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REDUÇÃO SERIA A SOLUÇÃO?

Jonathan Rocha Guimarães*

Mais uma vez a discussão em torno da redução da maioridade penal ganha


grande destaque nos meios de comunicação de massa e no debate público atual.
Claro que as argumentações que ora se apresentam provocam uma tensão
social surgida das opiniões conflitantes sobre o tema e partem evidentemente de
uma problemática que aflige o país: casos de adolescentes envolvidos em atos
infracionais. Ledo engano pensar que esta preocupação e as propostas daí
advindas em reduzir a imputabilidade penal encontram suas raízes na
contemporaneidade brasileira.
Desde a outorgação do primeiro Código Penal da nação brasileira, em 1830,
percebe-se a existência de debates calorosos para definir este marco, tendo
modificado de lá para cá as idades que estabelecem a maioridade penal em nossa
sociedade.
É notório atentar que, mesmo em épocas anteriores as idades para se julgar
uma pessoa criminosa tenha sido bastante reduzida em relação à atualidade, mas
não podemos esquecer-nos do contexto histórico-social em que foram produzidas e
as concepções que se tinham sobre a infância.
Philippe Áries, historiador francês, nos informa que o sentimento que hoje
possuímos sobre a infância enquanto ser digno de uma atenção especial e com
suas peculiaridades de desenvolvimento social, irá se constituir em um processo
lento ao longo da idade moderna. Durante a idade média, por exemplo, as crianças
confundiam-se com os adultos assim que se consideravam capazes de exercerem
algumas atividades sem a ajuda da mãe ou ama, que se dava geralmente por volta
dos sete anos de vida, a chamada “idade da razão”, para os poetas barrocos.
Esse modo de conceber as crianças enquanto seres diluídos dentro de uma
teia social, perpassará também no contexto brasileiro sistematizada ainda no Código
Penal de 1890, onde fixa a imputabilidade penal plena, com caráter objetivo, nos
quatorze anos de idade.
Com o desembocar do século XX, no bojo das discussões republicanas de
construção de uma sociedade ideal, a questão infanto-juvenil ganha conotações
políticas. Nesse momento ressalta-se a necessidade de intervenção do Estado na
*
JONATHAN ROCHA GUIMARÃES, formando em História pela UFMA, Funcionário Público e Técnico em
Projetos Sociais na ABRISMAR
educação e/ou correção, de modo que como futuro cidadãos pudessem incorporar
desde cedo a importância de seus papéis úteis e produtivos a serviço dos objetivos
da nova nação.
No entanto, a preocupação não se dará na mesma medida e da mesma
forma com todas as crianças. Ela recairá sobre aquelas que potencialmente
representaria uma ameaça ao projeto político do Brasil: as crianças pobres ou como
preferiam “menores”. A consolidação desta idéia vem em 1927, com a promulgação
do primeiro Código de Menores brasileiro, fruto de uma aliança de médicos
higienistas e juristas que tratava das questões relativas a assistência e proteção dos
“menores”.
Com base na doutrina do Direito do Menor, esse aparato jurídico possuía
uma estrutura de forma centralizada, limitando a participação de diferentes atores
políticos, onde o Juiz de Menor detinha poderes de execução, legislação e de
aplicação da lei. Aspecto ainda relevante reside no fato da grande importância que
possuía as unidades de internação, já que elas seriam as responsáveis por corrigir
deficiências e falhas existentes no processo de socialização do “menor”. Para isso
foi pensado todo um mecanismo de controle, guarda, vigilância, reeducação,
reabilitação e reforma. Como afirma a promotora de justiça Janine Borges Soares, o
Código de Menores reflete um profundo teor protecionista e a intenção de controle
total das crianças e jovens, consagrando a aliança entre Justiça e Assistência,
constituindo novo mecanismo de intervenção sobre a população pobre.
O Código Mello Mattos, como ficou conhecido o primeiro Código de
Menores, estabeleceu que o menor abandonado ou delinqüente, menor de dezoito
anos, ficaria submetido ao regime estabelecido por este Código, eximindo o menor
