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FLADIMIR P. PORTO
História
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................4
O NASCIMENTO DA NAÇÃO........................................................................7
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................28
4
Introdução.
A História surge com a invenção da escrita por volta de 3600 a.C., segundo nos ensina
a escola tradicional baseada na cronologia positivista, esse fato, que é um divisor de águas, nos
faz pensar o quão importante é a relação da História com a palavra escrita, a tal ponto de se
rotular sociedades que não possuem a escrita como pré-históricas, conforme podemos ver em
diversos livros didáticos, como por exemplo em História e Vida de Nelson Piletti e Claudino
Piletti1. Desde modo a escrita assume o papel de condutora da História tida como oficial, por
isso, ao tratarmos de um período histórico sob o ponto de vista da literatura, como pretendido
nesse estudo, é necessário levarmos em consideração a tênue fronteira que existe entre história
e literatura, que nas palavras de Flávio Loureiro Chaves essa fronteira é colocada como sendo
“ponto de convergência no qual podemos observar a unidade da obra literária" 2.
Assim para termos embasamento teórico sobre o assunto, veremos que nos primórdios de
seu surgimento a História era lida e aprendida através de textos literários, seja nos mitos da
criação egípcios e mesopotâmicos, seja nos poemas épicos de Homero e quando a partir de
Heródoto a História passa a ter um caráter investigativo e informativo seus textos não deixam
de estar relacionados com a literatura, já que eram escritos como se fossem épicos, deste
modo, é impossível separarmos uma da outra nesse período, mesmo que hajam historiadores
como Políbio (séc. II a.C.) que diz: “(...) a história da qual foi retirada a verdade nada mais é do que um
conto sem proveito.”3 Ela ainda assim é uma construção, já que usa de recursos literários para
1
Ver referências bibliográficas.
2
CHAVES, Flávio Loureiro. História e Literatura, 1999, pág. 5.
3
BORGES, Vavy Pacheco. O que é História, 1993, pág. 21.
5
4
BORGES, Vavy Pacheco. O que é História, 1993, págs. 33 – 34.
5
Linha historiografica, inaugurada com os trabalhos publicados na revista Anaes de História Econômica e Social,
em 1929, na França, seus iniciadores foram: Marc Bloch e Lucien Febvre, Fonte: BORGES, Vavy Pacheco. O
que é História, 1993.
6
Introdução da obra de FONSECA, Roberto. História do Rio Grande do Sul para Jovens, 2002, pág. 5.
7
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo. et.alli. A Pesquisa em História, 1991, pág. 6.
6
Nesse sentido ao estudar a literatura do Brasil império é preciso ter em vista o caráter
narrativo das obras e a forma de ver o mundo do autor dentro do seu contexto social , para
termos um distanciamento critico sobre a leitura e podermos dessa forma relaciona-la com a
História.
7
O Nascimento da Nação.
Além de ter sido criado nesse período o ensino primário e secundário, D. João VI criou
vários centros culturais como a Imprensa Régia, a Biblioteca Pública, Teatro São João e o
Museu Real, além disso a abertura dos portos possibilitou um fluxo de comércio e cultura
antes nunca visto no Brasil.
No entanto, é de se estranhar que durante todo o processo da Independência (de 1808 a
1831), nas palavras de Kenneth Maxwell:
8
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira, 1994.
9
PINO, Dino Del; SCARTON, Gilberto. Leitura Língua & Literatura, 1985, pág. 31.
