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= CAPITULO 1 =

Emily olhava cada pedacinho de seu antigo quarto, tentando fixar na memória o que
deixaria para trás. Enquanto dobrava e colocava na mala suas roupas favoritas, cad
a peça lhe trazia lembranças, lembranças as quais gostaria de esquecer agora. Estava d
eixando o Paraná para se aventurar em uma nova cidade, em um novo país. Estaria pron
ta para uma mudança tão drástica? É claro que não, ela só tinha dezesseis anos, e deixava n
Brasil todos os seus amigos. Lembrara agora da despedida de sua amiga Patrícia, s
ua amiga desde a infância. Tudo que passaram juntas, as festas que foram, o primei
ro namorado, a primeira decepção amorosa, tudo era compartilhado com Pati, e agora c
om quem compartilharia esse medo que estava entalado na garganta como uma maçã podre
se decompondo. A jaqueta rosa que tanto implorou para seu pai comprar a fez sen
tir náuseas. Não vou levar essa, não posso. pensou enquanto dispensava-a em uma enorm
ilha de roupas ao lado da cama. Não quero pensar mais nisso, porém, como faço para esqu
ecer essa dor que me consome.
Emily já havia aprontado toda a mala, tudo que pretendia levar estava lá dentro, um
terço das lembranças de sua vida. Andando pelo quarto ela o memorizava, seus dedos i
am passeando pela mesa onde ela deixava sempre seu notebook, o porta-retrato com
a foto de seus pais, onde fazia trabalhos para escola. Ela estava vazia, apenas
uma fina camada de poeira a cobria. Uma lágrima brotou em seu olho esquerdo, mais
ela não deixou que rolasse por seu rosto e tratou de enxugá-la.
- Emily. Estamos prontos e esperando você! ecoou lá de baixo a voz rouca de dona Ros
a, sua vizinha.
Ela não queria ir, partir e deixar para trás tudo aquilo que lhe pertencera desde qu
e nasceu. Porque a vida tinha que ser tão rude com ela, não bastava perder a mãe para
aquele maldito câncer quando ela tinha apenas sete anos, tinha que levar seu pai t
ambém, só lhe restava Derek, seu irmão gêmeo e, mais nada.
Apesar de sua origem Americana, Emily sempre vivera no Brasil. Nasceu em Grape C
ity, uma cidade ao sul do Estados Unidos, antes de completar um ano de idade, se
us pais mudaram para o Brasil trazendo ela e seu irmão. O inglês tornou-se sua segun
da língua. Fora ensinado a ela e Derek desde antes de começarem a dizer suas primeir
as palavras. Nunca em seus dezesseis anos ela tinha saído do Brasil, conheceu seus
avós maternos quando tinha quatro anos, na única visitas deles ao Brasil, os avós pat
ernos morreram a pouco mais de três anos, com a tal da gripe aviaria, não restava mu
ito da família, só sua avó Judith e sua tia Violet que moravam em Grape City. Seu avô Gu
stav, de origem alemã, morrera ano passado de insuficiência renal. Com a morte de Jo
hn, ela e seu irmão ficaram sozinhos e por serem menores, não podem ficar sem uma su
pervisão de um adulto restando assim, tia Violet e a avó Judith.
- Temos que ir menina seu vôo sai às 14:00 horas e temos um longo caminho até o aeropo
rto.
- Obrigado por sua ajuda dona Rosa, meu ficaria feliz em saber que podemos conta
r com amigos como a senhora. Onde está Derek?
- No carro, esperando
- Então, vamos.
Emily dera em fim, sua última olhada na casa, e ainda podia sentir o cheiro do mac
arrão com almôndegas que seu pai preparava todos os sábados.
- É sábado? perguntou ela a dona Rosa.
- Não querida, hoje é quinta-feira.
Então era isso, haviam se passado cinco dias desde a morte de seu pai e, está era a
primeira e última vez que voltava àquela casa. Boa parte das coisas havia sido levad
a, só restava mesmo o que se encontrava nos quartos, pois os irmãos precisavam escol
her o que levariam. Quase nada ela pensou. Um último suspiro, e ela atravessou a por
ta, tendo o sol ofuscando seus olhos e queimando sua pele. Emily colocou sua mão d
ireita em frente aos olhos.
