com


Autorização de Residência desde 1980

26000
24000
22000
20000
18000
16000
14000
12000
10000
8000
6000
4000
2000
0
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001

11
Figura 1 - Representação gráfica dos dados da Tabela 1

12
Tabela 2 - Distribuição etária e por género dos brasileiros com Autorização de Permanência

Classe etária Homens Mulheres Sub total % total % acumulado


15 a 24 5 439 3 190 8 629 28,54 28,54
25 a 34 9 203 5 139 14 342 47,49 76,03
35 a 54 4 518 2 494 7 012 23,22 99,25
55 a 64 154 67 221 0,73 99,98
mais de 65 3 2 5 0,02 100,00
19 307 10 892 30 209 100,00
Fonte: IGT, dados de 30/07/02 para brasileiros com contrato de trabalho registado

Tabela 3 - Duração dos contratos registados na IGT

Tipos de contratação Homens Mulheres Subtotal % total


Termo certo 15 378 9 379 24 757 81,95
Termo incerto 1 690 584 2 274 7,53
Sem termo 515 408 923 3,06
Trabalho temporário 2 255 7,46
Total geral 30 209 100,00
Fonte: IGT, dados de 30/07/02 para brasileiros com contrato de trabalho registado

Tabela 4 - Delegação da IGT onde estão registados os contratos (sede das empresas contratantes)

Delegação Nº Cont. Delegação Nº Cont.


Lisboa 14 025 Centro 3 092
Castelo
Setúbal 4 320 Branco 214
Norte 4 168 Coimbra 542
Aveiro 623 Guarda 169
Braga 778 Leiria 916
Bragança 110 Santarém 628
Porto 2 476 Viseu 623
Viana do Castelo 121 Algarve (Faro) 2 925

13
Vila Real 60 Beja 463
Évora 825 Portalegre 391
Alentejo 1 679 Total Geral 30 309

14
Tabela 5 - Profissões declaradas agrupadas em categorias

Profissões declaradas agrupadas na


categoria de: Sub total
Construção civil 10239
Restauração 8158
Op/Trab não especializados esp. 4372
comércio retalhista/grossista 3620
empregada/o doméstica/o 2126
empresas limpeza 1830
serviços vários 1211
indústria e afins 1201
motoristas/ajud. Veíc. Pes./lig. e afins 1050
Hotelaria 60011
administrativos 429
rural 151
artistas 99
técnicos informáticos 71
sub-total 35157
outros 3257
total 38414

11
O número de trabalhadores no sector de hotelaria é seguramente muito superior a este, porém a
diferença está diluída em outras categoria que agrupam empresas que trabalham para os hotéis, como
certas empresas de limpeza e outros prestadores de serviços.

15
Tabela 6: Profissão ou Ocupação Declarada no Registo Consular

Profissão ou Ocupação Declarada Peso Percentual


(%)
Estudantes 23,14
Do Lar 14,34
Gestores, Engenheiros, Médicos, Contabilistas, Arquitectos, Enfermeiros, 12,59
Advogados, Dentistas,

Economistas, Biólogos, Professores, Assistentes sociais, Jornalistas,


Publicitários
Outros 9,28
Pedreiros, Carpinteiros/marceneiros, Soldadores, Mecânicos, 7,79
Electricistas, Serralheiros, Serventes, Pintores, Ladrilhadores,
Const.Civil/outras profissões
Não declarou 7,52
Cozinheiros, Copa, Empregados de Mesa/balcão, Vendedores, 5,88
Repositores, Cabeleireiros, Esteticista, Costureiros, Empregadas
domésticas
Secretárias, Recepcionistas, Empregados de Escritório, Desenhadores, 5,73
Electrónica, Escriturários, Seguranças, Telefonistas, Bancários,
Motoristas, Funcionários públicos, Imobiliário(ramo), Turismo (Ramo),
Rádio (Ramo), Fotógrafos
Informáticos 4,69
Comerciantes 3,93
Músicos, Artistas plásticos, Bailarinos, Actores 1,25
Religiosos 1,51
Atletas profissionais 0,92
Empresários 0,63
Reformados 0,56
Agricultura/Pecuária 0,24
Fonte e universo considerado: (Consulado Geral do Brasil em Lisboa; 9381 brasileiros
matriculados desde 1997 até 24/10/99); Agrupamento de profissões feito pelo autor, a partir dos
dados individuais da fonte

16
Tabela 4 - Processos de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização
formulados por cidadãos brasileiros de Janeiro de 1994 até Outubro de 2002

Ano Pedidos Concedidos Indeferidos/ Arquivados


1994 32 12 3
1995 25 3 18
1996 38 6 4
1997 47 17 5
1998 84 46 13
1999 127 59 6
2000 212 152 6
2001 240 101 1
2002 (Out) 199 47 5
TOTAL 1004 443 61
Fonte: SEF –Serviço de Estrangeiros e Fronteiras

