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07/04/2011 Revista Téchne

Contagem regressiva
Presidente regional do Sinaenco faz as previsões sobre a Copa e
Olimpíada no Brasil e diz o que já não será mais possível construir até
os jogos em vista dos atrasos

Por Luciana Tamaki

José Roberto
Bernasconi

Engenheiro civil e
advogado, José Roberto
Bernasconi é diretor
presidente da Maubertec
Engenharia e Projetos,
atuando em diversos
setores da infraestrutura.
Foi professor da Poli-USP
entre 1970 e 1975, no
Departamento de Estruturas e Fundações, das Disciplinas Construções de
Concreto e Pontes e Grandes Estruturas. Participou de diversas entidades de
classe, como CBIC, Fiesp, Upadi e Instituto de Engenharia, que presidiu nas
gestões 1985-1987 e 1987-1989. Foi presidente nacional do Sinaenco
(Sindicato da Arquitetura e da Engenharia) entre 2006 e 2009, e, atualmente,
preside sua regional de São Paulo, além de ser diretor do Deconcic
(Departamento da Indústria da Construção), no âmbito da Fiesp. Em dezembro
de 2010, recebeu o título de Eminente Engenheiro do Ano pelo Instituto de
Engenharia.

Que o Brasil precisa voltar a planejar e projetar, todo mundo concorda.


Algumas medidas para fortalecer essa prática já aparecem no horizonte, sendo
a principal o projeto de modificação da lei de licitações (no 8.666) para que
obras públicas sejam contratadas por projeto executivo, ainda em discussão. A
Apeop (Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas) e a CGU
(Controladoria Geral da União) engrossam o discurso de que o ideal é haver
projeto executivo. Esta última fala especificamente sobre obras de estádios,
visando a Copa do Mundo. Mas, apesar do discurso em uníssono de todo o
setor, na prática a construção dos equipamentos esportivos está atrasada em
quase todas as cidades, e, para José Roberto Bernasconi, este primeiro
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trimestre de 2011 será crucial para a decisão pela continuidade de construção
de todos os estádios aprovados pela Fifa para os jogos de 2014 ou por apenas
oito ou nove equipamentos. Para o engenheiro, não há problema em
investimento público para estádios, pois eles podem representar um vetor de
crescimento urbano do entorno. Ele acredita que a região de Itaquera, por
exemplo, bairro da zona Leste paulistana cotado para abrigar o estádio do
Corinthians, teria muito a se beneficiar por sua localização estratégica entre o
porto de Santos (SP) e o aeroporto de Guarulhos, na região metropolitana,
além do acesso pelo Rodoanel. Um exemplo a se seguir é o projeto de Londres
para a sua (também) zona Leste, que receberá o Parque Olímpico e uma
grande revitalização. Nesta entrevista, Bernasconi relata diversas ações que a
cidade britânica vem adotando desde que foi anunciada como sede dos Jogos
Olímpicos de 2012, e mostra falhas no padrão brasileiro, cujo histórico aponta
para estouro de verba, de orçamento e retrabalho. Para ele, a solução, como
sempre, é planejar.

Já estamos muito próximos da Copa. A essa altura do "campeonato", vai ser


possível evitar os costumeiros aditivos nas obras públicas? Temos o histórico
das obras para o Pan-Americano do Rio de Janeiro de 2007, inicialmente
estimadas em R$ 380 milhões, que custaram mais de R$ 3 bilhões.

A única maneira de se evitar, se não completamente mas reduzir muito a


chance de estouros de orçamento ou de prazo, é fazer projeto de engenharia.
Planejar é pensar antes. Quem pensa antes executa melhor, seja uma pequena
reforma doméstica, seja obras em geral, particularmente as intervenções
urbanas, de infraestrutura, e a preparação para eventos tão importantes como
Copa do Mundo e Olimpíada. São os maiores eventos midiáticos do planeta.
Segundo dados oficiais da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional, a Copa do
Mundo da Alemanha (2006) teve uma audiência de cerca de 27 bilhões de
espectadores, e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Pequim (2008),
aproximadamente 30 bilhões. É o maior negócio do planeta na área de
entretenimento. Esses eventos colocam o país-sede na vitrine do mundo
inteiro. O problema é que o país pode se mostrar mal.

