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Linguística Geral

Professora conteudista: Marcia Selivon


Sumário
Linguística Geral
Unidade I
1 REVISÃO HISTÓRICA..........................................................................................................................................3
1.1 A gramática tradicional ........................................................................................................................3
1.1.1 O ponto de vista da gramática tradicional: análise prescritiva ..............................................3
1.2 A linguística: a visão científica dos estudos linguísticos – ciência social/humana,
empírica, objetiva, descritiva e explicativa ...........................................................................................9
1.2.1 Prioridades dos estudos linguísticos: língua/fala; língua oral/língua escrita; análise
descritiva/prescritiva; estudos sincrônicos/diacrônicos ........................................................................9
2 CONTRAPOSIÇÃO/IMPLICAÇÕES DA MUDANÇA DE ABORDAGEM DA GRAMÁTICA
TRADICIONAL PARA A LINGUÍSTICA PARA O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E LÍNGUA
ESTRANGEIRA ....................................................................................................................................................... 20
2.1 Contraposição entre a visão tradicional e a visão linguística ............................................ 24
2.2 Perspectiva normativa e o denominado preconceito linguístico ..................................... 27
2.3 O foco na forma (gramática tradicional) e não no conteúdo (tomando por
base a visão contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs) .................................. 28
Unidade II
3 O ESTRUTURALISMO – CONCEITOS BÁSICOS ...................................................................................... 30
3.1 Os conceitos dicotômicos ................................................................................................................. 33
3.2 Língua/fala e linguagem.................................................................................................................... 33
3.3 O signo linguístico ............................................................................................................................... 36
3.3.1 Significado e significante .................................................................................................................... 36
3.3.2 Características do signo linguístico: arbitrariedade e linearidade...................................... 40
3.4 O estruturalismo e o método de análise descritivo................................................................ 42
3.5 Os limites da análise estruturalista: a frase (a exclusão da fala (sujeito) e do
contexto sócio-histórico) ......................................................................................................................... 43
3.6 O estruturalismo americano e a psicologia behaviorista na explicação sobre a
aquisição de linguagem ............................................................................................................................ 44
3.7 Implicações para o ensino de língua materna e língua estrangeira ............................... 45
Unidade III
4 O GERATIVISMO: VISÃO INATISTA DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM ........................................... 49
4.1 Contra-argumentos do gerativismo (Chomsky) à visão behaviorista de
aprendizagem da linguagem .................................................................................................................. 50
4.1.1 Capacidade inata: meio ambiente fornece modelos linguísticos para um sujeito
competente .......................................................................................................................................................... 50
4.1.2 Capacidade específica da espécie .................................................................................................... 51
4.1.3 Criatividade linguística ......................................................................................................................... 52
4.1.4 Complexidade x tempo de aquisição .............................................................................................. 52
4.1.5 Capacidade linguística inata, específica da espécie e universal .......................................... 54
4.1.6 Os conceitos de aquisição x aprendizagem de linguagem .................................................... 56
4.2 Conceitos básicos do gerativismo ................................................................................................. 57
4.2.1 Competência e desempenho (performance) ............................................................................... 59
4.2.2 Gramaticalidade e aceitabilidade ..................................................................................................... 60
4.2.3 A intuição linguística ............................................................................................................................ 61
4.2.4 Produtividade dos sistemas linguísticos x criatividade linguística dos sujeitos
falantes .................................................................................................................................................................. 62
4.2.5 Princípios e parâmetros ....................................................................................................................... 63
4.3 O modelo de análise gerativista: explicativo (dar conta da competência)................... 64
4.4 Os limites de análise do gerativismo ............................................................................................ 65
Unidade IV
5 ÁREAS DE ANÁLISE LINGUÍSTICA: FONÉTICA, FONOLOGIA, MORFOLOGIA, SINTAXE,
SEMÂNTICA ........................................................................................................................................................... 67
5.1 A dupla articulação da linguagem: unidades significativas/unidades não
significativas .................................................................................................................................................. 69
5.1.1 A linguagem humana e a linguagem dos animais ................................................................... 72
6 FONÉTICA ............................................................................................................................................................ 75
6.1 Conceituação ......................................................................................................................................... 75
6.2 Fonética acústica, perceptual e articulatória............................................................................ 75
6.3 O aparelho fonador ............................................................................................................................. 77
6.4 Produção dos sons da fala: respiração, voz, vozeamento/desvozeamento,
articulação ...................................................................................................................................................... 80
6.5 O alfabeto fonético internacional ................................................................................................. 82
6.6 Classificação articulatória (visando ao reconhecimento dos fonemas do
português brasileiro e do inglês) ........................................................................................................... 83
LINGUÍSTICA GERAL

Unidade I
APRESENTAÇÃO

Esta apostila tem por objetivo iniciar o leitor nos estudos da


ciência da linguagem, a linguística, e demonstrar a relevância
do conhecimento/abordagem linguística para a formação
do profissional de ensino. Por tratar-se de uma ciência, ainda
5 desconhecida para muitos e mesmo para aqueles que se
interessam e se voltam para os estudos sobre o fenômeno
da linguagem, como estudantes de um curso de Letras, será
feita, inicialmente, uma breve exposição histórica que leva ao
nascimento da linguística como ciência autônoma, com especial
10 destaque à ruptura com a visão da gramática tradicional que,
conforme a experiência tem demonstrado, tem sido a base
de formação em língua portuguesa dos estudantes no Ensino
Fundamental e Médio.

Define-se, a partir dessa ruptura, a linguística e apresentam-se


15 os conceitos básicos de duas de suas teorias, o estruturalismo
e o gerativismo, escolhidas para representar e demonstrar ao
leitor iniciante diferentes perspectivas científicas do estudo da
linguagem.

O conhecimento de, pelo menos, alguns dos conceitos


20 básicos dessas duas teorias visa a fornecer uma base para o
aprofundamento das reflexões em disciplinas voltadas para
outras abordagens teóricas e análise de aspectos específicos
da linguagem e do ensino de línguas. Ainda com esse mesmo
objetivo, serão apresentadas áreas de análises linguísticas para
25 que o leitor tenha uma visão mais global de vários aspectos
sobre os quais a linguagem pode ser estudada, despertando para

1
Unidade I

sua complexidade e dirigindo o olhar, neste momento, para os


sons da fala, por meio da fonética. Sem perder o objetivo da
reflexão teórica sobre a linguagem, sempre que possível serão
estabelecidas relações entre a perspectiva linguística e a prática
5 do ensino de línguas.

A linguística, como toda ciência, tem seus próprios termos


técnicos, que serão utilizados sempre que se fizerem necessários,
acompanhados de explicações detalhadas de modo a torná-
los, o mais possível, claros. O leitor deve ter em mente que o
10 uso de termos técnicos pelas ciências tem por objetivo evitar
ambiguidades e mal-entendidos. Sugere-se ao leitor uma leitura
atenta de todos os conceitos aqui apresentados para que ele
possa compreender e se encantar com esta ciência que tem por
objetivo a explicação de uma das capacidades mais incríveis do
15 ser humano: a linguagem.

