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DIREITO ECONÔMICO E FINANCEIRO

Direito Financeiro

Orçamentos

1. DIREITO FINANCEIRO – BREVE DEFINIÇÃO

O direito financeiro é ramo do direito público encarregado de tutelar, em conjunto


com o direito tributário e direito econômico, a atividade financeira do Estado, composta
pela obtenção e gasto de seus recursos. Assim, é de se afirmar que o direito financeiro
tem por objeto a tutela do orçamento público, que, de maneira sucinta, pode ser definida
como o conjunto formado pela realização de despesas e arrecadação de receitas públicas.

1.1. Normas Gerais de Direito Financeiro

Normas gerais são aquelas expedidas pelo Congresso Nacional, aplicáveis a todas
as pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e destinam-se a
atuar, assim como os princípios, orientando e operando a integração do ordenamento
jurídico.

Com relação ao Direito Financeiro, verifica-se na redação do artigo 24 da


Constituição Federal, que é concorrente a competência legislativa, cabendo à União,
Estados e, também, ao Distrito Federal.

Finalmente, é de se salientar que os dispositivos da Lei Complementar n. 4.320,


de 17.3.1964 estatuem normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle
dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal,
exceto em relação àqueles que contrariem normas constitucionais, por isso, revogadas.

2. ORÇAMENTO

Este instituto tem relação direta com “planejamento”, previsão. Assim, trata-se de
uma “antecipação hipotética” dos créditos e débitos a cargo da pessoa política em
determinado espaço de tempo. Além da previsão, contém também um caráter
autorizador.
2.1. Conceito

O orçamento é considerado o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao


Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao
funcionamento dos serviços públicos e outros fins, adotados pela política econômica ou
geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em leis. Assim, trata-se
de “documento” em que se localiza a previsão de despesas e de receitas para um período
determinado.

Essa expressão “arrecadação das receitas já criadas em lei”, todavia, não veda a
arrecadação do tributo legalmente criado, sem prévia inclusão orçamentária. Em outras
palavras, expressa o instrumento que documenta a atividade financeira do Estado,
contendo a receita e o cálculo das despesas autorizadas para o funcionamento dos
serviços públicos e outros fins projetados pelos governos. Na realidade, há obrigação de
previsão das despesas, funcionando o orçamento como condição para sua realização, o
que não ocorre com as receitas, que poderão ficar aquém ou além do previsto, sem que
disso resulte qualquer implicação.

Lamentavelmente, o orçamento está longe de espelhar, entre nós, um plano de


ação governamental referendado pela sociedade, tendendo mais, na verdade, para o
campo da ficção.

O desvio na realização de gastos públicos costuma ocorrer por meio dos seguintes
expedientes:

• superestimação de receitas;

• contingenciamento de despesas;

• anulação de valores empenhados;

• instituição de fundos.

2.2. Natureza Jurídica

Apesar de não haver unanimidade acerca da natureza jurídica do orçamento, entre


nós, essa discussão não tem relevância, visto que, desde a reforma constitucional de
1926, nossas Constituições sempre consideraram o orçamento uma lei.

O artigo 166 e parágrafos da Constituição Federal estabelecem um regime


peculiar de tramitação do projeto de lei orçamentária, de iniciativa do Executivo, sem,
contudo, exigir quorum qualificado para sua aprovação; daí sua natureza de lei ordinária.

A lei orçamentária, entretanto, difere das demais leis; estas caracterizadas por
serem genéricas, abstratas e constantes ou permanentes. A lei orçamentária é, na
verdade, uma lei de efeito concreto, para vigorar por um prazo determinado de um ano,
fato que, do ponto de vista material, retira-lhe o caráter de lei. Essa peculiaridade levou
parte dos estudiosos a sustentar a tese do orçamento como ato-condição. Sob o enfoque
formal, no entanto, não há como negar a qualificação de lei.

Concluindo, dizemos que o orçamento é uma lei ânua, de efeito concreto,


estimando as receitas e fixando as despesas necessárias à execução da política
governamental.

2.3. Espécies

As ditas “espécies orçamentárias”, na realidade, são as modalidades diversas de


leis orçamentárias, previstas na Constituição Federal. Encontram-se previstas em
número de três e, abaixo, seguem algumas especificações:

a) Lei que institui o plano plurianual (artigo 165, § 1º, da Constituição Federal):
estabelecendo de forma regionalizada as diretrizes, objetivos e metas da administração
pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes, e para as relativas
aos programas de duração continuada;

b) Lei de diretrizes orçamentárias (artigo 165, § 2º, da Constituição Federal):


compreendendo as metas e prioridades da Administração Pública Federal, incluindo as
despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientando a elaboração da
lei orçamentária anual, dispondo sobre as alterações na legislação tributária e
estabelecendo a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. Esta
lei não se estabelece antes de ser submetida à apreciação do Congresso Nacional. Deve
esta lei, ainda, preceder à elaboração do orçamento, uma vez que fornece as metas e as
prioridades que devem constar no orçamento.

c) Lei que aprova o orçamento anual (artigo 165, § 5º, da Constituição Federal):
abarca o orçamento fiscal referente aos três Poderes da União, seus fundos, órgãos e
entidades da Administração direta e indireta, fundações instituídas e mantidas pelo Poder
Público, além do orçamento de investimentos das empresas estatais, bem como o
orçamento da seguridade social.

2.4. Princípios Orçamentários

Princípios de direito são normas munidas do mais alto grau de abstração, que
permeiam o sistema jurídico como um todo. São mais do que meras regras jurídicas.
Encarnam valores fundamentais da sociedade, servem como fontes subsidiárias do
Direito e conferem critérios de interpretação de normas e regras jurídicas em geral.
Os princípios orçamentários são aqueles voltados especificamente à matéria
orçamentária e são encontrados na própria Constituição Federal, de forma expressa ou
implícita.

Abaixo, segue elenco dos princípios:

a) Princípio da exclusividade ou da pureza orçamentária (artigo 165, § 8.º, da


Constituição Federal)

Esse princípio tem a finalidade de evitar, na definição de Ruy Barbosa, as


chamadas caudas orçamentárias ou orçamentos rabilongos, decorrentes de matérias de
índole não financeira, estranhas ao respectivo projeto de lei, por meio de emendas de
toda sorte, apresentadas por Deputados e Senadores. Assim, veda-se à lei orçamentária a
inclusão de matéria estranha à previsão da receita e à fixação da despesa

A Constituição Federal, todavia, excepciona desse princípio a autorização para


abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, “ainda que por
antecipação de receita”, como consta da parte final do § 8.º do artigo 165. Não se pode
dizer, entretanto, que a abertura de créditos suplementares ou as operações de crédito
sejam matérias estranhas ao orçamento. Os primeiros porque se destinam ao reforço de
dotação orçamentária existente; as segundas porque toda e qualquer contratação de
crédito tem a natureza de antecipação de receita orçamentária.

b) Princípio da programação (artigos 48, incisos II e IV, e 165, § 4.º , da


Constituição Federal)

Todo orçamento moderno está ligado ao plano de ação governamental. Assim, ele
deve ter conteúdo e forma de programação. Os programas de governo de duração
continuada devem constar do plano plurianual, ao qual se subordinam os planos e
programas nacionais, regionais e setoriais.

Esse princípio é impositivo a todos os órgãos dos três Poderes.

“O orçamento-programa derivou da concepção de se criar um orçamento que


interferisse na reestruturação da economia estatal. Isto porque o orçamento clássico não
objetivava promover a ação direta do Estado na economia. Mas com a crise econômica
de 1929, que significou a grande depressão norte-americana da época, e com o término
da Segunda Grande Guerra Mundial, o binômio orçamento público e economia nacional
passou a se conectar, devido à necessidade de planejamento, reestruturação e
programação da atividade governamental. Por conseguinte, a noção clássica de
orçamento, que preconizava a assertiva “equilibrar para crescer financeiramente”, cedeu
lugar a uma concepção ampla de orçamento, equacionando realidade orçamentária e
técnica de planejamento. Surgia, assim, o orçamento-programa, aqui compreendido
como a espécie ou variedade do gênero orçamento, cuja tarefa é programar e planejar a
atividade econômica e a ação governamental do Estado, fomentando o crescimento das
entidades político-administrativas de direito público interno”. 1

c) Princípio do equilíbrio orçamentário

Esse princípio, no passado, era considerado como regra de ouro das finanças
públicas. Com a crise econômica de 1929, porém, a tese do equilíbrio orçamentário
passou a ser vigorosamente combatida.

Hoje prevalece o pensamento de que não cabe à economia equilibrar o orçamento,


mas ao orçamento equilibrar a economia, isto é, o equilíbrio orçamentário não pode ser
entendido como um fim em si mesmo, mas como um instrumento a serviço do
desenvolvimento da nação.

Assim, fez bem o legislador constituinte em abolir a expressão desse princípio,


limitando-se a recomendá-lo em alguns de seus dispositivos, como naqueles em que se
limita o endividamento, fixam as despesas, estabelece o mecanismo de controle das
despesas, proíbe a abertura de créditos suplementares ou especiais sem a indicação de
recursos correspondentes etc, que impulsionam a ação dos legisladores no sentido do
equilíbrio orçamentário.

d) Princípio da anualidade (artigo 48, inciso II, artigo 165, inciso III e § 5.º, e
artigo 166 da Constituição Federal)

“O vetor da anualidade orçamentária, também conhecido por antonomásia,


princípio da lei ânua, nasceu do expediente político de se obrigar os monarcas a
convocarem o parlamento, pelo menos, uma vez por ano. Vigora entre nós desde a
Constituição Imperial de 1824”.2

A característica fundamental do orçamento é a sua periodicidade. É da tradição


brasileira, como também da maioria dos países, que esse período, o do exercício
financeiro, seja de um ano. Daí o princípio da anualidade, que decorre de vários
dispositivos expressos na Constituição Federal. De acordo com a Constituição Federal
(artigo 165, § 9.º, inciso I), cabe à lei complementar “dispor sobre o exercício financeiro,
a vigência, os prazos, a elaboração e organização do plano plurianual, da lei de diretrizes
orçamentárias e da lei orçamentária anual”.

A Lei que rege o assunto é a de n. 4.320, de 17.3.1964, e, por ela, o exercício


financeiro vai de 1.º de janeiro a 31 de dezembro.

e)Princípio da unidade (artigo 165, § 5.º, da Constituição Federal)

Atualmente existe uma multiplicidade de documentos orçamentários. O princípio


da unidade, porém, ao contrário do que se estabelecia antigamente, não se preocupa com

1
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 3.ª ed. Saraiva. 2001. p. 1109.
2
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 3.ª ed. Saraiva. 2001. p. 1109.
a unidade documental, mas com a unidade de orientação política, de sorte que os
orçamentos se estruturem uniformemente, ajustando-se a um método único, vale dizer,
articulando-se com o princípio da programação.

f) Princípio da Universalidade (artigo 165, § 5.º , da Constituição Federal)

Esse princípio significa que as parcelas da receita e da despesa devem figurar em


bruto no orçamento, isto é, sem quaisquer deduções.

Hoje esse princípio tem sentido de globalização orçamentária, significando a


inclusão de todas as rendas e despesas dos Poderes, fundos, órgãos, entidades da
Administração direta e indireta etc, no orçamento anual geral; fato esse que contribui
para a obtenção do equilíbrio financeiro.

De acordo com esse princípio expresso no § 5.º, do referido artigo, a lei


orçamentária deve compreender o orçamento fiscal, o orçamento de investimento das
empresas, o orçamento da seguridade social e os que se ligam ao plano plurianual (este
se inter-relaciona com os planos e programas nacionais, regionais e setoriais).

g) Princípio da Legalidade Orçamentária (artigo 165, § 1.º, da Constituição


Federal)

Segue o sentido geral do princípio da legalidade, pelo qual ninguém é obrigado a


fazer, ou não fazer algo senão em virtude de lei. Assim, em matéria orçamentária, esse
princípio significa que a Administração Pública subordina-se às prescrições legais.

h) Princípio da Transparência Orçamentária (artigo 165, § 6.º, da Constituição


Federal)

É um desdobramento do princípio da transparência tributária. Por esse princípio, o


projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativos regionalizados do
efeito sobre as receitas e despesas, decorrentes de isenções, anistias, remissões,
subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia, possibilitando, mais
tarde, a fiscalização e o controle interno e externo da execução orçamentária.

i) Princípio da Publicidade Orçamentária (artigos 37, 165, § 3.º e 166, § 7.º, da


Constituição Federal)

A Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer um dos


Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá a esse
princípio.

Devido à sua grande importância, além de estar previsto em caráter geral, a


Constituição Federal determinou, ainda, sua observância relativamente aos projetos de
leis orçamentárias e ordenou a publicação, pelo Poder Executivo, do relatório resumido
da execução orçamentária.
2.5. Fiscalização e Controle Interno e Externo dos Orçamentos

O orçamento pode ser entendido como o instrumento fiscalizador da atividade


financeira do Estado, com o escopo de coibir os abusos dos governantes.

Com o intuito de assegurar o controle orçamentário, a Constituição Federal adota


mecanismos de rigorosa fiscalização que, inclusive, extravasam o campo de atuação do
princípio da legalidade para adentrar nos limites da legitimidade, da economicidade etc.
Para tanto, há possibilidade de controle interno e externo.

“É importante observar que a Constituição de 1988 não consagrou os controles


interno e externo como realidades estanques. Ao invés disso, devem atuar em harmonia,
de modo integrado e sistêmico, em nome da gestão democrática da coisa pública (art.
74, IV, da Constituição Federal)”.3

2.5.1. Controle Interno ou Autocontrole (parte final do artigo 70 da Constituição


Federal)

O que caracteriza esse tipo de controle é o princípio da hierarquia, que impõe às


autoridades superiores o dever de exercer controle sobre seus subalternos, concordando
ou revendo os atos por eles praticados, notadamente em matéria de execução
orçamentária. Esse controle interno existe no âmbito da atividade administrativa de cada
um dos Poderes (interna corporis), ou seja, Legislativo, Executivo e Judiciário.

2.5.2. Controle Externo (artigos 70 e 49, inciso X, da Constituição Federal)

É função do Poder Legislativo, exercida exclusivamente pelo Congresso


Nacional, no âmbito federal, e tem por fim, a exemplo do controle interno, a fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos entes constitucionais e
das entidades da Administração direta e indireta ligadas ao orçamento, quanto à
legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de
receitas.

O controle externo sujeita-se à prévia apreciação do Tribunal de Contas


competente, sendo que as decisões deste possuem cunho administrativo.

Despesa Pública

3
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 3.ª ed. Saraiva. 2001. p. 806.
1. CONCEITO E FINALIDADE

Como aludido em outra oportunidade, em conjunto com as receitas, as despesas


públicas formam o orçamento.

Despesa, na acepção da palavra, significa gasto. Assim, despesa pública é instituto


que tem por fim a verificação dos gastos efetuados pela administração pública.

Com efeito, e conforme anteriormente verificado, toda despesa deve ser,


obrigatoriamente, prevista no orçamento para que possa ser realizada.

Assim, de acordo com as premissas já explicitadas, é possível conceituar despesa


pública, utilizando-se da autorizada doutrina de Aliomar Balleiro: “...é a aplicação de
certa quantia, em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente dentro
de uma autorização legislativa para execução de fim a cargo do governo”.

A realização das despesas públicas tem finalidade dúplice:

- Assegurar o regular funcionamento dos serviços públicos. Para tanto,


designam o conjunto de dispêndios do Estado, ou de outra pessoa de
direito público para o funcionamento dos citados serviços.

- Aplicar certa quantia, em dinheiro, para execução de um fim a cargo


do governo. Esta aplicação deverá ser feita pela autoridade ou agente
público competente e, para tanto, deve haver uma autorização
legislativa.

2. CLASSIFICAÇÃO

É grande o número de classificações, enumeradas pela doutrina, no tocante às


despesas públicas, a depender do critério a ser apreciado. Abaixo, citamos as de maior
interesse para o estudo do tema:

- a depender da renovação a cada orçamento, temos o critério


periodicidade, segundo o qual, podem as despesas públicas ser
ordinárias, as quais são renovadas a cada orçamento, constituindo,
na maioria das vezes, a rotina dos serviços públicos; ou
extraordinárias, as quais não se renovam todos os anos por se
tratarem de serviços de caráter esporádico;

- relacionando-se com o critério produtividade, temos as despesas


produtivas, que criam utilidades por intermédio da atuação estatal; as
reprodutivas, as quais representam o aumento da capacidade
produtora do país e as despesas públicas improdutivas, que
correspondem às despesas inúteis;

- decorrente da competência constitucional de cada entidade política,


temos as despesas federais, que se destinam à realização dos fins e
dos serviços públicos que competem exclusivamente à União; as
estaduais, as quais encontram-se relacionadas com as atribuições
conferidas aos estados-membros e despesas públicas municipais,
referentes ao exercício da competência municipal). De se esclarecer
que esta classificação é muito criticada, pois existem outras matérias
além das de competência comum entre as três esferas políticas;

- com relação à atividade econômica estabelecida, isto é, quanto à


economia, poderá a despesa ser denominada despesa-compra, a qual
é realizada para compra de serviços e produtos, e despesa-
transferência, que se limita a criar rendimentos para os indivíduos
sem qualquer contraprestação destes;

- em decorrência de previsão expressa na Lei n. 4.324/64 temos a


denominada classificação quanto à legalidade, que se divide em
despesas concorrentes, as quais abrangem as despesas de custeio e as
transferências concorrentes e despesas de capital, abrangendo os
investimentos, as inversões financeiras e a transferência de capital.