17
Tabela 8 - Distribuição geográfica de moradia, por Distrito, nos últimos 4 anos, dos brasileiros
com Autorização de Residência

BRAGANÇA

C. BRANCO

COIMBRA

GUARDA
AVEIRO

BRAGA

ÉVORA

LEIRIA
FARO
BEJA

Em 31.12 de

1998 2.011 47 975 48 95 869 80 910 137 328


1999 2.070 52 1030 55 99 901 97 990 155 389
2000 2173 58 1136 69 112 961 109 1128 183 436
2001 2282 66 1155 86 139 1015 124 1236 195 481
PORTALEGRE

V. CASTELO
SANTARÉM

VILA REAL

MADEIRA
SETÚBAL

AÇORES
LISBOA

PORTO

TOTAL
VISEU
Em 31.12 de

1998 8.880 33 3.051 126 811 263 264 545 103 193 19.769
1999 9.292 44 3.180 163 905 265 255 602 115 192 20.851
2000 9681 63 3360 196 1036 275 270 628 129 219 22 222
2001 10093 73 3524 219 1212 290 279 666 138 268 23 541
Fonte: SEF –Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (26/11/2002)

Tabela 9 - Tratados, Acordos e Convenções entre Brasil e Portugal; Direitos Constitucionais

1. Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta

Assinado em 22/4/2000 em Porto Seguro, no âmbito da comemoração dos 500 Anos e já


ratificado pelos dois Estados
2. Acordo Cultural

Assinado em 7/9/66; Decreto Lei nº 47 863, de 26 de Agosto de 1967 (actualmente englobado


no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta)

• Protocolo adicional ao Acordo Cultural, que cria o Prémio Luís de Camões, assinado
em 7/9/66, Dec. nº 43/88 de 30 de Setembro

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• Memorando de Entendimento sobre a “lista de profissionais”, na forma de Aviso
Ministério de Negócio Estrangeiros, publicado em 8/4/96
3. Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres

Assinada em 7/9/71; Resolução da Assembleia Nacional , publicada em 29/12/71 (actualmente


englobado no Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta)

• Decreto Lei nº 126/72, de 22 de Abril, que regula a execução da Convenção


4. Acordo para abolição do pagamento da taxa de residência pelos Nacionais de cada um
dos países residentes no território do outro

Assinado em 17/7/79 e publicado em 31/1/80


5. Acordo sobre a Cooperação no Domínio do Turismo

Assinado em 3/2/81; Decreto nº43/81 de 2 de Abril


6. Ajuste Complementar ao Acordo Básico de Cooperação Técnica

Assinado em 7/9/66 e publicado em 2/4/81

• Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica

Assinado em 7/9/66 e publicado em 2/4/81; Decreto Governamental nº 21/87, de 15 de Junho


7. Acordo sobre Cooperação Económica e Industrial

Assinado em 3/2/81; Decreto nº 45/81, de 4 de Abril


8. Acordo para a Constituição de um Grupo de Cooperação Consular

Assinado em 7/5/91; Decreto nº 17/93, de 14 de Maio


9. Acordo de Segurança Social e respectivo Ajuste Administrativo

Assinado em 7/5/91; Decreto Pres. Rep. nº 67/94, de 27 de Agosto


10. Direitos Constitucionais (Reciprocidade de Direitos Políticos)

Artigo da Constituição da República Federativa do Brasil: “ ”

Artigo da Constituição da República da República Portuguesa::


Fonte: Assembleia da República, 9/12/97

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Tabela 9: Evolução da Concessão dos Estatuto Geral de Igualdade de Direitos Civis e do
Estatuto Especial de Igualdade de direitos Políticos a brasileiros residentes em Portugal,
desde 1994

Estatuto Geral de Estatuto Especial de


Ano
Direitos Civis Direitos Políticos
1994 1382 157
1995 647 106
1996 465 96
1997 647 127
1998 369 93
1999 922 239
2000 926
2001 804
2002 629
(até
Outubr
o)
Fonte: SEF –Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Novemro 2002)

Tabela 10 : Estratificação por Estado Civil, Faixa Etária e Origem no Brasil

Peso Peso Peso


Naturalidade
Estado Civil Percentual Faixas Etárias Percentual Percentual
(origem no Brasil)
(%) (%) (%)
Casada 17,71 Até aos 17 anos 14,26 São Paulo 22,66
Casado 15,26 De 18 a 29 anos 32,23 Minas Gerais 20,25
Solteira 26,67 De 30 a 39 anos 33,12 Rio de Janeiro 18,01
Solteiro 34,52 De 40 a 49 anos 13,71 Bahia 5,02
Outros 5,84 De 50 a 59 4,40 Paraná 4,93

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60 e acima 2,28 Outros estados 29,13
Fonte: Consulado do Brasil em Lisboa (universo considerado: 9 381 brasileiros matriculados
desde 1997 até 24/10/99)

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