A linguística – definição e origem

A Torre de Babel é mencionada no livro bíblico


do Gênesis como uma torre enorme construída pelos
descendentes de Noé, com a finalidade de tocar os céus.
Deus, irado com a ousadia humana, teria feito com que todos
os trabalhadores da obra começassem a falar em idiomas
diferentes, de modo a que não se pudessem entender, e
assim, acabassem por abandonar a sua construção. Foi este
episódio que, segundo a Bíblia, explica a origem dos idiomas
na humanidade. (Gênesis 10:10; 11:1-9).”

Fonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Torre_de_Babel>.
Acesso em 20/02/2007.

A linguística é o estudo da língua(gem). Esta é uma definição


ampla que remonta a um passado bastante longínquo – antes
de Cristo, já que compreender e conhecer a linguagem humana
sempre esteve entre as reflexões daqueles que buscavam ou
20 buscam entender os comportamentos humanos ou o próprio

2
LINGUÍSTICA GERAL

ser humano. Uma compreensão sobre a linguagem e as línguas


está presente nos textos bíblicos, como é o caso da explicação
da origem dos vários idiomas conhecida pela Torre de Babel que
ilustra o que está sendo dito aqui.

5 Porém, a linguística, como é conhecida hoje, e como será


apresentada neste texto, teve início no começo do século XX.
Trata-se da linguística entendida como uma ciência, a ciência da
linguagem, ou o estudo científico da linguagem. Neste sentido,
pode-se falar da linguística como uma ciência recente (Cabral,
10 1976; Martinet, 1978; Orlandi, 2002; Petter, 2002).

1 REVISÃO HISTÓRICA

1.1 A gramática tradicional


“... é o ponto de vista que cria o
objeto...” (Saussure, 1973, p. 15)
1.1.1 O ponto de vista da gramática tradicional: análise
prescritiva

Nos livros de introdução à linguística, é muito comum


encontrar-se um capítulo ou pelo menos algumas páginas
dedicadas à história da linguística, que parecem ter sempre o
objetivo de mostrar como se chegou aos estudos científicos
15 do fenômeno da linguagem e, portanto, separados do senso
comum, de um lado, ou dos estudos filosóficos, de outro.

Referir-se aos estudos no plural aqui é intencional para,


desde o início, conscientizar o leitor de que na linguística, tão
bem quanto em outras ciências, não existe uma única explicação
20 entendida como a verdadeira, mas são encontradas diversas
e distintas explicações, no caso, para a linguagem humana, e
diversas e distintas análises da língua. Esses estudos pertencem
todos à mesma ciência, pois se dedicam ao mesmo fenômeno,
a linguagem humana, e partilham algumas ideias comuns, que
25 serão apresentadas a seguir. Distintas e diversas explicações são
resultantes de perspectivas diferentes sobre as quais o fenômeno
é analisado.

3
Unidade I

Um exemplo desses chamados livros de iniciação à linguística


“A gramática tradicional, como
é o do linguista John Lyons, autor conhecido e reconhecido na tantas outras das nossas tradições
área que, em obra traduzida e publicada no Brasil em 1979, acadêmicas, remonta à Grécia do séc.
dedica 38 páginas do primeiro capítulo do livro para tratar desse V a.C. Para os gregos, a ´gramática` foi
desde o início uma parte da ´filosofia`,
5 assunto em perspectivas que antecedem o que ele denomina de
isto é, era uma parte da sua indagação
“a linguística moderna”. A linguística, ou os estudos da linguagem geral sobre a natureza do mundo que os
dos tempos antigos, o autor chama de “gramática tradicional”, cercava e das suas instituições sociais”
a gramática que é objeto de especulações dos filósofos gregos (Lyons, 1979, p. 4)
do século V a.C. na busca de compreensão sobre o homem e o
10 mundo em que viviam.

Muitos dos debates ou conceitos da linguística moderna,


bem como muitos termos ligados ao estudo da linguagem ou
das línguas como são analisadas hoje, e que serão vistos ou
usados no decorrer deste texto, encontram suas bases nessas
15 discussões filosóficas; exemplos dessas indagações são:

• Há alguma relação natural entre o significado de uma


palavra e a forma dessa mesma palavra?
• Qual é a origem da língua/ das línguas?
• Existe regularidade nas línguas?
• Todas as línguas terão palavras para os mesmos conceitos
(mesmo que essas palavras não sejam as mesmas)?
“A gramática de Dionísio, o Trácio
A palavra “metáfora” é um exemplo de termos introduzidos (fim do séc. II a.C.), foi, que saibamos,
pelos filósofos gregos que acreditavam que o “significado de a primeira descrição gramatical ampla
uma palavra podia estender-se em virtude de alguma conexão e sistemática publicada no mundo
ocidental. Além das quatro partes do
natural entre o sentido original e a aplicação secundária”, como discurso, reconhecidas pelos estoicos,
20 em “boca”, “embocadura” (Lyons, op. cit., p. 5). Outros exemplos Dionísio acrescentou também o
de termos que vieram da gramática grega a.C. são as palavras advérbio, o particípio (assim chamado
porque ele ´participa`, ao mesmo
“substantivo” e “adjetivo”. (Lyons, op. cit., p. 11).
tempo, das características nominais e
das verbais), o pronome e a preposição.”
Ao se viajar pela história dos estudos da linguagem, (Lyons, 1979, p. 12).
chega-se a um período, três séculos antes de Cristo, quando
25 começam a florescer as ideias que permanecem, ainda hoje,

4
LINGUÍSTICA GERAL

na base da formação da grande maioria dos estudantes do


ensino fundamental e médio na disciplina de língua portuguesa
e as ideias que resultam no chamado preconceito linguístico,
como serão abordadas a seguir. É com essa visão de gramática
5 tradicional do período alexandrino (século III a.C.) que a
abordagem moderna de linguística rompe, como foi dito na
apresentação deste texto. “Essa abordagem do estudo da
língua cultivada pelo classicismo
alexandrino envolvia dois erros fatais
Conforme se lê em Lyons (p. 9), a língua escrita sempre foi de concepção. O primeiro diz respeito
o foco de interesse dos antigos estudiosos da linguagem, que à relação entre língua oral e falada, e o
10 eliminavam as diferenças entre a língua oral e a língua escrita, segundo, à maneira como a língua evolui.
Podemos colocá-los, ambos, dentro do
tendendo sempre a favor da segunda (da língua escrita). Essa que chamarei “o erro clássico` no estudo
abordagem foi ainda mais reforçada pelos alexandrinos que, do da língua.” (Lyons, 1979, p. 9)
interesse pelas grandes obras literárias clássicas, cultivaram ideias,
hoje consideradas erradas, de que a língua escrita é superior
15 à língua falada, e de que a evolução/mudanças operadas nas
línguas podem deteriorá-la. Assim, pessoas cultas manteriam a
pureza das línguas, enquanto os ignorantes e iletrados tenderiam
a corrompê-la. Lyons (1979, p. 9) refere-se a essas ideias como
“dois erros fatais de concepção”.