3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

A despesa pública, para que possa ser realizada, exige inclusão em lei
orçamentária. Logo, devido a tal exigência, necessário o respeito ao princípio da
legalidade,

Assim, o princípio da legalidade preside as realizações de despesas. Portanto, a


inobservância de normas legais poderá resultar ao agente público crime de
responsabilidade. Ainda, no caso de o agente ordenar ou permitir a realização de
despesas não autorizadas em lei ou regulamento, constituir-se-á ato de improbidade
administrativa.

4. TÉCNICA DE REALIZAÇÃO DA DESPESA PÚBLICA

Para que se realize a despesa pública, via de regra, faz-se necessário percorrer
quatro etapas que, se desviadas, implicam em sua ilegalidade. São as etapas:
a) empenho;

b) liquidação;

c) ordem de pagamento; e

d) pagamento.

A etapa inicial para a realização de uma despesa é seu prévio empenho, o qual
representa reserva de recursos na respectiva dotação inicial ou no saldo existente, ou
seja, é um ato advindo de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de
pagamento pendente ou não de implemento de condição, visando, desta forma, garantir
os diferentes credores do Estado, a teor do disposto no artigo 58 da Lei n. 4.320/64.

De se salientar que, de acordo com lição de Celso Ribeiro Bastos, “o empenho


não cria uma obrigação jurídica de pagar, como acontece em outros sistemas jurídico-
financeiros. Ele consiste numa medida destinada a destacar, nos fundos orçamentários
destinados à satisfação daquela despesa, a quantia necessária ao resgate do débito”.

Em uma segunda etapa, procede-se na liquidação da despesa pública, fase na


qual, segundo Alberto Deodato, é observado o direito adquirido pelo credor tendo por
base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. Entretanto, também
citado por Celso Ribeiro Bastos, José Afonso da Silva entende que não é criado direito
algum por meio da liquidação, sendo apenas a confirmação do direito criado pelo
contrato estabelecido entre as partes. A terceira fase de constituição de uma despesa
pública, determinada pelo artigo 64 da Lei 4.320/64, é a ordem de pagamento, a qual se
caracteriza pelo despacho da autoridade competente que determina o pagamento da
despesa.

Finalmente, concluindo a execução das despesas públicas, existe a última fase


desse procedimento, que consiste no próprio pagamento, ato pelo qual tem-se por extinta
a obrigação de pagar e realizada, finalmente, a despesa pública.

5. A DISCIPLINA CONSTITUCIONAL E LEGAL DOS PRECATÓRIOS

No que tange aos débitos originários de condenação judicial, as etapas


supramencionadas também devem ser respeitadas. Além das etapas, certos requisitos
expressos no artigo 100 da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional
n.30/2000, deverão ser observados.

Assim, esses débitos são requisitados pelo Presidente do Tribunal que proferiu a
decisão a ser executada, por meio de precatório, sendo este inserido pela autoridade
política devedora na ordem cronológica de apresentação. Exceção se faz aos créditos de
natureza alimentícia, os quais não entrarão nesta ordem. Créditos dessa natureza são os
expressamente previstos no parágrafo 1º-A do artigo 100 da Constituição Federal.

O Executivo não ficará obrigado a requerer abertura de crédito especial para


atendimento dos precatórios no caso de estarem esgotados os recursos orçamentários.
Neste caso, deverá ser demonstrada ao órgão judicial competente a impossibilidade de
cumprir a decisão judicial.

Receita Pública

1. CONCEITO

Receita é recurso obtido para fazer frente às despesas, salientando-se uma vez
mais que, em conjunto com estas últimas, formam o orçamento. A qualidade de ser
pública, de acordo com a doutrina de Celso Ribeiro Bastos, advém de ser o ente
arrecadante pessoa jurídica de direito público. Assim, se arrecadada por pessoa jurídica
de direito privado, deixaria a receita de ser pública.

O conceito mais preciso é dado por Aliomar Baleeiro, segundo o qual, “receita
pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas,
condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento
novo e positivo”.

De se salientar que entrada é todo dinheiro que ingressa nos cofres públicos,
podendo ser classificadas, as entradas, em provisórias e definitivas.

Enquanto as primeiras destinam-se à posterior devolução, a exemplo dos créditos


obtidos por força de empréstimos compulsórios, cauções e fianças, as entradas
definitivas destinam-se a permanecer nos cofres públicos, para cumprimento das
finalidades do Estado. A título de exemplo, temos os valores arrecadados por meio de
impostos e taxas.

Com efeito, receita refere-se ao conceito de entrada definitiva.

2. INGRESSOS E RECEITAS
Ingressos e receitas públicas não podem ter seus conceitos confundidos, ou seja,
todo ingresso de dinheiro aos cofres públicos representa uma entrada, porém, nem todo
ingresso equivale a uma receita pública (assim como, acima mencionado, nem toda
entrada corresponde a uma receita).

3. CLASSIFICAÇÃO

Podemos encontrar classificações para as receitas públicas que decorram da


doutrina ou da própria lei.

3.1. Classificação Doutrinária


O número de classificações apontadas pela doutrina é grande, variando de acordo
com o critério adotado. Nesta oportunidade, passamos a apresentar aquelas que possuem
maior utilidade para os fins que se prestam esse curso:

3.1.1. Quanto à periodicidade do ingresso da receita


Esse critério leva em consideração a previsibilidade do ingresso da receita aos
cofres públicos, podendo, de acordo com o critério, existir receitas extraordinárias e
receitas ordinárias.
- extraordinárias: são as receitas cujo ingresso ocorre eventualmente, sem
possibilidade de previsão em situações de anormalidade. Decorrem da instituição
de impostos extraordinários, faculdade permeada no inciso II do artigo 154 da
Constituição Federal;
- ordinárias: que possuem ingresso constante, previsível, regular. São recebidas em
decorrência do desenvolvimento regular da atividade estatal, como no caso das
receitas oriundas da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Há uma corrente na doutrina que ainda traz uma terceira classificação em relação
à periodicidade de ingresso, fazendo menção às receitas adicionais, que são as não
previstas no orçamento, ou previstas de maneira insuficiente.

3.1.2. Quanto à origem das receitas públicas


Critério que considera a causa do ingresso da receita, o motivo que possibilitou o
ingresso aos cofres públicos, podendo as receitas, segundo esse critério, dividirem-se em
originárias ou derivadas.

• Originárias: resultantes do domínio privado do Estado, ou seja, da atuação


deste sob o regime de direito privado, como uma empresa privada em busca de
lucro na exploração de atividade econômica, da exploração de seus próprios
bens ou serviços. A título de exemplo, temos as receitas oriundas da cobrança
de tarifas.
• Derivadas: decorrentes das parcelas de riquezas que o Estado, face ao seu
poder de autoridade, pode retirar de seus subordinados para a realização de
seus fins, visando sempre o bem-estar geral. Decorrem da exploração do
patrimônio ou de rendas de seus subordinados. A título de exemplo, podemos
citar a receita advinda da cobrança de tributos.

Existe corrente doutrinária que traz uma terceira classificação baseada na origem
da receita. Tal corrente denomina a receita de receita pública transferida, que também
deriva do patrimônio do particular; entretanto não é cobrada pelo ente que utilizará tal
receita, isto é, é cobrada por pessoa política diversa do destinatário da arrecadação.

3.2. Classificação Legal


Leva em consideração o que determina o artigo 11 da Lei n. 4.320/64, a qual
institui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e
balanços da União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Segundo o diploma legal, as
receitas são divididas em receitas correntes e receitas de capital. Trata-se de
classificação decorrente da destinação a que se dá à receita pública.

• Receitas correntes: segundo dispõe o § 1.º do artigo 11 da citada lei, são as


receitas destinadas a atender às despesas correntes (despesas de custeio).
Tratam-se das receitas resultantes da atuação do Estado, utilizando-se de
prerrogativas provenientes do regime jurídico da Administração, isto é,
atuando, fazendo-se valer de seu poder de império. Assim, são receitas
provenientes da cobrança de tributos, de contribuições e outros.

• Receitas de capital: a teor do disposto no § 2.º do artigo 11 da lei, de capital


são as receitas destinadas a atender às despesas classificadas como despesas de
capital (decorrentes de investimentos) e ao superávit do orçamento (saldo
positivo, quando da confrontação entre receita e despesa). Referem-se às
receitas obtidas em decorrência de negociações entre o Estado e uma pessoa
física ou jurídica, de direito público ou de direito privado. A título de exemplo,
podemos citar as receitas decorrentes de alienação de bens, operações de
crédito e amortização de empréstimos, dentre outros.

4. PREÇO PÚBLICO E A SUA DISTINÇÃO COM A TAXA

Em que pese à existência de constante confusão entre preço público e taxa, e


embora o produto de ambos venha a fazer parte da receita pública, os institutos não se
confundem.
Assim, temos que taxa é uma das espécies tributárias. Trata-se de tributo
vinculado a uma atuação estatal, tendo, por conseqüência, sua cobrança submetida ao
regime de direito público.

É considerada uma obrigação ex lege (decorrente da lei, e não de disposição de


vontade das partes), ou seja, só pode ser exigida dos particulares “em razão do exercício
do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”, de acordo
com o disposto no artigo 145, inciso II, da Constituição Federal.

Preço público, de modo diverso, é simplesmente uma tarifa, significando a


contraprestação paga pelos serviços solicitados ao Estado ou pelos bens por ele
vendidos.

Assim, trata-se de uma obrigação ex voluntate (decorrente da vontade das partes,


sendo que uma das partes presentes é o Estado), sendo necessário um contrato, expresso
ou tácito, entre as partes, logo, seu regime jurídico é de direito privado.

Já fora mencionado, em outra oportunidade, a diferença entre estes institutos


(módulo 3 – Direito Tributário). Naquela oportunidade, fora dito que tal diferença é
determinada pela sua obrigatoriedade (compulsoriedade). A teor do disposto na Súmula
n. 545 do Supremo Tribunal Federal: “Preços de serviços públicos e taxas não se
confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança
condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu”.

Cabe a cobrança de preço público quando se está diante de coisa em


comércio, enquanto que a taxa será cobrada quando houver determinação legal.

A comparação que segue entre taxa e preço público foi retirada do Código
Tributário Nacional Comentado, coordenado por Vladimir Passos de Freitas, Revista dos
Tribunais, artigo 77:

Taxa:

- exercício do poder de polícia;

- utilização efetiva ou potencial do serviço público;

- remuneração por serviços públicos essenciais ou cuja atividade econômica não


compete originariamente à iniciativa privada.

Preço Público:

- remunera serviços que não têm natureza de públicos;

- atividade monopolizada;
- pressupõe contratação;

- serviços não essenciais, que admitem concessão.

Dívida Ativa da União de Natureza Tributária e

Não-Tributária, Inscrição, Cobrança

1. CONCEITO

Dívida ativa é o crédito do Estado a ser cobrado executivamente.

Esgotado o prazo de pagamento fixado pela lei ou por decisão administrativa, de


que não caiba mais recurso, o crédito tributário é inscrito no Livro de Inscrição da
Dívida Ativa pela Procuradoria da Fazenda. A Lei n. 6.830, de 22.9.1980, todavia,
amplia o conceito do que seja dívida ativa, abrangendo “aquela definida como tributária
ou não-tributária na Lei n. 4.320, de 17.3.1964”, dispondo, assim, que qualquer valor,
cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades políticas e respectivas autarquias, será
considerado dívida ativa da Fazenda Pública.

2. REQUISITOS PARA INSCRIÇÃO

O art. 202 do CTN enumera os requisitos que deve conter o termo de inscrição da
dívida ativa, autenticada pela autoridade administrativa competente. Além dos requisitos
previstos no referido artigo, a certidão que constitui título executivo deverá conter a
indicação do número do livro e da folha em que foi inscrita a dívida.

Esses requisitos são indispensáveis para permitir ao devedor o exercício do direito


de ampla defesa. A omissão desses dados ou o erro em relação a esses requisitos
constituem causas de nulidade do título executivo.

3. COBRANÇA
A cobrança da dívida ativa ocorre por meio da execução fiscal, regulada pela
citada Lei n. 6.830/80, objeto de estudo dentro do Direito Tributário e do Direito
Processual Civil, este último no tocante ao procedimento de cobrança.

Recomenda-se, entretanto, desde já, a leitura de todos os dispositivos da Lei n. 6.830/80.

Crédito Público

1. CONCEITO

Crédito público é a aptidão econômica e jurídica de que desfruta o ente público


para, de acordo com a confiança que possa gozar perante outros entes públicos ou
privados, nacionais ou estrangeiros, ou junto ao povo, obter os recursos de que necessita
para atender às despesas do interesse público, mediante a promessa de reembolso.

Celso Ribeiro Bastos4 traz esclarecimentos sobre os termos utilizados, ou seja, “


Embora as expressões “crédito público” e “empréstimo público” tenham muitas
afinidades, não se confundem. A noção de crédito é mais ampla. Tem um duplo sentido,
pois envolve tanto operações em que o Estado toma dinheiro como aquelas em que
fornece pecúnia. O que está sempre presente é a dilação temporal, é dizer, trata-se de
entrega de algo no presente em troca de contraprestação no futuro. Já o empréstimo
público é aquele ato pelo qual o Estado se beneficia de uma transferência de liquidez
com a obrigação de restituí-lo no futuro, normalmente com o pagamento de juros. De
outro lado, o empréstimo público não se confunde com o privado. É um ato que tem
regras próprias de direito público e inclusive abarca modalidades não encontráveis nos
empréstimos privados”.

Outra distinção significante é a feita por Regis Fernandes de Oliveira e Estevão


Horvath5 ao traçarem um paralelo entre empréstimo público e empréstimo compulsório,
ou seja, defendem a tese de que o primeiro possue natureza contratual e, portanto,
pressupõe manifestação livre da vontade, o segundo, em virtude de sua natureza
tributária possue a característica da obrigatoriedade dos tributos.

2. EMPRÉSTIMOS PÚBLICOS

2.1. Classificação

4
Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 7a ed. Editora.Saraiva. p.59
5
Manual de Direito Financeiro. 5a ed. Editora. RT pp.159/160
Os empréstimos públicos são classificados de diferentes maneiras.
2.1.1. Quanto à origem

Internos: são aqueles obtidos dentro de seu próprio território.

Externos: são aqueles obtidos fora de suas fronteiras.

2.1.2. Quanto à natureza ou competência (dependerá da pessoa jurídica que os


autoriza)

• Federal

• Estadual

• Municipal

2.1.3. Quanto à forma (são os títulos da dívida pública)

• Voluntários: aqueles obtidos junto ao mercado de capitais ou mediante a


emissão de títulos.

• Patrióticos ou semi-obrigatórios: aqueles adquiridos sob coação indireta,


como apelos, propaganda e pressão social.

• Obrigatórios ou coativos: empréstimos forçados, de subscrição obrigatória,


podendo também ocorrer mediante autorização de emissão de moeda por via
do Banco Central.

2.1.4. Quanto ao prazo

• A longo prazo: são resgatáveis em exercício diferente daquele do contrato,


podendo ser também nominados de perpétuos, quando não houver data de
resgate. Tais empréstimos podem ser remíveis, reservando-se ao Estado um
dia resgatá-los, ou irremíveis, não havendo essa previsão.

• A curto prazo ou temporários: aqueles em que o resgate ocorrerá dentro do


exercício financeiro.

2.1.5. Quanto à classificação constitucional

• Operações de crédito por antecipação de receita: objetiva suprir déficit de


caixa, mediante empréstimos de curto prazo.
• Operações de crédito em geral: são aquelas que, por exclusão, não se acham
compreendidas na hipótese acima, correspondendo aos empréstimos de longo
prazo que objetivam atender, em geral, às despesas de capital.

2.2. Fases

2.2.1. Emissão

É a fase inicial vinculada ao princípio da legalidade. Trata-se do momento do


lançamento dos títulos diretamente pelo Estado ou por intermédio de corretores, banco
ou bolsa de valores, sob as condições que ele próprio, o Estado, estipular; e será feito
indiretamente, quando se operar a emissão mediante intermediários.

2.2.2. Condições oferecidas

São as vantagens estipuladas para o resgate do empréstimo, que deverão ser


suficientes para atrair o interesse dos possíveis subscritores, como:

• abaixo do par;

• ao par;

• sorteios;

• concessão de direitos;

• títulos com privilégios fiscais;

• títulos com vantagens jurídicas.

2.2.3. Extinção do empréstimo

A extinção do empréstimo corresponde às várias formas que viabilizam seu


pagamento, mediante a sua liquidação total no vencimento ou em amortizações de
parcelas até o resgate total:

• anuidades termináveis: juros e amortizações são pagos ao longo de um


período, em prestações iguais, até completa liquidação da dívida, de sorte que,
com o passar do tempo, a parcela do capital restituído é cada vez maior,
segundo a tabela Price;

• liquidação: pagamento total do empréstimo, diretamente ou por compra em


Bolsa (amortização simultânea no vencimento);
• amortização: pagamentos sucessivos de parcelas do empréstimo, até o resgate
total;

• saldos orçamentários (Constituição Federal artigo 164 § 2.º): ocorre quando o


Estado, na medida dos seus saldos orçamentários, resgata os títulos colocados
em Bolsa, aproveitando as cotações inferiores ao valor nominal;

• rendas vitalícias (empréstimos perpétuos): forma européia antiga em que o


Tesouro se obrigava a pagar uma prestação até o fim da vida do subscritor,
extinguindo-se a dívida com a morte deste ou do seu beneficiário;

• em série de sorteios: o Tesouro Público, mediante sucessivos sorteios, vai


amortizando a obrigação até a extinção do crédito de todos os mutuantes;

• repúdio: é a forma esdrúxula de extinguir o empréstimo, independentemente da


vontade de seu subscritor, podendo, inclusive, causar sérios prejuízos ao
crédito público em caso de necessidade de novos empréstimos;

• compensação (Código Tributário Nacional artigo 170): possibilidade de um


encontro de contas em relação a débitos tributáveis do mutuante.

