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A história da nouvelle histoire pode ser dividida em sua dimensão mais ampla,
que envolve todo século XX, em quatro períodos. T. Stoianovich caracteriza estes
períodos das seguintes maneiras:
1 – 1900 – 1920 – fase da “crise da consciência histórica”, que aparece nos
artigos das recém-fundadas revistas Annales da Geographie, L’Annee Sociologique,
Revue de Synthese Historique.
2 – 1920 – 1946 – aparecimento do 10º volume da coleção dirigida por H.
Berr, L’Evolution de l’Humanite, a organização do Centre de Synthese e colóquio
anual Semaines de Synteses, a criação do projeto de uma Encyclopedie Française e
a fundação da revista Annales d’ Histoire Economique Et Sociale.
3 – 1946 – 1968 – fase de explosão criadora e de expansão institucional. Os
Annales entraram em uma fase de consolidação quase burocrática.
4 – 1968 – 1988 (?) – período sob a influencia inicial do movimento estudantil
de 1968, que obrigou a revisões da orientação da revista e na reorganização
institucional. Braudel não terá mais a direção solidaria da revista.

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T. Stoianovich considera como central, para a construção do novo paradigma
dos Annales, a presença de E. Braudel, entre 1957 e 1972, como produtor da obra
mais revolucionaria e como administrador do patrimônio dos Annales, diluindo,
assim, a importância da criação da revista e dos “combates” e “apologias” da
história, de Febvre e Blochm, antes da Segunda Guerra. Posição que o próprio
Braudel, prefaciando a obra do próprio Stoianovitch, contestará.
“Podemos dividir a historia do Annales em dois períodos, um anterior a 1945,
que foi caracterizado por Le Roy Ladurie como sendo o da “história estrutural
qualitativa”, e um segundo, posterior a 1945, no qual uma “história quantitativa
conjuntural” cresceu sem substituir a orientação anterior. Entre esses dois períodos
existem diferenças instituicionais: antes de 1945, a Revista dirigida por Febvre e
Bloch representa sozinha o grupo (...) após 1947, a Revista ganha um novo nome e
o grupo dos Annales liga-se a uma nova instituição, a 6ª Seção da École Pratique
des Hautes Études (...)
O equivoco de Stoianovictch, a nosso ver, está em dar mais importância a
uma fase em detrimento de outras, pois a cada fase, em seu momento especifico,
construía a nouvelle histoire, fortalecia-se e ampliava sua área de influencia teórica e
institucional. Entretanto, geralmente, divide-se a história da nouvelle histoire em três
fases distintas, a partir da fundação da revista Annales d’Histoire Economique ET
Sociale: de 1929 a 1946, de 1946 a 1968, de 1968 em diante.
Fala-se de três “gerações dos Annales”, com lideranças e orientações
diferentes, ligadas a momentos históricos diversos.

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Na primeira, de 1920 a 1945, era pequena, radical e subversivo, fazendo uma
guerrilha contra a história tradicional, a história política e a história acontecimental.
Após a Segunda Guerra, os rebeldes tomaram o estabelecimento histórico. Esta
segunda fase foi dominada por Braudel. Uma terceira fase abriu-se por volta de
1968. A história dos Annales pode ser, portanto, interpretada em termos da
sucessão de três gerações”. (Burke, 1990, p. 2-3).

A primeira fase: 1929/1946


Febvre, Bloch e a Renovação da História com a Revista Annales D’Histoire
Economique Et Sociale
Retomaremos aqui a atividade de Bloch e Febvre, que, por meio da revista
Annales d’Histoire Economique ET Sociale, combateram a história tradicional e os
seus representantes, apresentando o projeto de uma nouvelle histoire, para
constatar essa fase do movimento com as suas fases posteriores.
Alguns sustentam que a 3ª geração não só teria continuado a tradição dos
fundadores e mesmo radicalizado suas primeiras formulações, e outros falam de
uma descontinuidade e até de uma “traição” dos novos Annales aos fundadores. O
que Febre e Bloch trouxeram de novidade, de fato, foi sua compreensão
temporalidade histórica.

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Em suas obras históricas e teóricas, eles introduziram o permanente, o
duradouro, recusando a história como o conhecimento exclusivamente da mudança.
As relações entre os homens e a natureza não são concebidas como uma “luta”,
mas como relações de complementaridade e solidariedade recíprocas.
Interessaram-se pelas estruturas econômico-sociais: nas estruturas econômicas,
aprecem os meios de intervenção coletiva dos homens na natureza, para a
produção dos bens materiais necessários à reprodução da vida; nas sociais,
aparece o que há de “natural” na sociedade, isto é, o repetitivo, o resistente, o que
há de comum entre os indivíduos. O historiador tenderá a privilegiar o que “dura”, o
que se repete, para estabelecer ciclos e tendências seculares.

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A história efetiva dera razão ao seu programa: a partida contra a história
tradicional estava ganha. A partir daí, foi a revista de história que mais cresceu e
mais influência exerceu no mundo. Tornou-se, enfim, uma sólida instituição. Até
1946, ela será formuladora e combatente por uma nova história. Nesse período,
Febvre e Bloch Abandonarão a Universidade de Estrasburgo e irão instalar-se,
respectivamente, no Collège de France e na Sorbonne.
Para Le Goff, as motivações de Febvre e Bloch, quando do lançamento da
Revista, eram três: 1º tirar a história de seu isolamento disciplinar, derrubando as
paredes que a compartimentavam; 2º afirmar direções novas de pesquisa,
interessando pelas esferas econômica, social, geográfica, mental; 3º empreender o
combate contra a história política, na sua forma diplomática, narrativa e
acontecimental, que mascarava o verdadeiro jogo histórico, que se passa nos
bastidores estruturais, que seria o que se deveria fazer aparecer e explicar (Le Goff,
1988ª). Além disso, propuseram um conhecimento histórico a partir do presente ,
um presente que compreende a sua história como continuidade e alteridade em
relação ao passado. Le Goff concorda que a grande “invenção” dos fundadores foi
sua nova percepção da temporalidade histórica, que eles não puderam desenvolver
plenamente, mas que braudel, a aprtir deles, fará a teoria definitiva. Este
conhecimento do “duradouro” e da mudança das sociedades humanas só poderia
ser realizado através da aliança com as ciências sociais.

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A Revista se aproximou das ciências sociais, visando a realizar, sob a sua
influencia, pesquisas sobre novos objetos, como as estruturas agrárias, as técnicas,
as mentalidades coletivas, sobretudo com o século XVI europeu, através de
biografias de líderes intelectuais e religiosas. O caráter dessa primeira fase, talvez,
tenha sido mais bem explicitado por Iggers: aqui teria predominado a abordagem
“estrutural qualitativa” da história.
Segundo F. Dosse, a nouvelle histoire do tempo de Febvre e Bloch ainda era
uma ciência da mudança, dentro de uma duração global, que tinha, ainda em seu
centro, os homens e seu vivido. Para eles, o historiador devia abandonar os juízos
de valor sobre os homens do passado, deixar de ser um juiz, pretenso portador de
uma “verdade” que distinguisse o Bem e o Mal, e deveria compreendê-los, isto é,
situá-los em seu tempo e sociedade, distinguir os recursos que possuíam para
representarem essa sua situação e, assim, promover o diálogo entre eles e os
homens do presente.
O historiador belga H. Pirenne era o seu guia-orientador e várias vezes o
convidaram para orientá-los na criação de uma revista de história econômico-social;
várias vezes, ele recusou e o projeto foi adiado, até que, finalmente, ele cedeu, mas
preferiu manter-se em uma posição de “eminência parda”. Influenciado por K.
Lamprecht, que havia confrontado, na Alemanha, a história metódica de Ranke,
Pirenne sustentava o que viria a ser a causa dos Annales.

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Além de Pirenne, os seus aliados eram alguns outros historiadores: Charles
Perrin, Charles Morazé, G. Lefebvre e, sobretudo, cientistas sociais: Charles
Blondel, Henri Walon, Vidal de La Blache, E Simiand, M. Halbwachs, G. Friedmann,
A. Siegfried, H. Berr. Colaboraram frequentemente na Revista, nessa fase: G.
Méquet, P. Leul-Liot, H. Baulig, G. Le Bras, M. Baumont, J. Houdaille, Henri Sée, E.
Soyous, P. Monbeig, H. Brunschwig, J. Sion, A. Varagnac, A. Girard, M. Blanchard,
entre outros.

Um outro nome fundador: Ernest Labrousse


Além de Febvre e Bloch, essa primeira fase possui ainda um nome, que será
fundamental para os desdobramentos posteriores da Revista e da “Escola dos
Annales”: este terceiro nome fundador dos Annales é o de Ernest Labrousse.
Seguindo os pasos de Bloch, influenciado por Marx, Jaurès e Simiand, as obras de
Labrousse Esquisse Du Mouvemem des Prix ET des Revenus em France au XVII e.
Entretanto o Esquisse não pertence, originalmente, ao campo da história, pois
foi defendida em uma Faculdade de Direito, em 1932. Somente a partir de 1936 é
que esta obra se tornou conhecida entre os historiadores, através da intermediação
de G. Lefebvre. Lefebvre, para incorporar Labrousse entre os historiadores, procurou
separá-lo de Simiand: Labrousse seria mau historiador – descritivo, empírico, crítico
rigoroso das fontes e as utilizava com prudência, apresentando o homem como uma
realidade mais viva, mais concreta. Simiand seria mais abstrato e filosófico.

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Para Braudel, refutando a tese de T. Stoianovitch, que põe como o criadopr
do verdadeiro paradigma dos Annales, a fase de 1929 a 1940 foi decisiva para os
Annales. A grande data da história dos Annales é 1929, quando, em um período de
crise da história efetiva, e como resultado de um longo debate sobre as condições
de possibilidades de uma nova história, Febvre e Bloch fundaram a revista “AHES”.
Para Braudel, o impacto dessa revista trincou a auto-suficiencia e a mediocridade da
historiografia francesa. “Em 1929”, afirma Braudel, “tudo em história estava para ser
feito, refeito ou repensado conceitual e praticamente. A história só pode-se-ia
renovar pela associação com as ciências sociais.

A “História da História” dos Annales feita por alguns de seus membros


Há uma tendência dos “herdeiros” a narrar uma história “epopéia do
nascimento dos Annales, que considera o surgimento da nouvelle histoire como o
resultado da atuação impressionante de dois heróis, que produziram grandes
eventos, bons e justos, contra uma má história e maus historiadores. Essa
tendência, hoje, já possui seus críticos dentro do próprio grupo, que procuram
“datar” a nouvelle histoire, inserir sua novidade nas condições objetivas que o
tornaram possível.
A nova história da ciência se interessa pelas relações que a ciência de uma
época mantêm com as estruturas ideológicas e sociais dessa época. Procura-se,
hoje, fazer uma “história-problema” dessa primeira fase dos Annales.

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A história erudita era cabível e necessária no século XVII, para estabelecer os
fatos de uma história religiosa longínqua, que naquele momento vivia sua
controvérsia. A história do século XIX não era política e nacionalista por acidente.
Ela o foi por causa do traumatismo revolucionário e da necessidade de afirmação
das nacionalidades. Por que o século XX teve necessidade de elaborar uma outra
história diferente daquela história política e factual do século XIX?
Mas o desafio de fazer uma história de si própria, problemática e critica, foi
enfrentada pelo artigo de A. Burguière, que apareceu na Revista quando da
comemoração do seu 50º aniversario (Burguière, 1979).
Segundo ele, os fundadores não eram “marginais” – eles cultivaram a
marginalidade, para conseguir criar um espírito diferente do da sua época. Na
verdade, eles eram filhos de professores universitários, eram “herdeiros” de postos
acadêmicos. Seu programa não foi uma intuição original desses dois solitários e
geniais, mas o desenvolvimento, graças às condições favoráveis específicos da
França, de um programa que era formulado ao mesmo tempo na Inglaterra.