20 Os gramáticos romanos fundamentaram seus estudos e escritos


nos gramáticos gregos, mantendo a abordagem errada de descrição “Os gramáticos romanos seguiram
linguística que tomava a língua escrita dos considerados melhores os modelos gregos não apenas nas
suas doutrinas gerais acerca da língua,
escritores clássicos, como Cícero e Virgílio, como a correta e, em
mas também em questões de detalhe.”
consequência, dedicaram-se à tarefa de descrever gramáticas com (Lyons, p. 13)
25 o objetivo principal de ensinar a arte de falar corretamente. Essa foi
a visão de gramática e de estudo da linguagem que permaneceu
durante a Idade Média, seguiu durante o século XVII e que ainda se “...o estudo da gramática nos
vê em muitas gramáticas ditas atuais. departamentos de línguas de nossas
escolas tendem ainda para o espírito
clássico.” (Lyons, 1979, p. 17)
Essa “ideia tradicional da primazia da língua escrita” (Lyons,
30 op. cit., p. 14) sobre a falada foi reforçada na Europa durante
a Idade Média, com o surgimento de manuais de ensino do
latim escrito; na época, a língua da liturgia, das Escrituras, da
diplomacia, da erudição e da cultura, continuando na Renascença
e nos séculos seguintes.

5
Unidade I

Do que foi apresentado sobre a gramática tradicional acima,


“O estudo comparado das línguas
devem-se destacar duas ideias muito importantes para as vai evidenciar o fato de que as línguas
discussões que se seguem e para a formação de todos aqueles se transformam com o tempo,
interessados em estudar a linguagem. São elas: independentemente da vontade dos
homens, seguindo uma necessidade
própria das línguas e manifestando-se
• a ideia de que a língua escrita é superior e mais correta de forma regular.“ (Petter, 2002p. 12)
do que a língua falada.

• a ideia de que as mudanças observadas sejam frutos de


um processo de deterioração ou corrupção das línguas.

5 Essas duas afirmações trazem como consequência uma visão


prescritiva de gramática. Em outras palavras, uma abordagem de
gramática como um conjunto de regras que deve ser obedecido
pelos falantes para escreverem e, mais importante ainda, falarem
corretamente. Um conjunto de regras construído com base em
10 análises da língua escrita.

Essas duas afirmações começam a ser negadas a partir


da linguística comparativa, um princípio de estudo científico
da linguagem como será visto a seguir. Apesar disso, é de tal
monta a força dessa abordagem prescritiva que até hoje se faz
15 sentir e está muito presente em várias abordagens de ensino de
línguas, em especial da língua materna, resultando no chamado
preconceito linguístico e em um parco conhecimento do
funcionamento da língua pelas pessoas em geral, mesmo depois
de muito tempo de vida escolar.

20 Assim como a gramática tradicional greco-romana, a análise A análise gramatical greco-romana


também foi utilizada para a descrição
gramatical de tradição hindu, mais especificamente, Pãnini, de línguas não europeias, como o
gramático hindu do século IV a.C., também exerceu influência no armênio, árabe, hebraico, mesmo antes
desenvolvimento da linguística como é conhecida atualmente. da Renascença. (Lyons, 1979, p. 18)
Apesar de essa gramática ter sido desenvolvida com o objetivo
25 principal de descrever de forma acurada e precisa os textos
hindus sagrados, escritos em Sânscrito, em séculos anteriores,
a gramática de Pãnini pode ser vista como uma gramática

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LINGUÍSTICA GERAL

da língua de seu tempo, que foi muito superior à gramática


“(...) a gramática do sânscrito de
greco-romana (Lyons, op. cit.), principalmente no que se refere Pãnini tem sido apresentada como
aos estudos fonéticos, ou dos sons da língua, e no que se refere muito superior a qualquer gramática
ao estudo da estrutura interna das palavras. que já tenha sido escrita sobre qualquer
língua” (Lyons, 1979, p. 20).

5 Comparando o sânscrito ao grego e ao latim, Sir William


Jones (1786) declarou que essas línguas mostravam

(...) tanto nas raízes dos verbos como nas formas


gramaticais, uma afinidade tão grande que não seria
possível considerá-la casual: tão forte, em verdade,
10 que nenhum linguista poderia examiná-la sem crer
que se tinham originado de uma fonte comum que
talvez não mais exista (apud Lyons, op. cit., p. 24).

A descoberta da análise gramatical hindu do sânscrito levou


ao desenvolvimento da linguística comparativa, ou linguística
15 histórica, no século XIX. A linguística comparativa deu início à
investigação cuidadosa e objetiva dos fatos da língua, explicados
por hipóteses indutivas e de acordo com a concepção do
que se poderia chamar de ciência da época. Fizeram-se essas
investigações sobre a estrutura das línguas europeias que foram
20 comparadas à estrutura descrita do sânscrito, resultando na
identificação de semelhanças entre várias línguas. A descoberta
dessas semelhanças levou à construção de uma hipótese sobre
a origem das línguas, ou melhor, uma hipótese de que línguas
europeias e a língua indiana tivessem se originado da mesma
25 língua-mãe, que foi a denominada língua indo-europeia.

O indo-europeu é uma família linguística que engloba


a maior parte das línguas europeias antigas e atuais. Família,
pois existe uma relação de parentesco entre as línguas que a
constituem. A relação de parentesco é estabelecida em função
30 das semelhanças observadas que, em geral são de dois tipos:
semelhanças de vocabulário e semelhanças de estrutura
gramatical. Costuma-se dizer que quando duas ou mais línguas
são aparentadas é porque evoluíram de uma língua precedente

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Unidade I

comum (Lyons, 1979). A língua portuguesa pertence ao grupo


ou ramo itálico, com cerca de 550 milhões de falantes em todo
o mundo, junto de outras línguas como o galego, espanhol,
catalão, francês, italiano, romeno e outras.

Português
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau,
Falado em Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-
Leste, como língua oficial, e em cerca de 18 outros
países.
Total de falantes 230 milhões (aproximadamente)
6ª como língua nativa ou segunda língua;
Posição
5ª como língua nativa
Classificação
genética: Indo-europeia > itálica > português

Adaptado de <htttp://pt.wikipedia.org>.
Acesso em: 20/02/2007.

5 Ao descreverem a estrutura das línguas e com o objetivo


de chegarem a essa língua-mãe, da qual se teriam originado
todas as outras dessa família linguística, os linguistas da época
também estudaram as transformações que teriam levado essas
línguas às diferenças identificadas naquele momento. Com isso,
10 também desenvolveram uma “teoria geral das transformações
linguísticas” (Lyons, op. cit., p. 22), que resultou em outra
abordagem de mudança linguística. Esse tema será mais
desenvolvido em outro momento deste texto.

Em resumo, essas foram as duas grandes contribuições


15 da linguística histórica ou comparativa do século XIX para os
“A maioria das línguas da Europa
estudos da linguagem:
e da Ásia pertencem à mesma família
linguística” (Lyons, 1979, p. 21)
• O desenvolvimento de princípios e métodos para a
identificação e classificação das famílias linguísticas.

• A construção de uma teoria geral das transformações


linguísticas e das relações entre as línguas (conforme
Lyons, 1979, p. 22).

8
LINGUÍSTICA GERAL

“Um dos efeitos mais imediatos e mais importantes da


preocupação do século XIX com a evolução das línguas foi a
observação de que as modificações das formas das palavras e
das locuções, nos textos antigos e nas inscrições antigas em
geral, se podiam explicar com base em mudanças atestadas
ou postuladas na correspondente língua falada (de acordo
com as ‘leis fonéticas’)” (Lyons, 1979, p. 34).