2.3. Garantias

São a característica substancial que leva confiança ao subscritor ou lhe convence


da opção pelo investimento; podem ser:

• garantias reais: aquelas vinculadas a bens do seu patrimônio, anualmente


autorizadas pelo Senado Federal, mediante resolução dispondo sobre operações
de crédito interno e externo e concessão de garantias, seus limites e condições
de autorização;

• garantias de terceiros: aquelas oferecidas por terceira pessoa pública ou


privada, nos termos da regulamentação anualmente editada pelo Senado
Federal, exigindo-se a comprovada adimplência prévia da entidade tomadora e
garantidora;

• garantias vinculadas: quando se compromete determinada renda tributável do


Estado, vinculando-a ao pagamento do empréstimo;

• empréstimos indexados: quando o valor para o resgate é vinculado ao preço de


determinados produtos ou serviços, à determinada moeda estrangeira forte, ao
câmbio da data do resgate. É garantido pelo valor internacional do ouro,
também ao tempo do pagamento do empréstimo.

2.4. Amortização
Conforme já mencionado no item 2.2.3, a amortização é uma das formas de
extinção do empréstimo público, realizando-se mediante os pagamentos sucessivos de
parcelas do empréstimo, até o resgate total.

2.5. Conversão

Acontece quando o Poder Público, por interesse público ou por falta do resgate da
dívida, promove alterações no contrato original, após a emissão e visando diminuir suas
obrigações, mediante os seguintes procedimentos unilaterais:

• substituição voluntária: quando os novos termos contratuais são opcionais;

• substituição facultativa: quando se oferece ao mutuante o direito de aceitar o


recebimento de seu crédito sem vantagens ou aceitar outros títulos com
vantagens menores;

• substituição forçada dos títulos emitidos por outros, sob condições novas e
desfavoráveis ao mutuante.

Finanças Públicas na Constituição de 1988

1. CONCEITO

As finanças públicas representam a gama de dispêndio utilizada pelo Estado para


o atendimento das necessidades públicas, ou seja, para a realização dos seus próprios
fins.

Inúmeros são os dispositivos constitucionais que cuidam do Direito Financeiro e


das finanças, a saber (cuja leitura é recomendada):

• artigo 31: fiscalização do município;

• artigo 48, inciso II: competências do Congresso Nacional – institutos financeiros;

•artigo 49, incisos IX e X: competência exclusiva do Congresso Nacional –


fiscalização e controle;

•artigo 52, incisos I, II, V, VI, VII, VIII, IX e parágrafo único: competência privativa
do Senado Federal – julgar crimes de responsabilidade das pessoas mencionadas nos
incisos; fiscalizar e controlar e impor limites globais relativos a operações de crédito,
dívida fundada, dívida mobiliária de todos os entes federativos.

artigo 61, §1.º, inciso II, alínea “b”: leis de iniciativa privativa do Presidente da

República;

• artigo 63, inciso I: proibição do aumento de despesas;

•artigo 70: controle externo e interno consistente na fiscalização contábil, financeira,


orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da Administração
direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das
subvenções e renúncia de receitas;

•artigo 71: competência do Tribunal de Contas da União; (Súmula 346 – Supremo


Tribunal Federal: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode
apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.”)

• artigo 72: solicitação de esclarecimentos pela Comissão Mista Permanente;

•artigo 73: características do Tribunal de Contas da União – estrutura organizacional


- composição;

•artigo 74: controle interno exercido pelos Poderes Legislativo, Executivo e


Judiciário;

•artigo 75: aplicabilidade das normas supra na organização, composição e fiscalização


dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e
Conselhos de Contas dos Municípios;

• artigos 157, 158 e 159: dispositivos acerca da repartição das receitas tributárias;

•artigo 160: vedação da retenção ou restrição à entrega e ao emprego dos recursos


atribuídos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;

•artigo 161: competência da lei complementar em matéria de repartição das receitas


tributárias;

•artigo 162: divulgação da União quanto aos montantes de cada um dos tributos
arrecadados, recursos recebidos, valores de origem tributária entregues e a entregar, e
a expressão numérica dos critérios de rateio;

• artigo 163: competência da lei complementar, em matéria de finanças públicas;

• artigo 164: exercício exclusivo do Banco Central na emissão de moeda;

•artigo 165: leis de iniciativa do Poder Executivo – plano plurianual, diretrizes


orçamentárias e orçamentos anuais;
•artigo 166: normas sobre apreciação dos projetos de lei relativos ao plano
plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais;

•artigo 167: vedações no tocante ao orçamento, regras quanto aos créditos especiais
extraordinários;

•artigo 168: prazo para entrega dos recursos correspondentes às dotações


orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos
órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público;

artigo 169: limitação da despesa com o pessoal ativo e inativo da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

2. ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

•artigo 33: pagamento do valor dos precatórios judiciais, pendentes na data da


promulgação da Constituição;

• artigo 35: forma de cumprimento do artigo 165, § 7.º;

•artigo 36: ratificação pelo Congresso Nacional dos fundos existentes na data da
promulgação da Constituição;

•artigo 38: limitação pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios de despesas
com pessoal;

• artigo 71: instituição do Fundo Social de Emergência;

• artigo 72: rol dos valores que integram o Fundo Social de Emergência;

•artigos 74 e 75: dispõem sobre a contribuição provisória sobre movimentação


financeira (CPMF);

• artigo 76: desvinculação de 20% de algumas receitas da União;

•artigo 77: recursos mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de
saúde;

• artigo 78: normas sobre liquidação de precatórios;

• artigo 79: instituição do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza;

artigo 80: discrimina as receitas integrantes ao Fundo de Combate e Erradicação da


Pobreza;
•artigo 81: regras sobre o Fundo constituído pelos recursos recebidos pela União em
decorrência da desestatização de sociedades de economia mista ou empresas públicas
por ela controladas;

artigo 82: regras referentes à criação de Fundos de Combate à Pobreza pelos


Estados, Distritos Federal e Municípios;

•artigo 84: prorrogação da cobrança da CPMF até 31 de dezembro de 2004 e


disciplina a destinação do produto arrecadado;

• artigo 85: elenca hipóteses de não incidência da CPMF;

• artigos 86, 87 e 88: regras relativas a precatório.

1. ORDEM CONSTITUCIONAL ECONÔMICA

A idéia de ordem econômica pressupõe a possibilidade lógica de se distinguirem


as normas jurídicas de conteúdo econômico de todas as demais normas jurídicas, o que,
segundo os ensinamentos do Prof. FÁBIO KONDER COMPARATO6, talvez não seja
possível, dado que, até hoje, ninguém conseguiu definir precisamente no que consiste a
ordem econômica, já que há concordância geral em que a economia tem a ver com a
produção e a distribuição da riqueza, a formação de preços, a determinação da renda
nacional e o nível de emprego. Não há unanimidade, porém, quando se pensa que o
próprio conceito de riqueza tem evoluído e compreende, além dos bens materiais, certos
bens culturais e condições sociais de vida, tais como a saúde e a educação, que são
geralmente consideradas como resultantes de políticas sociais e não propriamente de
decisões econômicas stricto sensu.

O Direito Constitucional brasileiro, entretanto, caminhou em sentido contrário à


evolução do conceito de riqueza, uma vez que, enquanto as Constituições de 1934, 1946
e 1967 combinaram em um único capítulo a ordem econômica e a social, a atual
Constituição separou essas duas séries de normas, reservando o seu título VII à “ordem
econômica e financeira” e o título VIII à “ordem social”.

Bem ou mal caracterizada a ordem econômica, além dos preceitos constantes no


título VII da Constituição Federal, são transportados ao seu bojo – pelos ensinamentos
do Prof. EROS ROBERTO GRAU7 –, fundamentalmente, os preceitos inscritos nos arts.
1.º, 3.º, 7.º a 11, 201, 202, 218 e 219, bem como, entre outros, os preceitos do art. 5.º,
6
COMPARATO, Fábio Konder. Ordem Econômica na Constituição Brasileira de 1988. RDP 93/263. Cadernos
de Direito Econômico e Empresarial.
7
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 4.ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p.
215.
inc. LXXI, do art. 24, inc. I, do art. 37, incs. XIX e XX, do § 2.º do art. 103, do art. 149
e do art. 225, ou seja:

• a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do


Brasil (art. 1.º, inc. III) e como fim da ordem econômica (art. 170, caput);

• os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da


República Federativa do Brasil (art. 1.º, inc. IV) e a valorização do trabalho
humano e da livre iniciativa como fundamentos da ordem econômica (art. 170,
caput);

• a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como um dos objetivos


fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3.º, inc. I);

• a garantia do desenvolvimento nacional como um dos objetivos fundamentais


da República Federativa do Brasil (art. 3.º, inc. II);

• a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades


sociais e regionais como um dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil (art. 3.º, inc. III);

• a redução das desigualdades regionais e sociais também como princípio da


ordem econômica (art. 170, inc. VII);

• a liberdade de associação profissional ou sindical (art. 8.º); a garantia do


direito de greve (art. 9.º);

• a sujeição da ordem econômica aos ditames da justiça social (art. 170, caput);

• a soberania nacional, a propriedade e a função social da propriedade, a livre


concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução
das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego, o tratamento
favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte
(todos princípios enunciados nos incs. do art. 170);

• a integração do mercado interno ao patrimônio nacional (art. 219), além de


outros preceitos que não são expressamente enunciados em normas
constitucionais explícitas8.

1.1. Princípios Gerais da Atividade Econômica

O art. 170 da Constituição Federal de 1988, ao fixar os princípios fundamentais do


ordenamento econômico, não fugiu à linha traçada pela Lei Magna anterior, tendo,
entretanto, explicitado melhor os referidos princípios.

8
Denominados de “Princípios Gerais Não Positivados” pelo Prof. EROS ROBERTO GRAU. Op. cit. p. 216.
A justiça social é indicada pelo art. 170 da Constituição Federal como uma das
metas da ordem econômica brasileira. O termo justiça social está longe de ter sentido
unívoco, mas, em sentido comum, pode ser entendido como a virtude que ordena para o
bem comum todos os atos humanos exteriores. Assim sendo, a afirmação constitucional
significa que a ordem econômica deve ser orientada para o bem comum.

Outra meta da ordem econômica é a do desenvolvimento econômico, que, na


verdade, configura condição da justiça social, dado que não é possível assegurar a todo o
povo uma vida digna se a produção nacional não atingir grau elevado. O
desenvolvimento, entretanto, não é um fim em si mesmo, mas um simples meio para o
bem-estar geral.

A liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio (ou a


liberdade de empresa) e a liberdade de contrato. O princípio da liberdade de iniciativa
reclama a livre concorrência, que também é erigida em princípio (art. 170, inc. IV).

Esse conjunto de princípios, entretanto, há de ser ponderado na sua globalidade,


visto que a Constituição não é um mero agregado de normas, não se podendo interpretá-
la em compartimentos, em pedaços.

Nesse sentido é que se faz necessário conciliar, como fundamento da República


Federativa do Brasil e da ordem econômica, o valor social da livre iniciativa e, como
princípio da ordem econômica, a livre concorrência (arts. 1.º, inc. IV, e 170, caput e inc.
IV).

O termo livre iniciativa é encontrado na Constituição Federal de 1988 já no seu


art. 1.º, inc. IV, bem como no caput do art. 170.

Uma das faces da livre iniciativa se expõe como liberdade econômica, ou


liberdade de iniciativa econômica9, que foi encontrada, em toda a sua plenitude, no
Decreto d’Allarde, de 2-17 de março de 1791, cujo art. 7.º determinava que, a partir de
1.º de abril daquele ano, seria livre a qualquer pessoa a realização de qualquer negócio
ou o exercício de qualquer profissão, arte ou ofício que lhe aprouvesse, sendo, contudo,
ela obrigada a se munir previamente de uma “patente” (imposto direto), a pagar as taxas
exigíveis e a se sujeitar aos regulamentos de polícia aplicáveis. Logo após, na chamada
Lei de Chapelier (Decreto de 14-17 de junho de 1791), na qual restaram proibidas todas
as espécies de corporações, o princípio foi reiterado.

É possível perceber, assim, como salienta o Prof. EROS ROBERTO GRAU10, que
no princípio da livre iniciativa, mesmo quando da sua origem, não se consagrava a
liberdade absoluta de iniciativa econômica, ou seja, a visão de um Estado inteiramente
omisso, no liberalismo, em relação à iniciativa econômica privada. Trata-se de uma
expressão pura e exclusiva de um tipo ideal, dado que, nesse estágio, medidas de polícia
já eram impostas.

9
Idem, ibidem. p. 224.
10
Idem, ibidem p. 225
Não se pode perder de vista que a Constituição declara assentar a ordem
econômica, conjuntamente, na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano,
assinalando que o objetivo global e último dessa ordenação consiste em “assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (art. 170, caput). O texto
constitucional, portanto, permite a imposição de restrições de natureza pública ao
exercício da liberdade empresarial, as quais visaem à realização dos valores ou
finalidades superiores, igualmente expressos como mandamentos constitucionais.

A Ordem Econômica e Financeira da Constituição Brasileira estabelece, assim, as


finalidades e os princípios gerais dessa “ordem econômica”, bem como o tipo de
organização econômica, a delimitação entre o domínio da iniciativa privada e o da
intervenção direta do Estado na economia e, ainda, as bases jurídicas dos fatores de
produção, ou seja, o “núcleo duro da constituição econômica brasileira”.

Estando a livre iniciativa ligada ao seu valor social e devendo ser exercida em
conformidade com os objetivos da “ordem econômica” – é o que se encontra
estabelecido na Constituição Federal, repita-se –, apesar do papel primordial que lhe foi
atribuído, o seu valor é relativizado pela própria Constituição. A livre iniciativa – que
pode ser entendida, em duplo aspecto, como a liberdade de criar e explorar uma
atividade econômica e, sobretudo, a rejeição da atividade econômica estatal – não é
admitida de maneira absoluta, mas unicamente em razão do seu valor social (conforme
art. 1.º, inc. IV, da própria Constituição Federal) e deve ser entendida no contexto de
uma ordem econômica, idealmente concebida pela Constituição, que “tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” e que deve
respeitar toda uma série de princípios.

Assim é que, uma vez consagrada a livre concorrência como um princípio da


ordem econômica (inc. IV do art. 170), princípio que a livre iniciativa deve respeitar, a
Constituição estabelece uma distinção entre livre iniciativa e livre concorrência. Desse
modo, a Constituição não considera a livre concorrência uma conseqüência natural ou
necessária da livre iniciativa, mas, sim, o que é consagrado, como atividade econômica
legítima no contexto da ordem econômica constitucional, é a livre iniciativa
concorrencial. Declarando-se, portanto, que a livre concorrência é um princípio ao qual
a livre iniciativa deve se submeter, a Constituição Brasileira rejeitou a concepção dos
liberais clássicos do século XIX, segundo a qual a livre concorrência é uma
conseqüência natural da livre iniciativa. Ao mesmo tempo, a Constituição, adotando uma
nova ordem econômica, consagra o dogma segundo o qual se presume que a livre
iniciativa concorrencial é útil à coletividade.

Verifica-se, via de conseqüência, que o princípio da livre concorrência tem um


significado próprio que o distingue do princípio da livre iniciativa. Aquele se apresenta
como um elemento desejável ou mesmo necessário para possibilitar a presunção de que
a livre iniciativa promove a realização do bem comum, o que é, a seu turno, um
elemento favorável para que a livre iniciativa reencontre o seu valor social. A livre
concorrência, assim, desempenha um papel fundamental para que a livre iniciativa possa
gozar da presunção de beneficiar a coletividade. Trata-se de um elemento importante
para a valorização social da livre iniciativa. A livre ação dos agentes econômicos, o livre
acesso ao mercado e a livre escolha dos consumidores e utilizadores são as três
liberdades que caracterizam um mercado concorrencial, ou seja, um mercado em que a
concorrência joga livremente, configurando essas liberdades o objetivo a que visa o
princípio da livre concorrência, distinguindo-o, portanto, do conceito da livre iniciativa,
mas não os incompatibilizando, entretanto.

Assim, buscando a existência digna, conforme os ditames da justiça social, é que


devem ser compreendidos e harmonizados os demais princípios expressos no artigo 170
da Constituição, ou seja, a função social da propriedade, a defesa do consumidor, a
busca do pleno emprego e, entre outros, a livre concorrência.

Aliando-se a possibilidade de se imporem restrições ao exercício da liberdade


empresarial e harmonizando-se o princípio da livre concorrência com a busca da
existência digna, conforme os ditames da justiça social, é que se pode afirmar que a
tutela da livre concorrência pode aparecer como um limite negativo ao fundamento da
livre iniciativa, uma vez que essa última interessa a todo o conjunto social, dado que
existem fins constitucionalmente propostos à livre iniciativa.