- Aproveite.
- Por quê?
- Não sabe nada sobre Grape City?
- Procurei na internet, mas não achei nada, parece que nem tem no mapa. A senhora
conhece?
- Sua mãe falava muito de lá, foi onde viveu sua infância. Sei que é bem frio e, cercada
por florestas. Ela me contava sobre o lago aonde ia com os amigos no verão. Sei m
uito pouco.
O olhar melancólico de Emily encontrou o de seu irmão. Derek estava debruçado na janel
a do carro, os fones do Ipod estavam pendurados, como sempre, em suas orelhas, o
som era alto, estridente, frenético e um pouco atordoado, o rock pesado era a tri
lha sonora de sua vida desde que completou treze anos, mais em seus olhos negros
existia o mesmo ar melancólico de Emily, eram só eles agora e isso era angustiante
para ele também, seus olhos flutuaram para a janela no segundo andar, em cima da g
aragem, ali era o seu quarto, lembrara-se então da última noite que passara ali. A m
elodia pesada do rock dominava todo o ambiente, ele e dois amigos jogavam RPG e
comiam pipoca, sorrisos, palavrões e interrupções constante de Emily dizendo não consegu
ir ouvir nem mesmo seus pensamentos. Ele sorriu. Ela agora estava dentro do carr
o, sentada ao seu lado aconchegando sua cabeça no vidro da janela e olhando pela últ
ima vez a casa em frente onde passou boa parte de sua infância.
- Não acredito que a Pati não quis vir se despedir. Como ela esta?
- Abalada, não queria que você fosse embora.
- Eu também não queria ir, mas o que posso fazer a decisão não cabia a mim, ela tem que
entender.
- Dê tempo ao tempo Emily, ela irá entender, e quem sabe ela não visita você no próximo ve
rão. Estamos mesmo devendo uma viagem a ela.
- Isso sim seria maravilhoso.
Emily dera seu primeiro sorriso desde o acidente em que o carro atropelara seu p
ai enquanto atravessava a rua, um louco ultrapassou o sinal vermelho e acertou e
m cheio John.
Ela sentia que a cidade se despedia dela e de seu irmão, as ruas com casas e prédios
pequenos iam ficando para trás, uma despedida melancólica de sua cidade. Ela deixar
a Cerro Azul agora e seguia pela estrada PR-092, já havia passado muitas vezes por
ali, mais agora era a última, tudo era pela última vez. Tinha sono, pois não dormira
muito bem a noite passada, mais se esforçou ao máximo para não adormecer, queria vê-la,
ver sua cidade e guardá-la em sua lembrança. Passaram por Rio Branco do Sul, Itaperuçu
e Almirante Tamandaré. Ela olhou para Derek, ele parecia estar dormindo, mais ele
mantinha apenas os olhos fechados para não ter que se lembrar, não queria, não podia
era difícil, deixara lá em Cerro Azul, não só os amigos, mas alguém especial sabia que nun
ca tornaria a vê-la e era decepcionante pensar nisso. Ele tentou engolir a pedra e
m sua garganta, conter as lágrimas que teimavam em surgir e rolar pelo seu rosto p
or mais que ele tentasse destruí-las assim que brotavam, aumentou o volume do seu
Ipod e se concentro na melodia pesada e furiosa, pois era assim que se sentia pr
eso na escuridão, implorando por socorro e sem ninguém para ouvir suas súplicas desesp
eradas.
Dona Rosa seguia em frente, vez por outra olhava os jovens através do espelho retr
ovisor. Derek aninhado e Emily com seus olhos arregalados e vidrados no que via
lá fora.
Quando chegaram a BR-376, ela sabia que estavam chegando, e sentiu como se borbo
letas voassem em seu estomago, sentiu náuseas e o chão lhe faltou. eu não posso desmaiar
, não agora depois de tudo. ela olhara mais uma vez para Derek, agora sim ele dormi
a, um sono profundo e libertador.
- Estamos chegando querida, acorde o Derek.