1.2 A linguística: a visão científica dos estudos


linguísticos – ciência social/humana, empírica,
objetiva, descritiva e explicativa

1.2.1 Prioridades dos estudos linguísticos: língua/fala;


língua oral/língua escrita; análise descritiva/prescritiva;
estudos sincrônicos/diacrônicos

A linguística como é conhecida hoje, linguística moderna


por Lyons (1979), com o estatuto de ciência, ou estudo científico
da linguagem, nasceu no início do século XX, após a publicação
de um livro, em 1916, intitulado Curso de Linguística Geral, que
5 trazia uma recriação das anotações de aulas (anotações dos
alunos, conforme Charles Bally e Albert Sechehaye no prefácio
à primeira edição de junho/1915) ministradas pelo então já
falecido linguista suíço Ferdinand Saussure (1857 – 1913).

Dar à linguística o estatuto de ciência social ou ciência


10 humana diz de seu objeto de estudo, a linguagem verbal humana,
entendida como uma capacidade do ser humano e da vida em
sociedade, entendendo por linguagem verbal tanto a linguagem
oral quanto a linguagem escrita, já se chamando a atenção para o
que será visto mais a frente a respeito da primazia da linguagem
15 oral sobre a linguagem escrita nos estudos dessa ciência.

Trata-se de uma ciência “empírica porque trabalha com


dados verificáveis por meio da observação” (Petter, 2002, p.
21). Trata-se de uma ciência objetiva e descritiva, pois examina,

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Unidade I

analisa e descreve os fatos linguísticos como eles são, como


se apresentam, sem especulações sobre o certo ou o errado,
sobre o que deveriam ou não ser (Petter, p. 21). Trata-se de uma
“O dever primordial do linguista é
ciência explicativa porque procura explicações para os fatos e
descrever o modo como as pessoas
5 fenômenos linguísticos observados. falam (e escrevem) realmente sua língua
e não preceituar como elas deveriam
À gramática tradicional não se está atribuindo o estatuto de falar e escrever” (Lyons, 1979, p. 43).
ciência, pois seus estudos se baseavam em especulações sobre o
certo e o errado nas línguas e não em comprovações empíricas
e objetivas daquilo que de fato acontece. É o certo e o errado a
10 partir de um padrão previamente estabelecido que representa
um determinado ponto de vista. Assim, a gramática tradicional,
está pautada em uma orientação prescritiva, normativa, da
língua enquanto a linguística privilegia a descrição e explicação
dos fenômenos linguísticos tal como eles se apresentam na
15 língua falada pelas pessoas.

Uma outra ruptura da orientação linguística com relação à


orientação da gramática tradicional diz respeito ao modo como as
mudanças observadas nas línguas são interpretadas. Como já foi dito,
para a gramática tradicional, toda e qualquer mudança por se afastar
20 do padrão estabelecido como correto implica, necessariamente,
corrupção ou deterioração da língua. Para a linguística, no
entanto, as línguas são vivas e, consequentemente, estão sujeitas a
transformações. Nas palavras de Lyons (1979, p. 43):

Temos de admitir que todas as línguas vivas são por


25 natureza sistemas de comunicação eficientes e viáveis
que servem a diferentes e variadas necessidades
sociais das comunidades que as usam. Como essas
necessidades mudam, as línguas tenderão a mudar
para satisfazer às novas condições.

30 Nesse sentido, a pretensão de impedir que as línguas se


transformem é a mesma pretensão de impedir que as sociedades
se modifiquem. Cabe ressaltar, ainda, que isso se aplica também
ao padrão literário em que se baseiam os gramáticos tradicionais,

10
LINGUÍSTICA GERAL

pois “o próprio padrão literário está sujeito a transformações”


“A verdade é que todas as línguas
(Lyons, 1979, p. 43). estudadas até agora, não importa quão
´atrasado` ou ´inculto` seja o povo que
Conceder à linguística o estatuto de ciência autônoma é as fale, provaram nas pesquisas serem
um sistema de comunicação complexo
um outro sinal de rompimento entre a linguística e a gramática e altamente desenvolvido” (Lyons,
5 tradicional. A gramática tradicional esteve sempre ligada à filosofia 1979, p. 44).
e à crítica literária e, por essa razão, acabou por dar maior valor à
linguagem escrita sobre a linguagem oral (Os pensadores, 3ª. ed.,
1985); em consequência, eram atribuídos juízos de valor entre as
manifestações de linguagem, que poderiam ser consideradas certas
10 ou erradas quanto mais se aproximassem ou se distanciassem dos
chamados textos escritos clássicos.

A linguística moderna, por seu lado, toma a linguagem humana


por objeto de análise, destituindo-se de todos os seus preconceitos
sociais ou culturais. Como se pode ler no Curso de Linguística Geral
15 (1973),

“A matéria da linguística é constituída inicialmente por


todas as manifestações da linguagem humana quer
se trate de povos selvagens ou de nações civilizadas,
de épocas arcaicas, clássicas ou de decadência...”
20 (Saussure, 1973, p. 13).

Ressalte-se, entretanto, que a linguística tem por objetivo


descrever e explicar a linguagem que se manifesta através das
línguas naturais. Não cabe à linguística o estudo de outras
formas de expressões ou outras linguagens tais como a pintura,
25 a dança, a música, a mímica.

“A linguística (...) distingue-se da gramática tradicional,


normativa. Ela não tem, como esta gramática, o objetivo de
prescrever normas ou ditar regras de correção para o uso da
linguagem. Para a linguística, tudo o que faz parte da língua
interessa e é matéria de reflexão.

Mas não é qualquer espécie de linguagem que é objeto


de estudo da linguística: só a linguagem verbal, oral ou
escrita” (Orlandi, 2002, p. 10).

11
Unidade I

A linguística moderna estabelece a primazia da


linguagem oral sobre a linguagem escrita.

Um dos princípios do estudo científico da linguagem, ou


da linguística, é o da prioridade da linguagem falada sobre a
linguagem escrita. Isso se justifica por vários aspectos, dentre os
quais podemos citar:

• Há registros de comunidades que possuem ou possuíam “O turco falado não sofreu alteração
em virtude da substituição do alfabeto
um sistema de língua oral e não de língua escrita. O
árabe pelo latino em 1926” (Lyons,
inverso não é verdadeiro. 1979, p. 39).
• Disso resulta que a língua oral é mais difundida que a
língua escrita.
• A língua oral precede a língua escrita na história da
sociedade humana.
• Todos os sistemas de escrita baseiam-se em unidades da
língua oral: nos sons, os sistemas de escrita alfabéticos
(como da escrita no Brasil); nas sílabas, os sistemas
silábicos; e nas palavras, os sistemas ideográficos.
• Ao mesmo tempo, não existe uma correlação direta
entre o sistema da língua oral e o da língua escrita.
• Bem como não há uma correlação direta entre as
unidades da língua oral e da língua escrita, como
indicam as várias letras para um mesmo som, ou uma
mesma letra para vários sons.
• A língua oral tende a transformar-se muito mais
rapidamente do que a língua escrita e, com isso, a
diferença entre os dois sistemas vai tornando-se cada
vez maior.
• A criança, em condições naturais de desenvolvimento,
primeiro apresenta a linguagem oral para depois
aprender a linguagem escrita.
• A língua natural é aprendida em condições naturais, a
língua escrita necessita de condições especiais (a escola,
por exemplo).