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A escola dos Annales só tomou forma graças à centralização que lhe conferiu
um caráter parisiense(...) Na universidade de hoje, há um grande numero de
historiadores que não têm relações institucionais com a Escola dos Annales mas
que podem ser relacionados a ela pelo seu trabalho(..)” (Le Roy Ladurie citado em
Gadoffre, 1987, p.210).
A revista “AHES” foi o resultado da confluência dessas três correntes, em
uma síntese original, pois marcadamente histórica. Cultivando o antidogmatismo, em
um mundo dogmático – radicalmente capitalista, comunista ou facista – e a
marginalidade, em um mundo intelectual enrijecido pela institucionalização, os
Annales não ofereciam sistemas, teorias fechadas sobe a realidade social, mas um
campo inesgotável de problemas a pôr e a resolver sobre o passado dos homens.
Seu objetivo era o de renovar a história e, com essa renovação, desalojar os
então ocupantes das instituições históricas francesas e ocupá-las, obtendo o apoio
do novo poder tecnocrático e do Estado planejador. Agressivos, polêmicos, diretos e
ligados à história efetiva, realizaram este segundo objetivo, aproveitando-se da crise
de seus possíveis rivais: o pensamento geográfico bloqueou-se, os durkheimianos,
dispersaram-se, a economia estava isolada nas Faculdades de Direito, a Revue
Historique em queda vertiginosa.
A história, ciência federadora do nosso tempo, nasceu entre 1929 e o inicio
dos anos 30, nasceu da angustia e infelicidade deste tempo, na atmosfera dolorosa
de uma crise de dimensões enormes e repercussões infinitas (...). O que é anterior
tem valor de documento(...)”.

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Se é verdade que o conhecimento histórico tomou uma nova forma a partir
dessa data, pois se adequou à nova realidade da história mundial e atualizou-se
com as novas formas de pensar e conhecer a sociedade, não é verdade, a nosso
ver, que o que é anterior só tem valor de documento. Quanto à história econômica,
especificamente, se Chaunu se refere a ela em particular, ela não reduz todo o
campo da história, não o funda, e, se ela ganhou tal dimensão e sofisticação, é
porque ela está situada em um tempo que enfrenta e “valoriza” os problemas
econômicos como maiores. Os problemas “valorizados”maiores antes eram
metafísicos, políticos, culturais, militares, diplomáticos, psicológicos e tiveram sua
história correspondente; assim como uma sociedade tecnocrática e de massas
“valoriza” e tematiza especialmente os problemas econômicos que ela enfrenta,
apesar de estar mergulhada inteiramente naquelas dificuldades anteriores, que as
sociedades, do passado consideravam mais importantes.
A 2ª “geração” dos Annales realizará essa radicalização: quantificará aquela
nova compreensão do tempo histórico proposta pelos fundadores, que ainda
realizavam uma abordagem qualitativa.

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A segunda fase: 1946/1968
Annales: economies, societés, civilisations:
A consolidação do Novo Programa Teórico e Projeto de Poder
Depois de ter mudado seu titulo por duas vezes, durante a Segunda Guerra, a
revista obteve um novo e, parece, definitivo título: Annales: Economies, Societés,
Civilisations. Até aqui, enfatizou-se uma pesquisa histórica econômico-social e a
partir daqui um novo campo de pesquisa, sob o título civilisations. Parece um
esforço em direção à história global, que os fundadores tinham defendido.
A história econômica tendera a se constituir autonomamente, desvinculando-
se de seu lado social, e a história social, mais tarde, irá também procurar constituir o
seu espaço próprio de pesquisa, desvinculando-se ou não se submetendo ao seu
lado necessariamente econômico. Em 1963, agora com o apoio da Fundação Ford,
foi criada a Maison des Sciences de L’Homme, que se tornou um importante centro
de pesquisa e ensino de ciências sociais. A nouvelle histoire ampliou enormemente
seu centro institucional: não está sediada mais em uma revista menor, mas em uma
revista “maior” e em sólidos “corpos físicos” – prédios, laboratórios, bibliotecas,
editoras, funcionários – e em Paris, e não mais na Província.
Dir-se-ia que a institucionalização dos Annales poderia fazer parte do plano
de reconstrução da Europa – Marshall – pelos americanos, após a Segunda Guerra.
Os franceses saíram dessa meio vitoriosos, eram aliados dos americanos, mas
queriam manter sua posição de “grande potencia”.

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Vitoriosos enquanto administradores da derrota, os Annales levaram o seu
espírito imperialista original, nessa segunda fase, ao seu máximo. Seus métodos se
difundiram pelos países mediterrâneos, na Península Ibérica, na America Latina, nos
EUA, em alguns países socialistas. A antropologia polemizará com a história,
através de Lévi-Strauss. O pensamento estruturalista, que dominará os anos 60,
atacava a história com uma velha argumentação: factual, trata de fenômenos
conscientes, narrativa, diacronia simples, não - cientifica.
A “estrutura” da história ainda é “tempo” – lento, longo, quase imóvel – mas o
“tempo concreto das sociedades humanas”. A incorporação e redefinição do
conceito de estrutura, por Braudel, sem se distanciar de Febvre e Bloch, permitiram
aos historiadores resistir aos ataques estruturalistas.
O planejamento das empresas privadas e do Estado empresarial terá uma
grande necessidade das ciências sociais. Há, portanto, uma disputa entre elas, e
Brudel teve que sair em defesa da história contra os ataques estruturalistas da
antropologia. Para isto, escreveu um dos dois textos – manifesto desse período da
Escola do Annales.
O primeiro é de Febvre, sob o titulo Face au Vent – Manifeste des Annales
Nouvelles, onde Febvre justifica as mudanças de titulo e de orientação que a Revista
tomou desde a sua fundação.

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Segundo ele, entre 1929 e 1946, a Europa viveu a ascensão do nazismo e do
fascismo italiano, a consolidação da URSS stalinista, a crise do capitalismo e a
Guerra Mundial de 40 e, passar por essa tempestade sem alterações e
reorientações seria um mau sintoma para uma revista de “história econômico-social”,
que se queria atrelada ao presente, atenta ao desenvolvimento da história efetiva:
Braudel: seus debates, combates e vitórias
o texto-manifesto de Braudel é a elaboração teórica a posteriori da sua obra
La Mediterranee ET Le Monde Mediterraneen a l’Epoque de Philippe II, de 1949.
Trata-se de um artigo que apareceu na seção Debats ET Combats da sua Revista,
sob titulo La Longue Duree em 1958.
A história visaria as permanências que dão sentido aos eventos. A estrutura
sofre o “vento da história”, que são seus eventos, e é obrigada a se rearticular, a
mudar lentamente. A estrutura é o “não há nada de novo”, que envolve o evento, a
novidade, ela é uma articulação dos “elementos” já presentes nela.
Nesse artigo, Braudel formula o conceito de “longa duração”, já presente
embrionariamente nos fundadores e, praticamente, em sua obra de 1949.

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A “estrutura” do historiador é o Carter repetitivo das atividades dos indivíduos
e grupos e que define os limites de atividade, do crescimento demográfico, da
produção agrícola. A descrição de uma estrutura leva a as história: as mudanças
internas, as crises conjunturais, os movimentos cíclicos, as tendências a estagnação
e ao crescimento (Pomian citado em Le Goff, 1988ª). O historiador enfatiza o que se
repete, o que se permanece constante durante um longo intervalo de tempo.
Em Braudel, o homem é descentrado e sofre, de alguma forma, a
temporalidade muito mais do que a produz. O homem perdeu o controle total de sua
historicidade – ele já teve algum dia? – e sabe que age sob limites geográficos,
sociais, mentais, culturais, econômicos, demográficos, conscientes e inconscientes,
que ele não pode vencer, pois não dependem de sua vontade.
O mais cético verão aqui um rompimento de Braudel com os fundadores. Para
Dosse, “o humanismo de Febvre e Bloch se apaga diante do jogo inexorável das
forças econômicas e o homem se acha descentrado dos estudos históricos”.
Além de referir a pluralidade das civilizações, que implica a divergência de
direções temporais, ele falará também de um tempo cortado em três ritmos
heterogêneos: estrutural, conjuntural, acontecimental.
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Braudel define as “estruturas” como um conjunto de pressões, limites e
barreiras, que intermetiam as diferentes variáveis de elevar acima de certo teto. K.
Pomian, cuja interpretação de Braudel vem seguindo, possui uma concepção
original da elaboração da temporalidade histórica de Braudel, não só quanto as
áreas ligadas a cada ritmo de tempo, como a noção de evento, que deveria dessa
visão do tempo.
Quanto as áreas ligadas a cada ritmo do tempo, geralmente se associa o
tempo longo ao geográfico, o tempo conjuntural ao econômico-social e o tempo
breve ao individual e acontecimental, considerava que essa vinculação dos três
ritmos temporais a uma divisão da matéria histórica e arbitraria. As três durações
podem ocorrer em qualquer uma das dimensões históricas: uma monarquia milenar,
um terremoto ou vulcão de segundo ou dias.
Braudel será a figura central da segunda fase dos Annales, tanto como
historiador como administrador do patrimônio físico, institucional e da influencia, que
ele herdou. Até 1956, quando de sua morte, Febvre terá ainda a liderança do grupo.
A partir de 1957, Braudel assumirá essa posição, a qual se dedicará com uma
fidelidade.

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Para Hexter, ainda no estabelecimento do domínio dos Annales, sobre os
outros historiadores franceses de parte do mundo, houve três momentos cruciais.
“1929, a fundação dos Annales; 1946-1947, sua refundação por Febvre e a
ocupação por ele da presidência da 6ª Seção da E.P.H.E, finalmente, 1956-1957, a
sucessão de Febvre por Braudel...” (Hexter, 1972, p. 493).

O predomínio do quantitativismo
Essa fase, entretanto, vai-se diferenciar bastante da primeira, pois produzirá
trabalhos, principalmente, de história estrutural quantitativa, “serial”, nas áreas da
economia e da demografia. A historia econômica, sob a influencia de Labrousse e
Simiand.
A partir de 1950, o quantitativo tomou conta de todas as áreas do
conhecimento histórico. O fato histórico tornou-se fenômeno repetido e comparável
em um período de tempo dado. Houve uma verdadeira euforia com as possibilidades
“cientificas” da qualificação. Le Roy ladurie chegara a afirmar: a La limite, Il n’ est
d’histoire scientifique que Du quantifiable (Le Roy Ladurie, 1973, p. 22).

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O quantitativismo dá a ilusão de cientificidade e pode ser uma “cortina de
fumaça” para anacronismos, naturalismos. Embora tenha sido uma revolução na
escrita histórica e na manipulação de documentos históricos, pois resgatou arquivos
“adormecidos”, inexplorados, como mercuriais, arquivos judiciais, etc. o quantitativo
dogmáticos, hoje se vê, era um equivoco.
Le Quantitatif em Histoire, onde ele, apesar de mostrar as dificuldades da
quantificação em historia, considera a história serial um grande salto “qualitativo” na
direção de um conhecimento histórico mais seguro e confiável (Furet citado em Le
Goff & Nora, 1974, p. 46-61). A Revoluçao quantitativa transformou inteiramente o
trabalho do historiador.
Através da demografia, Malthus foi redescoberto pelos historiadores e seus
temas passaram a interessar a nova história demográfica: o crescimento explosivo
da população, e os meios utilizados para conte-lo: técnicas preventivas de
nascimento, especialmente o “casamento tardio” e sua repercussão sobre a cultura,
sobre a vida sexual e o crescimento demográfico (Le Roy Ladurie, 1973).
Métodos e tecnicas quantitativas, econômicas e demográficas foram
integrados ao conceito de “estrutura” dos Annales.

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Quanto as fontes, ele preferia aos dados onde a subjetividade dos seus
produtores estivesse neutralizada: dados contábeis, balanços financeiros, livros de
entrada e saída de receitas, controle portuário, documentos alfandegários, arquivos
notariais, judiciais, paroquiais. “Massas” de documentos homogêneos e
comparáveis, sobre os quais se elaboraram “séries”, que descreviam em gráficos,
curvas ascendentes, descendentes, oscilações cíclicas.
O homem com um nome e que nomeia, pois
pai/mãe/filho/sobrinho/neto/avô/tio... O homem afetivo, privado, imerso em sua rede
de relações intimas, que o apreendem e identificam. O historiador pode chegar até ai
através de documentos estatísticos.
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Albert Soboul: a história social resiste ao quantitativo dominante
Ainda nessa fase, a “história social” procurará constituir o seu espaço próprio
de pesquisa. A. Soboul vai procurar definir esse seu campo da história econômica e
demográfica. Soboul procura traçar a separação e a complementaridade entre a
história econômica e social.