8
Não tivemos em nossa literatura obras e nomes expressivos, isso explica-se pelo fato
de haver uma mistura de culturas entre o Brasil e Portugal, por isso, não foi possível organizar
no Brasil um estilo forte, único e duradouro, já que o processo da Independência fez-se graças
à intervenção das classes mais favorecidas do país e que estavam ligadas culturalmente a
Portugal,
“A nova ordem política, que começava a esboçar-se no Brasil alicerçava-
se na velha estrutura conservadora, agro-exportadora, escravista e
dependente do mercado internacional. Essa nascia sob a tutela da elite,
cujo pensamento antidemocrático e conservador impunha como forma de
governo uma Monarquia Constitucional, de caráter centralizador que se
utilizava de instrumentos legais para excluir a participação das massas
populares da vida política do país(...)”11
Dessa forma havia uma certa confusão de valores, que se misturavam e se opunham no
que diz respeito a literatura, como por exemplo: o racionalíssimo pregado pelo Iluminismo
europeu do qual nossos escritores eram adeptos e a religiosidade ainda imposta pela forte
influência da Igreja no plano cultural, “a religiosidade nacional, sincrética, exacerbada, informal,
traz em si diversos traços medievais” 12
, nesse contexto, não é de se admirar que houvessem
padres que eram maçons, que houvessem religiosos que professavam-se liberais e até que
surgisse um tradutor dos Salmos13 que se fez interprete da teoria do bom selvagem.
É desta forma que o Brasil apenas se tornou “brasileiro” aos poucos como nos diz um
texto de um dos nossos maiores nomes da literatura, José de Alencar, sobre as relações entre
brasileiros e portugueses, no tocante à literatura:
“Depois da Independência, se não antes, começamos a balbuciar a nossa
literatura, pagamos como era natural, o tributo à imitação, depois
10
MAXWELL, Kenneth. Por que o Brasil foi diferente? O contexto da independência. In Mota, Carlos
Guilherme. Viagem incompleta: a experiência brasileira, 1999, (não consta página).
11
MARTINS, Rodrigo Perla; MACHADO, Carlos R. S. orgs. Identidade, Movimentos e Conceitos:
Fundamentos para a Discussão da Realidade Brasileira, 2004, págs. 23 – 24.
12
JÚNIOR, Hilário Franco. A Idade Média: Nascimento do Ocidente, 2005, pág. 169.
13
Padre Antônio Pereira de Sousa Caldas (1762-1814), Fonte: BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura
Brasileira, 1994.
9
Como já foi dito, 1808 a chegada da Família Real portuguesa ao Brasil é um marco no
amadurecimento cultural brasileiro, mas é preciso lembrarmos de outras duas datas
importantes, 1822, a Independência e 1831, Abdicação de D. Pedro I.
Com a Independência foi tomada definitivamente uma posição do Brasil de libertar-se
da tutela portuguesa, isso porque já havia a muito um sentimento de nacionalismo se formando
e um ranço anti-lusitano mesmo antes da chegada da família real portuguesa ao Brasil, a
imprensa política e literária muito contribuiu para aumentar essa rivalidade entre brasileiros e
portugueses e é com a abdicação de D. Pedro que se sela definitivamente a “ euforia do
sentimento nacionalista no Brasil”15.
14
PINO, Dino Del; SCARTON, Gilberto. Leitura Língua & Literatura, 1985, pág. 28.
15
Idem, pág. 31.
10
Francisco de S. Carlos, Borges de Barros, Monte Alverne, Maciel Monteiro e João Francisco
Lisboa.
Vejamos algumas característica que constituem o pré-romantismo brasileiro:
• Inicia-se a influencia francesa e inglesa, diminuindo a importância da
influencia portuguesa.
• Movimento cultural centralizado na Bahia, no Rio de Janeiro e em São
Paulo.
• Cultivam-se as ciências, a eloqüência, o lirismo e o jornalismo.
Para melhor entender a confusão de ideologias desse período histórico-literário
do Brasil e a forma como se procede seu uso veremos um pouco de um de seus
representantes, Padre Antônio Pereira de Sousa Caldas19, homem de espirito
inquieto e indagador publicou em 1783 a “Ode ao homem selvagem” lamentando a
perda da felicidade primitiva e o afastamento da bondade original do homem:
“Ó céus! Que imenso espaço
Nos separa daqueles doces anos
Da vida primitiva dos humanos”.20
Sousa Caldas não atribui esse afastamento ao pecado original, como seria de se
esperar de um Padre, ele busca para isso razões objetivas encontradas na estrutura
social e nas leis humanas que se opõem as leis naturais, como visto no poema acima.