12
LINGUÍSTICA GERAL

Para exemplificar a diferença entre língua oral e língua


escrita, tomando apenas a escrita do português brasileiro e no
que se refere à diferença entre som e letra, temos:

A letra “x” para representar os sons sublinhados das


palavras:

• auxílio: como o som da primeira consoante da palavra


“sino”;
• exemplo: como o som da primeira consoante da palavra
“zero”;
• xícara: como o som das primeiras consoantes da palavra
“chácara”.

O som [s] representado pelas letras:

• “s” = “sapo”;
• “x” = “auxílio”;
• “c” = “cebola”;
• “ss” = “cassino”;
• “ç” = “exceção”;
• “z” = “paz” (não seguida de vogal).

Do exposto acima, percebe-se, então, que a linguística tem


5 por objetivo a compreensão da linguagem humana, dando
prioridade à análise descritiva e explicativa da língua oral como
ela é verdadeiramente falada pelas pessoas, sem perder de vista
o fato de que essa língua está em constante transformação, o
que remete à diferença entre esta linguística, que teve início
10 com Saussure, e a linguística histórica ou comparativa.

A linguística moderna estabelece a prioridade dos


estudos sincrônicos sobre os estudos diacrônicos.

13
Unidade I

Encontramos aqui uma outra prioridade nos estudos


linguísticos: a prioridade dos estudos sincrônicos em relação
aos estudos diacrônicos. A distinção entre estudo diacrônico
e estudo sincrônico foi estabelecida por Saussure. Por estudo
5 diacrônico entende-se o estudo, a análise de uma língua em
seu processo de transformações históricas. Ou seja, o estudo de
uma língua por meio de sua evolução histórica. Assim foram os
estudos da linguística histórica ou comparativa, do século XIX,
como exposto acima.

10 Para Saussure, a linguística deveria centrar suas


atenções na descrição de um estado de língua, ignorando as
transformações que a antecederam e as que se sucederão.
O estudo sincrônico é o estudo de uma língua em um
determinado período, como se fosse estática, ignorando suas
15 transformações.

Um estudo diacrônico e um estudo sincrônico


exemplificam o que foi mencionado anteriormente sobre
dois pontos de vista diferentes sobre um mesmo objeto. Nos
dois casos estamos falando de análise linguística, ou análise
20 de fenômenos linguísticos. Fiorin (2002) ilustra bem essa
diferença entre estudo diacrônico e sincrônico apresentando
o exemplo:

Tome-se a palavra “comer” da língua portuguesa:

• Em uma análise sincrônica, verifica-se que o “com”


é um elemento linguístico que se define em relação a
outros elementos linguísticos do português brasileiro.

Assim, ao se constatar que esse elemento aparece


em outros contextos como “comilança”, “comida”,
“comeu” verifica-se que ele se define como uma radical.
Entendendo-se por radical aquele elemento da estrutura das
palavras cognatas que expressa um significado comum.

14
LINGUÍSTICA GERAL

• Em uma análise diacrônica, verifica-se que o verbo


“comer” resulta da combinação do verbo comer em
latim “edere”, em que ed é o radical, e o prefixo cum
que significa companhia. Assim:

cum + edere > cumedere > comer, na língua


portuguesa.

Disso se conclui que do ponto de vista da análise diacrônica,


o com de “comer” é um prefixo (Fiorin, 2002, p. 79).

Em resumo, no estudo sincrônico o elemento linguístico


(“com”, no exemplo acima) está sendo definido na relação que
ele estabelece com os outros elementos da língua naquele estado
de língua, ou naquele estado em que a língua se apresenta
5 naquele dado ponto do tempo. No estudo diacrônico, o elemento
linguístico (o mesmo “com”) está sendo definido em relação aos
elementos linguísticos que o antecederam ou sucederam em
diferentes pontos na linha do tempo.

“Um estado absoluto define-se pela ausência de


transformações e como, apesar de tudo, a língua se
transforma, por pouco que seja, estudar um estado de língua
vem a ser, praticamente, desdenhar as transformações
pouco importantes, do mesmo modo que os matemáticos
desprezam as quantidades infinitesimais em certas
operações, tal como no cálculo de logaritmos” (Saussure,
1973, p. 118).

Ainda, para deixar bem claros esses dois conceitos, pode-se


10 pensar em outro exemplo, como é a palavra “você”, analisada
em relação aos outros elementos do estado de língua atual
(sincronia), ou analisada a partir de suas transformações
(diacronia) vindo de “vossa mercê”, passando por “vossemecê”
e “vosmecê” até chegar em “você”. Reflita o leitor sobre esse
15 exemplo, para perceber que – na forma atual – “você” é usado

15
Unidade I

pelos falantes para se dirigir à pessoa com quem falam em


situações de informalidade ou que exprimem informalidade
entre o falante e seu interlocutor. A análise sincrônica considera
esse uso.

5 Por outro lado, analisando-o de um ponto de vista diacrônico,


verifica-se que as formas que o antecederam eram usadas em
situações mais formais, como os demais pronomes de tratamento,
naquelas situações que exprimem um distanciamento formal
entre o falante e seu interlocutor. Isso explica o fato de o pronome
você ser usado com verbos conjugados na terceira pessoa (como
pedem os pronomes de tratamento) e não na segunda pessoa:

Verbo “comer”:


2ª. pessoa: tu comes


Você come
3ª. pessoa: ele come.

O estudo sincrônico caracteriza-se, assim, como a análise/


descrição de um estado da língua em determinado momento
no tempo, seja esse tempo o presente ou o passado. E este é o
10 estudo que deve ser priorizado na linguística. Note-se que ser
prioritário não significa ser exclusivo; o que explica o fato de a
linguística ter continuado com seus estudos históricos também.
Aliás, convém ressaltar que os estudos da linguística histórica
podem auxiliar nas análises dos usos que os falantes fazem da
15 língua em um estado particular.

A possibilidade e a orientação para a descrição de um estado


de língua, sem recorrer às suas transformações históricas, está
intimamente relacionada à concepção da linguística conforme
a visão de Saussure de que “toda língua, num certo tempo,
20 constitui um sistema integrado de relações”, ou, em outras
palavras, toda língua é um “sistema de relações” (Lyons, 1979).

16
LINGUÍSTICA GERAL

Pode-se ilustrar a definição de sistema utilizando-se a


metáfora de um relógio:

Se um relógio for desmontado, encontram-se as várias


peças que formam seu mecanismo. Essas peças soltas estão
constituindo um “conjunto de peças de relógio”. Para que
esse conjunto de peças forme o mecanismo de um relógio,
propriamente dito, e funcione como tal, há necessidade de
se organizar essas peças, umas em relação com as outras,
de acordo com um esquema muito bem definido. Uma peça
fora do lugar e todo o funcionamento do relógio se altera.

Sistema, portanto, é um conjunto organizado de elementos


que interagem. A interação é fruto da relação que se estabelece
5 entre os vários elementos.

Saussure e a metáfora do jogo de xadrez

Saussure utiliza-se da metáfora do jogo de xadrez para


explicar seu conceito de língua como sistema de relações e que
pode ser descrita no estado em que se apresenta a partir de uma
10 análise sincrônica. Em um jogo de xadrez, a cada movimento de
uma das peças é possível descrever seu novo estado, ou seja:
suas peças, a posição que ocupam naquele momento e como
se inter-relacionam. Cada peça se define a partir da relação que
estabelece com as demais peças do tabuleiro e dos movimentos
15 que pode realizar no jogo.