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Soboul já se mostrava critico em relação ao excesso de otimismo dos
quantitativistas, apesar de reconhecer as conquistas reais da quantificação. Para
ele, a história social se apóia nos resultados quantitativos da história demográfica e
econômica, mas os repensa e os ultrapassa. A história social é também
quantitativista, mas evita as ilusões da cifra e a vertigem do numero. Aqui, o
historiador pode obter falsas certezas e uma aparente precisão. Estrutural, a história
social não saberia de limitar ai quantitativo. O fato medido deve ainda ser qualificado
e apreciado. A medida tem seu lugar, conclui Soboul, mas na história social, a
“descrição” retoma os seus direitos. A média estatística só é valida se apóia sobre
conceitos claramente elaborados (Soboul, 1967, p. 13).
A resistência a quantificação tornou-se mais aguda na terceira “geração” do
Annales. A quantificação será mantida, mas a crença dogmática nela foi superada.
Ainda em pleno apogeu do serial. G. Lefebvre também apontava para os limites:
linving, suffering man does not appear in it (lgger, 1948, p. 60).
Segundo L. Wallerstein (1986), a Escola dos Annales, nesse contexto,
fornecer um meio favorável a expressão desse equilíbrio procurado (Wallerstein
citado em Ouvrage Collective, 1988, p. 17-24). E é uma escola que resiste à
hegemonia anglo-saxônica e é também afastado do Partido Comunista Francês.
Existe uma dose importante de nacionalismo no pensamento dos Annales,
nacionalismo que o sustentou e o fez expandir-se.

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Após 68, Braudel não dirigirá mais a Revista sozinho: ele se cercará de um
comitê de jovens historiadores – J. Goff, E. Le Roy Ladurie, M. Ferro e de um
secretariado, onde se sucederam R. Mandrou. A história ocupa um lugar central em
sua administração. Em 1975, ela se tornara Ecole des Hautes Etudes em Scientes
Sociales, ganhará o status de universidade e poderá conceder diplomas. Os Annales
continuarão a centralizar o poder intelectual na França.
A partir de 68, fala-se de Nouvelles Nouvelles Annales, o que desperta o riso
e a ironia dos adversários, pois parece-lhes um claro esforço de continuarem
sempre jovens e capazes de vencer as resistências ao seu poder. Essa expressão
se liga, certamente, aquele manifesto de Febvre de 1946, quando ele falava de
Nouvelles Annales. Em 68, só se poderia falar, então, de Nouvelles Nouvelles
Annales, no espírito do mesmo manifesto, que é o de não transformar as instituições
controladas pelos Annales em “majestosos túmulos”, mas manterem-nas “em face
do vento” da história.

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Aos quarenta anos, afetados pelo movimento estudantil de 68, os Annales
tiveram ainda que mudar de pele sob o sopro do vento da história. A importância da
economia se reduz, não por indiferença, mas pela presença de novas exigências.
Alguns aspectos do programa dos fundadores foram radicalizados: a historia como
uma relação entre o presente e o passado chega ao extremo de se tornar história
imediata, “historia do presente”. Novas técnicas são utilizadas pelo historiador:
computadores, dendocronologia, carbono 14, analises de matemática, modelos.
Sensível as interrogações do presente, a historia se aliou a antropologia e se
interessou pelos aspectos simbólicos e culturais da sociedade.
Essa historia antropológica acenou a desaceleração do tempo realizada por
Braudel. Os gestos cotidianos, costumes, são abordados na perspectiva da “longa
duração”. A história cultural ganhou o lugar da historia econômico-social. O conceito
que então mais circula é o brauliano – de origem leninista! – “civilização material” ou
“cultura material”. É um conceito sintético, impreciso, que engloba as técnicas, as
atividades econômicas elementares, a metade informal da atividade econômica, a
troca de produtos e serviços em um raio curto, a produção para o consumo próprio.
Essa nova etno-história é mais descritiva, menos quantitativa, embora não
exclua a quantificação. A “interpretação” do historiador retoma um espaço mais
amplo. Parece que aquela orientação apontada por Soboul venceu a historia serial.
A dimensão cultural se tornou mais importante. Segundo Dosse, os Annales teriam
conseguido, mais uma vez, adaptar o seu discurso ao poder dominante: os meios de
comunicação de massa, que realizam uma dominação “cultural”. A massa anônima
sofre hoje um poder da mídia e a Escola dos Annales se associou a esse poder.

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A história em migalhas
A história é escrita no plural: há histórias de... As “estruturas mentais”, que se
tornam o interesse central da pesquisa histórica, são plurais, múltiplas,
heterogêneas, dispersas. A história não pensa mais o global, mas o “geral”, como o
definiu M. Foucault. O historiador pode tematizar tudo sob qualquer perspectiva.
Alguns vêem aqui, como Dosse, uma infidelidade aos fundadores.
Foucault é o teórico que melhor expressou o projeto dos Nouvelles Nouvelles
Annales. A historia não visaria mais a uma síntese, mais a analise monográfica. A
palavra que predomina, vinda de Foucault, é “descontinuidade”: a história produz
abordagens múltiplas de uma sociedade sem centro, sem sujeito e sem futuro.
Na verdade, parece-nos, não houve, nessa recusa da história global, uma
rejeição da racionalidade histórica, mas pelo contrario, uma radicalização da
racionalidade nova, introduzida pelo ponto de vista das ciências sociais. Segundo
esta, o “todo” é inacessível e só s pode abordar a realidade social por partes,
conceitualmente e sem juízos de valor, isto é, sem referencia a um “dever ser”, que
introduziria a perspectiva de um futuro no presente e no passado. Nesse sentido, a
nouvelle histoire, continuando a tradição dos fundadores, realiza e se distancia
desse ponto de vista das ciências sociais: ela não explica mais a realidade, mas
somente descreve partes dela, utilizando a tecnologia mais sofisticada e o texto mais
perigoso.

Pag. 115
As polemicas de Le Roy Ladurie: o computador,o evento, a história
imóvel, novas técnicas...
No seu “Le Territoire de l’historien”, Le Roy Ladurie se dedicou a produzir uma
apologia do computador como instrumento de pesquisa fundamental do historiador.
Ele não perde de vista que o importante de uma pesquisa histórica é problema, a
hipótese e o conjunto de conceitos, mas da ênfase especial ao aspecto tecnológico,
em particular, a informática. O computador é visto como o “desafio americano”. A
escola do Annales, ele profetiza, perderia sua hegemonia para os americanos, se
não passasse a utilizar em massa desde cedo o computador: “o historiador de
amanha será programador ou não será mais...” (Le Roy Ladurie, 1973, p.14).

Pag. 116
Além de uma defesa da plena informatização da pesquisa histórica, Le Roy
Ladurie radicalizará na recusa do evento: falará de uma “história imóvel” e de uma
historia sem homens. Esta ultima, ele a fará através da historia do clima, que não
pretende explicar a historia humana, nem dar conta de tal ou tal episodio grandioso,
mas tratando dos fatos sociais como “coisas”, inserir os homens quantificados em
um ambiente geo-historico e biológico. O objetivo é, segundo ele mesmo, desenhar
os lineamentos de um devir meteorológico, no espírito do que Paul Veyne chama
uma historia cosmológica da natureza. Para ele, a historia do clima teria passado de
uma idade metafísica a uma idade positiva. Nos EUA a dendroclimatologia,
trabalhando com velhas arvores, é capaz de desenhar, sobre um milênio, as curvas
pluviométricas, graças aos anéis de crescimento das sequóias e outras coníferas:
anéis finos para o sudoeste árido dos EUA, anéis espessos para as regiões úmidas.
Na França, na falta de arvores seculares, a Fenologia trabalha com os dados da
maturidade das flores e frutos: maturidade mais precoce ara as temperaturas mais
quentes. Utilizando a correlação entre temperatura e maturidade, a Fenologia utiliza
os dados das vindimas, preservados em arquivos na Borgogne e Midi, desde o
século XVI. Postos em grupos, essas datas de vindimas autorizam conclusões sobre
o caráter de verões quentes e frescos durante os últimos quatrocentos anos. Na
URSS, encontra-se a climatologia dinâmica, que classifica e descreve as mudanças
que afetam a circulação geral da atmosfera.

Pag. 117
A sociedade francesa acionou alguns mecanismos que paralisaram a
progressão demográfica e estabeleceram um equilíbrio estável. Forças endógenas e
exógenas frearam o crescimento demográfico: “unificação microbiana” do mundo, o
encontro dos homens do extremo leste e do extremo oeste teve como conseqüência
não desejada a unificação das doenças e da medicina e da morte em massa: as
guerras não eram mais locais, entre senhores feudais, mas nacionais, que
disseminavam epidemias, fome, marginalidade, destruição de plantações, a fuga da
população rural para as cidades, que não tinham infra-estrutura, o que levava a
pestes, fome... O Estado que se constituía era predador pelos impostos e pela
guerra, pois essencialmente econômico e militar; as guerras de religião eram
violentas e genocidas; as condições precárias da saúde publica levavam a um alto
índice de mortalidade infantil. As cidades eram túmulos, que recebiam o excesso de
população rural e a conduziam à morte. Houve um esforço de contenção do avanço
demográfico, pelas praticas ascéticas e o casamento tardio. Resultado: durante
quatro séculos, na França, a reprodução simples da economia e da demografia
tornou-se impossível: “quanto mais muda, mais é a mesma coisa”...

Pag. 118.
A posição de Le Roy ladurie é peculiar. Ele quis levar a intuição original dos
Annales às ultimas conseqüências e, parece-nos, chega ao pecado mortal do
exagero. Se os fundadores falaram de tempo longo e do homem, ele falará de
retirada do homem da história; se falaram de “estudo cientificamente conduzido”, ele
falará de ciência exata, quantificada, lógica, capaz de previsões. O que não o
impediu de se tornar o membro do grupo considerado mais próximo de se tornar um
“sucessor” de Braudel e mais popular, pois sua obra Montaillou, Um Village Occitain,
foi o maior sucesso de vendas em livrarias que a “Escola” já obteve(Burke, 1990, p.
44-61). O que não surpreende em se tratando das orientações teóricas e das
praticas históricas complexas da nouvelle histoire.

As teses de Le Goff e Nora


“Complexidade” da nouvelle histoire, é a obra coletiva, publicada em 1974,
sob a direção de J. Le Goff e P. Nora, sob o titulo Faire de I’Histoire, em três
volumes, que reuniu os membros mais eminentes da “Escola” , que procurarão dar
conta do novo tempo que vive o movimento do Annales. O primeiro volume trata dos
Novos Problemas: o quantitativo em história, o conceito em história, a história e as
ideologias, o marxismo e a nouvelle histoire, o problema do evento e de seu retorno,
a documentação histórica; o segunda dedica-se à analise das Novas Abordagens as
alianças interdisciplinares da história com a arqueologia, a economia, a demografia,
o estudo das religiões, da literatura, da arte, das ciências, da política; o terceiro
refere-se aos Novos Objetos: o clima, o inconsciente, o mito, as mentalidades, a
língua, o livro, os jovens, o corpo, a cozinha, a opinião publica, o filme, a festa.

Pag. 119.
Segundo Le Goff e Nora, os Annales novos, embora admitam sua
descendência de Bloch, Febvre e Braudel, aos quais a história deve muito, não
querem constituir uma “escola”. Essa descendência não implica nenhuma ortodoxia
nem mesmo a mais aberta. Nessa fase, os historiadores tomaram consciência do
caráter relativo do conhecimento histórico e procuram interrogar-se sobre os
fundamentos epistemológicos de sua disciplina, em sua relação com a história viva,
presente. Eles não aceitam que outros – filósofos, teóricos – façam essa
epistemologia da história, mas eles mesmos, os práticos, fariam a teoria dessa sua
pratica. Aqui, em 1974, talvez, já se pudesse vislumbrar o tournant critique, que se
dará em 1988 (Le Goff & Nora, 1974, p. X-XI).
A nouvelle histoire não quer elaborar visões globais, síntese totais da história,
mas ampliar o campo da história e multiplicar seus objetos. Radicalizando o projeto
dos fundadores da ligação do presente ao passado, a história toma o próprio
presente como seu objeto e quer produzir um conhecimento do “imediato”. Objetos
que jamais foram considerados tematizáveis pelo historiador entram em seu campo
de pesquisa. Novas alianças são feitas: com a psicanálise, a lingüística, a literatura,
o cinema. A história se interessa sobre sua própria trajetória e amplia o espaço da
“história da história”. O historiador novo de interroga sobre sua profissão, sobre seus
antecessores, sobre as obras clássicas e transitórias, sobre as condições teóricas,
técnicas, sociais e institucionais dentro das quais ele produz o conhecimento das
sociedades passadas. A orientação principal, que predomina todas as outras, é
“fazer a história que o presente exige”.