Como o projeto evita aditivos de custos e de prazos?

É o que Londres está fazendo, dando um verdadeiro exemplo com a


reformulação da sua zona Leste, para a Olimpíada de 2012. É um case
extraordinário. A cidade foi escolhida em julho de 2005, com sete anos de
antecedência, como nós. No dia seguinte à escolha, Londres criou um comitê
organizador local, o Logop (London 2012 Organising Committee of the Olympic
Games and Paralympic Games) e a ODA (Olimpic Delivery Authority),
encarregada de construir o Parque Olímpico. Durante um ano e meio, de julho
de 2005 até abril de 2007, foi feito o planejamento do plano diretor da área,
que é constantemente revisado, e aproximação com a comunidade. De abril de
2007 até julho ou agosto de 2008 foram feitas: escavação na área
contaminada e toda a remediação ambiental; demolição de escombros, que
eram até da 2a Guerra Mundial, sendo 90% do material demolido usado na
própria área; e projetos dos principais equipamentos, como o Velódromo,

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Estádio Olímpico, Parque Aquático, entrada monumental, pontes etc. No verão
de 2008, e só nesse momento, começaram as obras. O Velódromo, por
exemplo, ficará pronto no verão de 2011, com um ano de antecedência, e
receberá eventos de testes. Isso é coisa de gente grande.

Nesse momento, com vistas a 2014 e 2016, é possível reverter a situação de


atraso?

Para algumas coisas, não há mais tempo. A Copa do Mundo correu solta, sem
coordenação. O Governo Federal já declarou que os estádios estão por conta
dos Estados, e que o apoio de infraestrutura virá pelo PAC da Copa (ou PAC da
Mobilidade). Mas os aeroportos são de responsabilidade do Governo Federal e
até agora nada foi feito. E o problema dos aeroportos não é para a Copa do
Mundo, é para hoje. A demanda cresceu mais de 20% e a oferta dos serviços
não acompanhou.

Os aeroportos vêm sendo apontados como o maior gargalo para a realização


da Copa do Mundo, o senhor é da mesma opinião?

Os aeroportos são o gargalo mais pesado, mais engasgado, mais entupido. Já


passou o tempo para fazer o que poderíamos, já não há mais tempo para
grandes mudanças. Nós vamos fazer soluções meia-boca, um puxadinho para
criar alguns módulos.

Mas essas soluções vão funcionar?

Vão, mas precariamente. Um terminal aeroportuário é intermodal: de um lado,


aviões chegam e saem; na outra ponta, há ônibus, carros e talvez trens e
metrôs. O aeroporto, além das pistas de voo, precisa de pistas-pátio para
estacionamento de aeronaves, terminais de passageiros que possam, com
conforto e segurança, prestar os serviços, check-in, terminal de embarque,
espaço e equipamento para polícia federal e aduana, estacionamento de
ônibus, de táxi e de carros particulares, gente treinada e controle de tráfego
aéreo. Nós não temos nada disso. Não adianta só fazer o "puxadinho". O
aeroporto é um complexo, e os nossos aeroportos estão muito ruins e
subdimensionados.

A privatização dos aeroportos seria uma boa saída?

É a única saída. Há barreiras ideológicas e corporativas difíceis de serem


superadas e que não foram enfrentadas. Criou-se um mito de que o Estado
pode ser o responsável por tudo. O Estado é fundamental, mas ele é um
instrumento estabelecido para operar um país em nome da população. Ele tem
que ser eficiente, e não tem sido. Ao mesmo tempo, criou-se o mito de que a
iniciativa privada é só predadora, extrativista. Não é nem uma coisa, nem
outra. O Estado deve limitar a natureza de suas atividades, como diplomacia,
justiça, segurança nacional e defesa da soberania. As demais podem ser feitas
com melhor eficiência por agentes privados, regulamentados pelo Estado.

Que casos são mais adequados para uma concessão e uma parceria público-
privada?