Transpondo-se essa imagem para a língua, toda língua é


constituída de um conjunto organizado de elementos linguísticos
– seus sons, seus morfemas, suas palavras, para citar alguns, que
se relacionam entre si e com os outros elementos, de acordo com
20 regras de combinação bem definidas, constituindo seu sistema
linguístico.

A descrição do estado de língua, com os elementos


que o constituem e as inter-relações que se estabelecem, é

17
Unidade I

uma explicação de seu funcionamento. Esta afirmação está


relacionada a outra primazia ou prioridade dos estudos da
linguística moderna que deve seu nascimento a Saussure. Trata-
se da primazia da língua sobre a fala.

A linguística moderna estabelece a prioridade dos


estudos da língua sobre a fala.

5 Apesar de no início deste texto ter sido dito que o objeto de


estudo da linguística é a linguagem humana, veja que Saussure,
ao definir a linguística como uma ciência, estabeleceu o objeto
de estudo da linguística como sendo a língua e não a fala,
mesmo que para descrever a primeira (a língua) o linguista tenha
10 necessidade de recorrer à segunda (a fala), pois é por meio desta
última que tem acesso à anterior. As razões para essa distinção
por Saussure serão apresentadas a seguir.

Saussure estabelece a língua como objeto de estudo da


linguística, considerando que a língua é do âmbito do social.
Ela, a língua, é o que possibilita a comunicação entre as
pessoas, pois pertence à coletividade.

A língua é uma espécie de acordo entre todos os membros de


uma comunidade linguística que a utiliza. Assim, nenhum integrante
15 dessa coletividade, individualmente, pode transformá-la. Toda e
qualquer alteração linguística deve ser aceita pela coletividade
para que possa ser incorporada pela língua e dela fazer parte.
Afinal, a língua pertence à coletividade e não pertence a ninguém
individualmente. Basta lembrar-se que quando as pessoas nascem,
20 a língua já está lá. Ela já existe. Ela pode ser descrita e analisada
em si mesma, sem a necessidade de recorrer a nenhum outro fator
que não seja da ordem do linguístico.

A fala é da ordem do individual.

E, por ser a fala individual, ela está sujeita a uma série de


interferências de fatores não linguísticos, que podem alterá-

18
LINGUÍSTICA GERAL

la, transformá-la. Fatores não linguísticos como são os fatores


emocionais, sociais, físicos ou outros. Sujeita a fatores não
linguísticos, foge da alçada da investigação linguística, ou se
torna secundária nesta ciência.

A língua é o sistema a ser descrito. A fala é o uso individual


e momentâneo desse sistema.

5 Do que se conclui:

O estudo da linguagem comporta, portanto, duas


partes: uma, essencial, tem por objeto de estudo a
língua, que é social em sua essência e independe do
indivíduo; esse estudo é unicamente psíquico; outra,
10 secundária, tem por objeto a parte individual da
linguagem, vale dizer, a fala, inclusive a fonação e é
psicofísica (Saussure, 1973, p. 27).

Lyons (1979) resume o que foi dito sobre a prioridade da


língua sobre a fala nos estudos linguísticos, dizendo:
“(...) os fatos de língua podem ser
15 Por enquanto, contentemo-nos com afirmar que todos estudados separadamente dos fatos de
os membros de uma comunidade linguística (todos fala” (Pietroforte, 2002, p. 84).
aqueles que falam uma determinada língua, por exemplo,
o português) produzem, quando falam essa língua,
enunciados que, a despeito de suas variações individuais,
20 podem ser descritos por um sistema específico de regras
e de relações: em certo sentido, esses enunciados têm
a mesma característica estrutural. Os enunciados são
exemplos de fala que o linguista toma como evidência
para a construção da estrutura comum subjacente: a
25 língua. Portanto, o que o linguista descreve é a língua, o
sistema linguístico (Lyons, 1979, p. 52).

Os conceitos de língua, fala e linguagem, e como se


inter-relacionam, serão retomados a seguir durante a
apresentação dos conceitos básicos do estruturalismo, pois esta

19
Unidade I

perspectiva de análise linguística já começa a se fazer sentir


muito presente nas citações acima.

A conceituação da linguística moderna, como foi feita nos


momentos iniciais da sua constituição como ciência, pode, a
5 partir do exposto acima, ser resumida no quadro que segue:

Quadro I – Conceituação inicial da linguística moderna

Ciência da linguagem
verbal humana social / humana, empírica.

Método de análise descritivo


linguagem oral
Prioridades dos estudos
linguísticos estudo sincrônico
língua
Objeto de estudo língua

Levanta-se, a partir desta conceituação de linguística, a pergunta


sobre o quanto e em quais aspectos essa mudança de abordagem
nos estudos da linguagem humana, afastando-se da orientação de
10 uma gramática tradicional, pode afetar ou interferir no processo de
ensino de língua materna ou de língua estrangeira, remetendo o
leitor para o próximo item desta discussão. É importante salientar
que este próximo item tem por objetivo levar o leitor a refletir
sobre esse assunto, ou sobre a aplicação dos preceitos da linguística
15 moderna no ensino de línguas, seja da língua materna seja da
língua estrangeira. Não é objetivo deste texto, portanto, apresentar
respostas, como mais um manual de ensino.

2 CONTRAPOSIÇÃO/IMPLICAÇÕES DA MUDANÇA
DE ABORDAGEM DA GRAMÁTICA TRADICIONAL “Todas as línguas vivas são por
PARA A LINGUÍSTICA PARA O ENSINO DE LÍNGUA natureza sistemas de comunicação
MATERNA E LÍNGUA ESTRANGEIRA eficientes e viáveis que servem a
diferentes e variadas necessidades
sociais das comunidades que as usam”
Retome-se, no quadro II abaixo, as principais distinções (Lyons, 1979, p. 43).
entre a gramática normativa e a linguística moderna, como
20 apresentado abaixo:

20
LINGUÍSTICA GERAL

Quadro II – Gramática tradicional X linguística


moderna

Gramática tradicional Linguística moderna


Especulativa. Ciência.
Prescritiva. Descritiva e explicativa.
Prioridade da língua escrita. Prioridade da língua oral.
As línguas não mudam, as línguas
As línguas sofrem deterioração ou evoluem, independente da vontade
corrupção provocadas pelo mau uso de seus falantes.
de seus falantes, principalmente, os
ignorantes ou iletrados. Nenhum falante individualmente
pode mudar a língua.
A língua escrita literária é mais pura Não existe língua melhor ou pior,
e mais correta que qualquer outra mais correta ou mais errada, mais
forma. pura ou impura.
É objetivo do gramático escrever as É objetivo do linguista descrever e
regras de bom uso, de uso correto da explicar os fatos da língua como eles
língua para preservá-la de qualquer se apresentam.
corrupção.