Pag. 120.
Essa “tendências” apontadas por Le Goff e Nora serão reafirmadas no
Dicionario, organizado também por Le Goff, intitulado La nouvelle histoire, onde os
participantes são mais ou menos os mesmos daquela obra anterior, de 1974.
Retomando as palavras de Bloch, Le Goff, na Introdução, apresenta a história como
uma ciência em marcha, une science dans I’enfance. Os temas abordados são,
dentre outros: a analise da história e do momento presente da nouvelle histoire, por
J. Le Goff; a longa duração, por M.Vovelle; a história estrutural, por K. Pomian; a
antropologia histórica, por A. Burguière; a história imediata, por Jean Lacouture; a
história marxista, por Guy Bois; a história das mentalidades, por P. Ariès; a história
da cultura material, por J-M.Pesesz; a história dos marginais, por J.C. Schmitt; a
história do imaginário, por Evelyne Patlagean e uma grande quantidade de verbetes
menores.
A nouvelle histoire fala aqui, através de Le Goff, de liberdade e de homens livres e
de uma história escrita por homens livres. São afirmações que exigem uma
tematização, uma problematização, uma argumentação, uma defesa e um ataque.

Pag.121.
Paul Veyne: o desafiante interno.
Nesse período, aparecerá um historiador de Aix-em-Provence, da “província”,
portanto,classicista, que desafiará as orientações de Paris. Em 1971, Paul Veyne
publucou sua obra Comment on Écrit I’Histoire, que é uma obra polemica,
derangeant, que, segundo Le Goff, “confere aos eu autor um lugar à parte e revela
suas relações complexas com a história nova”(Le Goff, 1988ª, p.34). Mas Le Goff
conclui, talvez, querendo evitar uma cisma: “esta obra impôs Paul Veyne como um
dos raros historiadores epistemólogos” (Le Goff, 1988ª, p.34).
Em 1974, na já citada coleção Faire de I’Histoire, Veyne recusará algumas
das teses de seu primeiro livro, apresentando a história como um conhecimento
ainda não - cientifico, mas que poderia atingir algum rigor somente pela
conceptualização de tipo weberiano. A perspectiva que continua aberta à história é a
da conceptualização, caminho que foi aberto pela obra de M.Weber. A atividade
conhecedora dos historiador se baseia na invenção dos conceitos, para que a
história se torne mais analise e menos narração. O conceito e o documento são o
que a distingue do romance. O conceito se dirige ao “não-acontecimental” e a afasta
da narrativa “acontecimental” impressionista. A história não abandonaria de vez a
narração, mas, para ele, a verdadeira narração exige a analise. O conhecimento
histórico teria um interesse mais intelectual, pois mais conceitual, e seria o resultado
de uma racionalização do social. E conclui, heterodoxo: “o interesse da história é
intelectual, sociológico e sobretudo filosófico”.

Pag. 122
O conceito de “imperialismo”, por exemplo, permite a apreensão de
individualidades originais: o americano, o romano, o inglês, o russo, etc. o individual
não é inesgotável, a vida, mas o que não é fluido. Este individual só pode ser
apreendido pelo conceito. Ele chega a admitir a possibilidade da “história cientifica”,
pois pergunta, o que é mais uma ciência senão a determinação de “invariantes”, que
permitem explicar a diversidade das formas? O que a “historia cientifica”,
individualização de cada um pelo conceito. Uma historia completa que dá conta da
mais escondida sociedade. A palavra caracteriza a história seria, então, “inventario”.
Através de tipos invariantes, pode-se conhecer e inventariar, reunindo e
distinguindo, todos os eventos. A tarefa da história é conceitualizar para aprender a
originalidade das coisas. Nesse sentido, ela tem tudo ainda a fazer. Ela será o
inventario explicativo do que há de social no homem, ou mais precisamente, das
diferenças que apresenta este aspecto social.
O que diferenciará o historiador do sociólogo? Para Veyne, eles escreveriam
a mesma pagina, mas com objetivos diferentes: para o historiador, a pagina escrita
já é o conhecimento, para o sociólogo será o exemplo que sustentará uma teoria
sociológica. O sociólogo não citará muitos exemplos, enquanto que o historiador fará
o inventario completo. O historiador teoriza seus exemplos, o sociólogo exemplifica
suas teorias. E termina a sua “lição” com uma idéia “inaugural”.

Pag. 123
A repercussão de Michel Foucault
Focault exercera suas influencias pela sua obra histórica sobre assuntos
novos, como a loucura, a sexualidade, o crime, mas principalmente, pelas hipóteses
e conceitos que apresentou na Archeologie Du Savoir, de 1969. Nessa obra, ele faz
uma avaliação das propostas da nouvelle histoire, enquanto interessa em longos
períodos, em estabilidades, em continuidades seculares. Para ele, o que marca a
nouvelle histoire enquanto “nouvelle” e sua atitude diante do documento, que teria
conseqüências revolucionarias para o conhecimento histórico. A história, para
Foucault, existe para usar documentos, interrogá-los com a finalidade de
“reconstituir”, a partir deles, o passado que desapareceu atrás deles. A nouvelle
histoire não quer saber se eles dizem a “verdade”, mas trabalha-os do interior,
elabora-os, organiza-os, recorta-os, distribui-os, ordena-os, estabelece series, define
modelos, descreve relações. Os documentos não são mais uma matéria inerte, que
agrupados e criticados, reconstituíram o passado em si. A história nova era mais a
“memória milenar” que usa os documentos para reencontrar suas lembranças, mas
a elaboração de uma materialidade documentaria. A história tradicional, prossegue
Foucault, memorizava os “monumentos” do passado, transformando-os em
“documentos”, hoje a história nova transforma documentos em monumentos. A
história nova tenderia a Arqueologia – a descrição intrínseca do “monumento”.

Pag. 124
As conseqüências dessa mudança de atitude do historiador em relação aos
documentos são descritas por Foucault como “revolucionadora” da história:
1 – os períodos longos são verificados por séries documentais. A
possibilidade mesma de se conceber um tempo longo teria derivado da possibilidade
de estabelecer tais series. É porque o documento não é isolado, mas seriável, que
se pode conceber uma duração mais longa em história.
2 – o estabelecimento de séries possibilitou a concepção da “descontinuidade
histórica”. Antes, quando o documento não era seriavel, a descontinuidade era o
dado pelo documento isolado e aquilo que deveria ser eliminado do discurso
histórico.
A descontinuidade real era suprida. Hoje, ela se tornou um dos elementos
fundamentais do historiador. Ela é uma operação que distingue níveis possíveis de
analise, periodizações e métodos específicos de casa uma; a descontinuidade é o
resultado da descrição histórica.
3 – a possibilidade da série documental levou também ao abandono da
história “global” e a realização de uma história “geral”. Para a nova história “serial”, a
história “global” tornou-se problemática, pois ela define limites, desníveis,
defasagens, especificidades cronológicas.
Pag. 125
4 – mais uma vez, afirmam-se os problemas metodológicos postos pela
nouvelle histoire mostram o quanto ela se afastou da filosofia da história. Seus
problemas são os da constituição de corpos coerentes e homogêneos de
documentos, o estabelecimento de um principio de escolha, a definição do nível de
analise e dos elementos que lhes são pertinentes, as especificações de m método
de analise, a determinação dos conjuntos e subconjuntos que articulam o material...
Sob a influencia da filosofia da história, os problemas da historia eram: a
racionalidade e teleologia do devir, a relatividade do conhecimento histórico, a busca
do sentido.
Foucault procurou definir o “sentido” dessa mutação epistemológica da
história, que ainda não foi terminada e que remonta a Marx. Até então, a historia do
pensamento produziu “teorias da continuidade”, sínteses, abrigos para a soberania
da consciência. A historia continua estava ligada a posição fundadora do “sujeito” –
dispersaria e de que, pela consciência de si, ele poderia unificar e dominar toda
dispersão. Para essa história do “sujeito consciente em busca da liberdade”, uma
“teoria da descontinuidade” seria a morte da história. Mas Foucault reage: é a
desaparição, na verdade, de um “tipo de história”: a do sujeito consciente em
marcha para liberdade. Atirada a descontinuidade, a consciência se dispersa e o
sujeito perde o seu abrigo. Essa “teoria da descontinuidade”: em lugar de “tradição”,
“influencia”, “evolução”, “desenvolvimento”, “mentalidade”, “espírito”, ela falará de
“ruptura”, “solo”, “limite”, “serie”... A historia não seria mais o lugar de repouso, da
reconciliação, da certeza, do sono tranqüilo da consciência do sujeito em busca da
liberdade.

A manifestação da crise e a necessidade de um tournant critique


Essa influencia de Foucault e sua “teoria da descontinuidade” sobre os
Nouvelles Nouvelles Annales é considerada pelos seus adversários como uma
“traição” aos fundadores. A 3ª “geração” teria renunciado a “historia global”, a busca
da “síntese total” e teria se perdido nos fragmentos do saber, nas praticas
discursivas, nos micropoderes. A história se fragmentou em pesquisas com
resultados justapostos, independentes uns dos outros, embora a “história geral”, de
Foucault, fosse apresentada como uma solução para esse risco.
Pag. 126
Os Annales monopolizam, praticamente, o controle das instituições de ensino
e pesquisa, edição e administração da história, na França. As coleções mais
importantes de história das editoras mais poderosas são controladas pelos Annales.
A publicação de obras de história passa pelo crivo da consultoria dos membros do
grupo.
Mas, apesar de inabaláveis em seu poder, a partir de 1988, eles começaram
a se dar conta de que o “vento da história” estava soprando em outra direção e que
já seria hora de “mudar de pele”. Eles começaram a discutir um possível tournant
critique, que tendemos a considerar como , talvez, o inicio de uma “4ª fase” da
história dos Annales.

Um tournant critique História e Ciências Sociais: a crise da


interdisciplinaridade
A partir de 1988, os Annales iniciaram uma revisão do seu projeto, desde os
fundadores. No editorial do numero 2, de março/abril, tentam compreender o novo
momento que atravessam. O que pretendem fazer é, mais que um balanço ou um
exame de consciência, definir os ermos de um tournant critique.

Pag. 127.
Agora, em 1988, os Annales parecem não confiar mais em seus sócios e
falam de uma “crise das ciências sociais”. Crise que a história não estaria vivendo,
pois passa por um momento de vitalidade: multiplicação dos objetos de pesquisa,
especializações cada vez mais sofisticadas, uma produção abundante. É verdade;
entretanto, trata-se de uma “vitalidade critica”, problemática, pois anárquica,
dispersiva, desordenada, que não tem mais grandes sistemas de interpretação da
sociedade, como o marxismo, o estruturalismo, todos eles em crise.
”Crise” das ciências sociais, o que poderia fazer a história? Que novas
alianças fazer? O editorial que anuncia esse tournant critique, que a história estaria
obrigada a realizar, propõe um debate sobre duas questões principais:
1 – repensar os “novos métodos”:,
2 – repensar as “novas alianças”,
O que esta levando os Annales a repensarem suas relações com as ciências
sociais foi o resultado que chegou a interdisciplinaridade, na pratica dos
historiadores. A história chegou à fragmentação, à produção de “migalhas” de
conhecimento sobre “objetos-migalha”.

Pag. 128.
No inicio, a “interdisciplinaridade” significou o direito e o dever dos
historiadores de atravessar os limites disciplinares e aproveitar as ofertas das
ciências sociais. Esse projeto enriqueceu enormemente a história, mas, hoje,
ameaça-a em sua própria identidade. Bloch e Febvre propuderam uma “abertura” do
trabalho intelectual através do empréstimo entre as ciências sociais, o que foi
praticado, desde então, de forma selvagem.
No plano geral, a interdisciplinaridade continua sendo a orientação central;
“reunir os saberes” continua sendo o centro do projeto dos Annales; mas como ela
deve ser praticada sem que a história perca sua identidade, eis o que precisa ser
definido. A interdisciplinaridade é uma unidade de uma multiplicidade, é um olhar
comum e múltiplo. Se antes o lado comum era o mais acentuado, agora, será a
especificidade de cada olhar, sem perder o horizonte de convergência, que é
enfatizada.

A “Dialética da Duração” posta em duvida


O editorial do número 6, de 1989, é explicito a esse respeito: “contra o tempo
linear das crônicas e da história positivista, os historiadores dos Annales, os
primeiros, sublinharam a complexidade do tempo social e privilegiam a longa
duração.