Há nele uma ânsia pela liberdade e revolta contra a opressão, que se expressa sobre
forma de nacionalismo, no poema abaixo é possível ver esse sentimento, quando ele
acusa o português de avaro e declara seu amor a pátria:
“Ali a terra com perene vida
Do seio liberal desaferrolha
Riquezas mil, que o Lusitano avaro
Ou mal conhece, ou mal aproveitando,
Esconde com ciúme ao mundo inteiro.
Ali, ó dor!...ó minha Pátria amada!
A ignorância firmou seu rude assento
E com hálito inerte tudo dana,
19
Sousa Caldas, nasceu no Rio de Janeiro em 1762, teve educação em Portugal onde passou parte de sua vida,
quando estudante foi castigado pelo Santo Oficio por suas idéias avançadas, voltou para o Rio de Janeiro em
1808 junto com a família real onde viveu até sua morte em 1814. Fonte: COUTINHO, Afrânio. A Literatura no
Brasil: Era Barroca, Era Neoclássica, 1999.
20
COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: Era Barroca, Era Neoclássica, 1999, pág. 296.
12
As obras de Sousa Caldas foram editadas em conjunto nos anos de 1820-21 em Paris,
após o Romantismo ele caiu em esquecimento só voltando a ser lembrado na revisão realizada
pelo Modernismo, na semana de Arte Moderna de 1922. O autor das Poesias sacras e
profanas foi também tradutor de Salmos e se destacou por se voltar contra os colonizadores e
condenar a sociedade, admirava o Iluminismo e o racionalismo nele presente, encontrou
dificuldades com o Santo Ofício e deve sua religiosidade posta em dúvida, foi sem dúvida uma
alma dividida e que demostra o espirito de uma época de transição22.
21
COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: Era Barroca, Era Neoclássica, 1999, pág. 298.
22
Fonte: COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: Era Barroca, Era Neoclássica, 1999, págs. 296-299 e
ESCHER, Célio. Português Língua & Literatura, 1979, págs. 130 - 131.
13
23
Fonte: MARTINS, Rodrigo Perla; MACHADO, Carlos R. S. orgs. Identidade, Movimentos e Conceitos:
Fundamentos para a Discussão da Realidade Brasileira, 2004, pág. 25.
24
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira, 1994, pág. 92.
14
25
Domingos José Gonçalves de Magalhães nasceu no Rio em 1811 e morreu em Roma no ano de 1882, entre
suas obras destaca-se A Confederação dos Tamoios de 1857, foi nomeado Barão e Visconde de Araguaia por D.
Pedro II.
26
Fonte: BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira, 1994.
27
Varnhagen nasceu em Sorocaba no estado de São Paulo em 1816 e morreu em Viena no ano de 1878.
28
Fonte: CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados: Escrita Histórica e Política, 1998, págs. 241–243.
15
29
Antônio Gonçalves Dias nasceu em Caxias no estado do Maranhão em 1823 e morreu em 1864 na Costa
Maranhense, é autor do famoso poema Canção do Exílio, do poema “I – Juca Pirama”, sua última obra indianista
foi Os Timbiras (1857), escreveu ainda um Dicionário da Língua Tupi (1858).
30
Trecho do poema Canção do Exílio: Coimbra, julho de 1843. Fonte: PINO, Dino Del; SCARTON, Gilberto.
Leitura Língua & Literatura, 1985, pág. 41.
31
José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana no estado do Ceará em 1829 e morreu no Rio de Janeiro no
ano de1877, autor complexo e quase que completo, flutuou por todos os estilos de sua época: no romance
histórico ou indianista escreveu entre outros O Guarani e Iracema, no romance urbano escreveu Senhora,
Lucíola, etc. e no romance regionalista entre outros destaca-se O Gaúcho e O Sertanejo.