Do fato da gramática tradicional ser tida como especulativa e


a linguística moderna ser uma ciência decorrem todas as outras
5 diferenças. Embora a gramática tradicional não corresponda à
“língua viva”, a maioria das escolas, principalmente no Ensino
Fundamental e Médio, se apoia na gramática tradicional nas
aulas de língua portuguesa. Disso resulta que:

Os alunos têm uma visão deturpada do que seja a língua


portuguesa e do que seja estudar a língua portuguesa. Para
eles, estudar a língua portuguesa significa:

• aprender a falar “português”, desconsiderando tudo o que


sabem e que demonstram fazer ao usarem sua língua;
• aprender algo que é totalmente distinto daquilo que
conhecem e fazem uso em praticamente todas as
situações de sua vida diária e que ouviram desde os
primeiros momentos de sua vida (se não antes, ainda no
ventre materno);
• aprender um conjunto de regras para que possam falar
e escrever corretamente; e, principalmente, para muitos,
significa:
• ter menosprezada a sua variedade linguística e, em
consequência, seu grupo social.

21
Unidade I

Essa visão deturpada aparece em falas do tipo: “não sei


português”, “eu falo errado” ou “as pessoas falam errado”, ditas
por pessoas que têm como língua materna o português brasileiro.
Ou ainda, se questionados sobre o que conhecem de sua língua,
5 apresentam uma lista das categorias gramaticais, como verbo,
pronome, adjetivo. Muitos demonstram surpresa ao serem
perguntados sobre os sons de sua língua, apresentando como
resposta todas as letras do alfabeto.

O resultado é um aluno, na maioria das vezes,


desmotivado para as aulas de língua portuguesa.

O professor, por sua vez, assume o papel do gramático e


10 transforma seu ensinar língua portuguesa em ensinar as regras
do bom uso da língua, ou do seu uso correto, conforme está
nos vários livros de gramática, para salvá-la de uma possível
deterioração ou corrupção causada pelo mau uso que os incultos
ou ignorantes fazem dela, que já é um equívoco, pois sem qualquer
15 embasamento científico frente ao que foi exposto acima.

Note-se que a palavra “gramática”, no contexto do ensino de


línguas e da gramática normativa, pode ser entendida como se
referindo a “um tipo de livro onde se encontram regras do que se
deve e do que não se deve dizer, ao lado de uma análise de certas
20 estruturas sintáticas de uma língua e uma classificação de suas
formas morfológicas e léxicas. Trata-se, portanto, do produto do
trabalho de gramáticos, em sua dupla função de prescrever o
que se deve usar e de analisar as formas encontradas na língua
padrão”. (Perini, 1976, p. 20)

25 Nos estudos da linguística descritiva essa palavra –


“gramática” assume dois outros significados:

1. a estrutura da língua conhecida pelos falantes ou o


conhecimento internalizado da língua que o falante
demonstra nas várias situações de uso; e
2. o resultado da análise linguística ao descrever e explicar
o funcionamento de determinada língua, que, por sua
vez, deve ser empiricamente comprovado pelo que está
no primeiro item acima (Perini, op. cit.).

22
LINGUÍSTICA GERAL

Nesse sentido, ensinar a gramática de uma língua seria


“O ensino da língua materna
levar o aluno, dentre outras questões e apenas para citar alguns deve sobretudo ensejar que as
objetivos, a: crianças compreendam a estrutura, o
funcionamento, as funções da língua
– instrumento de comunicação –, com
• refletir sobre a língua; todas as suas variedades, sociais,
regionais e situacionais” (Carboni,
• reconhecer (e não aprender) suas partes constituintes; 2003).

• reconhecer (e não aprender) suas regras naturais;


• reconhecer as variedades linguísticas e aceitá-las como
diferenças;
• reconhecer a sua variedade linguística dentre todas as
outras;
• reconhecer seus variados usos e seus contextos de
produção;
• aprender a fazer uso de variedades linguísticas diferentes
em conformidade com as diferentes situações etc.

Isso mais especificamente no que diz respeito à língua


5 oral, pois a língua escrita exige ainda uma outra série de
considerações, haja vista ser totalmente nova para o aluno
em seus primeiros anos escolares, e ser o primeiro contato da
criança com a língua como objeto exterior a ela (Genouvrier
& Peytard, 1974).

10 Essa última consideração aponta para a necessidade de


o professor compreender esses dois sistemas, o escrito e o
oral, em toda sua dialética, o que não cabe discutir aqui;
entretanto, chama-se a atenção para um outro aspecto que
merece alguma consideração, ou seja, ao mesmo tempo que
15 o aluno tem a sua primeira reflexão sobre a língua por meio
do texto escrito, ou da aprendizagem da língua escrita, toda
sua intuição a respeito dela se formou a partir de seu uso
oral.

23
Unidade I

Isso remete para a indagação, deixada aqui para o leitor tirar


suas próprias conclusões, sobre a real possibilidade do ensino
da língua portuguesa pelo professor sem que ele não tenha um
conhecimento preciso de seu funcionamento, como aquele que
5 a linguística pode proporcionar-lhe.

2.1 Contraposição entre a visão tradicional e a


visão linguística

Vamos observar as diferenças entre a visão tradicional e a


linguística no processo de identificação e análise das variedades
linguísticas situacionais, regionais e socioculturais. Restringir o
ensino de línguas à gramática normativa equivale a ignorar todas
10 as variedades linguísticas e afirmar que apenas uma variedade
é a correta e válida, aquela que, em geral, não é dominada pela
maioria dos alunos e por seu grupo social.

Por variedades linguísticas entendem-se os diferentes


usos que os falantes da língua fazem, relacionados a fatores
15 situacionais, regionais ou sociais. Variedades linguísticas
situacionais são os usos que os falantes fazem em diferentes
situações sociais. Assim, emprega-se uma variedade mais formal
em situações mais formais, uma variedade mais informal em
situações mais informais.

20 Variedades linguísticas regionais são aquelas que permitem


identificar um falante de uma região ou de outra do país: a
diferença observada na pronúncia dos falantes gaúchos ou
mineiros, por exemplo; a diferenças entre os paulistas e os
cariocas. Não só em termos sonoros, mas também em termos do
25 léxico utilizado: é um exemplo bastante conhecido que aquilo
que se conhece por “mandioca”, em São Paulo, é “aipim” ou
“macaxeira” em outros estados do país.

Também há o exemplo do uso de “jerimum” e “abóbora”.


Variedades socioculturais são aquelas que permitem distinguir
30 falantes de níveis socioeconômicos ou acadêmicos diferentes.

24
LINGUÍSTICA GERAL

O estudo dessas variedades linguísticas, e outras mais, e suas


implicações teóricas, é aprofundado em uma área específica dos
estudos linguísticos – a sociolinguística.

Como lemos na citação de Perini, a gramática normativa tem


5 seu foco de atenção e análise direcionada para a chamada língua
padrão. Como também encontramos em Mendonça (2001), ao
tratar do distanciamento que se observa entre a linguística e o
ensino de línguas,

(...) a gramática (normativa) aí tem um caráter


10 prescritivo e discriminatório: para a gramática é errado
todo uso da linguagem que esteja fora dos padrões
linguísticos estabelecidos como ideais (Mendonça,
2001, p. 235).

(...) estudar gramática é estudar as regras que regulam


15 a “norma culta”, é saber o que pode ser dito e o que não
pode – que costuma ser visto quase como sinônimo
do que pode ser escrito e do que não pode. Ensinar
gramática, nessa concepção, é ensinar língua, que, por
sua vez, é ensinar norma culta, o que significa desprezar
20 outras variedades – não só por ignorá-las, mas por
considerá-las inferiores (Mendonça, 2001, p. 235).

Exemplos de variedades linguísticas:

“Dê-me um abraço.” > “Me dá um abraço.”