Pag. 129
Se o tournant fosse só um rearranjo da interdisciplinaridade, a história nova
ainda se matéria sob o “ponto de vista” das ciências sociais, que definiu enquanto
nouvelle. Mas, se o próprio conceito de tempo foi alterado, a história nova parece
estar abandonado parcialmente esse ponto de vista, o que o transformaria em outra
coisa diferente. A nouvelle histoire afasta-se dos grandes sistemas explicativos das
ciências sociais, o estruturalismo, o funcionalismo e quer produzir análises das
estratégias, das negociações, das “jogadas sociais”, que implicam memória,
aprendizagem, incertezas. Uma multiplicidade de consciências em interação, uma
pluralidade de sujeitos produtores de “jogadas”, de “eventos”, que só poderiam ser
apreendidos pela “narração”.
Os fantasmas da nouvelle histoire, que foram militarmente banidos, retornam:
o sujeito, o evento, a narração, as nações e a história política, a biografia. O “tempo-
breve” terá retomado a cidadela da história? Se isto for verdade, sob que novos
termos ele seria readmitido?
Esses fantasmas da nouvelle histoire foram excluídos muito mais por uma luta
rigorosa e apaixonada do que pela sobriela definitiva do conceito. A nouvelle histoire
deverá enfrentá-los, agora teoricamente ou perderá grande parte de sua hegemonia,
pois haveria espaços da pesquisa histórica que ele não poderia controlar. Há limites
para a sua capacidade de renovação e a solução é o surgimento de um “novo
concreto”: novos problemas, novas abordagens, novos objetos, novos nomes, novas
instituições.

Pag. 130
Os Annales são lúcidos ainda – percebem sua riqueza passado e seus limites
atuais – resta saber se saberão transformar essa lucidez em “exemplo e fato”. Por
outro lado, ele prossegue, pode-se encontrar membros do grupo dos Annales
redescobrindo a história política e o evento. Por outro, vêem-se muitos outsiders
inspirados pelo movimento... Assim, termos como “escola” e “paradigma” perdem
seu sentido. “O movimento está se dissolvendo em parte como resultado do deu
sucesso”, conclui (Burke, 1990, p. 107).

R. Chartier: redefinindo os termos da crise


R. Chartier, em seu artigo Le Monde Comme Representation, publicado no
numero já citado da Revista, de 1989, faz a sua avaliação do tornant critique pelo
qual passa a nova história e discorda dos termos do editorial de 1988 (Chartier,
1989). As mutações da história nos últimos anos não são produtos de uma “crise”
das ciências sociais, que seria preciso demonstrar, ou de uma mudança qualquer de
paradigma. Essas mudanças estão ligadas a um distanciamento dos princípios de
inteligibilidade que comandavam a nouvelle histoire desde a sua origem: renunciou-
se à descrição da totalidade social à história global, ao modelo braudeliano, que se
tornou intimidante.
R. Chartier não acredita no retorno de uma “filosofia da consciência”, que o
editorial de 88 menciona, que obrigaria a uma “adesão critica” ao “ponto de vista”
das ciências sociais.

Pag. 131
Para a história a possibilidade do ressurgimento de uma “filosofia da
consciência”, que recusa determinismos sociais e condicionamentos coletivos e
restabelece a eficácia histórica da ação intencional de sujeitos interagindo em
situações dadas.
As ciências sociais estariam em crise por causa mesmo desse surgimento de
uma “filosofia da consciência” que obrigaria a história a “por entre parênteses” suas
relações com as ciências sociais e, talvez, tomar uma nova direção.

Seria o retorno do difícil dialogo entre a história e a filosofia?


Esta “filosofia da consciência” ressurgente, P. Ricoer procurou definir os seus
contornos em sua obra Soi-même comme um autre (Ricoeur, 1990). Essa filosofia
trás de volta uma “teoria da ação”. A “descrição” oculta o “quem” e enfatiza o “que” e
o “porquê”. É uma redução das ciências sociais ao modelo da Física.
Os eventos são atribuídos a “alguém” – os atos visíveis pertencem a
“alguém”. Se a descrição atravessa o agente em busca das “causas” mais profundas
da ação, a narração suspende a busca da causa da ação nos motivos de um sujeito
identificado.

Pag. 132
O dilema da nouvelle histoire, hoje, talvez se possa definir nos seguintes
termos: ou se mantém sob a influencia das ciências sociais apesar de sua “crise”, ou
possa para a área de influencia dessa “filosofia da consciência” renascente, ou
combina as duas possibilidades. De qualquer maneira, qualquer que seja o
desdobramento que se verificará, a situação é delicada para os Annales. A nouvelle
historie surgi da aliança com as ciências sociais e da exclusão da filosofia.
Atualmente, se pudesse falar desse retorno de uma “filosofia da consciência”,
não seria uma “traição” da história das ciências sociais, se passasse a se interessar
pelas questões e objetos da filosofia? A estranheza da situação esta nisto: a
nouvelle histoire teria que dialogar com aquelas que recusou com a mais “absoluta
razão” e terá que duvidar daquela com a qual se aliou com a mais “absolta razão”.
Nessa perspectiva, ao invés de a história estar aberta a uma “filosofia da
consciência”, que afastaria do paradigma das ciências sociais em “crise”, as ciências
sociais é que se teriam aberto a uma “filosofia da consciência” e puseram a história
em crise.

Pag. 133
A filosofia da história e seus conceitos – liberdade, necessidade, totalidade,
finalidade, sentido, continuidade, consciência – representam tudo aquilo que os
Annales recusaram. Por sua vez, a história da filosofia, produzida pelos filósofos, é
o tipo de história que os historiadores rejeitam: é desencarnada, dobrada sobre si,
voltada ao jogo das idéias puras, sem contexto social e econômico e político. Está
longe da história que produzem os historiadores. Parece-lhes que a história da
filosofia é ela própria filosofia.
O olhar do historiador é diferente: quer estabelecer a “realidade” filosófica de
certas doutrinas, partindo das condições reais de produção e recepção dos
discursos sustentados por filósofos em tal ou tal mundo de discursos.

Pag. 134
Se o dialogo entre historiadores e filósofos são considerados difícil, ele se fará
necessário, entretanto, caso se confirme o ressurgimento de uma “filosofia da
consciência”, que exigiria dos historiadores uma “teoria da ação”, do evento, de
sujeitos e motivos, que não poderia ser realizada sem apoio conceitual dos filósofos.
Essa “filosofia da consciência” pode ser observada, como apontamos antes, nos
“retornos”, nos anos 80, das abordagens do sujeito através da narração. Há uma
repolitização da história. A história das “representações” convive com a história das
“mentalidades coletivas”. Há pesquisa sobre a intimidade privada dos indivíduos e
das famílias.
Os Annales dos anos 90 serão obrigados a rever suas posições as mais
ostensivas defendidas, pois nos anos 80, tudo que eles reprimiram ao longo de
sessenta anos, voltou com mais força, embora sob novas formas. Analisaremos
brevemente esses retours para melhor perceber o que eles representam para os
Annales. Abordaremos os retornos da “narração”, da “biografia” e do “evento”.

A volta da narração
A polêmica sobre a volta da narração obteve uma repercussão considerável a
partir do artigo de L. Stone, “Retorno à Narração ou Reflexão sobre uma Nova Velha
História”, onde ele defende a tradição narrativa da história e a resposta a ele, em
defesa da “história cientifica”, de E. Hobsbawn (Stone, 1979, e Hobsbawn, 1983). L.
Stone para ele, os Annales interromperam, ao abandonarem a forma narrativa, uma
tradição de mais de vinte séculos. Eles tinham abolido a narração e trocaram-na por
uma história estrutural quantitativa. Entretanto, ele constata os mais novos
historiadores da própria “escola” dos Annales já estavam fazendo uma história
narrativa, novamente, sem confessarem.
Enquanto narração prossegue, a história se interessa mais pelos homens e
menos pelas circunstancias e sua abordagem é mais do particular e do especifico e
menos do coletivo e estatístico. Ele não defende uma narração simples, como uma
crônica ou um relatório, mas uma narração orientada por um princípio, que possua
um tema ou um argumento. O historiador narrador não evita a analise, mas não se
limita a ela. Ele se interessa pelo aspecto formal do texto, pela arte da literatura.

Pag. 135
“Os historiadores do futuro”, ele afirma, criticarão severamente os novos
historiadores dos anos 50-60 por não terem sabido levar em conta o poder, a
organização e a decisão política” (Stone, 1979, p. 125).
O retorno da narração significa o desencantamento com o determinismo
econômico e demográfico, com a quantificação e a colocação de novas questões,
que a história estrutural é incapaz de responder.
Com a aliança com a antropologia, a narração teria retornado dentro do
próprio grupo de Annales. Novos interesses se impuseram, somente tratáveis pela
narração: emoções, sentimentos, comportamentos, valores, estados de espírito,
desejo sexual, relações familiares e afetivas, indivíduos, idéias, crenças, costumes.
A volta do narrativo se liga também ao interesse dos novos historiadores em
retornarem o contato com o público culto não-especializado, que os tinha
abandonado...

Pag. 136
... com seu texto cifrado e esotérico, produzido para a circulação interna. Os
novos historiadores procuram tratar dos temas que interessam a esse grande
público: natureza do poder, da autoridade, do carisma, o casamento, a
concubinagem, o aborto, o trabalho, o lazer, a religião, a magia, o amor, o medo, o
desejo, o ódio, a educação, a vida cotidiana, as visões do mundo...
A narração de hoje ocupa-se da vida, sentimentos, condutas, de pobres e de
desconhecidos e não de grandes e poderosos; a analise é indispensável e convive
com a descrição narrativa, passando-se de outra, usam-se novas fontes – processos
verbais de tribunais, processos criminais, e não só documentos escritos oficiais e
políticos, diplomáticos e administrativos, é uma narração sob a influencia do
romance moderno, que explora o inconsciente, é entrecortado e complexo, a
narração não se interessa por uma pessoa, processo ou evento por eles mesmos,
mas entra através deles na cultura e na sociedade.

Pag. 137
A narração reproduz e faz aparecer o caráter essencialmente temporal da
experiência humana. Há uma circularidade entre o tempo e narração: o tempo
constitui (da sentido) a narração: a narração constitui (apreende refigurando) o
tempo. Entre o tempo cosmológico e fenomenológico, a narração cria um terceiro: o
tempo calendário, que seria estabelecido de pontos “fixos” cosmológicos – estações,
dias e noites, anos e meses – que possibilitem a unificação da “experiência intima”
do tempo. A narração, para melhor apreender a temporalidade, deve ser um
cruzamento de ficção e historia. O acontecimento só se deixa apreender se
comparado e contrastado com o imaginável e vice-versa. Assim, o acontecido – a
história – tem em si, implicado, o imaginável – a ficção – e esta tem como
interlocutor, aquele.
Pag.138
A pretensão da nouvelle histoire de banir da história a narrativa
“acontecimental”.
Assim, a historiografia seria mais do que uma narração, mas em ultima
instancia, narração. Seria necessário, então, segundo Ricoeur, admitir a
especificidade da “explicação histórica” e preservar sua ligação com o campo
narrativo.
A primeira parte, prossegue, apesar da predominância do geográfico, tem seu
caráter histórico em virtude das marcas que anunciam a 2ª e 3ª partes. A 2ª parte,
propriamente consagrada à “longa duração”, aos fenômenos de civilização, mantém
unido os dois pólos: Mediterranee, primeira, e Philippe II, terceira. A segunda parte
constitui em objeto distinto e uma “estrutura de transição”. Ela já está aplicada e
anunciada na primeira e implica e anuncia a terceira. Tudo conspira, portanto, na
primeira e na segunda parte, para a coroação do edifício por uma história dos
eventos, que Poe em cena a “política e os homens”. A terceira parte da obra não
seria uma concessão a historia tradicional, os eventos são testemunhos dos
movimentos profundos da história.

Pag. 139
Os historia da nouvelle historie reagem um pouco confusamente a essas
novidades. Sobre o desafio da volta do narrativo, eles se dividem. Mas J. Le Goff é
ortodoxo: “a história narrativa é um cadáver que não se pode ressuscitar, pois será
preciso matá-la uma segunda vez. Esta história narrativa dissimula e se dissimula
opções ideológicas e encaminhamentos metodológicos que devem ser, ao contrario,
claramente enunciados.” (Le Goff, 1988ª, p. 16).