- Gostaria de poder ter forças para carregá-lo e, assim deixá-lo dormir até que chegássemo
s a nosso destino final.
- Precisa acordá-lo. Dona Rosa insistiu.
Emily tocara de leve o rosto de seu irmão, retirara dali o cabelo que lhe cobria o
s olhos e o despertou.
- Chegamos. Prepare-se para descer.
- Nem acredito que dormi.
- Não tivemos noites fáceis, então é natural.
Dona Rosa estacionara o carro o mais próximo que pode do aeroporto, e mesmo assim
tiveram que andar um longo caminho. Colocaram suas malas no carrinho e Derek emp
urrou até o terminal do aeroporto.
- Dê-me aqui essas passagens, vou fazer o chek in para vocês.
Pegariam um vôo para São Paulo e de lá um para a Nova Iorque, seguiríamos para West Virgín
ia e pegaríamos um trem para Bluefield onde tia Violet, os buscariam, daí em diante
não sabia mais nada.
No aeroporto em São Paulo correu tudo bem, sem atrasos e logo estavam no vôo para N
ova Iorque. Sem muita demora seguiram para West Virgínia e depois, já estavam no tre
m.
- Estou cansada.
- Nem fala, estou cansado, com fome e entediado.
- Agora falta pouco.
O trem soou o apito avisando da chegada em mais uma estação.
- Pegue suas coisas Derek, vamos descer.
= CAPITULO 2 =
Emilly chamava atenção, seus longos cabelos lisos alcançavam fácil o meio de suas costas
, um tom marrom acobreado com pontas douradas, seus olhos ao contrário dos de Dere
k, eram verdes, sua altura não era mais que um metro e sessenta e cinco, sua pele
era clara, quase translúcida, apesar de viver toda sua vida no Brasil. Sabia escol
her bem as roupas e estava sempre acompanhando as tendências da moda. Ela era agor
a ajudada por um jovem loiro de olhos azuis que os acompanhou na viagem de trem.
Obrigado disse com um sorriso de dentes perfeitos. O rapaz tentou lhe tirar infor
mações extras de para onde ela estaria indo, mas se havia uma coisa que aprendera co
m seu pai foi, jamais confie em um rosto bonito . Emily o dispensou depois de mais
uma tentativa frustrante do rapaz em conseguir as tais informações. Valeu a ajuda, ma
s tenho que ir disse enquanto puxava Derek para irem.
Apesar de gêmeos eles não tinham nada em comum. Enquanto Emily era a cópia exata de su
a mãe, ela comprovara isso depois de ter visto uma foto de sua mãe na adolescência, De
rek era todo John, olhos negros, cabelos lisos e compridos também negros e até sua p
ele era mais corada que a de Emily, o que sempre a atormentava, já que suas amigas
ficavam lindas com seus bronzeados quando iam a praia ou cachoeira e ela tinha
que amargar muito protetor solar para não parecer um tomate. Derek herdou do pai t
ambém sua altura, aos dezesseis ele já mede um metro e oitenta, três centímetros a menos
que seu pai.
Do lado de fora da estação, Emily quase não reconheceu tia Violet, seus cabelos ruivos
cacheados, um pouco de sardas, estava encostada em uma caminhonete trajando calça
jeans surrada e camiseta branca.
- Tia Violet?!
- Emily, Derek? São mesmo vocês?
- Sim.
- Óh Meu Deus, você está linda é como se eu visse Elle, vocês são tão parecidas.
- Todos dizem isso. Bem, eu fico feliz ela era linda.
- Sim e você é também.
- Onde eu coloco isso. Derek apontava para as malas no chão.
- Coloque aí atrás e entre temos um longo caminho pela frente.
- Onde fica essa cidade, eu fiz um busca na internet e não encontrei nada sobre Gr
ape City.
Violet apenas sorriu, sem responder a pergunta.
- Entre, como eu disse a viagem é longa.