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Depende do resultado. Um aeroporto como o de Guarulhos, que tem um
movimento extraordinário, é caso típico de concessão ou privatização.
Respeito a opinião de que o controle do espaço aéreo implica soberania e
segurança nacional e deve ficar nas mãos da Aeronáutica. Então, a prestação
do serviço pode ser feita ou por concessão ou parceria público-privada. Os
aeroportos de Brasília, Guarulhos e Congonhas (São Paulo), Galeão e Santos
Dumont (Rio de Janeiro) têm movimento suficiente para gerar renda a uma
concessão. Talvez os aeroportos de Cuiabá e Goiânia não tenham um volume
tão grande que permita uma remuneração adequada, então pode-se
estabelecer uma PPP. Porém, não pode permanecer estatal, porque a situação
atual é a consequência de as coisas não terem sido feitas.

É possível que o trem de alta velocidade, o TAV, saia em tempo para esses
eventos?

Para a Copa do Mundo não, mas para a Olimpíada há um pouco mais de tempo.
A Serra das Araras, no Rio de Janeiro, é o trecho mais custoso e com menor
demanda, não há problema se não ficar pronto. O trecho mais importante
situa-se entre Campinas, São Paulo e São José dos Campos, que tem maior
viabilidade e maior demanda. Se o Governo Federal implantar o TAV nessa
região, contaremos com um equipamento de alto rendimento que serve de
interesses de ligação entre polos da macrometrópole de São Paulo e essas
duas cidades. Faltariam Santos e Sorocaba.

Há uma grande demanda de trens em São Paulo...

Segundo o secretário de transportes metropolitanos do Estado de São Paulo,


Jurandir Fernandes, uma das prioridades deste governo será os trens regionais:
São Paulo-Santos; São Paulo-Sorocaba; e, se o TAV não sair, São Paulo-
Campinas e São Paulo-São José dos Campos. Serão trens que alcançam 180
km/h. Posteriormente, ainda será necessária uma prolongação, além da
macrometrópole. O ideal é que voltasse a Sorocabana, a Noroeste, Santos-
Jundiaí, Central do Brasil. O transporte ferroviário ficou para trás no Brasil.

E, além de transportar cargas, os trens são vantajosos também para o


transporte de pessoas.

Sim, muitos carros particulares e ônibus fretados seriam tirados das estradas.
A grande vantagem do transporte ferroviário é que ele chega até o Centro da
cidade. São necessárias grandes obras para enterrar as estações, como fez
Barcelona, Turim. O trem vem pela superfície e, já na periferia, mergulha e
deixa de causar aquela separação na cidade, e a cidade fica integrada.

Há perigo de algum estádio não concluir as obras a tempo da Copa de 2014?

Há perigo de não começar. Não devemos esperar além deste primeiro trimestre
para definir quais vão continuar ou não. Em vez de 12 cidades, talvez
tenhamos apenas oito cidades, o número mínimo, por serem oito grupos.

E essa redução está efetivamente sendo discutida?

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Está, só não está na mídia. De todas as cidades, Salvador está com ritmo um
pouco melhor, com a concessão definida e financiamento do BNDES (Banco
Nacional do Desenvolvimento); o Mineirão (Belo Horizonte) está aparentemente
bem; os outros estão muito devagar. Para a Copa das Confederações em maio
de 2013, precisamos de, no mínimo, quatro estádios. Isso é possível, mas a
hora da verdade é agora, tanto para os estádios estatais como privados.
Segundo a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), a cidade de São Paulo vai
sediar a abertura, mas ainda não há estádio. Ainda há tempo, pois estamos a
40 meses da Copa do Mundo, e um projeto de estádio pode ser feito em 32, 30
meses.

Em São Paulo há a expectativa da construção do estádio em Itaquera. Além do


estádio, também são necessárias muitas obras de infraestrutura para
mobilidade urbana. E o estádio ainda pode ser um vetor de crescimento para
toda essa região da cidade. Como o senhor vê isso?