16
Guarani, nesta obra o homem branco é que é inserido no universo indígena e convive com as
inquietações e dilemas vividos pelos índios de nosso país, já na obra Ubirajara, Alencar nos
coloca em contato com a cultura indígena antes dessa receber a influência do homem branco.
José de Alencar é sem duvida um dos nomes mais importantes de nossa literatura, além
de seu importante papel na literatura indianista, ele também elaborou obras de caráter urbano,
histórico e regionalista, tentando dessa forma englobar todas as camadas urbanas e sociais do
Brasil. No romance histórico (As Minas da Prata, A Guerra dos Mascates, entre outros.) ele
nos mostra as relações dos colonizadores com os colonizados, primeiro partindo da temática
indianista e depois ampliando seu mundo no tempo e no espaço, o autor cria em sua busca
pelo passado, muito mais uma reconstrução mitológica do que histórica, em um mundo
poético e heróico, firma nossa nacionalidade através de raízes legitimamente americanas. No
romance regionalista (O Gaúcho, O Sertanejo, etc.), Alencar volta sua atenção para partes da
totalidade brasileira, o herói agora aparece nas figuras regionais, mas ainda sob o mito do
“bom selvagem”, ele focaliza dentro de cada região em que se dividia o Brasil na época,
centro, norte e sul, as características únicas de cada uma delas. No romance urbano (Senhora,
Lucíola, Viuvinha, etc.) Alencar documenta a vida na Corte: os hábitos, a moda, as festas;
destaca também a situação da mulher, em vista da educação recebida e seus conflitos internos
com relação ao casamento, a oposição existente entre seus sentimentos e seus interesses
financeiros32.
Apesar de toda a sua grandiosidade literária, Alencar é falho em um aspecto, o regime
escravocrata que era a coluna central de nossa economia no século XIX, sequer é mencionado
na sua obra, os escravos quando aparecem, não são mais do que figurantes e não possuem nem
uma qualificação pessoal. Os escravos vão ser assunto de outros românticos brasileiro, entre
eles Bernardo Guimarães33, nesse aspecto destaca-se A Escrava Isaura que chegou a ser
chamada de A Cabana do Pai Tomás34 nacional35, num evidente exagero, foi escrita em 1875,
numa época de tímidas manifestações abolicionistas, verdade é que Bernardo Guimarães está
32
Fonte: ALENCAR, José de. O Guarani. São Paulo: Escala, 2004.
33
Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, nasceu em Ouro Preto em 1825 e faleceu na mesma cidade em 1884,
escreveu entre outros O Seminarista (1872), O Índio Afonso (1873) e A Escrava Isaura (1875).
34
Romance de Harriet Beecher Stower, (EUA, 1851), essa obra que mostra as crueldades da escravidão norte-
americana, foi provavelmente que encorajou os romancista antiescravistas a lutar diretamente contra a
escravidão.
35
Fonte: COUTINHO, Afrânio. A Literatura no Brasil: Era Romântica, 1999.
17
mais preocupado com a relação amorosa entre Isaura (a escrava fugitiva), Álvaro (seu
benfeitor) e Leôncio (o Senhor cruel que deseja insanamente Isaura) do que reconstruir as
misérias do regime servil, mesmo Isaura é levada a viver como os brancos em sua fuga por ser
privilegiada em possuir traços físicos herdados do pai português, como vemos nessa passagem
da obra:
“Fugiu da fazenda do Sr. Leôncio Gomes da Fonseca, no município de
Campos, província do Rio de Janeiro, uma escrava de nome Isaura, cujo
os sinais são os seguintes: Cor clara e tez delicada como de qualquer
branca; olhos pretos e grandes; cabelos da mesma cor, compridos e
ligeiramente ondeados; boca pequena, rosada e bem feita; dentes alvos e
bem dispostos; nariz saliente e bem talhado; cintura delgada, talhe
esbelto, e estatura regular; tem na face esquerda um pequeno sinal preto,
e acima do seio direito um sinal de queimadura, mui semelhante a uma
asa de borboleta. Traja-se com gosto e elegância(...)”36
Como visto acima Isaura é branca nos traços e nos modos, seria realmente
constrangedor para a sociedade da época se um homem branco se condoesse de tal forma por
uma escrava negra a ponto de arriscar seu próprio nome para possuí-la, com fez Álvaro, no
entanto, esse desprezo pela cor negra também pode ser visto na obra, e nisso se redime B.