Parecia que quanto mais andavam menos se podia ver pessoas, a auto-estrada dera
agora lugar a uma estrada estreita e cercada de árvores. Emily pensara se sua tia
não havia errado o caminho e, quanto mais andavam o dia ia ficando para trás, com ta
ntas árvores, mau se podia ver o sol. Emily acompanhou seu irmão em um bocejo longo,
que demonstrava o vencimento do cansaço, seus olhos mal se mantinham abertos, a m
usica tocada no carro estava se tornando baixa e distante, ela aconchegou sua ca
beça no ombro de Derek que já havia se aconchegado no banco colocando sua cabeça no en
costo, em instantes tudo que se ouvia era o silencio, Violet havia desligado o rád
io e apagado a luz do carro, era noite estavam quase chegando.
Emily acordou com o solavanco que o carro deu ao passar por um buraco. Estavam a
gora em uma estrada de terra sem iluminação alguma, olhara para tia Violet tentando
se lembrar do rosto que vira na foto enviada por sua avó, temia ter sido enganada
e estar sendo seqüestrada, afinal que cidade é essa que não está no mapa? Não havia como s
e enganar os cabelos eram os mesmo vermelhos que vira na foto, mas o que lhe tro
uxe a certeza foi algo que só agora notara, Violet trazia no pulso a mesma pulseir
a que Emily ostentava em seu, o mesmo modelo, o mesmo pingente de coração com um líqui
do vermelho. Isso a fizera lembrar-se de sua mãe, pouco antes de morrer ela a fize
ra prometer jamais tirá-la de seu braço, não importa o que acontecesse, deveria usá-la s
empre.
- Tia Violet, não pude deixar de notar que usa uma pulseira igual a minha.
- Ah! Sim é igual. ela parecia desconfortável como se lhe perguntassem algo imoral ou
incomum.
- Essa era de minha mãe e, ela me deu antes de morrer.
- Minha mãe também me deu essa, é tipo uma herança de família.
Emily sentiu o desconforto na voz de Violet e resolveu não confrontá-la nem question
ar o porquê de serem iguais, mas essa história da pulseira a fizera perceber uma coi
sa, Derek usava um colar de prata com um pingente em forma de gota com o mesmo t
ipo de liquido vermelho viscoso em seu pescoço, se não parecesse loucura de sua cabeça
ela diria que o que havia ali dentro era sangue.
Depois do que pareceu uma eternidade, finalmente eles chegaram a Grape City. Era
realmente uma bela cidade, ao que parecia, pois era noite. As luzes acesas nas
casas, movimentos de pessoas nas ruas, e na praça. realmente melhor do que imaginei
pensou Emily.
- Derek! Chegamos.
Ele esfregou os olhos com as mãos, despertando. Olhou pela janela e gostou muito d
o que viu. Um grupo de quatro garotas conversava confortavelmente em frente a um
bar.
- Esse é o lugar preferido dos jovens. disse Violet notando o interesse de Derek.
Um enorme letreiro piscava na parte superior do bar Cold night .
- Que nome estranho! disse Emily observando-o.
- Tem haver com nosso clima, que a maioria das vezes é bem frio. disse Violet com
um sorriso. Bem, chegamos.
Ela estacionou o carro em frente a uma casa de dois andares, um gramado bem cort
ado e flores na varanda. Em cima uma sacada com cercado marrom e duas janelas. o
da esquerda e seu quarto Emily e o seu Derek fica a direita. disse Violet descend
o da caminhonete.
A aparência da casa era bem agradável, havia muito silencio ao redor, como se não houv
esse moradores por perto, além dos latidos de alguns cães, nada mais era ouvido.
- É bem calmo aqui, não é mesmo.
Violet olhara para o céu antes de responder, redonda e cintilante a lua cheia oste
ntava toda sua graça e beleza. a maioria dos jovens está na cidade, os que não estão pro
vavelmente estão em suas casas. Vamos entrar.
Emily pegou uma de suas malas, Violet a ajudou com a outra e Derek já estava próximo
a porta segurando suas duas malas. Um vento vindo do sul levantou os cabelos de
Emily cobrindo quase todo o seu rosto, um assovio fino e agudo trouxe arrepios
Violet apressou-se em abrir a porta e colocá-los para dentro.
- Parece que vem mudança de tempo por aí. disse sorrindo, mas mostrando um olhar um
tanto apreensivo.

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