O texto da Constituição de 1988 não deixa dúvidas quanto ao fato de a


concorrência ser, entre nós, um meio, um instrumento para o alcance de outro bem
maior, qual seja, “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social”.

O caráter instrumental da proteção da concorrência é evidente quando determina


reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados e à
eliminação da concorrência, em atenção ao princípio da livre concorrência, e quando
determina reprimir o aumento arbitrário de lucros, em atenção ao princípio da defesa do
consumidor.

Essa proteção, entretanto, vai inserta no fim geral e maior, qual seja, “assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, demonstrando que a
tutela da concorrência não é um fim em si mesma e poderá ser afastada quando o escopo
maior perseguido pelo sistema assim o exigir.

Aconselha-se, assim, nesse momento, a leitura atenta, na íntegra, do art. 170 da


Constituição Federal de 1988.

1.2. Política Agrícola e Fundiária e a Reforma Agrária

A propriedade rural, com sua natureza de bem de produção, tem como utilidade
natural a produção de bens necessários à sobrevivência humana, daí por que a
Constituição Federal de 1988 traz normas que servem de base à sua peculiar disciplina
jurídica (arts. 184 ao 191).
A Constituição Federal, assim, traz normas especiais sobre a propriedade rural que
caracterizam seu regime jurídico especial, quer porque especificam o conteúdo de sua
função social, quer porque instituem regras sobre a política agrícola e sobre a reforma
agrária, com o fim de promover a distribuição da terra, ou mesmo porque inserem a
problemática da propriedade agrária no título da ordem econômica, preordenando, pois,
o cumprimento de seu fim, ou seja, “assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social”.

O regime jurídico da terra fundamenta-se na doutrina da função social da


propriedade, pela qual toda riqueza produtiva tem uma finalidade social e econômica, e
quem a detém deve fazê-la frutificar, em benefício próprio e da comunidade em que
vive. Essa doutrina foi acolhida pela Constituição Federal de 1988, que declara que toda
propriedade atenderá sua função social (art. 5.º, inc. XXIII), que é um princípio da
ordem econômica (art. 170, inc. III). Justamente por isso se exige que a propriedade
rural cumpra sua função social, mediante o atendimento simultâneo dos requisitos
apresentados no art. 186 da Constituição Federal de 1988.

A sanção para o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social é a
desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, de acordo e com os
requisitos do art. 184 da Constituição Federal de 1988.

A possibilidade de desapropriação para reforma agrária, prevista no art. 184, tem


uma exceção prevista no art. 185, ambos da Constituição Federal de 1988 (pequena e
média propriedade rural e propriedade produtiva).

A política agrícola, cujas ações devem ser compatibilizadas com as da reforma


agrária, será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor
de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de
comercialização, de armazenamento e de transportes. Levará em conta, especialmente,
os instrumentos creditícios e fiscais, os preços compatíveis com os custos de produção e
a garantia de comercialização, o incentivo à pesquisa e à tecnologia, o seguro agrícola, o
cooperativismo, a eletrificação rural, a irrigação e a habitação para o trabalhador rural,
tudo em conformidade com o art. 187 da Constituição Federal de 1988.

Verifica-se, assim, que o legislador constituinte quis, com esse artigo, deixar claro
que a política agrícola, a assistência financeira e técnica e outros estímulos não
caracterizam reforma agrária, já que não significam intervenção na repartição da
propriedade e da renda da terra.

Há, ainda, como política fundiária, a previsão de a lei poder limitar a aquisição ou
o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira (art. 190),
bem como o usucapião pró-labore, que tem esse nome porque o título que o justifica
decorre do fato de a área ter sido tornada produtiva pelo trabalho do beneficiário ou de
sua família, cujos requisitos se encontram previstos no art. 191.
1. ORDEM JURÍDICA ECONÔMICA

1.1. Conceito

A ampliação da presença do Estado no sistema econômico, com a multiplicação


de normas legais de toda a espécie para pôr em prática a política econômica, acabou por
fazer surgir uma mudança radical na forma de ver o Direito e a aplicação das normas.
Nesse sentido surgiram inúmeras manifestações acerca da percepção do fenômeno do
Direito Econômico, como decorrência da imbricação entre as duas áreas – o mercado e o
Estado.

O Direito Econômico pode ser visto de duas maneiras: como método de análise e
interpretação do direito e como ramo do mesmo. Como ramo do direito, pode-se dizer
que se trata de um ramo sui generis que deriva do fato de suas normas, em grande
número de casos, estarem inseridas formalmente em outros ramos jurídicos, marcando-
os, porém, com o seu caráter específico de normas instrumentais de políticas
econômicas. Trata-se, por exemplo, do chamado dirigismo contratual ou determinações
cogentes quanto a cláusulas que devam ou não constar em contratos privados civis ou
comerciais, ou mesmo de normas sobre reajustes de aluguéis, que incidem sobre uma
relação típica de Direito Civil etc.

Assim, pode-se afirmar que o Direito Econômico permeia todo o ordenamento


jurídico, como um direito de sobreposição, por se sobrepor a outros ramos jurídicos na
regulação de determinadas relações sociais.

Por outro lado, o Direito Econômico como método de análise e interpretação do


Direito consiste precisamente em se utilizar todo o conhecimento quanto à mecânica
funcional dos sistemas econômicos, inclusive do seu direcionamento pelas normas de
política econômica.

Além do Direito Econômico propriamente dito, quer visto como método, quer
como ramo, atente-se para o surgimento de uma série de novos ramos especiais na
árvore jurídica dele derivados, cada um deles especializado em setores próprios, tais
como o Direito urbanístico, o Direito agrário, o das comunicações, o de energia e tantos
outros.

Não se pode, entretanto, confundir normas de Direito Econômico e o mero


conteúdo econômico da norma jurídica. O caráter de Direito Econômico é impresso
quando as normas assumem a função de buscar objetivos explicitamente definidos de
política econômica.
1.2. Ordem Econômica e Regime Político e Jurídico

Os artigos 173 e 174 da Constituição Federal procuram definir o papel que deve
passar a ser desempenhado pelo Estado.

O artigo 173 refere-se à exploração direta de atividade econômica pelo Estado,


limitando-a. Enquanto os textos da Constituição Federal 67/69 previam ser facultado ao
Estado a intervenção e o monopólio na atividade econômica, a Constituição Federal/88
determina que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado “só será
permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante
interesse coletivo”, prevendo, portanto, proibição que permite exceções.

Convém, todavia, limitar o conceito de segurança nacional, como o fez Celso


Bastos11, ao mencionar que “a expressão segurança nacional há de ater-se àquelas
atividades que dizem respeito diretamente à produção de bens e serviços necessários ao
regular funcionamento e, até mesmo, ao satisfatório aparelhamento das Forças
Armadas”.

No tocante ao conceito de interesse coletivo devemos interpretá-lo conforme os


princípios econômicos constitucionais, principalmente o de atingir uma justiça social
tendo como primazia a iniciativa privada. O autor mencionado acrescenta que “é
necessário que se comprove que o Estado terá melhores condições de atingir o interesse
coletivo do que os particulares”.

A organização jurídica do nosso sistema econômico vem disciplinada com maior


relevância no § 1.º do artigo 173 da Constituição Federal, pois tem a finalidade de
impedir que o Estado atue no mercado econômico utilizando-se de sua supremacia em
relação ao particular, assim o constituinte estabelece o regime jurídico a ser atendido
pelo Estado visando, desta forma, uma competição isonômica, privilegiando-se o
princípio da livre concorrência.

Corroborando com tal finalidade a Carta Magna, nos parágrafos 2.º e 3.º do
referido artigo, estabelece que as empresas públicas e as sociedades de economia mista
não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado e que caberá
à lei regulamentar as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.

Devemos lembrar que o Estado não tem como objetivo o lucro, embora isso não
signifique que ele não possa recebê-lo, mas sim a regularização do mercado em virtude
de sua intervenção.

Conseqüentemente, verificamos o papel essencial da lei que disciplina o estatuto


jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que
explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação
de serviços, estabelecendo que devem constar os seguintes requisitos:
11
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentário à Constituição do Brasil. vol. 7.º. Saraiva. pp.
55/56.
• sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;

• a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive


quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e
tributárias;

• licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações,


observados os princípios da Administração Pública;

• a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e


fiscal, com a participação de acionistas minoritários;

• os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos


administradores.

Não há vedação constitucional quanto à existência do poder econômico e sim,


consoante o § 4.º do artigo 173 da Constituição Federal, quanto ao abuso do mesmo, que
corresponde na sua utilização visando à dominação dos mercados, à eliminação da
concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros, portanto, o Estado intervém para
garantir, além da livre iniciativa, os demais princípios da ordem econômica, referentes à
liberdade de atuação das empresas no mercado.

O abuso do poder econômico será reprimido tanto administrativamente – Lei n.


8.884/94 – quanto penalmente – Lei n. 8.137/90, sem prejuízo ainda de eventual
responsabilidade civil pelos prejuízos causados.

O artigo 174 delineia o papel do Estado como “agente normativo e regulador da


atividade econômica”, esclarecendo que essas funções se corporificam na fiscalização,
no incentivo e no planejamento, lembrando que este é indicativo para o setor privado e
determinante para o setor público.

1.2.1. Atividade estatal e iniciativa privada

Dentre as considerações sobre o novo papel do Estado no âmbito da atividade


econômica, indispensável a menção sobre o fenômeno da privatização que, segundo
Uadi Lammêgo Bulos12 “é a alienação de direitos para garantir ao Poder Público, de
modo direto ou através dos entes controlados, preponderância nas deliberações sociais,
elegendo a maioria dos administradores da sociedade”. Tem por objetivo transferir tudo
aquilo que não deve permanecer com o Estado, em respeito aos pórticos da livre
iniciativa e da economicidade – artigo 70 da Constituição Federal.

12
Constituição Federal Anotada, ed.4ª, Editora Saraiva, p. 1.149
A Constituição Federal de 1988, ao traçar os parâmetros da Ordem Jurídico-
Econômica Brasileira, limita a intervenção do Estado no domínio econômico, a ser
estudado em módulo próprio.

Vê-se, portanto, que o Constituinte de 1988 mudou inteiramente a situação


anterior, vigente ao tempo da Constituição Federal 67/69, quando a atividade estatal era
supletiva da iniciativa privada, justificando-se, àquela época, de forma ampla, a
exploração direta, pelo Estado, da atividade econômica.

Agora, após o texto de 1988, “a exploração direta de atividade econômica pelo


Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo”, exigindo-se ainda que os imperativos e o relevante
interesse sejam definidos em lei.

Pelo conjunto dos elementos significativos utilizados pelo legislador constituinte,


conclui-se que sua intenção foi a de vedar, proibir, que o Estado aja como empresário.

Essa opção política, econômica e social é importante que seja entendida em toda a
sua profundidade, uma vez que ela condiciona o encaminhamento legislativo destinado
a dar efetividade ao mandamento constitucional.

É oportuno verificarmos a distinção estabelecida por Celso Bastos13 entre a


prestação de serviço público com cunho econômico e uma atividade econômica
qualquer, ou seja, na prestação de serviço público “entra um ingrediente muito
importante que não está presente” na exploração pelo Estado de atividade econômica,
“qual seja, o fato do regime jurídico do serviço público não ser idêntico ao do exercício
das atividades comerciais e industriais”.

Assim, a partir da Constituição Federal de 1988, as atividades ditas essenciais do


Estado são aquelas discriminadas no Título VIII da Carta Magna, ou seja, a seguridade
social, saúde, educação, e demais problemas correlatos.

Todavia, existem os serviços públicos não essenciais, os quais podem ser


delegados a terceiros a sua execução, assim, consoante as regras estabelecidas no artigo
175 da Constituição Federal, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou
sob regime de concessão ou permissão, sempre por meio de licitação, a prestação de
serviços públicos.

Nesses casos a lei disporá sobre:

• o regime das mencionadas empresas;

• o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as


condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou
permissão;

13
Op. Cit. p. 114
• os direitos dos usuários;

• política tarifária e;

• a obrigação de manter um serviço adequado.

No âmbito da economia, o Estado assume importante função, qual seja, a de zelar


superiormente e garantir, por meio da fiscalização, incentivo e planejamento, a eficácia
dos princípios traçados no artigo 170 da Constituição Federal, por nós analisados no
módulo anterior.

Assim é que a atual ordem jurídica exige que sejam transferidas para a iniciativa
privada todas as participações do Estado na atividade econômica direta, excetuando-se,
evidentemente, aquelas previstas na própria legislação, como acima mencionado. Essa é
a questão que explica as privatizações.

1.2.2. Monopólio estatal

O Estado, em relação a determinadas atividades econômicas, ao estabelecer o


regime de monopólio, subtrai algumas atividades da concorrência privada. Celso
Bastos14 esclarece que “são também variadas as formas pelas quais os Estados
organizam e gerem o monopólio. Alguns preferem geri-lo pela própria administração
centralizada; outros preferem a criação de entes descentralizadores, mas dotados de
personalidade jurídica própria. Conhece-se, ainda, a exploração do monopólio por meio
de sociedades de economia mista ou de empresas públicas. E, finalmente, há casos em
que o Poder Público, sem abrir mão da titularidade da atividade monopolizada, opta pela
sua concessão a uma empresa privada.”.

Recomenda-se a leitura do artigo 177 da Constituição Federal.

Ordem Econômica Internacional e Regional

1. ASPECTOS DA ORDEM ECONÔMICA INTERNACIONAL

14
Op. Cit. p.144
O século XIX apresentou uma perspectiva de ordem econômica internacional
privada, decorrente dos cânones do liberalismo econômico, ou seja, em razão da
atribuição aos indivíduos da atividade econômica, enquanto permanecia como atribuição
do Estado a atividade política.

Entretanto, a partir do início do século XX, três fenômenos vieram mostrar a


necessidade do Estado se interessar pelos fenômenos econômicos: a Primeira Grande
Guerra (1914-1918), a Crise do Capitalismo (1930) e a Segunda Grande Guerra (1939-
1945).

Com esses fenômenos, as relações econômicas deixam o plano meramente


individual ou privado para inserirem-se no contexto das relações entre nações. Passa-se,
então, a pensar na instituição de uma sociedade internacional com a finalidade de
eliminar os conflitos, fundamentalmente de origem econômica, e com o objetivo de
alcançar a paz universal.

Assim, o Direito Econômico Internacional começa a se situar no âmbito de um


direito de paz.

2. DEFINIÇÃO

O Direito Econômico Internacional surge com a finalidade precípua de estabelecer


o enquadramento para a adoção, por todos os sujeitos internacionais, de políticas
econômicas destinadas a um aprimoramento constante do nível de desenvolvimento.
Atualmente, os agentes encarregados da adoção de tais políticas não se restringem mais
aos Estados nacionais, abrangendo também as instituições internacionais e as empresas
multinacionais. Todos esses sujeitos contribuem para a criação e para o funcionamento
da organização internacional da economia.

Carreau (Droit International Économique) conceitua esse fenômeno jurídico


como “ramo do direito internacional que regulamenta, de um lado, a instalação
sobre o território dos estados de diversos fatores de produção (pessoas e capitais)
de proveniência estrangeira e, por outro lado, as transações internacionais relativas
a bens, serviços e capitais”.

As características específicas desse ramo do Direito estão declaradas no


preâmbulo da Nova Ordem Econômica Internacional (Noei): “Solenemente
proclamamos nossa determinação de trabalhar urgentemente para o
estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional, baseada na
eqüidade, na soberania, na igualdade, na interdependência, no prevalecimento do
interesse comum e na cooperação entre todos os Estados, independentemente de
seus sistemas econômicos ou sociais, no sentido de reparar desigualdades e
injustiças, eliminar a lacuna existente entre os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento social, baseada ainda na paz e na justiça para as presentes e
futuras gerações”.

3. NORMAS: DIREITO ECONÔMICO INTERNACIONAL

As normas de Direito Econômico, quer as de Direito Interno, quer as de Direito


Internacional, têm suas características marcadas pelo relacionamento com o fenômeno
econômico. Esse fenômeno, que é essencialmente mutável e maleável, estando sempre
aderido à realidade flutuante, acaba aliando esta característica à generalidade inerente a
toda norma jurídica.

A prospectividade (ou incitatividade e criatividade) constitui outra característica,


no sentido de que aqui a norma se entrelaça com o mito e com a idéia de Direito, que
servem de fundamento para o movimento rumo ao futuro e ao impulso criador.

No tocante à sua sanção, deve-se salientar que as questões jurídicas de conteúdo


econômico sentem uma rejeição pela solução judicial, normalmente formalista e
demorada. Além do mais, a composição harmônica que se busca na solução dessas
questões repudia a decisão de que decorra uma figura de vencedor e outra de vencido. A
sanção, neste ramo, procura assegurar a continuidade da cooperação, ou seja, não quer
excluir, mas encontrar condições que possibilitem a perenidade da interdependência
econômica pacífica, que é irrefragável, e condição irrecusável de sobrevivência.

4. ASPECTOS DA ORDEM ECONÔMICA REGIONAL

As tentativas de formação de uma unidade internacional, em nível mundial, foram


acompanhadas também de esforços de constituição de unidades regionais, quer sob o
aspecto político, quer sobre o prisma. econômico.