Guimarães:
“És formosa, e tens uma cor linda, que ninguém dirá que gira em tuas
veias uma só gota de sangue africano.”37
Nessa fala de Malvina (esposa de Leôncio), podemos notar o desprezo e até mesmo
uma repulsa por parte dos senhores burgueses para com os escravos negros.
O menosprezo da sociedade brasileira do século XIX com relação aos negros escravos,
vai ser a fonte de inspiração para outro grande escritor da época, o jovem poeta abolicionista
Castro Alves38, ele não foi o primeiro a tratar do tema, mas foi sem dúvida o mais notável. Foi
admirado mesmo em vida, recebendo elogios de contemporâneos célebres como por exemplo
José de Alencar e Machado de Assis, suas poesias mexiam fundo com a hipocrisia nacional,
sua estréia coincide com uma nova situação que começa a se desenvolver no Brasil, “ a crise do
36
Escrava Isaura, ed. Ciranda Cultural, pág.74.
37
Escrava Isaura, ed. Ciranda Cultural, pág.4-5.
38
Antônio Frederico de Castro Alves, nasceu em Curralinho, hoje Castro Alves, no estado da Bahia, em 1847 e
morreu em Salvador em 1871 precocemente de tuberculose aos 24 anos de idade, deixou uma obra sucinta mas
de grande valor, entre elas Os Escravos, livro de poemas que retrata a realidade dos escravos negros do Brasil.
18
Brasil puramente rural, o lento mas sólido crescimento da cultura urbana, novos ideais
democráticos”39, a repulsa pelo sistema escravocrata e das relações do senhor e do servo. Sua
poesia vibrante festeja o liberalismo idealizado e fustiga a vergonha da escravatura, seus
poemas foram feitos para serem mais discursados do que declamados, ele próprio fez uso de
seus poemas em discurso abolicionista em praça pública, teve como única obra publicada em
vida, Espumas Flutuantes (1870), mas foi com Os Escravos (1883) que se torna um símbolo
da luta abolicionista, entre os poemas reunidos em Os Escravos encontra-se O Navio Negreiro:
“Era um sonho dantesco... O tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros...estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças...mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.
E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais...
Se o velho arqueja...se no chão resvala,
Ouve-se gritos...o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!”40
Esse poema narra à travessia dos escravos trazidos da África nos navios negreiros,
denuncia a crueldade praticada a bordo, as mortes, os maus tratos da tripulação, as condições
de superlotação, a desilusão dos cativos, enfim toda a penúria sofrida na viagem. Quando
escrito, o tráfico de escravos da África já não mais existia oficialmente no Brasil, mas essa
denuncia serviu para “amolecer o coração” de toda a gente brasileira, podemos também supor
que ao falar de um navio negreiro o poeta não estava se referindo a uma embarcação, mas sim
ao próprio Brasil, submerso nas águas sangrentas da escravidão. Já no poema Tragédia no
39
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira, 1994, pág. 120.
40
ALVES, Castro. Os Escravos, 2002, pág. 96.
19
Lar, Castro Alves toca uma ferida mais aberta, ele narra à condição da senzala e o comércio de
crianças escravas feito pelo senhor:
“Na senzala, úmida, estreita
Brilha a chama da candeia,
No sapé se esgueira o vento.
E a luz da fogueira ateia.
Junto ao fogo, uma africana,
Sentada, o filho embalando,
Vai lentamente cantando
Uma tirana indolente,
Repassada de aflição.
E o menino ri contente...
Mas treme e grita gelado,
Se nas talhas do telhado
Ruge o vento do sertão.