A semelhança a Londres, que está reformulando sua zona Leste, traz a


oportunidade de aproveitarmos toda a motivação que o futebol provoca nos
brasileiros para uma alavancagem de mobilização. A zona Leste abriga a maior
parte da população de São Paulo, são 4 milhões de habitantes, ou mais de
40% da população da cidade, em 22% do território. Ela situa-se entre o
aeroporto de Guarulhos, o de São Paulo, e o porto de Santos, o hub port da
América do Sul, além da rodovia dos Imigrantes e o Rodoanel Leste, interligado
ao Sul e Oeste. Então, há um eixo aeroporto-porto que pode ser muito bem
aproveitado e, portanto, essa região Leste pode ser o local de implantação
para muitas indústrias, muitos polos de produção.

Como o transporte alavancaria o crescimento industrial da região Leste?

O problema da região Leste é ser considerada uma cidade-dormitório, com


poucas oportunidades de emprego. É preciso mais emprego para diminuir o
movimento de transporte. Há uma porção de municípios na região, além da
proximidade com o porto de Santos e o aeroporto de Guarulhos. Pode-se
importar por avião insumos como chips, instalar uma montadora de
equipamentos eletrônicos, que não é poluente, e reexportar os produtos, como
é feito na Ásia. Pode vir matéria-prima de Santos, como material químico para
farmacêutica e cosmética, e produzir em indústrias ali instaladas para consumo
nacional e reexportação. Pode ser feito também um polo de moda em Itaquera,
que gera muitos empregos. Com uma boa solução de informática, podem ser
construídos terminais alfandegários, pois o porto de Santos está
congestionado. Contêineres seriam ali estacionados e alfandegados como na
Europa: lá, o produto é entregue na Bélgica para ser consumido em Paris.
Certas coisas um porto pode fazer fora do cais, a certa distância, como
industrialização de bens ou desagregação de produtos, como alimentos.

E, para tudo isso acontecer, é necessária essa mobilidade.

Antes da mobilidade, é preciso um plano sobre o que será feito com essa área.
O estádio de Itaquera pode ser um gatilho para a reinvenção da zona Leste,
mas isso não é projeto para a Copa, e sim para daqui a 20 anos. Não só a
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região de Itaquera, mas todo o entorno do município de São Paulo pode se
transformar em um grande polo de desenvolvimento.

Voltando a falar sobre a escolha do estádio em São Paulo, o senhor acredita


que o São Paulo Futebol Clube não encaminhou corretamente o pleito de sediar
a abertura da Copa?

Creio que foram várias razões. Não consigo fazer a análise completa, mas um
fato é verdadeiro: havia uma disputa pessoal não resolvida, ou resolvida da
pior maneira, entre o Ricardo Teixeira, presidente da CBF, e o Juvenal
Juvêncio, presidente do São Paulo. Não sei se só em nome disso, mas também
em nome disso, não havia nenhuma boa vontade [em relação ao estádio do
Morumbi]. Além disso, São Paulo é a cidade preparada para receber o jogo de
abertura, não pelo estádio, mas pela infraestrutura. Não há cidade no Brasil
que tenha a mesma capacidade hoteleira que São Paulo, a mesma experiência
para receber grandes eventos, apoio logístico, treinamento de pessoal.

E as verbas para a construção dos estádios?

Até março, o Governo Federal deve ser chamado a colaborar com os Estados
donos de estádios, para garantir que eles fiquem prontos a tempo. É melhor
que essa decisão seja tomada logo, para que os recursos possam ser alocados
e seja possível construir de maneira planejada, organizada, com projetos de
engenharia para controle de custos e de qualidade. Se deixar para a véspera,
que é o segundo semestre de 2012, pode haver uma repetição dos Jogos Pan-
Americanos (2001). Não sou contra aplicação de recursos públicos nos
estádios, pois, assim como para a zona Leste, pode ser um gatilho para uma
grande renovação urbana.

É mais fácil o desenvolvimento em uma região metropolitana que em lugares


mais remotos? Como um estádio pode se tornar esse gatilho de crescimento
em outras regiões?