Um estudo crítico das vicissitudes políticas, econômicas e culturais pelas quais


passou a Europa leva à convicção de que ela trilhou sempre o caminho dialético,
marcado pelos esforços de unificação, de um lado, e pelas crises desagregadoras, de
outro. Nesse sentido, a Roma Imperial configura exemplo do primeiro esforço para
unificar a Europa; a Invasão Bárbara, exemplo de desmantelamento; o Cristianismo,
exemplo unificador; a Santa Aliança, como conseqüência do Congresso de Viena para
corrigir o desmantelamento ocasionado pelo Império de Napoleão.

A partir de 1945, intensificaram-se os esforços para a construção de uma união


duradoura, verificando-se duas configurações fundamentais: movimento de cooperação
em uma primeira fase (ex.: Plano Marshall, 1947; Convenção de Paris com a criação da
Organização Européia de Cooperação Econômica – OECE, 1948) e na fase seguinte, a
tendência para a integração, que se inaugura com a criação da Comunidade do Carvão e
do Aço – CECA –, em 1951.

Em 1957 surge o Tratado de Roma, que institui a Comunidade Econômica


Européia. A Comunidade reúne, inicialmente, os mesmos países integrantes da CECA,
mas se propõe a um objetivo bem mais amplo, dado que, a partir de então, a política
econômica adotada por um Estado não pode mais prescindir de sua integração no
contexto da Comunidade da qual faz parte. A adoção de uma política econômica
transcende aos limites territoriais e encontra implicações em nível de Comunidade,
devendo os Estados-membros coordenar suas respectivas políticas econômicas na
medida necessária para atingir os objetivos do Tratado.

Em 1992 surgiu como um marco importante, em Maastrich, o Tratado da União


Européia, que assinala uma nova fase no processo de integração européia com a
instituição das Comunidades Européias, nas quais se prevêem o encaminhamento de
esforços visando o estabelecimento de uma política econômica coerente entre os estados
que compõem essa União. As políticas econômicas dos Estados-membros passam a ser
uma questão de interesse comum, sendo coordenadas por um Conselho que dita as
orientações gerais que deverão ser seguidas por esses estados, representando, essa
limitação, via de conseqüência, uma restrição ao princípio da soberania.

5. NORMAS: DIREITO ECONÔMICO REGIONAL – MERCOSUL

O surgimento e desenvolvimento das ordens econômicas internacionais, com


mais profundidade e eficácia a partir da Segunda Grande Guerra, vêm comprovar
a importância da vida de inter-relação econômica a fundamentar a convivência das
nações.

Pode-se verificar uma evolução sensível na visualização dos fenômenos da inter-


relação econômica entre os países, no sentido de uma concretude maior no intuito de se
afirmar que a manutenção da paz e da segurança internacional está visceralmente
vinculada ao emprego de mecanismos eficientes para promover o progresso econômico
e social de todos os povos.

Essa meta de um equilibrado desenvolvimento econômico impôs a adoção de


medidas que propiciassem e incentivassem a criação de áreas economicamente
homogêneas, aceitando-se o princípio de que é difícil a convivência e a inter-relação no
plano econômico entre países cujo nível de desenvolvimento econômico seja
acentuadamente desigual. Levando-se em conta que a convivência se concretiza
primeiramente pela proximidade geográfica, necessário se fez criar mecanismos de
homogeneização das relações econômicas regionais.
O movimento de unificação regional, após a Segunda Grande Guerra, teve seu
modelo, como já analisado, implantado a partir do Tratado de Roma, que criou a
Comunidade Econômica Européia. Esse mesmo movimento se manifestou por meio de
outros modelos, como o da criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio.

O Tratado de Montevidéu, de 1960, destinou-se à criação de uma zona de livre


comércio, por meio de eliminação das barreiras aduaneiras, na linha de pensamento
traçada pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). Tratou-se da primeira fase
da adoção de políticas econômicas destinadas a fortalecer os elos econômicos entre os
países da América Latina.

De 1960 a 1980 ocorreu uma evolução importante desse processo, passando de


uma fase de simples cooperação (enfatiza-se o esforço para a realização de um trabalho
em comum para dar curso mais flexível à produção, para eliminar as barreiras
protecionistas que pudessem criar obstáculos à fluência das relações de produção,
circulação e consumo) para uma fase de maior abrangência e profundidade, ou seja,
para a fase de integração, caracterizada pela presença de um esforço global de
reagrupamento, de unificação e de coordenação, com a finalidade de se construir um
conjunto coerente com a exclusão de discriminação, afastando toda e qualquer medida
de política econômica imposta por um Estado em seu exclusivo proveito.

O art. 1.º do Tratado de 1980 revela a amplitude conceitual nos seguintes termos:
“Pelo presente Tratado, as Partes Contratantes dão prosseguimento ao processo de
integração encaminhado a promover o desenvolvimento econômico-social, harmônico e
equilibrado, da região e, para esse efeito, instituem a Associação Latino-Americana de
Integração (doravante denominada ‘Associação’) cuja sede é a cidade de Montevidéu,
República Oriental do Uruguai”.

Os princípios informadores e norteadores dos esforços comuns a serem


empreendidos pelas partes contratantes são os do pluralismo, pretendendo-se superar a
diversidade política e econômica com a vontade unânime rumo à integração; o da
convergência, pretendendo-se com a multilateralização progressiva dos acordos chegar à
formação de um mercado comum; e o da flexibilidade, em que se quer permitir a
formação de acordos de alcance sem perder de vista a meta proposta.

Esses dois Tratados de Montevidéu não conseguiram implantar o desiderato por


eles manifestado, uma vez que, para tal, seria necessária uma vontade efetiva, e esta, na
verdade, não existiu. Somente após o sucesso alcançado pela Comunidade Européia,
manifesta-se a tendência para a formação efetiva de um processo de implantação de
bases comunitárias. O caminho à cooperação e à integração ocorreu a partir de 1985,
com o Tratado de Iguaçu e com o Tratado de Integração, Cooperação e
Desenvolvimento, em 1988.

Em 26.3.1991, os presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram,


em Assunção, o Tratado que cria entre eles um Mercado Comum, o Mercosul.
Esse Tratado torna mais uma vez evidente que a adoção de políticas econômicas
não pode mais fazer-se restritivamente ao âmbito de um Estado. A necessidade da
integração impõe direcionamentos à ação estatal em direção à convergência dos
esforços, eliminando-se as posições político-econômicas discriminatoriamente
protecionistas.

Em 17.12.1991, reuniram-se em Brasília os presidentes e os ministros das


Relações Exteriores desses quatro países e, nessa ocasião, foi assinado um Protocolo
para a Solução de Controvérsias no Mercosul, instituindo-se três fases: a da negociação
direta, a da submissão do conflito ao Grupo Mercado Comum e a da jurisdição do
Tribunal Arbitral. Tratava-se do Protocolo de Brasília.

Em 16 e 17.12.1994, realizou-se, em Ouro Preto, a VII Reunião do Conselho do


Mercosul, onde importantes decisões foram tomadas para a consolidação dos valores
democráticos, políticos, econômicos e sociais defendidos pelo Mercosul. Foram
aprovadas 18 decisões para a implantação e para a consolidação do organismo
interestadual, quais sejam:

• princípios de supervisão bancária global consolidada;

• padronização da informação para o mercado de valores;

• normas para transporte de produtos perigosos;

• acordo para transporte multimodal internacional entre os Estados-partes;

• norma de aplicação sobre despacho aduaneiro de mercadorias;

• acordo sobre propriedade intelectual;

• regime de setor açucareiro;

• políticas públicas que distorcem a competitividade;

• defesa da concorrência;

• Tarifa Externa Comum (TEC);

• regime de adequação;

• código aduaneiro;

• norma de tramitação de decisões e critérios tarifários de mercadorias;

• protocolo de medidas cautelares;

• tribunais ad hoc do Protocolo de Brasília;

• adequação ao regime automotriz comum;


• requisitos específicos de origem para produtos excetuados da TEC;

• norma de aplicação sobre valoração aduaneira.

Essa reunião conferiu (Protocolo de Ouro Preto – art. 34) ao Mercosul


personalidade jurídica, permitindo-lhe , assim, praticar todos os atos necessários à
realização de seus objetivos, em especial contratar, adquirir ou alienar bens móveis e
imóveis, comparecer em juízo etc.

Com base nas determinações do Protocolo de Ouro Preto, o governo brasileiro


editou o Dec. n. 1.343/94, no qual se altera a Tarifa Aduaneira do Brasil (TAB), para o
fim de aplicação da Tarifa Externa Comum (TEC), aprovada no âmbito do Conselho do
Mercado Comum do Mercosul, tratando-se de um marco decisivo na entrada e no
funcionamento de uma zona de livre comércio e uma união aduaneira, trazendo uma
nova dimensão política ao processo de integração instalado.

Esse novo espaço, entretanto, exige a adoção de novas políticas econômicas que
deverão levar em conta não somente os aspectos quantitativos, mas também os
qualitativos, para que se possa alcançar uma verdadeira integração e convergência
política.

1. SUJEITOS ECONÔMICOS E A NOVA ORDEM ECONÔMICA


INTERNACIONAL

A ordem econômica internacional é formada por dois aspectos, quais sejam: o


institucional e o pessoal.

O aspecto institucional é representado pelo ordenamento, pelo conjunto das regras


jurídicas que tem como função concretizar ideais políticos, econômicos e sociais.

O aspecto pessoal relaciona-se às pessoas que atuam na formação e concretização


dessas regras, ou seja, são os sujeitos econômicos.

A ordem econômica internacional tem como finalidade a constituição de uma


unidade que considere a heterogeneidade, a diversificação dos ordenamentos nacionais.
A superação dessa diversidade tem como finalidade demonstrar que a interdependência
econômica é irrenunciável e que a coexistência pacífica é uma condição irrecusável de
sobrevivência.

Assim é que os sujeitos que atuam nesse domínio devem ter consciência profunda
dessa irrecusabilidade da ordem econômica internacional.
Os Estados, os organismos internacionais e as empresas multinacionais devem
procurar não somente submeter-se às normas jurídicas de caráter internacional, mas sim
efetivamente adaptar-se à perspectiva prospectiva e criadora do ordenamento jurídico
econômico internacional.

Nesse sentido, a Carta das Nações Unidas aponta as condições de uma cooperação
mais concreta no plano econômico visando promover o progresso econômico e social,
de tal sorte a propiciar a todos melhores condições de vida.

Os tópicos citados a seguir demonstram essa nova postura ideológica.

“Nós, os povos das Nações Unidas, decididos:

A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas


vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à
humanidade;

A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na


dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos
homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas;

A estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do


respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do
direito internacional;

A promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de


um conceito mais amplo de liberdade; e para tais fins:

....

A empregar mecanismos internacionais para promover o progresso


econômico e social de todos os povos.”

E, sendo essas as finalidades da criação da sociedade de todas as nações, os


objetivos e princípios que deveriam nortear suas ações estão descritos nos seguintes
termos:

“Os objetivos das Nações Unidas são:

1) Manter a paz e a segurança internacional e para esse fim: tomar


medidas coletivas e eficazes para prevenir e afastar ameaças à paz ...

2) Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no


respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação
dos povos

3) Realizar a cooperação internacional, resolvendo os problemas


internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário,
promovendo e estimulando o respeito pelos direitos do homem e pelas
liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo,
língua ou religião;

4) Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a


consecução desses objetivos comuns.”

A Assembléia-Geral das Nações Unidas, para concretizar esses objetivos, precisa


fomentar a cooperação internacional no domínio econômico, social, cultural,
educacional e da saúde e favorecer o pleno gozo dos direitos do homem e das liberdades
fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião.

As seguintes metas deveriam ser alcançadas:

• a elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e as condições de progresso e


desenvolvimento econômico e social;

• a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, de saúde e conexos, bem


como a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional;

• o respeito universal e efetivo aos direitos do homem e das liberdades fundamentais


para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

No entanto, apesar de todas essas previsões, a realidade mostrou-se distinta,


mantendo-se um sistema de dominação econômica, motivo pelo qual os países em
desenvolvimento propugnaram pela adoção de uma nova ordem econômica
internacional.

Atendendo a essa reclamação, o Conselho Econômico e Social da ONU decidiu


convocar uma Conferência das Nações Unidas sobre comércio e desenvolvimento,
realizado em Genebra, em junho de 1964, quando se constituiu a Conferência das
Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (CNUCED) (ou UNCTAD –
United Nations Conference on Trade and Development). Nessa ocasião defendeu-se a
necessidade de se construir uma nova ordem econômica para resolver os problemas do
comércio e desenvolvimento, principalmente os atinentes ao desequilíbrio entre nações
desenvolvidas e em vias de desenvolvimento. O objetivo básico apresentado era o de
promover o comércio internacional para acelerar o desenvolvimento, preconizando-se
um Sistema Geral de Preços (SGP) pelo qual os países desenvolvidos deveriam
assegurar um tratamento preferencial para os produtos manufaturados importados do
Terceiro Mundo.

Na Reunião do Plenário, de 1974, a Assembléia da ONU aprovou a declaração da


Nova Ordem Econômica Internacional e também o programa de ação, tudo para a
implementação dos princípios estabelecidos.
Ainda em 1974, em outra sessão da ONU, foi aprovada a Resolução que adotou e
proclamou a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados. Essa carta se baseia
nos seguintes princípios fundamentais:

• soberania, integridade territorial e independência política dos Estados;

• igualdade soberana de todos os Estados;

• não-agressão;

• benefício mútuo e eqüitativo;

• coexistência pacífica;

• igualdade de direitos e livre determinação dos povos;

• solução pacífica de controvérsias;

• reparação das injustiças existentes por império da força, que privem uma nação dos
meios naturais necessários para seu desenvolvimento normal;

• cumprimento de boa-fé das obrigações internacionais;

• respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais;

• abstenção de todo intento de buscar hegemonia e esferas de influência;

• fomento da justiça social internacional;

• cooperação internacional para o desenvolvimento;

• livre acesso ao mar e desde o mar para os países sem litoral, dentro do marco dos
princípios acima enunciados.

Ao lado desses princípios, da análise da declaração é possível extrair princípios


fundamentais. São eles:

• desigualdade concreta existente entre os países, a exigir posturas direcionadas a


corrigir esse desequilíbrio, dado o reconhecimento da “igualdade soberana dos
Estados” e da “igualdade preferencial”, já que a Nova Ordem deve ser entendida
como um redutor das desigualdades econômicas;

• cooperação internacional em termos econômicos;

• interdependência econômica, como garantidor da segurança econômica.

Para a concretização do objetivo da interdependência econômica entre os Estados,


necessário se fazia, por um lado, um meio efetivo destinado a facilitar as trocas
comerciais e o seu financiamento, tendo sido, por isso, criado o Fundo Monetário
Internacional (FMI).

Por outro lado, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on
Tariffs and Trade – GATT) foi criado em 1948, com a finalidade de expandir o comércio
internacional, reduzindo os direitos alfandegários, por meio de contingenciamentos
(restrição quantitativa do fluxo físico das importações), de acordos preferenciais, de
barreiras não-tarifárias, concedendo aos países em desenvolvimento um tratamento
especial para a exportação de seus produtos manufaturados.

Além disso, a Organização Mundial do Comércio (OMC) reconhece que as partes


subscritoras do acordo, na esfera da atividade comercial e econômica, devem objetivar a
elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e um volume considerável e em constante
elevação de receitas reais e demanda efetiva, o aumento da produção e do comércio de
bens e de serviços, permitindo ao mesmo tempo a utilização ótima dos recursos
mundiais em conformidade com o objetivo de um desenvolvimento sustentável,
buscando proteger e preservar o meio ambiente e incrementar os meios para fazê-lo, de
maneira compatível com suas respectivas necessidades e interesses segundo os
diferentes níveis de desenvolvimento econômico.

Intervenção do Estado no Domínio Econômico

O Estado, no decorrer dos séculos, vem apresentando acentuado papel no


relacionamento entre o domínio jurídico e o domínio econômico. Atualmente, essa
atuação vem sendo questionada, e assim questiona-se também qual deve ser o papel do
Estado na realização do fenômeno econômico.

Para melhor entender a atuação que o Estado deverá ter hoje no domínio
econômico, mister perquirir uma visão histórica da questão.

1. LIBERALISMO E INTERVENCIONISMO

Os sistemas econômicos (também chamados modelos econômicos), como


organização institucional da sociedade, criados para enfrentar o problema da escassez de
recursos, podem ser classificados em três modelos fundamentais:

• Sistema fundado na tradição: baseado na repetição de tudo o que já estiver


ocorrendo, ou seja, na reiteração dos padrões comportamentais até então existentes;
sistema no qual os agentes econômicos, sem efetiva racionalidade, repetem os
padrões de comportamento impostos pela tradição.
• Sistema fundado na autoridade: no qual se verifica uma fusão entre os planos
econômico e político, cabendo ao Estado promover um plano (planejamento) em que
se encontrem previstas as variáveis da produção (economia planificada); sistema
baseado na crença de que o Estado, por meio da autoridade, pode resolver o problema
econômico, planificando a economia.

• Sistema fundado na autonomia: também chamado modelo de mercado ou sistema


descentralizado, no qual os cidadãos, individual ou agrupadamente, são livres para
tomarem as decisões econômicas, por não acreditarem que o Estado pode resolver o
problema econômico; ao contrário, crêem na idéia de que é dispensável o
planejamento do Estado, já que agirão hedonisticamente (objetivando a maximização
dos resultados), todos os agentes agirão da melhor forma possível, gerando uma
planificação subliminar do mercado; o referido sistema, tempos após sua criação,
passou a ser denominado sistema capitalista.