de catorze anos de qualquer processo penal, e submetendo o maior de catorze e
menor de dezoito anos a processo especial.
Em 1979, sob influência do Regime Militar, essa legislação passa por uma
reformulação, mudando sua base doutrinária baseada agora no conceito de
“Situação Irregular”. Fica claro com esta mudança, a necessidade de se deixar
evidente o controle que deveria ter aqueles considerados de condutas suspeitas, ou
que sofriam maus-tratos da família, ou estavam em situação de abandono pela
sociedade, ou seja, qualquer pessoas até dezoito anos de idade que não se
ajustassem a um padrão estabelecido visto que apresentavam uma patologia social.
Depois de viver sob um regime ditatorial, o Brasil passa então por um
processo de redemocratização política e os movimentos sociais ganham forca, se
mobilizam e se rearticulam reivindicando maiores direitos de participação. No cerne
desse movimento vários segmentos da sociedade brasileira clamam por mudanças
também para o segmento infanto-juvenil, cujo aparelho jurídico não correspondia
com a nova realidade por qual passava o país.
A mudança vem com a promulgação da nova Constituição Federal em 1988
no seu Artigo 227. O artigo, baseado na Doutrina da Proteção Integral perpassará
também o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA -, este por sua vez,
promulgado a 13 de julho de 1990, passa a tratar a temática infanto-juvenil como
prioridade absoluta na formulação e implementação das políticas públicas enquanto
sujeitos de direitos e em condição peculiar de desenvolvimento, co-
responsabilizando os diversos atores sociais para a garantia desses direitos.
Não resta dúvidas a grande transformação de paradigmas que houve com
esta nova lei, considerada uma das mais avançadas no mundo para este segmento.
A alteração jurídica parece não corresponder a uma alteração cultural na forma de
conceber a realidade daquelas crianças que ainda não fizeram sentir de perto o que
lhe foi prometido, que apesar de dezesseis anos de promulgada, há um fosso
enorme entre direitos legais e direitos reais em nosso país. Sem falar na
permanência de concepções atreladas a um ideal autoritário, resquícios de uma
cultura política despótica e impositiva, o que faz que o ECA torne-se subordinado a
tais práticas, com presença ainda visivelmente em parcelas conservadoras de nossa
sociedade.
Fato relevante é que, apesar de mais uma década de existência, vê-se ainda
grande distorções sobre o que ela representa. Uma dela condiz com a inexistência
de medidas punitivas àqueles que cometem algum ato infracional, difundindo a idéia
de incentivar a criminalidade através da impunidade. O Estatuto em seu artigo 6º do
Capítulo I reforça que “na interpretação desta lei, levar-se-ão em conta os fins
sociais a que ela se destina”, e portanto, não quer dizer necessariamente que as
crianças e adolescentes que cometem ato infracional não venham ser
responsabilizados. Para isso trata em seu Título III sobre esta questão, onde
estabelece seis medidas a serem aplicadas na ocorrência de crime ou contravenção
penal sendo eles autores: a advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de
serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; e
a internação de um período que pode chegar até três anos, o que corresponde a
10% do total de pena máxima que um adulto pode ter. Por privilegiar o aspecto
educacional e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários (art. 100), para
alguns o ECA ainda não se legitimou socialmente sob a égide de uma perspectiva
criminalizadora dos antigos códigos de menores.
Para finalizar, considero válido fazer uso do pensamento do cientista político
Edson Passetti: “ou ampliam-se às conquistas jurídicas consagradas no ECA,
renovando a mentalidade dos juízes, promotores e advogados (e da sociedade em
geral), ou caminharemos para o retrocesso à situação do início do século passado
com prisões e internatos, só que agora em instalações computadorizadas e
controladas por fibra ópticas, reconhecendo-se que nada servem para corrigir
comportamento ou educar”.

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