Cada um tem sua problemática local, que precisa ser equacionada. Nos Jogos
Pan-Americanos, a maior crítica recaiu sobre o Engenhão, um belíssimo estádio
implantado em um lugar deteriorado. Não foi feita melhoria, seja de acesso,
segurança ou serviços de água, esgoto, telecomunicações e energia que
permitiriam uma melhor utilização. Cada cidade tem seus problemas. Recife
está fazendo uma cidade nova junto ao novo estádio, um novo centro
comercial e de negócios, centro residencial, além do caminho de acesso,
transporte e todos os sistemas. Tudo isso gerará um bairro novo, uma área de
expansão da cidade. Benefícios podem ser feitos em qualquer lugar. Os
requisitos necessários são: macroacessibilidade (aeroportos, portos,
rodoviárias etc.) e mobilidade urbana (metrô, VLT, VLP, BRT, transporte
público).

E se esses requisitos não forem resolvidos?

Se não for feito a tempo, declaram-se férias escolares. Tira-se o trânsito das
ruas, as vias ficam menos congestionadas. Em junho, serão declaradas férias
escolares nas cidades-sede da Copa, e isso será decidido em 2013. E, em dias
á
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de jogo, será declarado feriado. A África do Sul fez isso. Porém, não é uma
solução eficiente, senão uma remediação.

Um grande legado dos Mundiais da Fifa e dos Jogos Olímpicos é o incremento


do turismo. O que precisa ser feito para melhorar esse setor?

Seguramente é um grande legado. Além de toda a infraestrutura, para o


turismo receptivo é necessária a preparação de pessoas, que falem outro
idioma.

Há muitas mudanças a serem realizadas. Como fazer o assunto tomar sua


devida importância?

As lideranças, de alguma forma, têm de compreender qual é o problema que


têm em mãos e buscar adesão. Uma parte é a adesão da sociedade, mas isso
não está sendo feito, e o próprio Governo Lula não deu a devida importância à
Copa do Mundo, confiando em medidas como decretar férias escolares,
feriados etc. Mas com Olimpíada a situação é outra. O brasileiro está muito
atrás em relação à segurança, que é o item mais complexo e mais difícil para
Olimpíada. Em Londres, desde o primeiro momento, por preocupações contra
atentados, o acesso ao Parque Olímpico tem cerca eletrônica e o controle é
muito rigoroso. Segundo a empresa de engenharia especialista na área de
segurança, o cuidado começa no projeto de arquitetura, evitando pontos
cegos, cujo monitoramento é difícil. Na construção, é possível que um
terrorista componha a equipe de obra e esconda uma bomba em um oco de
pilar, a ser acionada em um dia de jogo, ou seja, o recrutamento tem que ser
feito com muito cuidado, com toda a vigilância possível. As questões não são
somente técnicas, de prazo, custo e qualidade, mas também todo um sistema
de segurança. O Brasil está acostumado a fazer no improviso. O Rio de Janeiro
firmou convênio com o governo inglês e conta com consultoria da equipe de
Londres. Talvez, com esses consultores, consigamos fazer algumas coisas.

O senhor acredita que, a exemplo de outras ocasiões, poderá se abrandar ou


fazer vistas grossas às questões ambientais para se agilizar as obras?

Sustentabilidade se refere a bons critérios de decisão, que começam no


planejamento e seguem para o projeto. Segundo Dan Epstein, responsável
sobre sustentabilidade na ODA (Olimpic Delivery Authority), há três condições
para construir corretamente e com critérios de sustentabilidade: planejar,
planejar e planejar. Ou seja, sustentabilidade é um complexo, que pode ser
feito com um bom projeto, mas fica comprometido quanto mais é feito no
atropelo, com horas extras, prazo estourado. Para a Olimpíada, ainda há
tempo. Para a Copa do Mundo, já estamos no atropelo, embora todos os
estádios tenham o conceito de sustentabilidade. Espero que as condições de
projeto sejam respeitadas durante a execução.

O SindusCon-SP e outras entidades parecem ter se convencido da importância


das plataformas colaborativas de projeto em 3D, como o BIM, que permite
projetar, quantificar e fiscalizar ao mesmo tempo. O senhor acha importante
qualificar os escritórios para utilização dessa ferramenta?

É uma tendência irreversível porém mesmo em países desenvolvidos o BIM


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É uma tendência irreversível, porém, mesmo em países desenvolvidos, o BIM
ainda não está disponível completamente em 3D. O sistema é especialmente
importante para realizar virtualmente diversas soluções, como sistemas de
refrigeração e aquecimento, em especial nos países do hemisfério Norte, cujos
sistemas obrigatórios resultam em um conjunto grande demais para ser
resolvido em obra.