Pag. 140
Como se desdobrará esse confronto entre nouvelle histoire e a volta do
narrativo, só o futuro poderá dizer. Entretanto, a “tentativa de assassinato” é ainda
ilegal, sobretudo quando é pela segunda vez. Melhor seria o enfrentamento racional,
teórico, a assimilação e rejeição das ofertas positivas e negativas ao conhecimento
histórico.
O retorno da biografia e do evento
Outro “retorno”, que expressa o ressurgimento de uma “filosofia da
consciência”, é o da “biografia”. Esse retorno, os Annales não têm dificuldade em
assimilar, pois tem em sua tradição biógrafos de grande talento, como o seu próprio
fundador, L.Febvre. na sua Revista, no nº. 6, de 1989.
Segundo ele, antes se podia contar a vida de um homem fazendo abstração
de todo evento histórico, depois foi possível relatar um evento histórico fazendo
abstração de todo destino individual. Vive-se, hoje, segundo ele, uma fase
intermediaria: a biografia ocupa o centro das preocupações dos historiadores, mas é
ambígua: ora é usada para mostrar a irredutibilidade de indivíduos ao sistema social,
ora para mostrar a presença das normas sociais sobre o comportamento individual.

Pag. 141
Assim a como a narrativa, a biografia retorna com pressupostos diferentes,
visando a outros objetivos, tomando uma nova estruturação. Mas o retour que
poderia levar os Annales ao pânico, pois eles não se cansam de clamar contra ele,
seria do mesmo evento a longa duração, da mudança a permanência. O evento (e
seu tempo breve) deixaria de ser a dimensão temporal privilegiada da nouvelle
histoire, como o foi para a história tradicional, mas não poderia ser eliminado, pois
também constituidor do vivido.
O problema não consiste em negar o individual sob o pretexto de que é
contingente, mas de ultrapassá-lo, distinguir nele forças diferentes dele, reagir contra
uma história reduzida ao papel dos heróis (...) não acreditamos no culto de todos
estes semideuses (...) Nós somos contra a orgulhosa frase “os homens fazem a
história”. Não, a história faz também os homens e molda o seu destino – a historia
anônima profunda e silenciosa, cujo imenso e incerto domínio é preciso abordar”
(Braudel, 1959, p. 21).

Pag. 142
Também na biologia, o aparecimento da vida dói um evento e a aparição do
homem dói um superevento, pois maior produtor de eventos. Nessa perspectiva, “a
história se impôs como uma ciência fundamental. Ela é a ciência mais apta para
apreender a dialética do sistema e do evento” (Morin, 1972, p. 13).
O evento é o singular, o elemento introduzido em uma serie, isto é, que
perdeu o caráter de singularidade para se tornar repetitivo. A noção de elemento
esta ligada ao espaço, a de evento ao tempo.

Pag. 143
A nouvelle histoire terá condições de ceder a esse novo “vento da história”
das ciências após ter recusado com tanta segurança e com absoluta razão a história
acontecimental? De qualquer maneira, alguns de seus, membros iniciam já um
esforço de reelaboração do evento, para incorporá-lo aos pressupostos da história
estrutural; o que, parece-nos, significa nada menos do que um retorno a Brudel. Le
Roy Ladurie procura conciliar história estrutural e evento em seu artigo L’Evenement
El Logue Duree dans l’Histtorie Sociale (Le Roy Ladurie, 1972).

Pag. 144
Le Roy considera que esse esforço do resgate do evento para a história
estrutural e quantitativa resultou em um fracasso total. Segundo ele, a New
Economic History conclui que a falta desses grandes eventos não alteraria
significamente o curso da história americana, o que leva a concluir que esses
eventos importantes não foram tão eficazes historicamente. Essa tentativa
americana de salvar o evento, na verdade, veio confirmar a tese do pouco peso dos
eventos e não realizou o que pretendia: promover o retorno do evento.

Pag. 145
Além do evento retornar como inaugurador de estruturas, como um ponto de
inflexão de um modelo ou como o “ocorrido” entre possibilidades objetivas, ele volta
também sob uma nova perspectiva: “entrada”, “janela”, “abertura” através da qual se
pode atingir a estrutura social. A partir de um evento súbito e da subjetividade do
seu autor, busca-se atingir as condições objetivas que o sustentam. A hipótese que
dirige essa perspectiva é a de que a sociedade global aparece na experiência vivida
dos indivíduos e os integra.
O evento testemunha menos pelo que aparece do que pelo que revela,
menos o que ele é do que ele deflaga. “Ele só é um eco, um espelho da sociedade,
um buraco (...). A morte de De Gale dizia mais do que sua vida inteira.” (Nora, 1974,
p. 222-223).
Pag. 146
Dentro de uma longa duração, o evento ganhou novo sentido, não foi
abandonado, pois é fundamentalmente o que interessa ao historiador. Se não fosse
assim, conclui Ricoeur, alonga duração seria fim do tempo histórico e da história,
mas tempo da natureza.
O evento, portanto, apesar do radicalismo que tomou algumas formulações de
alguns membros dos Annales em sua recusa, não PE estranho a nouvelle histoire.
Como “dialética da duração”, como Braudel definiu a história, o evento é uma
duração onipresente, que se integra nessa dialética e cuja “abolição” seria uma
mutilação da experiência vivida da temporalidade. Retomar ao evento, parece-nos, é
retomar a Braudel.

Pag. 41
Historia e ciências sociais a longa duração
Há uma crise geral das ciências do homem: estão todas esmagadas sob seu
próprio progresso, ainda que seja apenas devido a acumulação dos novos
conhecimentos e da necessidade de um trabalho coletivo, cuja organização
inteligente falta ainda eregir, direta ou indiretamente, todas são atingidas, queiram
ou não, pelos progressos das maus ágeis dela, mas permanecem entretanto as
voltas com um humanismo retrogrado, insidioso, que não lhes pode mais servir de
quadro.

Pag. 42
As ciências do homem sairão, dessas dificuldades por esforço suplementar de
definição ou um acréscimo de mau humor? Talvez tenham a ilusão disso, pois (no
risco de voltar a antigas repetições ou falsos problemas) ei-las preocupadas, hoje,
ainda mais que ontem, em definir suas metas, seus métodos, suas superioridades.
Tende para uma ciência que ligaria, sob o nome de ciência da comunicação,
a antropologia, a economia política, a lingüística... mas que está pronto para esses
fraqueamentos de fronteira e para esses reagrupamentos? Por um sim, por um não,
a própria geografia se diversificaria da história!
Pag. 43
É preciso ainda que reunião das ciências sociais seja completa, que não se
negligenciem as mais antigas em benefícios das mais jovens, capazes de prometer
tanto, senão de cumpri sempre. Por exemplo, o lugar dado a Geografia nessas
tentativas americanas é praticamente nulo e, extremamente reduzido o que se
concede a História.
As outras ciências sociais são muito mal informadas a respeito da crise que
nossa disciplina atravessou no decorrer desses últimos vinte ou trinta anos, e sua
tendência é desconhecer, ao mesmo tempo que os trabalhos dos historiadores, um
aspecto da realidade social do qual a história é boa criada, senão hábil vendedora:
essa duração social, esses tempos múltiplos e contraditórios da vida dos homens,
que não são apenas substancias do passado, mas também o estofo da vida social
atual.

Pag. 44
História e durações
Todo trabalho histórico decompõe o tempo decorrido, escolhe entre suas
realidades cronológicas, segundo preferências e opções exclusivas mais ou menos
conscientes. A história tradicional, atenta ao tempo breve, ao individuo, ao evento,
habitou-nos há muito tempo a sua narrativa precipitada, dramática, de fôlego curto.

Pag. 45
Os filósofos não diriam, sem duvida, que isto significa esvaziar a palavra de
uma grande parte de sentido. Um evento, a rigor, pode carregar-se de uma serie de
significações ou familiaridades. Extensível ao infinito, liga-se, livremente ou não, a
toda uma corrente de acontecimentos, de realidade subjacentes, e impossíveis,
parece, de destacar desde então uns dos outros. Por esse jogo de adições,
Benedetto Croce podia pretender que, em todo evento, a história inteira, o homem
inteiro se incorporam e depois descobrem a vontade.

Pag. 46
A primeira apreensão, o passado é essa massa de fatos miúdos, uns
brilhantes, outros obscuros e indefinidamente repetidos, esses mesmos fatos que
constituem, na atualidade, o despojo cotidiano da micro-sociologia ou sociometria
(há também uma micro-história). A ciencia social tem quase horror do evento. Não
sem razão: o tempo curto é a mais caprichosa, a mais enganadora das durações.
Esse ideal, “a historia no estado nascente”, resulta por volta do fim do século
XIX numa crônica de novo estilo, que na sua ambição de exatidão, segue...

Pag. 47
... passo a passo a história ocorrencial tal como ela se desprende de
correspondências de embaixadores ou de debates, parlamentares. Os historiadores
do século XVIII e do inicio do XIX haviam estado mais atentos as perspectivas da
longa duração.
Mas sobre, houve alteração do tempo histórico tradicional. Ontem, um dia, um
ano podiam parecer boas medidas para um historiador político. O tempo era uma
soma de dias. Mas, uma curva dos preços, uma progressão demográfica, o
movimento dos salários, as variações da taxa de juro, o estudo (mais imaginado do
que realizado) da produção, uma analise precisa da circulação reclamam medidas
muito mais ampla.

Pag. 48
O historiador dispõe seguramente de um tempo novo, elevado a altura de
uma explicação onde a historia pode tentar inscrever-se, dividindo-se de acordo com
referencias inéditas, segundo essas curvas e sua própria respiração.
As ciências, as técnicas, as instituições políticas, as ferramentas mentais, as
civilizações (para empregar essa palavra cômoda, (tem igualmente seu ritmo de vida
e de crescimento, e a nova história conjuntural, só estará no ponto, quando houver
completado sua orquestra.

Pag. 49
Em 1943, no maior livro de história publicado na França no decorrer desses
últimos vinte e cinco anos, o mesmo Ernest Labrousse cedia a essa necessidade de
retorno a um tempo menos embaraçante, quando, no próprio côncavo da depressão
de 1774 a 1791, assimilava uma das fontes vigorosas da Revolução Francesa, uma
de suas rampas de lançamento.
O historiador é, de bom grado, encenador.
Certas estruturas, por viverem muito tempo, tornam-se elementos estáveis de
uma infinidade de gerações: atravancam a história, incomodam-na, portanto,
comandam-lhes o escoamento.

Pag. 50
Durante séculos, o homem é prisioneiro de climas, de vegetações, de
populações animais, de cultuas, de um equilíbrio lentamente construído, do que não
pode desviar-se sem o risco de por tudo novamente em jogo. Vede o lugar da
transumância na vida montanhesa, a permanência de certos pontos privilegiados
das articulações litorâneas, vede a durável implantação das cidades, a persistência
das rotas e dos tráficos, a fixidez surpreendente do quadro geográfico das
civilizações.
As mesmas permanências ou sobrevivências no imenso domínio cultural.

Pag. 51
A dificuldade, por um paradoxo só aparente, é discernir a longa duração no
domínio onde a pesquisa histórica acaba de obter seus inegáveis sucessos: o
domínio econômico. Ciclos, interciclos, crises estruturais ocultam aqui as
regularidades, as permanências de sistemas, alguns disseram de civilizações – isto
é, velhos hábitos de pensar e de agir, quadros resistentes, duros de morrer, por
vezes contra a lógica.

Pag. 52
Durante séculos, a atividade econômica depende de populações
demograficamente frágeis, como hão de mostrar os grandes fluxos de 1350 – 1450
e, sem duvida, de 1630 – 1730. Durante séculos, a circulação vê o triunfo da água e
do navio, sendo toda a espessura continental, obstáculos inferiores.
Não obstante todas as modificações evidentes que os percorrem, esses
quatro ou cinco séculos de vida econômica tiveram uma certa coerência, até a
agitação do século XVIII e da revolução industrial da qual ainda não saímos.

Pag. 53
Para o historiador, ocultá-lo é prestar-se uma mudança de estilo, de atitude, a
uma alteração de pensamento, a uma nova concepção do social. É familiarizar com
um tempo diminuído, por vezes, quase no limite do movediço. Nessa faixa, não em
outra – voltarei a isso – é licido desprender-se do tempo exigente da história, sair
dele, depois voltar a ele, mas com os outros olhos, carregados de outras
inquietudes, de outras questões.

Pag. 54
O historiador quis-se atento a “todas” as ciências do homem. Eis o que dá ao
nosso mister estranhas fronteiras e estranhas curiosidades. Além disso, não
imaginemos, entre o historiador e o observador das ciências sociais, as barreiras e
diferenças de ontem. Todas as ciências do homem, inclusive a história, estão
contaminadas uma pelas outras. Falam a mesma linguagem ou podem falá-la.