.....................................
— Dá-me teu filho! Repetiu fremente
O senhor, de sobr’olho carregado.
— Impossível!...
— Que dizes, miserável?!
— Perdão, senhor! Perdão! Meu filho dorme...
Inda há pouco o embalei, pobre inocente,
Que nem sequer pressente
Que ides...
— Sim, que vou vender!
— Vender?!...Vender meu filho?!
Senhor, por piedade, não...
Vós sois bom...antes do peito
Me arranqueis o coração!”41
41
ALVES, Castro. Os Escravos, 2002, pág. 36.
20
pois esse era o ideal romântico daqueles que representam o romantismo em sua forma
mais próxima da idealizada na Europa, um romantismo sofrido e melancólico, cheio de
superstições e tragédias. Esses poetas, porém, nos mostram outra realidade da
sociedade do século XIX, uma sociedade de nobres que vivem de fachada. Entre esses
escritores temos o Álvares de Azevedo42, que morre aos 21 anos de idade vitima do
“mal do século” (tuberculose), sua obra é toda voltada para a paixão e o sentimento,
afastada da realidade social, mesmo assim é possível perceber nela traços da
mentalidade da época, principalmente no que diz respeito à religiosidade onde o
sagrado e o profano se encontram, em sua obra Macário, meio narrativa, meio teatro,
ele vai através do personagem que dá nome a obra dialogar com Satã, assuntos de
amor, vida e morte.43
Mesmo não tendo as obras dos ultra-românticos caráter histórico, é
interessante perceber que nem todas as pessoas do Brasil império estão inseridas em
disputas políticas ou em questões sociais, ou ainda preocupadas com a economia
nacional e envolvidas em disputas internacionais, esses poetas não estão alienados,
pois possuem uma formação intelectual que os coloca a par da situação do país, no
entanto, ao que parece em suas obras essa situação não os interessa, diferente do que
vai acontecer com os realistas, como veremos a seguir.
42
Manuel Antônio Álvares de Azevedo, nasceu em 1831 e com 21 anos incompletos, morre em 1852, deixa uma
obra sucinta mas de grande valor, ele é a imagem do romantismo em sua forma mais pura, sua morte precoce
condiz com o ideal romântico e com o chamado “mal do século”, ou seja, a tuberculose, teve praticamente toda a
sua obra publicada póstuma, entre elas estão Lira dos Vinte Anos, Macário e Noite na Taverna.
43
Fonte: AZEVEDO, Manuel Antônio Álvares de. Macário, 2002.
21
44
Fonte: Posfácio realizado por José De Nicola na obra : AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço / Casa de Pensão, 1995,
págs.160 – 165.
45
Joaquim Maria Machado de Assis, nasceu no Rio de Janeiro em 1839 e morreu na mesma cidade em 1908, teve
um vasta obra em que figuram obras primas como Memória Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e
Memorial de Aires.
23
pano de fundo enquanto os homens vivem suas vidas mergulhados em seus problemas
pessoais, há um certo teor fatalista em sua obra:
“não se luta contra o destino: o melhor é deixar que nos pegue pelos cabelos e nos
arraste até onde queira alçar-nos ou despenhar-nos.”46
O fatalismo está sempre presente nas obras realistas, que segue o padrão
europeu do evolucionismo, ou seja, apenas os mais fortes sobrevivem.
Em outro autor da época, Aluísio Azevedo47 encontramos um retrato da
realidade brasileira tão crua que chegou a ofender os burgueses da época. Nascido em
São Luís do Maranhão, ele sofre em uma sociedade que era formada por um clero
conservador, por senhoras beatas moralistas e por escravocratas produtores de algodão.
Em junho de 1881 é lançado o romance O Mulato, que é inspirado no preconceito de
cor que assola o país, a repercussão da obra é imediata, foi um escândalo na cidade que
se dizia a Atenas brasileira (devido a sua cultura e por ter diversos autores de nível
nacional, da qual a cidade se orgulhava). A revista Civilização, porta voz do clero
conservador, publica o seguinte artigo do Sr. Euclides de Faria:
“Eis aí um romance realista, o primeiro pepino que brota no Brasil.