Mas há críticas de que empresas diferentes usam programas diferentes, e isso


dificulta a disseminação do BIM.

Por isso é preciso homogeneizar as linguagens. Inexoravelmente o mundo


caminha para isso. É preciso sim treinar equipes e preparar-se, dar condições
de treinamento a cada uma das equipes de projeto, para que elas alimentem o
sistema com a linguagem adequada. A equipe pode ter seu sistema, mas os
dados devem ser apresentados de maneira adequada. Posteriormente, ao
passo da obra, a informação deve fluir para compor esse banco de dados. Isso
está em um grande processo de elaboração, e está efetivamente chegando no
Brasil.

Com relação a licitações, o que o senhor diz a respeito de contratações por


projeto básico?

O ex-governador de São Paulo Alberto Goldman publicou um decreto que


estabelece, para administração direta, indireta e fundacional do Estado, os
critérios de aprovação e de contratação do projeto básico. O projeto básico
define bastante bem o que é o produto, além da previsão de custo e de
materiais. Segundo a lei de licitações 8.666 o projeto básico é um instrumento
indispensável para instruir a licitação de obra e construção, que deve ser
fornecido junto ao edital. Mas muitas vezes, é feito no improviso, com pressa,
e depois estouram-se o prazo e o custo. O decreto vai garantir projetos
básicos melhores, e as licitações tendem a ser melhores.

Mas um bom projeto básico já seria suficiente para a contratação?

Nós advogamos, pelo Sinaenco, que o ideal é contratar a obra com o projeto
executivo. Para isso, a solução é o órgão público contratar o projeto com
antecedência suficiente para haver tempo de realizar sondagens, topografia, e
todo o material necessário para fazer um projeto executivo completo.
Posteriormente, constrói-se com o projeto executivo em mãos, e as chances
de estouro de verba e de prazo são muito pequenas.

Já se pode dizer que a contratação por projeto executivo é uma tendência?

Ainda não. Mas muitas pessoas falam sobre isso, até empresários de
construção. A Apeop (Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas)
faz desse seu discurso oficial: é melhor a contratação de uma obra a partir do
projeto executivo, que deixa de ser uma loteria. Na Câmara Brasileira da
Indústria da Construção, está sendo discutida a modificação da lei 8.666, hoje
no Senado, para que a obra seja contratada pelo projeto executivo. Seria
dado um prazo de disposição transitória de dois anos depois da publicação da

lei para que nesse intervalo se completem projetos executivos para as


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lei para que, nesse intervalo, se completem projetos executivos para as
licitações de obras. Nesse intervalo, poderia-se licitar com projeto básico, o
estabelecido pela lei atual. Esta mudança está prevista, a discussão já saiu da
Câmara e foi para o Senado, depois voltará para a Câmara, e não imagino
como a lei se finalizará.

O governador Geraldo Alckmin interrompeu o processo de licitação do Metrô de


São Paulo por suspeita de acordo prévio dos consórcios. Existe uma maneira
de evitar esse tipo de ação prejudicial ao Estado?

A grande solução, sempre, é o gestor público saber o que está comprando. Ele
precisa de preparação técnica, com equipes ou consultores, para fazer o
melhor uso do dinheiro público. Sobretudo, o gestor tem que ter os projetos.
Para certas obras de alta complexidade de execução, que exigem
equipamentos especiais e equipes treinadas, não há tanta gente preparada, e
as empresas capacitadas são todas bem-vindas ao certame. O problema é o
preço fugir do controle. O Metrô já soube, muito melhor que hoje, quanto
custa um projeto de engenharia. Na Linha 6 houve proponente que ofereceu
42% de desconto no projeto básico em relação ao preço colocado, e foi
contratado. É impossível fazer esse desconto. O Metrô chegou a contratar
sondagem de subsolo por pregão e recebeu sondagem falsa. Perdeu-se meses
até se perceber o erro e o Metrô solicitar nova sondagem.

Quando há irregularidades de fato, como proceder?