A querela do tempo curto


Entretanto, as ciências sociais não se sentem quase tentadas pela busca do
tempo perdido. Não que se possa levantar contra elas um firme requisitório e
declará-las sempre culpadas de não aceitar a história ou a duração com dimensões
necessárias de seus estudos.

Pag. 57
Historiadores e social scientists poderiam, pois eternamente passar a bola um
para o outro no que tange ao documento morto e ao testemunho muito vivo, ao
passado longiquo, a atualidade muito próxima. Não acho que esse problema seja
essencial. Presente e passado iluminam-se com luz recíproca. E se observa
exclusivamente na estreita atualidade, a atenção incidira sobre o que se mexe
depressa, brilha com razão ou sem razão, ou acaba de mudar, ou faz barulho, ou se
revela sem esforço.

Pag. 59
Comunicação e matemática sociais
Na verdade, ai o debate se desenrola sem grande interesse, ou ao menos
sem surpresa útil. O debate essencial que a mais nova experiência das ciências
sociais conduz, sob o duplo signo da “comunicação” e da matemática, está alhures,
entre nossos vizinhos.
Mas aqui, não será fácil advogar o processo, quero dizer, será algo difícil
provar que nenhum estudo social escapa ao tempo da história, a propósito de
tentativas que, ao menos aparentemente, se situam absolutamente fora dele.
Com efeito, na linguagem da história, não pode haver sincronia perfeita: uma
parada instantânea, suspendendo todas as durações, é quase absurda em si.

Pag. 60
A historia inconsciente é, bem entendido, a historia das formas inconsciente
do social. “Os homens fazem a história, mas ignoram que a fazem”. A formula de
Karl Marx esclarece, mas não explica o problema. De fato, sob um novo nome, uma
vez mais, é todo o problema do tempo curto, do “microtempo”, do factual que se nos
reapresenta. Os homens sempre tiveram a impressão, vivendo seu tempo, de
apreender seu desenrolar no dia-a-dia. Essa história consciente, clara, é abusiva,
como muitos historiadores, já há muito tempo, concordam em considerá-la.
Acrescentamos que história “inconsciente”, em parte domínio do tempo
conjuntural e, por excelência, do tempo estrutural, é muitas vezes, mais claramente
percebida do que se costuma dizer.

Pag. 61
Os modelos não são mais do que hipóteses, sistemas de explicação
solidamente ligados segundo a forma da equação ou da função: isso é igual aquilo
ou determina aquilo.
O modelo estabelecido com cuidado permitirá, pois colocar questão, fora do
meio social observando – a partir do qual foi, em suma do meio social observando –
a partir do qual foi, em suma, criado – outros meios sociais de mesma natureza,
através do tempo e espaço. É seu valor recorrente.

Pag. 62
Daí também, a necessidade de confrontar os modelos, por sua vez, com a
idéia de duração, pois da duração que implicam dependem bastante estreitamente,
o meu ver, a respectiva significação e o valor de explicação.
Fabricados por historiadores, modelos bastante grosseiros, rudimentares,
raramente desenvolvidos até o rigor de uma verdadeira regra cientifica e nunca
preocupados em desembocar numa linguagem matemática revolucionaria – todavia,
modelos a sua maneira.

Pag. 63
O modelo assim concebido é, evidentemente, capas de correr os séculos.
Supõe certas condições sociais precisas, mas cuja história tenha sido prodiga: é
valido, por conseguinte, para uma duração muito mais longa do que os modelos
procedentes, mas ao mesmo tempo Poe em causa realidades mais precisas
estreitas.

Pag. 64
as explicações que precedem não são mais que uma insuficiente introdução a
ciência e a teoria dos modelos. E é preciso que os historiadores ocupem ai posições
de vanguarda. Seus modelos não passam quase de feixes de explicações.

Pag. 65
Da analise do social, pode-se passar diretamente a uma formulação
matemática, a maquina de calcular.
Evidentemente, é preciso preparar o trabalho dessa maquina que não engole,
nem tritura todos os alimentos. Além disso, foi em função de verdadeiras maquinas,
de suas regras de funcionamento, para as comunicações no sentido mais material
da palavra, que se esboçou e desenvolveu uma ciência de informação.
Essa relações rigorosamente determinadas dão as próprias equações, das
quais a matemática tirarão todas as conclusões e prolongamentos possíveis para
chegar a um modelo que as resuma todas, ou antes, leve todas em conta.

Pag. 66
“Em toda sociedade”, escreve Claude Levi- Strauss, “a comunicação se opera
pelo menos em três níveis: comunicação das mulheres; comunicação dos bens e
dos serviços, comunicação das mensagens”.
Assim sendo, não teremos o direito de tratá-las como linguagens, ou mesmo
como a linguagem, e de associá-las, de maneira direta ou indireta, aos progressos
sensacionais da lingüística, ou melhor, da fonologia, que “não pode deixar de
representar, em face das ciências sociais, o mesmo papel renovador que a física
nuclear, por exemplo, representou para o conjunto de ciências exatas.

Pag. 67
A partir desse elemento quadrangular e de todos os sistemas de casamentos
conhecidos nesses mundos primitivos – e são numerosos – os matemáticos
procurarão as combinações e soluções possíveis. Ajudado pelo matemático Andre
Weill, Levi-Strauss conseguiu traduzir em termos matemáticos a observação do
antropólogo. O modelo obtido deve provar a validade, a estabilidade do sistema,
assinalar as soluções que este último implica.

Pag. 68
O modelo é assim, alternadamente, ensaio de explicação da estrutura,
instrumento de controle, de comparação, verificação da solidez e da própria vida de
uma estrutura dada. Se eu fabricasse um modelo a partir do atual, gostaria de
recolocá-lo imediatamente na realidade, depois fazê-lo remontar no tempo, se
possível, até seu nascimento.
A não ser que, servindo-me dele, como de um elemento de comparação, eu o
faça passear no tempo ou no espaço, em busca de outras realidades capazes de se
iluminar graças a ele, com uma luz nova.

Pag. 69
A cada instante, aqui quantas rupturas, quantas reviravoltas. Até na própria
estrutura do maquiavelismo, pois esse sistema não tem solidez teatral, quase
eterna, do mito; ele é sensível às incidências e saltos, às intempéries múltiplas da
história. Numa palavra, não caminha apenas sobre as estradas tranqüilas e
monótonas da longa duração...

Pag. 70
Os modelos ditos estatísticos se destinam, ao contrario, às sociedades
amplas e complexas onde a observação só pode ser desenvolvida graças às
medias, isto é, às matemáticas tradicionais. Mas, essas médias estabelecidas, se o
observador é capaz de estabelecer, na escala dos grupos e não mais dos
indivíduos, essas relações de base de que falávamos e que são necessárias às
elaborações das matemáticas qualitativas, nada impede por conseguinte de recorrer
a elas.

Pag. 71
Tempo do historiador, tempo do sociólogo
Ao termo de uma incursão pelo país das intemporais matemáticas sociais,
eis-me de volta ao tempo, à duração. E, historiador incorrigível, espanto-me, uma
vez mais, que os sociólogos tenham podido escapar dela. Mas é que seu tempo não
é o nosso: é muito menos imperioso, menos concreto também, nunca está no
coração de seus problemas e de sua reflexões.
Recusar os eventos e o tempo dos eventos, era colocar-se à margem, ao
abrigo, para olhá-los um pouco de longe, melhor julgá-los e não crer muito. Do
tempo curto, passar ao tempo menos curto e ao tempo muito longo (se existe, este
ultimo, só pode ser o tempo dos sábios); depois. Chegado a esse termo, deter-se,
considerar tudo de novo e reconstruir, ver tudo girar à volta: a operação tem com o
que tentar um historiador.

Pag. 72
Para o historiador, tudo começa, tudo acaba pelo tempo, um tempo
matemático e demiúrgico, do qual seria fácil sorrir, tempo como que exterior aos
homens, “exógeno”, diriam os economistas, que os impede, os constrange, arrebata
seus tempos particulares de cores diversas: sim, o tempo imperioso do mundo.

Pag. 73
O que interessa apaixonadamente um historiador, é o entrecruzamento
desses movimentos, sua interação e seus pontos de ruptura: coisas todas que só
podem se registrar em relação ao tempo uniforme dos historiadores, medida geral
de todos esses fenômenos, e não ao tempo social multiforme, medida particular a
cada um desses fenômenos.

Pag. 74
O vasto edifício social (diremos o modelo?) de Georges Gurvtch se organiza
segundo cinco arquiteturas essenciais: os patamares em profundidade, as
sociabilidades, os grupos sociais, as sociedades globais – os tempos, esse ultimo
andaime, o das temporalidades, o mais novo, sendo também o ultimo construído e
como que sobreposto ao conjunto.

Pag. 75
Para os historiadores, que não serão todos da minha opinião, seguir-se-ia
uma inversão do vapor: é para a história curta que vão, instintivamente, suas
preferências. Estas têm a cumplicidade dos sacrossantos programas da
Universidade. Jean-Paul Sartre, em recentes artigos, reforça o ponto de vista deles
quando, querendo protestar contra o que, no marxismo, é ao mesmo tempo
demasiado simples e demasiado pesado, ele o faz em nome do biográfico, da
realidade abundante do factual.

Pag. 76
Esses modelos forma congelados na sua simplicidade ao lhes ser dado valor
de lei, de explicação previa, automática, aplicável em todos os lugares, a todas as
sociedades.
O século XVIII europeu, no seu conjunto, está semeado por nossos canteiros
de obra, mas já o XVII, também, e mais ainda o XVI. Estatísticas de uma dimensão
inaudita nos abrem por sua linguagem universal, as profundezas do passado chinês.
Sem duvida, a estatística simplifica para melhor conhecer. Mas toda ciência vai
assim do complicado ao simples.

Pag. 77
Na pratica – pois esse artigo tem um fim pratico - desejaria que as ciências
sociais, provisoriamente, cessassem de tanto discutir sobre suas fronteiras
recíprocas, sobre o que é ou não é ciência social, o que é ou não é estrutura...Que
procurem antes traçar, através de nossas pesquisas, as linhas, se existem linhas,
que orientariam uma pesquisa coletiva, bem como os temas que permitiriam atingir
uma primeira convergência.

Pag.221.
HISTORICISMO E NACIONALISMO
Se a França da Restauração utilizou a história para assimilar a herança da
Revolução e colocar as bases da nova sociedade burguesa, na Alemanha a situação
seria muito diferente. As conseqüências que esse ponto de partida teria na evolução
da história seriam transcendentais a partir do momento em que a “história cientifica”,
elaborada nas universidades alemãs por pesquisadores que eram funcionários do
estado, converteu-se num modelo imitado no mundo inteiro.
A Alemanha do inicio do século XIX tinha dois problemas fundamentais que
influenciaram decisivamente na orientação assumida por seus historiadores: o
desejo de realizar a unificação política a partir do mosaico das diversas unidades
que a compunham (um caos de estados, cidades livres e feudos que o congresso de
Viena reduzira a 39) e o de empreender o caminho da modernização sem correr
riscos revolucionários.

Pag.222.
No campo da história, a avaliação de um passado clássico comum seria
enriquecida
Com a recuperação das crônicas medievais, que acrescentaram um elemento
“nacional”, havendo também, e isso foi muito importante para a consolidação da
“história cientifica”, o desenvolvimento de métodos de critica erudita que tinham
origem, principalmente, no campo da filologia.
A dimensão política do projeto é fundamental para entender sua evolução. A
ameaça revolucionaria ensinou aos políticos prussianos que era melhor antecipar-
se, e ceder alguma coisa de antemão – fazer uma limitada “revolução pelo alto” – do
que arriscar perder tudo. A derrota para Napoleão conduziu ao inicio efetivo das
reformas que levaram à abolição formal do feudalismo por obra de homens como
Stein ou Hardenberg, convencidos da necessidade de “introduzir os princípios
democráticos no estado monárquico”. Reformas muito limitadas no entanto, pois
mesmo que permitissem a livre utilização da terra e abolissem a servidão,
mantinham a prestação de serviços e as obrigações por parte dos camponeses,
caso quisessem conservar terras que eram consideradas como propriedade dos
senhores. A situação haveria de piorar ainda mais quando se permitiu aos grandes
proprietários apropriarem-se de uma parte cada vez maior da terra, manter a própria
policia rural e controlar os órgãos de governo local. Este seria o paradoxo de uma
modernização política que tornaria possível o desenvolvimento industrial, ao mesmo
tempo em que conservava os privilégios sociais da nobreza.