A História mostra que têm havido combinações entre esses três modelos,
originando famílias de sistemas, conforme a predominância de cada um.

Ao final do século XVIII, como conseqüência dos ideais de liberdade surgidos na


Europa, em contraposição ao absolutismo real visto como direito divino, começaram a
surgir as constituições chamadas liberais. Com essas constituições, que foram o primeiro
e fundamental instrumento para a implantação do sistema descentralizado ou autônomo
supracitado, surgiram as idéias complementares, entre as quais se destacam:

• idéias que, com o objetivo de enfraquecer o Estado, asseguravam e pregavam a


liberdade, inclusive a econômica, estabelecendo uma distinção razoavelmente ampla
entre o plano político e o plano econômico e demarcando a tripartição dos poderes;

• a sistematização ou codificação do Direito privado, representando uma estrutura apta


a assegurar a certeza das relações jurídicas, configurando um grande suporte para a
implantação do sistema de mercado;

• o desenvolvimento de um Direito Administrativo amoldado ao sistema liberal com


uma posição absenteísta do Estado, surgindo o poder de polícia como forma
incipiente de impor restrições a certas iniciativas dos particulares tidas como
ofensivas à ordem, à segurança e à incolumidade dos cidadãos, uma vez que a
liberdade individual não poderia ser ilimitada, encontrando seus limites na proteção
dos interesses sociais e públicos.

Embora o progresso e o desenvolvimento da tecnologia e da atividade econômica


tenham sido notáveis, os aproximadamente 150 anos de vivência do sistema liberal
produziram um quadro político e socialmente conturbado, acabando por revelar
importantes falhas, inoperacionalidades ou imperfeições do sistema, devido à
confirmação do alto grau de dificuldade apresentado pela função de coordenar as
inúmeras decisões de aspectos econômicos.
As falhas apresentadas por esse sistema, que podem ser chamadas falhas de
mercado, são cinco e correspondem à ausência dos pressupostos que haviam lastreado a
concepção liberal na sua formulação, quais sejam:

• Mobilidade de fatores: representa a agilidade de modificação dos fatores de


produção, a fim de se poder reagir aos sinais indicativos, representados pelos preços,
revertendo automaticamente certas situações indesejáveis. Verificou-se, porém, que
essa agilidade não ocorre; na verdade, em quase todos os fatores (físicos,
operacionais, institucionais etc.) existe uma rigidez que impede aqueles
deslocamentos céleres, automáticos e oportunos para o afastamento das situações
indesejáveis que se apresentam em determinadas circunstâncias.

• Acesso às informações relevantes: pressuposto básico, pois, dispondo dessas


informações sobre o mercado e sobre as características dos produtos nele negociados,
os agentes poderiam atuar hedonisticamente, fato responsável pela organização e
planificação do mercado. Entretanto, quer em razão do aumento da complexidade dos
produtos, do tamanho dos mercados e de inúmeros outros fatores, quer em
decorrência da intenção dos agentes econômicos de esconderem informações para
agirem de forma egoísta, verificou-se ser impossível assegurar a todos os agentes a
totalidade das informações relevantes de que necessitavam.

• Concentração econômica: uma falha de estrutura. O mercado foi pensado,


originariamente, como um conjunto de unidades economicamente pequenas, sem que
a presença ou ausência de qualquer uma dessas unidades pudesse ou tivesse um peso
que implicasse alterações do próprio mercado (a respeito de concentração econômica,
verificar exposição no próximo módulo).

• Externalidades: correspondentes a fenômenos pelos quais os custos ou benefícios de


qualquer atividade circulam na economia. Esses custos/benefícios passam de um
setor para outro, sem qualquer compensação e desconfiguram o funcionamento do
mercado, pelo fato de alguns produtos ou serviços terem, por preço, valores distintos
daqueles que realmente deveriam ter, em razão da incorporação do benefício ou
prejuízo – em decorrência da externalidade, positiva ou negativa, respectivamente. As
externalidades configuram falha de sinal, uma vez que os preços e custos dos
produtos assinalam o seu grau de escassez. Como as externalidades têm a habilidade
de maquiar esses preços, a respectiva escassez não é fielmente sinalizada.

• Existência de bens coletivos (públicos): ou seja, bens que atendem simultaneamente a


um conjunto de pessoas. Esses bens geram uma falha de incentivo, uma vez que, no
regime de mercado, os produtores são levados a produzir, e os consumidores a
adquirir, pelo menor preço possível – ambos, portanto, são incentivados pelo preço.
Quanto aos bens públicos, não há incentivo, porque não existe a possibilidade de
exclusão.

Verificadas essas falhas (inoperacionalidades) do mercado, começou a surgir um


grande número de normas jurídicas visando o respectivo controle ou mesmo a mitigação
dessas falhas. Trata-se, justamente, da re-introdução do Estado no sistema econômico,
mediante a edição de normas de caráter geral e regulamentar. Esse re-ingresso do Estado
não foi sistemático, nem sempre conscientemente desejado, mas fruto de uma
necessidade incontrolável, à falta de outra alternativa para lidar com essas
inoperacionalidades.

A ação do Estado, como mero controlador das inoperacionalidades do mercado,


recebeu o nome capitalismo regulamentar ou neoliberalismo, designação que quer
mostrar a permanência dos ideais do liberalismo, mas modificados para poderem levar
em consideração os novos reclamos provocados pelo imperfeito funcionamento dos
mercados.

Iniciou-se, assim, o fenômeno da intervenção do Estado na economia, ou no


domínio econômico, função essa que passou a ser aceita, desde que cercada das
indispensáveis cautelas para limitá-la ao estritamente necessário, ou seja, suprir as
disfunções maiores do sistema, sem, contudo, tolher-lhe as condições de funcionamento.
A essa função, acoplou-se outra, decorrente da colocação, agora sim, consciente, de
objetivos de política econômica, isto é, de posições e resultados a serem assumidos ou
produzidos pelo sistema econômico para o desempenho do sistema como um todo.
Assim, para a intervenção do Estado na economia, os objetivos de caráter político
também foram relevados.

Verifica-se, portanto, e, em conclusão, que a presença do Poder Público na


economia deixa de ter por justificativa apenas as falhas do mercado, passando também a
ter uma segunda e extremamente poderosa motivação, que se acoplou à primeira e que
decorre das preferências políticas quanto ao desempenho total do sistema, levando o
Estado não somente a completá-lo, mas também a direcioná-lo deliberadamente visando
fins específicos.

2. O SISTEMA REGULAMENTAR E OS FINS DA POLÍTICA ECONÔMICA

A necessidade de o Estado voltar a regular o sistema econômico, devido às falhas


estruturais do mercado, acabou sendo também, como já salientado, justificada por outra
questão – a de impor ao conjunto como um todo padrões de desempenho consentâneos
com preferências politicamente definidas, inspiradas nos valores próprios de cada povo.

Essas preferências, repise-se, que são inspiradas nos valores próprios de cada
povo, traduzem-se em fins, que são aspirações ainda mais ou menos vagas e gerais.

O Professor Fábio Nusdeo ensina que “é extremamente difícil destacar os


principais objetivos perseguidos pelas várias nações, mesmo porque eles têm variado,
segundo as épocas, as particulares fases da conjuntura e a orientação política dos
governos ... Um estudioso, Boulding, os vê, em última análise, como meros
desdobramentos de quatro grandes fins e aspirações de ordem geral, comuns à maioria
dos povos, independentemente, mesmo, dos regimes políticos e dos sistemas
econômicos vigentes.”15 São eles:

• progresso econômico: pode ser entendido como o crescimento econômico, ou seja, a


possibilidade de ampliar a capacidade produtiva, ou ainda, uma melhora no
atendimento das necessidades humanas;

• estabilidade econômica: se refere a dois ideais. O primeiro, de eliminar as flutuações


do nível de renda e de emprego, abrandando, assim, toda a chamada política
anticíclica visando atenuar a amplitude dos sucessivos ciclos de prosperidade e
depressão. O segundo, refere-se à moeda, ou seja, representa o ideal da manutenção,
dentro de determinados limites, do poder de compra da moeda, a fim de evitar
processos inflacionários ou deflacionários mais agudos;

• justiça econômica: basicamente identificada com uma preocupação de redistribuição


de renda, dado o pressuposto de que o mercado funcionará, em geral, como um
mecanismo concentrador da renda;

• liberdade econômica: que pode ser vista de diversas formas, como um imperativo
categórico ao ser humano, por lhe permitir a escolha autônoma de seus objetivos.

Essas finalidades básicas da sociedade desdobram-se em inúmeras outras


intenções e objetivos, tais como a industrialização, a globalização etc.

A definição dos objetivos da política econômica varia segundo a posição de cada


autor e os critérios utilizados para enfeixar, sob uma mesma denominação, objetivos
diversos, geralmente perseguidos pela sociedade. Esses fins, colocados pelo Poder
Público para a economia, surgem, assim, como uma espécie de bens coletivos, no
sentido técnico, uma vez que irão compor o ambiente econômico propício de que se
beneficiarão, em conjunto, todas as unidades componentes do sistema para criação de
condições favoráveis à realização de objetivos próprios a cada uma delas.

Referidos objetivos podem ser divididos em dois grupos:

• ativos: buscam introduzir um novo padrão para o sistema econômico. Configuram-se


como de alta atração para a sociedade como um todo e para os setores beneficiados,
atraindo, a bem da verdade, um certo consenso;

• restritivos: têm função conservadora, tendendo a ser impopulares, porque impõem


uma certa restrição para um grupo, motivo pelo qual são de difícil implantação em
termos políticos. São marcados pela manutenção de determinado equilíbrio, baseado
em quatro objetivos: a) estabilidade monetária; b) estabilidade de emprego; c)
estabilidade da balança de pagamento; d) estabilidade ou preservação do meio
ambiente.

15
Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. 1997. p. 198-199.
Considerando-se as supracitadas finalidades básicas da sociedade, pode-se afirmar
que a estabilidade configura um objetivo restritivo e, as outras três – progresso, justiça e
liberdade – podem ser caracterizadas como objetivos ativos ou restritivos, dependendo
da específica atuação dentro de cada um desses objetivos.

É importante salientar que a ênfase excessiva conferida a um determinado


objetivo compromete normalmente os demais, motivo pelo qual as medidas de política
econômica devem sofrer, por meio da sociedade, um controle quanto à sua legitimidade,
inclusive com intuito de evitar a sua captura por grupos de interesse, inteiramente
desvinculados do bem-estar geral.

Esse sistema combina, portanto, a criatividade e o dinamismo do mercado à ação


estatal supridora das suas deficiências, voltada, ao mesmo tempo, a implementar alguns
objetivos mais amplos, fora do alcance dos particulares. Trata-se, esse sistema, de
economia de iniciativa dual.

Referido sistema implicou profundas modificações no quadro jurídico ocidental,


principalmente no campo constitucional, onde as cartas políticas deixaram de se limitar
às garantias individuais e à organização do Estado para incluírem direitos de caráter
econômico e social, contemplando, implícita ou explicitamente, programas para o
aperfeiçoamento do sistema econômico.

3. AS FALHAS DO ESTADO

Essa descrição do sistema dual, também chamado sistema misto, em um primeiro


momento, pode ter levado à crença de obtenção da perfeição em termos de
reorganização econômica das sociedades modernas. Não é assim, entretanto, pois, como
todo mecanismo, também é dotado de imperfeições e vulnerabilidades, decorrentes
fundamentalmente do problema da discrepante forma de comportamento dos seus dois
setores componentes – o público e o privado – e, por conseqüência, da precária e
imperfeita reação desse último às medidas de política econômica emanadas daquele.
Controversa ainda é a questão quanto de Estado/quanto de mercado e, também, a
relativa aos setores em que deve o Estado atuar. Até o momento, não há respostas
conclusivas para quaisquer delas.

Verifica-se, portanto, que o Estado, ao corrigir as falhas do mercado, buscando a


estabilidade e a justiça, acaba por tolher a liberdade. Essa constatação permite afirmar
que o Estado, visando sanar as imperfeições do mercado, algumas vezes impõe regras de
política econômica, podendo acontecer que essas duas funções nem sempre corram
paralelamente e acabem por se imbricarem.

Esse choque de visões dos interesses econômicos (ativos e restritivos) é comum,


originando o que se denomina falhas do sistema de mercado ou falhas do sistema
econômico – se o mercado tem suas inoperacionalidades, a ação do Estado também tem
suas falhas.

As falhas de ação do Estado podem ser desenhadas da seguinte maneira:

• juridificação: configura a criação de um número muito grande de normas legais e


regulamentares cuja tendência é a de edificar uma babel normativa, dificilmente
absorvível pelo mercado, gerando crises de absorção, de má adaptação e de rejeição;

• princípios motores distintos: decorrentes da forma muito lógica do sistema dual, uma
vez que tanto o Estado quanto o mercado têm lógicas próprias de funcionamento. O
Direito, como sistema instrumental de política, não conseguirá impor à Economia de
base hedonista padrões exógenos a ela, mas apenas injetar-lhe estímulos para serem
processados endogenamente segundo a sua mecânica característica;

• captura: decorrente da dinâmica especial apresentada pelo relacionamento entre


regulados e reguladores. Os contatos entre eles devem ser estreitos, sobretudo em
razão de dados e informações a serem necessariamente fornecidos pelas unidades
reguladas às agências estatais, inclusive quanto a eventuais dificuldades ou
impossibilidade de cumprimento das normas editadas, fato que pode gerar a captura,
ou seja, as exigências regulamentares passam a se amoldar às necessidades e
interesses das unidades reguladas ou de algumas delas;

• interesses próprios dos reguladores: diversas vezes, os órgãos reguladores, em vez de


perseguirem na direção para a qual foram criados, passam a seguir caminho distinto,
desenvolvendo objetivos próprios, relacionados com a carreira e o prestígio pessoal
dos seus membros, com o poder etc.

• grupos de pressão: também chamados grupos de interesse ou lobbies, que não são um
mal em si, mas, pelo fato de poderem representar interesses individuais, tornam-se
preocupantes;

• poder da burocracia: o processo de edição de medidas pode ser conduzido de acordo


com as preferências da burocracia ou dos grupos de pressão que a tenham
influenciado – diversos estratagemas podem levar a resultados não plenamente
legítimos.

Todas essas vulnerabilidades, sinteticamente apontadas, levaram à crise do


processo regulatório da economia, motivando o movimento da desregulamentação e da
privatização.
No entanto, é forçoso perceber a existência de limites para o processo liberatório,
dado que, à medida que ele avança, os inconvenientes do excesso de liberalização se
fazem sentir e a demanda política por maior ação reguladora será irreversível. Desta
forma é evidente a impossibilidade de ignorar o problema ambiental, o problema da
concentração econômica etc.

4. AS AGÊNCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES E A TEORIA DOS


ORDENAMENTOS SETORIAIS

Nesse contexto, e principalmente a partir do Segundo Pós-Guerra, o Estado,


diante de uma sociedade crescentemente complexa e dinâmica, começou a verificar a
impotência dos seus instrumentos tradicionais de atuação, o que impôs a adoção de
mecanismos administrativos mais ágeis e tecnicamente especializados.

Assim, a tecnologia jurídica até então predominante, com suas regulamentações


genéricas para todos os setores sociais, começou a se transformar para enfrentar os
novos desafios, surgindo órgãos e entidades dotados de independência frente ao aparelho
central do Estado, com especialização técnica e autonomia normativa, capazes de
direcionar as novas atividades sociais no caminho do interesse público juridicamente
definido.

Os ordenamentos setoriais, também chamados seccionais vieram, então, a


constituir instituto de crescente valia quando o Estado verificou a impotência dos seus
mecanismos regulatórios tradicionais, pois, repita-se, não era mais possível atuar
satisfatoriamente sem encarar, com agilidade e conhecimentos técnicos específicos, a
emergente realidade socioeconômica multifacetária com a qual se deparara.

Apesar da sua origem relativamente antiga – seu principal marco é a Interstate


Commerce Commission, criada nos Estados Unidos, em 1887, para regular os serviços
interestaduais de transporte ferroviário –, os ordenamentos setoriais e respectivos órgãos
e entidades implementadores constituem, cada vez mais, um importante mecanismo de
diálogo entre o Direito, que não pode abrir mão do seu caráter normativo, e a economia,
que não abre mão da capacidade, que detém, de impor a sua própria lógica.

Tal fenômeno tem proporcionado importantes transformações no Direito público,


tais como:

• a pluralização das fontes normativas, não mais de titularidade exclusiva16 do Poder


Legislativo;
16
Essa afirmação está assim colocada apenas para fins de demonstração da criação de inúmeros outros
órgãos reguladores, pois, como é cediço, a atividade legislativa nunca foi exclusiva do Poder Legislativo. A
doutrina de Montesquieu, além de ter sido objeto de interpretações radicais e absolutas, não contempladas pelo
próprio autor, nunca foi aplicada em sua inteireza, conforme ensina ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do
Estado. Coord. J. J. Gomes Canotilho. 3.a ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 416.
• a descentralização do aparato estatal por meio da criação de entes ou órgãos
autônomos, dotados de independência frente aos tradicionais poderes do Estado;

• a relativização do modelo hierárquico e vertical de Administração Pública, com a


emergência de mecanismos gerenciais e finalísticos de organização.

Os ordenamentos setoriais, instituídos pelo Estado por imposição da realidade


econômica e técnica, possuem uma base econômica identificável. Têm por função a
regulação das atividades empresariais ou profissionais que possuem aspectos sensíveis
ao interesse coletivo, tais como os serviços públicos, a exploração de determinados bens
públicos, o comércio de valores mobiliários, a atividade financeira, a produção de
medicamentos etc., que não podem ser deixadas ao livre-arbítrio privado.