“Eu não vou ao cinema” > “Eu não vou no cinema” > “Eu
não vou no cinema, não.”

”Vassoura” > “Bassoura”

“Paínho” > “Paizinho”

“Tu comes” > “Tu come” > “Você come”

“Mandioca” > “Aipim”

25
Unidade I

Dada a concepção de ensino de gramática de Mendonça (op.


cit.), pergunta-se:

1. Qual é a variedade linguística ou dialeto ensinado na


escola?

2. O que a gramática normativa, ou dita tradicional, tem a


dizer sobre esse dialeto?

Sobre a primeira questão, costuma-se dizer que a


escola privilegia o dialeto social de maior prestígio ou a
5 norma culta. No entanto, qual é a norma culta da língua
portuguesa? Qual é o dialeto de maior prestígio no Brasil?
Será aquele falado no Sudeste, no Norte, no Nordeste, no
Centro-Oeste ou no Sul do país? Será o das capitais ou das
cidades do interior? Será aquele falado pelo maior número
10 de pessoas? Note-se que o dialeto social de maior prestígio
varia de acordo com fatores regionais, sociais, econômicos,
políticos ou históricos.

Sobre a segunda questão, a gramática normativa usada


pela escola está relacionada a qual dessas variedades?
20 Note-se, a partir do que foi anteriormente exposto, que
essa gramática é construída com base em textos escritos.
O que levanta outra questão: dada a distância entre a
linguagem oral e a escrita, qual é a variedade de norma
culta escrita abordada por essa gramática? A falta de uma
25 resposta satisfatória para essa questão ajuda a entender a
falta de interesse da maioria dos alunos com as aulas de
língua portuguesa.

Em consequência, pode-se dizer que a única resposta


para as questões 1. e 2., acima, é a de que o dialeto descrito
30 pela gramática normativa é realmente uma ficção, obra
da imaginação dos seus idealizadores. (vide Borges Neto
acima)

26
LINGUÍSTICA GERAL

2.2 Perspectiva normativa e o denominado


preconceito linguístico

Mais importante ainda é o quanto de preconceito está


embutido na abordagem de ensino de língua portuguesa que
aqui está sendo criticada. Preconceito linguístico que se observa
no conceito de “erro” envolvido no contexto da gramática
5 normativa, já que desse ponto de vista é errado todo o dizer
de falantes da língua diferente daqueles prescritos por ela. Ao
rotular sua fala de errada, nega-se a língua falada por ele – sua
identidade, nega-se a língua de seus familiares e de seu grupo
social.

10 Bagno (2003), em obra sugestivamente intitulada


Preconceito linguístico: o que é, como se faz, discorre sobre
esse preconceito construído ao longo da história em cima
de afirmações, chamadas por ele de mitos do preconceito
linguístico, tais como “Brasileiro não sabe falar português
15 / só em Portugal se fala bem português” (mito n. 2);
“Português é muito difícil” (mito n. 3), “As pessoas sem
instrução falam tudo errado” (mito n. 4), para citar apenas
3 dos 8 mitos apresentados, que na verdade escondem um
grande preconceito sobre toda a variedade linguística que
20 se distancia daquela encontrada nos livros de gramática. Ao
negar ou rebaixar uma variedade linguística à condição de
errada ou inferior o que está sendo negado ou rebaixado,
discriminado, é a própria pessoa que a usa.

Guri
garoto
menino
moleque
piá

Mito 1. “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta


uma unidade surpreendente” (Bagno, 1973).

27
Unidade I

No contexto da linguística moderna, as variedades


linguísticas, situacionais, regionais ou socioculturais, são apenas
diferenças observadas nos vários usos que os falantes fazem da
língua. Diferenças e não deficiências linguísticas. Cada uma das Lembre-se de que histórias sobre
5 variedades linguísticas tem seu valor enquanto uso da língua e as várias guerras contam do dominador
procurando extinguir ou impedir o uso
deve ser objeto de análise do investigador. da língua do povo dominado – uma
forma de destruir sua identidade.
Para encerrar este assunto, toma-se a denúncia de Lemle (1991)
sobre o ensino de línguas nas escolas, segundo a qual, levar o aluno
a pensar que não sabe falar ou que fala errado é ao mesmo tempo
10 um equívoco linguístico, já que não está levando em consideração
as variedades linguísticas, e um desrespeito humano, visto que
rebaixa o aluno, e um erro político, pois rebaixar a autoestima
linguística de uma pessoa ou de uma comunidade contribui para
achatá-la, amedrontá-la e torná-la passiva.

O linguista não nega o valor dos usos literários das


línguas e não nega o valor dos estudos dos usos literários
nas escolas. O linguista nega uma orientação que tende a
Os Parâmetros Curriculares Nacionais
privilegiar e a atribuir maior valor, de correção ou de pureza, (PCNs) são documentos elaborados
a um padrão linguístico em relação a outro. com o objetivo de orientar e nortear as
discussões para o desenvolvimentos
dos projetos pedagógicos das escolas
2.3 O foco na forma (gramática tradicional) e e dos professores. Eles se constituem
em referências nacionais e não em
não no conteúdo (tomando por base a visão manuais de ensino. O leitor interessado
contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais pode obter mais informações pelo site
– PCNs) do Ministério da Educação e Cultura
(<http://www.mec.gov.br>).

15 Diante do exposto acima, pode-se concluir que o ensino


baseado nas chamadas gramáticas tradicionais, ou mais
adequadamente denominadas gramáticas ”normativas“, volta-
se primordialmente para a forma da linguagem, seja ela escrita
ou oral; a forma rotulada de certa, se corresponder ao imposto
20 pela gramática, ou errada se dela se distanciar.

O professor, assim, tem sua atenção orientada para a


correção das produções linguísticas dos alunos que devem

28
LINGUÍSTICA GERAL

enquadrar-se em esquemas ou estruturas prontas, obedecendo


regras gramaticais que parecem (e na maioria das vezes são)
muito distantes da língua utilizada por eles.

As críticas a esse modelo de ensino de línguas são muitas e


5 auxiliam na compreensão das reflexões sobre a linguagem em
uma perspectiva linguística e devem ser objeto de discussões
pedagógicas de todos os que se interessam pelo ensino.

Cabe aqui, no entanto, apontar para novas perspectivas de


ensino de línguas, língua materna ou estrangeira, resultantes
10 dos vários trabalhos desenvolvidos pela linguística moderna.
Esses trabalhos permitem repensar as noções de certo e errado,
levando em consideração as hipóteses linguísticas dos alunos,
resultantes de suas próprias reflexões sobre a linguagem, além
de resultarem na aceitação e valorização de suas variedades
15 linguísticas, bem como na aceitação e valorização de suas
produções textuais como usos reais da língua. Essa perspectiva
de ensino tem por objetivo desenvolver as habilidades
linguísticas dos alunos ao invés de enquadrá-las em um padrão
artificialmente construído.

Opor-se ao ensino normativo da língua equivale a afirmar


que não se deve ensinar aos alunos outra variedade (outro
dialeto) da língua a não ser aquela que eles já dominam.
Não acredito que haja muitas pessoas – linguistas ou não
– que sejam dessa opinião. A questão que de fato existe é
a de como, até que medida, e a que altura da vida escolar
dos alunos se deve por em prática o ensino normativo da
língua... (Perini, 1976, p. 23)

29

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