É muita audácia, ou muita ignorância, ou ambas ao mesmo tempo! É
contar demais com a ignorância dos leitores, com a benevolência da
crítica nacional, e julgar os outros por si.
Permita o jovem zote, autor do Mulato, que me admire ainda uma vez. A
sua compreensão sobre o realismo é de eternas luminárias! Melhor seria
fechar os livros, ir plantar batatas (...)
À lavoura, meu estúpido. À lavoura! Precisamos de braços e não de
prosas em romances! Isso sim é real. A agricultura felicita os indivíduos e
enriquece os povos! À foice! À enxada!”
(Revista Civilização, edição de 23 de julho de 1881, São Luís do
Maranhão)48
Nessa crítica vemos o quanto à elite dominante se preocupou com essa nova
forma de se escrever, de denunciar o real, e na fala do Sr. Euclides de Faria ainda
46
ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó / Memorial de Aires, 2003, pág. 44.
47
Aluísio Tancredo Gonçalves Azevedo, nasceu em São Luís do Maranhão em 1857 e morreu em Buenos Aires
no ano de 1913, autor de obras polemicas como O Mulato, O Cortiço e Casa de Pensão, chegou a ter que mudar
de sua cidade após o lançamento de O Mulato em 1881, devido a indignação dos burgueses maranhenses diante
de uma obra onde o personagem principal era um mestiço.
48
Fonte: AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço / Casa de Pensão, 1995, págs. III – IV.
24
vemos que ele se preocupa com a divulgação da cultura, para ele o que o país precisa é
de braços para trabalhar e não de cabeças para pensar.
Após toda essa situação, Aluísio Azevedo, abandona a sua terra natal pois o
ambiente lhe é muito desfavorável, ele parte para o Rio de Janeiro, onde sua obra
recebeu uma boa crítica, mas mesmo no Rio ele encontra dificuldades já que estava
decidido a sobreviver de sua literatura, fato esse inédito no Brasil. Passa, a partir daí, a
escrever dois tipos de romances: os românticos, escritos para o grande público, de
forma mecânica, apenas tencionando vende-los para sobreviver e os
realistas/naturalistas, escritos para saciar sua sede intelectual, entre esses Aluísio
produz dois que são considerados decisivos para a evolução da literatura brasileira: O
Cortiço (1890) e Casa de Pensão (1884), essas obras retratam as habitações coletivas
que abrigavam aqueles que viviam a margem da sociedade carioca, justamente em um
momento em que nossa História passa por transformações decisivas, do regime
escravocrata para o regime assalariado e da monarquia para a república.
Selecionamos O Cortiço como exemplo, nessa obra o autor pretendia mostrar
um período de nossa História, pois ela fazia parte de um empreendimento maior, do
qual fariam parte cinco romances, onde a ação começaria nos tempos da independência
até os seus dias atuais, por volta de 1887, no entanto o projeto não passou do primeiro
volume e Aluísio também abandonou a idéia de criar um vasto painel da História
brasileira, assumindo assim a postura típica de um realista, que se preocupa só com o
presente. A ação de O Cortiço ocorre na década de 1880, ou seja, as vésperas da
abolição da escravatura e da proclamação da república. Em uma das epígrafes que
Aluísio transcreve no início de O Cortiço lê-se:
“La Vérité, toute la vérité, rien que la vérité.” 49
Nisso já podemos notar que a intenção da sua obra é mostrar a realidade como
ela realmente é, Aluísio procura analisar a sociedade carioca e o seu capitalismo
primitivo do final do século XIX. Mas ele não o faz de forma neutra, por ser um
49
Direito criminal em francês: “A verdade, toda a verdade, nada mais que a verdade.” Fonte: AZEVEDO,
Aluísio. O Cortiço / Casa de Pensão, 1995, pág. 1.