Nesse sentido se pode afirmar que, quando o legislador julga ser necessária uma
maior rigidez do controle estatal, os ordenamentos setoriais são conferidos a entidades
ou órgãos do próprio Estado, mas alheios à sua administração central, com a qual não
possuem vínculos de hierarquia ou de significativo controle. São os casos das agências
reguladoras aqui no Brasil, ou das commissions norte-americanas e das autoridades
independentes francesas e espanholas.

Com esse fenômeno, as agências reguladoras independentes são dotadas de


competências complexas, acabando por fortalecer o Estado de Direito. Isso porque, ao
retirar do emaranhado das lutas políticas a regulação de importantes atividades sociais e
econômicas, atenuando a concentração de poderes na Administração Pública central, as
agências – acredita-se – alcançam, com melhor proveito, o escopo de garantir
eficazmente a segurança jurídica, a proteção da coletividade e dos indivíduos
empreendedores de tais atividades, ou por elas atingidos.

Assim sendo, elas, as agências reguladoras independentes, enquanto


ordenamentos setoriais, são um dos vários instrumentos dos quais o Estado pode dispor
para desenvolver suas atividades regulatórias. Possuem as seguintes características, cuja
soma e mútua interpenetração configuram o mecanismo regulatório mais utilizado na
atualidade e em franca expansão:

• órgãos ou entidades independentes, atípicos em relação ao tradicional aparato


administrativo, com acentuada característica de independência decisória e alta
competência técnica, normalmente colegiados, que ditam regras de comportamento
aos operadores, fiscalizam-nos, aplicam-lhe sanções e formulam propostas ao Poder
Legislativo e ao Governo;

• caráter técnico, já que, com os fenômenos industriais e pós-industriais, a vida social


deixou de se fundar em valores preponderantemente políticos, em sentido estrito,
para também se inspirar fortemente em fatores técnicos. Esses fatos têm feito com
que a especialização em determinado setor do Direito deva ser acompanhada de
profundos estudos técnicos de matéria regulada, sendo cada vez mais comuns e
necessários os “juristas-economistas”, “juristas-sanitaristas” etc.;
• policentrismo, no sentido de que, com o florescimento dos ordenamentos setoriais,
dificilmente a organização do aparato administrativo retornará ao caráter unitário
projetado nos oitocentos (século XIX), e que já começara a ruir com o advento dos
entes locais autônomos e das entidades da administração indireta; o que surge é um
aparato com novos instrumentos de integração e coordenação; é o reconhecimento de
novos graus do exercício autônomo da discricionariedade, com a emergência de
mecanismos de controle mais finalísticos que hierárquicos;

• amplo poder normativo, com poder regulamentar e com delegificação, ou seja, a


retirada, pelo próprio legislador, de certas matérias, do domínio da lei, passando-as ao
domínio do regulamento.

No entanto, não se deve refutar o diálogo que pode, como deve, existir entre as
entidades reguladoras independentes e os sistemas político e econômico; porém, não
pode chegar a sobrepujá-las, a captá-las.

Os seus dirigentes devem ter em mente que a independência da qual essas


entidades são dotadas só será capaz de propiciar os benefícios sociais para os quais
foram instituídas, se a própria entidade, no seu âmago, atender aos princípios maiores da
Administração Pública e do Estado de Direito, mantendo-se sempre plurais e
transparentes diante dos diversos segmentos que a compõem e do meio social
envolvente.

5. INTERVENÇÃO NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO

A Constituição Federal de 1988 surgiu com a característica de ruptura com a


tendência francamente intervencionista da Constituição de 1967-1969, mas deixando-se
ainda impregnar de idéias protecionistas, originadas da tradição.

A análise do art. 173 da Constituição Federal permite afirmar que, salvo os casos
previstos na própria Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo
Estado constitui-se uma exceção. A regra é a de que o Estado não deve atuar diretamente
no domínio econômico, podendo assim agir em situações excepcionais, restritas à
necessidade decorrente de dois fatores que deverão estar previstos em lei: imperativos
de segurança nacional e relevante interesse coletivo.

Os casos previstos na Constituição que deferem ao Estado a atuação no domínio


econômico são aqueles mencionados nos artigos 175, 176 e 177, ou seja, a prestação de
serviços públicos, a exploração de jazidas, recursos minerais e potenciais de energia
hidráulica e o monopólio da União relativamente ao petróleo, bastante reduzido pelas
regras introduzidas pela Emenda Constitucional n. 9/95, e o monopólio relativo aos
minerais nucleares.

O Estado, quando explora diretamente a atividade econômica, submete-se ao


mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas, torna explícita sua sujeição às
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias, e proíbe a concessão de
privilégios fiscais que não sejam extensivos aos particulares (§§ 1.o e 2.o do art. 173 da
CF).

Justamente para aclarar a imposição de afastamento do Estado da exploração


direta na atividade econômica, o artigo 174 da Constituição Federal definiu os novos
papéis do Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica.

Assim, a intervenção do Estado no domínio econômico pode se dar de duas


formas: direta e indireta. Na forma direta, tem-se as empresas públicas (art. 173, §§ 1.o,
2.o e 3.o, da CF), encontrando-se o Estado na forma de empresário. Na forma indireta, o
Estado intervém por meio de normas que têm por finalidade fiscalizar, incentivar ou
planejar, sendo o planejamento somente indicativo para o setor privado (art. 174 da CF).

Obs: para um detalhamento mais efetivo recomenda-se a leitura dos artigos 173 a 181 da
Constituição Federal.

Lei Antitruste – Lei n. 8.884, de 11.6.1994

1. FUNDAMENTOS

O estudo da Lei Antitruste, do direito da concorrência, não pode ter início sem a
apresentação da livre iniciativa como fundamento da República Federativa do Brasil e
da Ordem Econômica.

A livre iniciativa comporta restrições (como ocorreu desde a sua criação) de


natureza pública ao exercício da liberdade empresarial, dado que tem por objetivo
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170 da
CF).

Entretanto, como a livre concorrência é um princípio da ordem econômica (inciso


IV), o que na verdade vem consagrada na Constituição Federal é a livre iniciativa
concorrencial, caracterizada pela livre ação dos agentes econômicos, o livre acesso aos
mercados e a livre escolha dos consumidores e utilizadores. O conceito é diferente da
livre iniciativa, mas não o incompatibiliza.
A proteção à concorrência é instrumental, uma vez que não tem um fim em si
mesma, pois tem o objetivo primordial de “assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social."

Assim, a livre concorrência se apresenta como um elemento desejável, ou mesmo


necessário, para possibilitar a presunção de que a livre iniciativa promove a realização
do bem comum.

Muitos podem ser os motivos da concentração empresarial ou outras condutas que


falseiam a concorrência. Tal fenômeno pode trazer benefícios (exemplos: economia de
escala, competitividade, investimentos tecnológicos etc.) e malefícios (exemplos:
restrição à concorrência, aumento de preços etc.).

Porém, o mercado concorrencial colaciona também diversos benefícios, quer aos


consumidores ou utilizadores, quer às empresas (benefícios atuais e potenciais), quer ao
País, que, com a concorrência, gozará de um parque industrial moderno.

Justamente nessa encruzilhada de interesses é que se estabelece o direito da


concorrência.

Essas normas podem ser de meio ou de resultado. No primeiro caso, considera-se


o meio utilizado para a concentração (uma fusão, uma joint venture etc.) e pode ser
observada no exemplo norte-americano; no segundo caso, verifica-se o resultado da
operação, modalidade essa adotada pela legislação brasileira, como demonstra o caput
do artigo 54 da Lei n. 8.884/94, ratificado pelo seu § 3.°.

2. HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO

A história e o desenvolvimento da legislação da defesa da concorrência no Brasil


é revelado pela história das constituições econômicas brasileiras, donde extraem-se três
fases:

• 1.ª fase: marcada pelas constituições de 1824 e 1891, com a teoria econômica
do liberalismo, na qual se observa a plenitude do direito de propriedade e,
como conseqüência, o princípio da plena liberdade de iniciativa e de mercado,
sendo que, nesse período, não surgiu nenhuma legislação de regulação do
mercado e de defesa da concorrência.

• 2.ª fase: marcada pelas constituições de 1934 e 1937, das quais se extrai a
definição de que a ordem econômica deve ser organizada pelo Estado. Trata-se
do período em que surgiu o primeiro texto legal antitruste – Decreto-lei n. 869,
de 1938 , que acabou não sendo utilizado. Nesse período surgiu também o
segundo texto, Decreto-lei n. 7.666/45, conhecido como Lei Malaia, que
vigorou por apenas três meses, mas que, na verdade, teve a habilidade de
semear muitos dos dispositivos atualmente vigentes.
• 3.ª fase: marcada pela Constituição Federal de 1946, vem até os dias atuais;
nela foram condensados os pensamentos da Lei Malaia. Trata-se do período no
qual apareceram a Lei n. 4.137/62 e inúmeros outros textos legislativos
contraditórios entre si, até, enfim, surgir a vigente Lei n. 8.884/94.

3. CARACTERÍSTICAS

As características principais da Lei n. 8.884/94 são:

• Trata-se de um microssistema, pois atende apenas determinada situação jurídica com


visão de conjunto de todo o fenômeno, livrando-se da contaminação de regras de
outros ramos do Direito, estranhas àquelas relações, não obstante apresentar pontes
com outras legislações, tais como o Código de Defesa do Consumidor e o Código da
Propriedade Industrial.

• Tem como base o critério da concorrência-meio, também chamada concorrência-


instrumento, uma vez que a concorrência é dada como um bem entre outros e não um
bem em si mesmo, podendo ser sacrificada em favor de outros bens, também
protegidos pela legislação. Na legislação brasileira, a concorrência é um valor apenas
orientador, informador, que pode ser ferido, sacrificado, com vistas à consecução de
outras iniciativas, para dar uma vida mais digna ao cidadão brasileiro, iniciativas
essas que podem ser incompatíveis com o direito da concorrência. O artigo 54 é claro
nesse sentido, o mesmo ocorrendo no direito comunitário europeu. Já a concorrência-
fim, também chamada concorrência-condição, estabelece uma proibição genérica, a
priori, de todos os acordos e práticas susceptíveis de atingirem a estrutura
concorrencial do mercado. O exemplo clássico é o dos Estados Unidos da América,
que, no entanto, a jurisprudência já abrandou, com a utilização da regra da razão.

• Possui uma função preventiva e outra repressiva. No primeiro caso, demonstrada


pelo artigos 54 e seguintes, com caráter nitidamente preventivo, regula a observação
dos atos de concentração, visando prevenir aqueles que importem uma não-razoável
limitação à concorrência. No segundo caso, prevista no artigos 15 e seguintes, cuida
das infrações à ordem econômica.

• A coletividade é a titular do bem jurídico protegido pela Lei Antitruste, tratando-se de


um direito difuso, uma vez que atinge um número indeterminado de pessoas e uma
indivisibilidade do bem jurídico.

• Além da amplitude subjetiva adotada, a Lei n. 8.884/94 previu a possibilidade de


decretação da desconsideração da personalidade jurídica (art. 18); entretanto, pela
cópia que fez do Código de Defesa do Consumidor, nesse tópico, e devido à
imperfeição do texto legal na utilização do instituto, confundindo-o, tem sido
bastante criticada.
• Encontra-se na Lei também a possibilidade de intervenção judicial na empresa (art.
69), quando necessária para permitir a execução específica das decisões do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Trata-se de dispositivo consoante com
as normas societárias comuns, no sentido de que o controlador deve usar o poder com
o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir com a sua função social.

• Constam na Lei inúmeros parâmetros fluidos que colacionam conceitos abertos,


vagos, imprecisos, norteadores do julgamento pelo Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (exemplos: mercado relevante, bem-estar social etc.). Essa
fluidez, por um lado, é importante para a eficácia da legislação, devido à dinâmica da
atividade econômica, mas, por outro lado, pode trazer insegurança ao agente
econômico.

• A Lei concedeu ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica natureza


autárquica, integrando o Poder Executivo (Ministério da Justiça). Concedeu-lhe,
ainda, função judicante com jurisdição em todo o território nacional.

• À Secretaria de Direito Econômico foi concedida a função de acompanhamento do


mercado, tudo para dar eficácia à importante função preventiva da lei.

• Resta evidente na Lei (já que ela abraçou o sistema de concorrência-meio ou


concorrência-instrumento) a admissibilidade de atos de concentração, desde que
esses propiciem eficiências, ou sejam necessários por motivos da economia nacional.
Não há, portanto, ilícitos per se, devendo, caso a caso, ser verificada a conduta do
agente econômico.

• O artigo 35-B autoriza que a União, por intermédio da Secretaria de Direito


Econômico, celebre acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da
Administração Pública ou a redução de um a dois terços da penalidade aplicável, com
as pessoas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem
efetivamente com as investigações.

4. INTEGRAÇÃO

Muitos são os elementos constantes nos artigos 20, 21 e 54 da Lei n. 8.884/94 que
devem ser analisados para o julgamento do ato infracional, ou para a verificação da
possível autorização, ou não, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do
ato de concentração.

O que mais interessa ao direito da concorrência é a integração, pois esta altera a


estrutura do mercado; mas não qualquer integração, e sim aquela que integra poder
econômico (trata-se do critério dos resultados e não do critério dos meios).
A integração pode se dar:

• Verticalmente: ocorre entre empresas que operam em diferentes níveis ou


estágios da mesma indústria. A preocupação com as concentrações verticais
decorre dos seus efeitos mediatos (exemplos: discriminação de preços entre
diversos concorrentes; situação de vantagem na distribuição, desencorajando a
entrada de novos produtores etc.), ao contrário do que ocorre nas
concentrações horizontais, onde, inevitavelmente, estará ocorrendo a
eliminação de um concorrente no mercado.

• Horizontalmente: ocorre entre empresas que concorrem entre si, num mesmo
estágio ou nível de produção.

(Obs.: essas integrações podem se dar pela incorporação ou pela fusão.)

• Pela formação de um conglomerado: atividades diversas são conduzidas sob o


comando de um único centro decisório.

• Pela joint venture: uniões parciais e temporárias, não apresentando estabilidade e


permanência, mas, em geral, visando objetivos específicos limitados.

Da integração de empresas pode decorrer a concentração do mercado, mas não


necessariamente.

Interessam à legislação concorrencial os atos de integração que concentrem poder


econômico. Atos de integração que não concentrem poder econômico não interessam ao
Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Nesse sentido, é importante salientar
que a concentração do poder econômico (ou poder de mercado) pode ser alcançada pelo
crescimento interno da empresa, e isso é legítimo, nos termos do artigo 20, § 1.º, da Lei.

Como conclusão, pode-se afirmar que, especificamente para a concentração de


empresas, quando o ato não é aprovado, não significa a ocorrência de abuso do poder
econômico, mas sim que, da maneira como pactuado, a experiência demonstra que
tamanha soma de poder centralizado nas mãos de apenas um agente certamente resultará
em abuso do poder econômico.

Assim, somente devem ser levados ao Conselho Administrativo de Defesa


Econômica, atos de concentração de empresas que concentrem poder econômico e
preencham os requisitos do artigo 54, ou seja, “possam limitar ou de qualquer forma
prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de
bens e serviços”, ou seja, atos que afetem a estrutura de um mercado relevante.

Em face, porém, do gigantismo da operação, o § 3.º do artigo 54 impõe como


obrigatório que sejam submetidos à apreciação do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica quaisquer atos que visem à concentração econômica e que impliquem
participação, de empresa ou grupo de empresas, resultante em 20% de um mercado
relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto
equivalente a R$ 400.000.000,00.

Para a verificação do nível de concentração do mercado, podem ser analisados os


índices CR3 e CR4 (que demonstram o nível de participação das três ou quatro maiores
empresas no faturamento total de determinada indústria) e o Herfindahl Hirschmann
Index (HHI) – que é calculado somando-se os quadrados dos percentuais de cada
participante de determinado mercado, variando de um número próximo do zero, no caso
de um mercado atomístico, a 10 mil, para um caso de monopólio –, que têm origem nas
Guidelines Americanas, do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América e
do Federal Trade Commission (FTC), que consideram um Herfindahl Hirschmann
Index de até 1.000 como representativo de um mercado desconcentrado; de 1.000 até
1.800, um mercado moderadamente concentrado; e acima de 1.800, um mercado
altamente concentrado.

Após a concentração, o Federal Trade Commission tem considerado:

• se o índice for inferior a 1.000 pontos, somente em casos excepcionais a transação é


considerada anticoncorrencial;

• se o Herfindahl Hirschmann Index fica entre 1.000 e 1.800, somente as integrações


que provocarem um aumento igual ou superior a 100 pontos podem causar efeitos
anticoncorrenciais;

• se o índice for superior a 1.800, com aumento acima de 50 pontos, a transação pode
ser anticoncorrencial; se aumentar mais de 100 pontos, presume-se anticoncorrencial,
mas essa presunção pode ser afastada.

Ocorre que a utilização desses índices, para a verificação do nível de concentração


do mercado, por um lado, pode subestimar ou superestimar o significado competitivo
futuro de uma empresa ou empresas e de seus impactos em uma fusão, motivo pelo qual
as agências devem usá-los com parcimônia, verificando mudanças recentes ou em curso
nesse respectivo mercado.