Minha resposta oficial é que irregularidades têm de ser saneadas, e a entidade,


neste caso o Metrô, deve tomar as decisões corretas para sanear o processo.
Se eventualmente houve algum problema, que ele seja saneado, mas, se
possível, que não se perca todo um processo de pré-qualificação para que não
se gaste mais um ano até retomar todas as etapas e atrasar a contratação de
um serviço de obra de um equipamento absolutamente importante para a
população. Porém, na realidade, a entidade deve saber o que está
contratando.

Nossos metrôs, o de São Paulo e de outras capitais, poderiam ser mais


competitivos e de construção mais barata?

Em geral, perfeitamente. O Metrô teve um papel extraordinário na Engenharia


do Brasil. Existe, de verdade, uma Engenharia pré-Metrô e uma pós-Metrô de
São Paulo, no fim dos anos 60 e começo dos 70, quando da primeira linha
Norte-Sul. Nessa época, fazia-se consultoria estrangeira. O primeiro projeto foi
feito pelo consórcio HMD (Hochtief-Montreal-Deconsult), duas empresas
alemãs e uma brasileira (a Montreal deu origem à Promon). Não tínhamos a
tecnologia, a primeira linha foi feita com participação alemã, mas a segunda foi
toda brasileira. O Metrô organizou a engenharia brasileira e desenvolveu
competência nacional. Tinha equipes fantásticas, e sempre soube os custos de
planejamento e projeto. De uns anos para cá, foi perdendo quadros, e, na
última gestão, se especializou em contratar por menor preço, promovendo
alguns problemas sérios, lamentavelmente.

As obras por conta dos prazos apertados parecem negligenciar cada vez mais
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As obras, por conta dos prazos apertados, parecem negligenciar cada vez mais
a segurança. O senhor vê isso se agravando?

Pode ser se não houver projeto adequado. É preciso bom projeto e boa
construção, que também é Engenharia. Perde-se a perspectiva de que a
construção é técnica de engenharia na manipulação e execução, acreditando
que construção é coisa de empreiteiro, especulador imobiliário, mas é
Engenharia de alto nível e tem que ser bem feita. Além disso, o bom
planejamento, com os critérios de gestão da qualidade de hoje, ensina a
pensar antes. Outro ponto importante é o gerenciamento. O projeto é a
definição do que precisa ser feito, a construção realiza e o gerenciamento é
feito por empresas que acompanham, em nome do cliente, se aquele projeto
está sendo feito de maneira adequada. Com a gestão da qualidade, se aprende
que o bom é fazer bem na primeira vez.

O planejamento não vem sendo valorizado novamente?

Há três anos falamos de Copa do Mundo, e vemos que a mídia e a sociedade


também falam disso. O Tribunal de Contas da União passou a exigir projeto
executivo para aprovação de aeroporto, pois surgiram algumas irregularidades.
Como uma reação temendo atrasos, uma medida provisória permite que obras
para a Olimpíada e Copa do Mundo sejam feitas sem os controles. Essa medida
é perigosa e não deveria ser aceita. A própria CGU (Controladoria Geral da
União) sugere que o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e
Social) não financie estádios que não tenham projetos ou bons projetos, e
ainda diz que o ideal é financiar quando houver projeto executivo.

Falando de toda essa perspectiva do País para o recebimento dos Jogos


Olímpicos e Copa do Mundo, além do atual crescimento da construção, o
senhor tem mais alguma consideração que queira fazer?

O Brasil está sendo chamado para fazer parte do clube das nações mais
desenvolvidas, mesmo com todas as nossas carências, desequilíbrios e
desajustes. O Brasil tende a ser, até 2020, o quinto PIB do planeta. Eu chamo
esse clube de Champions League, é a Primeira divisão. Precisamos preparar
gente, precisamos de educação, melhorar a infraestrutura, o sistema de
defesa nacional. Temos que planejar, projetar, executar com qualidade, de
maneira adequada, com racionalidade e senso de realismo. É preciso dar um
choque de realismo e qualidade na gestão pública e na gestão privada. O Brasil
tem essa capacidade. E essas mudanças não são para 2020, mas para 2050.
Falo de um Brasil modificado, e cada um precisa fazer sua parte. Esse é o
desafio que temos pela frente.

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