25
50
Tendência literária definida pelo escritor francês Emílio Zola (1840 - 1902), que pretendeu aplicar à realidade
da natureza humana os métodos experimentais adotados pela ciência. Fonte: PINO, Dino Del; SCARTON,
Gilberto. Leitura Língua & Literatura, 1985.
51
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço / Casa de Pensão, 1995, pág. 12.
26
Considerações finais.
A vasta literatura brasileira do século XIX, é sem dúvida das mais ricas fontes
históricas que possuímos para podermos entender um pouco desse período, que
representa uma passagem em nossa História, da Colônia à República, como vimos
nesse período do meio (1808 à 1889), tivemos três grandes tendências literárias: o
Arcadismo, o Romantismo e o Realismo, sendo o Romantismo o mais significativo da
época, já que o Arcadismo encontrava-se em seu final e o Realismo em seu começo,
por isso, é importante frisar mais uma vez a relação do Romantismo com o
Medievalismo europeu, época essa que foi classificada como Medieval pelos
intelectuais do modernismo, justamente por encontrar-se no meio e ser considerada por
eles um atraso daquelas que foram tidas como grandes épocas de cultura e do
desenvolvimento humano: a Idade Antiga e o Renascimento.
O nosso Romantismo retrata muito bem nosso “período do meio”, o período da
monarquia no Brasil, ele mostra nossa formação nacional, nossa busca incessante por
um passado glorioso que não possuíamos, tendo como referência o ponto de vista
europeu, por valores que não conhecíamos e por ideais que eram importados da
Europa, o Romantismo mostra uma nobreza sustentada por colunas tortas de escravos
negros e fantasmas indígenas, mostra nossa bela religiosidade, essa sim tão fervorosa
quanto a medieval, como é possível observar no Guarani de José de Alencar, no qual o
personagem Peri é obrigado moralmente a trocar de religião em favor de seu amor por
Cecília.
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Mas assim como na Idade Média, nosso “período do meio” também nos trouxe
alguns benefícios, tais como: a abertura da nossa visão de cultura e uma preocupação
maior com nossa nacionalidade, além de melhorarmos nossa estética artística literária.
E é claro que houve uma evolução em nossa cultura no que se refere a literatura, já
que, ao contrário do ocorrido na Europa, no Brasil não houve uma Antigüidade
Clássica, ou seja, não tínhamos como fazer um Renascimento resgatando no período
clássico autores e obras, no Brasil houve um período de exploração colonial que deixou
marcas profundas em nossa cultura, refletidas intensamente no século XIX, mas que
sob o olhar romântico foi amenizado, já que tínhamos que criar um passado heróico
nos afastando de Portugal o máximo possível.
A literatura nos diz muito sobre a mentalidade de uma época, e é nisso que
vemos a maior relação do período imperial do Brasil e a Europa medieval, nossas três
raças (assumindo aqui o branco, o negro e o indígena, como formadores de nossa
cultura, no olhar literário, já que nas obras do século XIX apenas elas são
mencionadas) fizeram proliferar no país um pensamento obscuro quando ao sagrado e
ao profano, a luta do bem contra o mal pôde ser vista em diversas obras literárias e as
leis católicas proliferaram sob as ordens do imperador52.
O Romantismo vai preparar o terreno para o surgimento do Realismo no Brasil,
que vai apontar os defeitos do país que até então parecia viver em plena harmonia no
tocante a literatura, essa nova forma de se escrever vai coincidir com os ares da
república e de uma nova ordem moral brasileira, 1889 marca o fim desse estudo, mas é
preciso que se mencione a alavancada literária que se dá pós proclamação que vai
culminar com a Semana de Arte Moderna de 1922, justamente à cem anos da
independência do Brasil, ano esse que vai servir para se fazer um balanço de nossa
História sem Portugal, e começarmos a formar uma nova mentalidade.
52
Fonte: JÚNIOR, Hilário Franco. A Idade Média: Nascimento do Ocidente, 2005, pág. 169.
28
Referências bibliográficas.