Por outro lado, os parâmetros das Guidelines não podem ser simplesmente
transpostos para a economia brasileira, em virtude do diferencial entre a economia
americana e a economia brasileira.

Analisando as escolas econômicas no tocante às conseqüências da concentração,


podemos, entretanto, observar que o índice de concentração do mercado é simplesmente
o ponto de partida de uma investigação que pretenda verificar se determinado mercado
é, ou não, concorrencial, dado que é possível notar mercados concentrados, altamente
competitivos, colacionando benefícios ao consumidor. Segundo a Escola Estruturalista,
os mercados concentrados propiciam a adoção de condutas anticompetitivas, que afetam
o desempenho da economia sem o estresse da competição: os agentes do mercado
aumentam preços, limitam a produção a seu talante, alocando de forma ineficiente os
recursos. No entanto, segundo a Escola de Chicago, a concentração econômica não deve
ser vista como uma presunção de ilegalidade, e sim de eficiência.

Os fundamentos econômicos da análise antitruste ajudam a fornecer parâmetros


objetivos para distinguir as restrições aceitáveis e as ilegais à concorrência.

Inicialmente, no final dos anos 30, em Harvard, utilizou-se a literatura em


organização industrial que introduziu o paradigma estrutura-conduta-desempenho, com
relação unívoca, ou seja, as condições básicas da oferta e demanda afetam a estrutura do
mercado, caracterizado pelo número e tamanho das empresas. Dessa estrutura depende a
conduta dos agentes econômicos e dessa conduta resulta o desempenho no mercado e,
via de conseqüência, o grau de eficiência com que opera. A utilização dessa teoria levou
a julgamentos e determinações radicais.

A partir dos anos 70 ecoaram críticas à Teoria Estruturalista, destacando-se, nesse


sentido, a Escola de Chicago (Robert Bork), com dois pontos básicos:

• o primeiro consistiu em severas críticas à idéia que se tinha das barreiras de


entrada, dado que ela deveria ser entendida de forma mais restrita,
representando apenas aqueles custos em que incorreram os agentes econômicos
entrantes, mas, em nenhum momento, os agentes já instalados;

• o segundo destacou a inversão da relação de determinação entre estrutura-


conduta-desempenho, dado que as empresas mais eficientes tendem a se
expandir, resultando em uma concentração no mercado e demonstrando a
possibilidade de se verificar mercados concentrados resultantes de maior
eficiência.

As conclusões da Escola de Chicago podem ser resumidas nos seguintes tópicos:

• a dominação de mercado resulta da superioridade em termos de eficiência, com


o que é revertida a causalidade estrutura-desempenho da abordagem
estruturalista;

• a única forma preocupante de poder de mercado, portanto, é a derivada da


colusão entre competidores oligopolistas;

• as firmas que perseguem poder de mercado em lugar de eficiência não obtêm,


de fato, lucros de monopólio, porque dependem muito – ao longo do processo
– de atividades de busca de renda;

• individualmente, as firmas não podem obter ou elevar seu poder de mercado


por meio de ação unilateral, a menos que prefiram substituir lucros por posição
de mercado, o que não é crível, ao menos, racionalmente.
Outra escola desenvolvida nos anos 70 foi a da Economia dos Custos de
Transação, a qual defende que o fato de muitos dos arranjos institucionais, que a teoria
econômica não pode explicar como modelo de concorrência perfeita, na verdade, podem
traduzir o esforço para realizar economias de custos de transação. Essa linha de análise
revela as eficiências envolvidas nos atos de concentração.

No final dos anos 70 e início dos anos 80, surgiu a Teoria dos Mercados
Contestáveis, a qual prega que qualquer configuração de mercados contestáveis é capaz
de apresentar os resultados eficientes da concorrência perfeita.

A mais recente discussão teórica é a que se tem chamado Nova Economia


Industrial, de acordo com a qual a estrutura industrial não é necessariamente um
determinante exógeno da conduta e do desempenho, e pode ser manipulada
estrategicamente pela empresa. Assim, defende-se que as condutas adotadas pelas
empresas podem gerar alterações na estrutura do mercado, ou seja, nessa análise são
usados modelos da Teoria dos Jogos (que mostram interações, estratégias entre empresas
em mercados oligopolistas).

A tônica da análise dos atos de concentração empresarial aqui no Brasil, como nos
Estados Unidos e na Europa, parte da abordagem estrutura-conduta-desempenho,
incorporando as principais contribuições fornecidas pelas outras escolas (eficiência, da
Escola de Chicago; características transacionais, da Escola dos Custos de Transação;
concorrência potencial, da Teoria dos Mercados Contestáveis; e natureza estratégica das
decisões empresariais, sugerida pela Nova Economia Industrial).

O termo “eficiências” é utilizado pela Lei n. 8.884/94 por reiteradas vezes, porque
as leis de defesa da concorrência partem do princípio de que ela tende a maximizar o
desempenho econômico do mercado, tornando-o mais eficiente, com a produção, a
preços reduzidos, de grandes quantidades e variedades de mercadorias, aptas para suprir
a demanda dos consumidores, possibilitando ainda, a eles, a livre escolha.

Assim, entre os diversos objetivos do direito concorrencial, está o da promoção da


eficiência econômica, que resulte na maximização da satisfação dos consumidores,
tendo em contrapartida a maximização dos lucros dos produtores.

Em razão disso, a Lei brasileira não constitui, em geral, obstáculo para a maioria
das integrações – mesmo que elas falseiem a concorrência –, já que adota o sistema da
concorrência-meio, mas desde que os agentes demonstrem de forma clara e convincente
que, mediante a integração, poderão alcançar a eficiência.

As eficiências, reconhecidas pela Lei brasileira, mas não limitadas a essas,


incluem:

• o aumento da produtividade;

• a melhoria da qualidade de bens e serviços;


• o desenvolvimento tecnológico; tudo nos termos do artigo 54, § 1.º, inciso I.

É importante frisar, entretanto, que, ao avaliar as eficiências, a autoridade da


concorrência deverá efetuar um balanço relativo à apropriação das mesmas, já que a Lei
determina que deverá haver uma distribuição eqüitativa entre os participantes do ato, de
um lado, e os consumidores, de outro.

Mas não há eficiência que supere o malefício da eliminação da concorrência de


parte substancial do mercado relevante. Nesse caso, o ato de concentração de poder
econômico somente poderá ser aprovado quando necessário, por motivo preponderante
da economia nacional e do bem comum, e desde que não implique prejuízo ao
consumidor ou usuário final.

Assim, como conclusão, é possível afirmar que as noções de eficiência e de


concorrência não podem, por isso, ser conflitantes. Ao contrário, é a própria
concorrência que induz à eficiência.

A submissão do ato de concentração à agência da concorrência poderá, entre nós,


se dar prévia ou posteriormente à realização do ato, não obstante as severas críticas de
que somos alvo dos juristas estrangeiros, devido aos prejuízos que o controle posterior
pode ocasionar.

Ao verificar a avaliação do poder de mercado, para controle de concentração


empresarial, é importante salientar que a posição dominante de uma empresa não se
mede somente em função de sua participação relativa no mercado, e que outros critérios
devem ser relevados, tais como:

• as barreiras à entrada;

• a facilidade de acesso ao capital;

• a diferenciação de produtos etc.

Para a avaliação do ato de concentração, a legislação brasileira atual não arrolou


todos os atos que conduzem a tal, nem, tampouco, trouxe ao seu aplicador, subsídios
para determinar quais os atos que possam conduzir à concentração econômica em
prejuízo da concorrência. E isso é muito bom, porque a linguagem aberta da lei e o
princípio da interpretação sistemática autorizam valer-se o intérprete das diferentes
práticas e transações comerciais, acordadas expressa ou implicitamente pelos agentes
econômicos.

Assim, na análise de um caso de concentração, devem ser utilizados os seguintes


critérios:

• critério da participação relativa: se, no caso do § 3.° do artigo 54 da Lei n.


8.884/94, decorre da transação uma participação relativa de 20%, ou se, pelo
menos, qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual, no
último balanço, equivalente a R$ 400.000.000,00;

• critério do poder de mercado: se, em decorrência de qualquer ato, aumenta o


poder de mercado de alguma empresa ou grupo de empresas, em prejuízo da
concorrência;

• critério dos efeitos: se a integração, em razão do índice de concentração do


mercado, pode, potencialmente, causar efeitos adversos à concorrência;

• critério da entrada: se existe a possibilidade de entrada de outros concorrentes


no mercado, em prazo e condições que possibilitem as necessárias reações aos
efeitos adversos, que eventualmente possam ocorrer;

• critério da eficiência do agente: se a eficiência alegada pode ser alcançada por


outros meios que não a integração;

• critério da permanência: se os bens de produção, detidos pelas empresas


integradas, continuarão no mercado ainda que a fusão não seja autorizada;

• critério da eficiência social: se as alegadas eficiências resultarão no bem-estar


do consumidor.

É importante também não descuidar do conceito de mercado relevante, dado que a


delimitação desse mercado é crucial para a análise dos efeitos competitivos potenciais,
de operações que impliquem concentração de mercado (art. 54), ou mesmo para a
análise do ato supostamente infrativo da ordem econômica (arts. 20 e 21), uma vez que é
nesse locus, devidamente delimitado, que se dá, efetiva ou potencialmente, tal exercício.

O mercado relevante é constituído de um grupo de produtos em uma área


geográfica, tendo como principal característica a substitutibilidade, considerando-se a
resposta da demanda de cada grupo de compradores e a resposta dos concorrentes. É
clássica essa bipartição do conceito de mercado relevante, sob o prisma geográfico e em
termos do produto ou serviço negociado. Assim é que o Conselho Administrativo da
Defesa Econômica definiu, em um dos seus julgamentos que “o mercado relevante é o
espaço da concorrência. Diz respeito aos diversos produtos ou serviços, que concorrem
entre si, em determinada área, em razão da sua substitutibilidade naquela área. Sua
definição se faz necessária, in casu, tanto em termos geográficos quanto em relação ao
serviço.”

Quanto ao mercado do produto, as respostas dos clientes e dos outros agentes


econômicos podem, efetivamente, influenciar sua caracterização. Quanto à demanda,
relevam-se as características do produto, seu uso e seu preço.

No tocante ao mercado geográfico, o problema dos entrantes potenciais é


importante, dado que devem ser relevados, observando-se, entretanto, aqueles chamados
não-comprometidos (que não se submetem a sunk costs) e os comprometidos
(submetidos a sunk costs). Os primeiros já devem ser incluídos no mercado relevante
antes do ato de concentração.

Para a configuração correta do mercado relevante, devem ainda ser relevadas


inúmeras outras barreiras à entrada de novos concorrentes, como as diferenças
tecnológicas, a presença de direitos intelectuais, o lock in, a fidelidade à marca, as
barreiras tarifárias etc.

Definido o mercado relevante, necessário se faz determinar os seus participantes,


entre os quais as empresas que normalmente nele produzem e vendem, assim como os
concorrentes potenciais que nele possam entrar em um tempo relativamente curto, sem
incorrer em altos custos. Desse modo, para a eficácia da norma, é necessário que os
agentes econômicos, partes da transação, identifiquem as pessoas naturais ou jurídicas
que detenham ações com direito de voto ou que exerçam qualquer forma de controle
majoritário sobre a empresa ou grupo, alcançando, não somente as empresas adquirentes
e adquiridas, como também a controladora e as demais empresas por ela controladas.

Assim, será possível determinar a participação dessas empresas ou grupo no


mercado (que poderá ser medida em valores expressos em moeda corrente ou em
quantidades produzidas, incluindo também a capacidade de produção) e o nível de
concentração nele existente.

O processo de avaliação, com vistas à autorização do ato de concentração, é


complexo e requer a obtenção de inúmeras informações, sendo que as Guidelines
Americanas nos fornecem um bom roteiro, flexível e que permite a articulação das
diversas escolas econômicas estudadas.

Esse roteiro compreende:

• definição de mercado relevante;

• identificação dos participantes do mercado;

• cálculo e interpretação das participações de mercado e do grau de concentração;

• análise dos possíveis efeitos anticompetitivos provocados pela operação;

• análise das possibilidades de entrada;

• exame das eficiências.

Após a análise, pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do ato de


concentração, sua decisão deve refletir uma das seguintes possibilidades:

• atos de concentração econômica, que não elevem significativamente o poder de


mercado, devem ser aprovados independentemente de outras considerações;
• atos que elevem o poder de mercado, mas que são mais do que compensados
por outros ganhos, devem ser aprovados;

• atos que aumentem significativamente o poder de mercado e não proporcionam


ganhos generalizados compensatórios para a sociedade podem: a) ser
imediatamente negados; b) ser aprovados, mediante uma série de
compromissos de desempenho assumidos pelas empresas.

5. COMPROMISSO DE DESEMPENHO E COMPROMISSO DE CESSAÇÃO

A Lei n. 8.884/94 traz também duas novas figuras ao mundo jurídico, quais sejam:
o compromisso de desempenho e o compromisso de cessação.

O compromisso de desempenho encontra-se regulado pelo artigo 58 da Lei n.


8.884/94, onde está previsto que o plenário do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica definirá compromissos de desempenho, que deverão ser cumpridos pelos
agentes econômicos que levem à sua apreciação atos de concentração empresarial,
assegurando a obtenção, em um curto, médio ou longo espaço de tempo, das eficiências
especificadas. A inspiração desse instituto situa-se no caráter impositivo e
compensatório dessas eficiências.

O compromisso de desempenho será composto, portanto, de metas a serem


cumpridas pelas empresas, configurando uma garantia, para o mercado, do cumprimento
das condições necessárias para a autorização do ato de concentração com grau potencial
ou efetivo de nocividade às relações concorrenciais.

Mas o compromisso de desempenho não pode ser visto como um substituto para a
desaprovação do ato de concentração. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica,
ao observar que o ato de concentração, não deve ser aprovado, já que não apresenta
aspectos de eficiência para compensar o prejuízo colacionado ao mercado concorrencial,
não pode impor uma série de metas a serem perseguidas pelas empresas. Se assim
agisse, estaria atribuindo ao Estado a possibilidade de planejar a atividade econômica
privada, esbarrando em sérios óbices constitucionais.

O compromisso de desempenho deve ser utilizado quando o Conselho


Administrativo de Defesa Econômica puder observar que as eficiências, alegadas pelos
interessados, compensam o prejuízo à concorrência e poderão se efetivar, especificando-
as então em um instrumento que facilite a fiscalização do seu cumprimento.

O compromisso de desempenho é, pois, um instrumento formal do qual se vale a


Administração Pública quando autoriza uma transação sob seu exame, para assegurar-se
do cumprimento dos requisitos condicionais que viabilizam aquela autorização.
Nas legislações européias e norte-americanas, verifica-se, ao contrário do que
prevê a nossa legislação, a possibilidade de a autoridade antitruste impor condições tão
amplas para a aprovação do ato de concentração que, algumas vezes, ultrapassam os
limites do próprio negócio em exame.

Para nós, entretanto, uma vez que o objetivo do compromisso de desempenho é


assegurar o cumprimento das eficiências que permitiram a aprovação da operação, seu
conteúdo deve, conseqüentemente, estar em harmonia com seus objetivos. Deve,
portanto, o compromisso de desempenho trazer todos os elementos da eficiência
prometida pelos agentes econômicos – elementos estruturais e elementos de conduta –,
devendo conter metas qualitativas ou quantitativas em prazos pré-definidos, tudo
estreitamente relacionado com as condições de aprovação, ou seja, as eficiências
prometidas e dadas como razoáveis pelo Conselho Administrativo de Defesa
Econômica.

Nesse contexto, causa perplexidade o § 1.º do artigo 58 que determina dever ser
levado em conta, na definição do compromisso de desempenho, o grau de exposição do
setor à competição internacional e às alterações do nível de emprego pois, muitas vezes,
a verificação das alterações do nível de emprego (ou seja, o balanço social do ato de
concentração) pode ser incompatível com a diminuição de custos e com o aumento da
produtividade e do desenvolvimento tecnológico, eficiências essas expressamente
previstas na Lei Antitruste como motivadoras da aprovação do ato de concentração de
empresas.

O compromisso de cessação, regulado pelo artigo 53, como forma de resolver o


problema dos atos infracionais, em qualquer fase do processo administrativo, poderá ser
celebrado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica ou pela Secretaria de
Direito Econômico ad referendum do Conselho Administrativo de Defesa Econômica,
não importando confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da
conduta analisada.

Referido documento conterá, necessariamente, as seguintes cláusulas:

• obrigações do representado, no sentido de fazer cessar a prática investigada,


pelo prazo estabelecido;

• valor da multa diária a ser imposta no caso de descumprimento desse


compromisso de cessação de prática de ato;

• obrigação de apresentar relatórios periódicos sobre a sua atuação no mercado,


mantendo as autoridades informadas sobre eventuais mudanças em sua
estrutura societária, controle, atividades e localização.

Celebrado o compromisso de cessação, o processo administrativo fica suspenso


enquanto as obrigações estão sendo cumpridas, sendo extinto e arquivado ao término do
prazo fixado.
As obrigações constantes nesse compromisso poderão ser alteradas pelo Conselho
Administrativo de Defesa Econômica, caso seja verificada sua excessiva onerosidade e
desde que não represente prejuízo para terceiros ou para a coletividade, e a nova
situação não configure infração da ordem econômica.

O compromisso de cessação constitui título executivo extrajudicial, ajuizando-se


imediatamente sua execução em caso de descumprimento ou de colocação de obstáculos
à sua fiscalização.

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