Pag. 223.
A ação iniciou-se com a reforma educacional de Humbolt e continuou nas
universidades prussianas – em especial a de Berlim, fundada em 1810 – que
ofereciam aos intelectuais bem-estar econômico e promoção social, recebendo
deles, em troca, as armas ideológicas para fazer frente à subversão sob a forma de
uma cultura nacional que se apresentava dissociada do terreno da política e
renunciava às funções de critica social assumidas pelos intelectuais da ilustração,
encarregando-se de preparar a população para reverenciar o estado ao qual
proporcionavam legitimação.
Uma característica que o define é a rejeição do universalismo da ilustração,
substituído por uma visão em que cada nação é considerada como uma tonalidade
orgânica que tem leis próprias de evolução. A escola histórica de direito, com
homens como K. Von Savigny, Gustav F. Hugo e Karl F. Von Eichhorn, combatia as
formulações do jusnaturalismo que pressupunham a existência de princípios legais
comuns para todo o mundo e defendia a peculiaridade individual e histórica das leis
de cada povo. A história, por seu lado, não deveria ocupar-se de estágios de
desenvolvimento social, nem de “séculos”, da cultura humana, mas das nações
consideradas organicamente e os fatos estudados pelo historiador deveriam ser
analisada individualmente, no contexto nacional, sem buscar leis ou regularidades
gerais que os explicassem. O interesse político do projeto explica porque Stein um
dos dirigentes do reformismo prussiano, fosse, após retirar-se da política, o fundador
da sociedade encarregada de publicar as fontes da historia alemã nos Monumenta
Germaniae histórica, qualificadas como “o principal produto do novo espirito do
nacionalismo”.

Pag. 224.
O homem comumente considerado fundador do historicismo e que de fato,
seria o divulgador dos novos métodos “científicos” da história, Leopold Von Ranke
(1795-1886). Procedente de uma família de pastores luteranos, publicou Histórias
dos povos românicos e germânicos de 1494 e 1514, em 1824, quando ainda não
tinha trinta anos. O engano chegou ao extremo de apresentar como um dos grandes
méritos de Ranke, como diz Gooch, o ter “separado o estudo do passado, tanto
quanto possível, das paixões do presente para escrever as coisas tal e como foram”.
Deixando de lado que o próprio Ranke repetiu uma ou outra vez que a missão da
história “não consiste tanto em reunir e buscar fatos como em entendê-los e explicá-
los”, sua biografia e sua obra – muito mais invocada que lida, salvo alguns breves
textos programáticos – desmentem o mito do “wieves eigentlich gewesen”.

Pag. 226.
Ranke não foi precisamente um homem que permaneceria à margem da
política. Depois da revolução de 1830, o governo prussiano publicou uma revista
para combater as idéias revolucionárias, a Revista histórica-política, que oi dirigida
por Ranke e, qual Savigny colaborou ativamente.

Pag. 227.
Nos momentos decisivos da história –diria – aparece o que acostumamos
chamar “o destino” e que é, na realidade, “o dedo de Deus”. Como escreveu, em
1837, ao filho Otto: “Sobre tudo flutua a ordem divina das coisas, difícil por certo de
demonstrar, mas que sempre se pode intuir. Dentro da ordem divina, assim como na
sucessão dos tempos, os individuas importantes ocupam seu lugar: assim é como
os há de conceber o historiador”. A atividade dos homens canaliza-se através das
nações, que são o componente fundamental da sociedade: cada uma delas é
diferente e peculiar de maneira que as generalizações não servem: “cada país tem a
própria política”.
Quando estuda a monarquia espanhola dos séculos XVI e XVII, por exemplo,
começa com os retratos pessoais dos reis, dedica-se à corte e aos ministros, à
organização do governo e à administração, à fazenda e “à situação publica”,
interpretada de maneira convencional com afirmações como a de que a pobreza de
Castela foi causada pelo catolicismo, pela “concepção hierárquica do mundo” e pelo
gosto dos espanhóis por “passar a vida alegremente e sem esforço”. Depois desta
analise do estado, Ranke passa a uma segunda parte, dedicada à ação da
monarquia espanhola no mundo que , como era de se prever, se limita a falar das
guerras que a mesma travou contra outros estados.
Ranke, não entende as nações a não ser no seio dos estados: era contrario,
diz Wolfgang J. Mommsen, ás idéias contemporâneas de nação, seja as que se
baseavam em critérios étnicos e culturais, seja na vontade dos cidadãos.

Pag. 228.
Ranke falou sempre com reverencia do poder e com respeito dos dirigentes,
atribuindo os motivos mais elevados a seus atos. O historiador preparava, assim, o
caminho em direção à submissão absoluta dos cidadãos ao poder, sem discussões
nem critica, já que o estado encarna a nação e esta não faz senão observar as
pautas fixadas pelo dedo de Deus.
Os discípulos de Ranke envolveram-se na política de maneira ainda mais
explicita que ele, comprometendo-se num e noutro campo.

Pag. 229.
Também era discípulo de Ranke o suíço de língua alemã Jacob Burekhardt
(1818-1897), que começaria estudando teologia e se mudaria para a Itália em 1846
para investigar sua cultura e fugir da revolução (o que mais temia era a “passagem
da história ás mãos das massas”). Burckhardt escreveu um tipo de história diferente,
onde o grande protagonista já não escreveu um tipo de história diferente, onde o
grande protagonista já não era o estado, mas este compartilhava o papel central
com a religião e, principalmente, com a cultura; uma cultura definida como “o
conjunto dos desenvolvimentos espirituais que se produzem espontaneamente e
que não reivindicam uma validade coercitiva universal”, sendo um elemento de
critica do estado e da religião.

Pag. 230.
Sua obra fundamental, A civilização do renascimento da Itália (1860), iniciava
uma formulação inovadora da história da cultura, que, apesar de ter como pano de
fundo uma visão pessimista do futuro, ia mais além da mera descrição dos produtos
artísticos ou da consideração do retorno à antiguidade, articulando uma nova visão
global que incluía aspectos tão diversos como o desenvolvimento da individualidade
pessoal, o descobrimento da beleza da paisagem ou “o espírito geral de duvida”.
Sentia vocação de político, mas se dedicou à história porque a atividade
política lhe estava negada numa Alemanha controlada pelo alto e pervertida por
baixo por um objeto conformismo.

Pag. 231.
O próprio Ranke não se mostrou favorável a que fosse nomeado professor
em Berlim – dedicou-se a escrever ambiciosa História da Alemanha no século XIX,
cujos cinco volumes, publicados entre 1879 e 1894, não lhe permitiram chegar mais
do que a 1847. A obra era uma justificativa dos atos políticos da Prússia e uma
glorificação da grandeza de uma Alemanha destinada a se tornar uma potencia
dominante, numa linha de pensamento que se manifestaria de acordo com suas
conferencias universitárias, nas quais lançava “ataques desmedidos contra a França
e a Inglaterra, contra os socialistas, os judeus, o governo parlamentar”.
Paradoxalmente, estes homens, que se negavam a aceitar a existência de
leis históricas gerais acima das realidades nacionais, seriam os criadores de
métodos de pesquisa que se difundiriam universalmente até serem admitidos como
norma cientifica da profissão e que seriam considerados, sem fundamento algum,
como equivalentes, no campo da história aos métodos de investigação das ciências
da natureza.”
O “método cientifico”, difundido pelos seminários universitários alemães foi
assimilado pelos historiadores de que outros países que, também, concordavam
com os colegas prussianos na preocupação em consolidar o consenso social em
torno de liberdade que não implicassem a conquista da democracia, contra o que
acreditavam as massas populares quando deram apoio às revoluções liberais.

Pag. 232.
Os historiadores liberais do século XIX defendiam uma idéia de organização
do estado que negava o direito de participação na política ao conjunto da população.
Carlyle dizia que o sufrágio universal era “uma forma diabólica de igualar Judas e
Jesus Cristo”; Odilon Barrot sustentava que era “o mais perigoso e despótico
absurdo que havia jamais saído de um cérebro humano”, Os pobres não tinham
tempo para dedicar-se à política, nem dispunham dos conhecimentos necessários
para fazê-lo. “Só a propriedade torna os homens capazes do exercício dos direitos
políticos”, dizia Constant, pensando exclusivamente na propriedade da terra.
Na Grã-Bretanha do inicio do século XIX, uma época sem grandes
historiadores, caberia principalmente à economia exercer a função de explicar e
inculcar as regras de uma sociedade estável.

Pag. 233.
O primeiro dos grandes historiadores britânicos desde Gibbon foi Thomas
Babbington Macaulay (1800-1859) que, mesmo estando mais próximo dos
historiadores escoceses do século XVIII do que dos prussianos do XIX, soube, como
estes últimos, ajudar a reforçar o consenso social em tempos difíceis. Distinguiu-se
como político na época em que se preparava a reforma eleitoral de 1832, foi
membro do Conselho Supremo da Índia e ministro da Guerra num governo whig, ate
que decidiu renunciar à carreira política para dedicar-se plenamente à história,
publicando, em 1849, os dois primeiros volumes de sua História da Inglaterra, com
um êxito extraordinário. Macaulay é um dos maiores representantes da chamada
“interpretação whig” da história, que reconstrói o passado para mostrá-lo como uma
ascensão permanente em direção às formas da liberdade constitucional inglesa,
explicando as lutas políticas em termos da situação parlamentar na Grã-Bretanha no
século XIX, isto é, em termos de reformistas whigs lutando contra tories, defensores
do status quo.

Pag. 234.
O ponto de partida mostrava-se coerente com a intenção de mostrar que o
acordo estabelecido entre a monarquia e o parlamento, em 1688, havia permitido
evitar os riscos do radicalismo e construir um sistema político estável, condição do
progresso britânico. Macaulay acabava a primeira parte, escrita sob influencia dos
fatos de 1848, com uma apologia à estabilidade social britânica em meio a uma
Europa sacudida pelas revoluções. Este defensor do liberalismo e da
industrialização, indiferente em matéria religiosa, era um homem de considerável
cultura e um bom escritor que pôde oferecer à sociedade britânica de meados do
século XIX o tipo de analise do passado que deveria confirmar sua confiança no
caminho empreendido.

Pag. 236
Na America do Norte de fins do século XIX, ocorreu um processo semelhante
de difusão dos métodos da erudição alemã, associada à pretensão da objetividade
que não era outra coisa que a simples aceitação da ordem estabelecida e
acompanhada pela profissionalização dos historiadores.

Pag. 237.
O manual de referencia dos historiadores norte-americanos era a introdução
aos estudos históricos de Langlois e Seignobos e a pretensão de alcançar a
objetividade e a certeza baseava-se na confiança que lhes davam os métodos
“científicos”utilizados, supostamente similares aos das ciências naturais. Assim,
conseguiram alcançar boa reputação profissional, numa sociedade para cuja
estabilidade contribuíam, prestando apoio a um consenso conservador, nacionalista
e racista.
“O significado da história”, que esta voltava a ser escrita em cada época, de
acordo com as próprias condições: o objeto real do historiador era o presente e seu
trabalho devia dirigir-se a um publico amplo. Em 1893, Turner publicou ensaio sobre
“O significado da fronteira na história norte-americana” em que negava a teoria
“germinal” que dizia que a sociedade norte-americana surgira no Leste, de sementes
culturais trazidas da Europa pelos imigrantes ingleses, sustentando, em troca, que
suas características derivavam da existência de uma fronteira de terras livres em
direção ao Oeste do país – Turner nunca faria menção aos indígenas que já as
habitavam previamente – cuja conquista que punha o homem em contato com a
natureza, havia forjado o caráter especifico da democracia norte-americana.

Pag. 238.

A fronteira possibilitou que os imigrantes se americanizassem rapidamente e


engendrou o caráter do pioneiro, independente e auto-suficiente, capaz de criar as
próprias instituições à margem do governo central, A fronteira foi, também, uma
“válvula de segurança” par os conflitos sociais: os descontentes da sociedade do
leste saíram a conquistar novas terras e nelas construíram uma sociedade aberta e
móvel que permitiu o surgimento de uma democracia individualista. Em fins do
século XIX, no entanto, a fronteira do oeste estava já fechada e a energia da nação
deveria buscar novos caminhos e novas fronteiras.
Pag. 239.
Nos países de cultura européia, a ficção da independência do intelectual
podia ser sustentada, já que eram os próprios historiadores acadêmicos que
mantinham longe das fileiras da “ciência” os possíveis perturbadores da profissão.
Em outras culturas, a realidade da dependência da história em relação ao poder
mostrava-se sem disfarces. No Japão, a compilação da história era considerada
uma prerrogativa das autoridades, preocupadas sempre em difundir uma versão
canônica.
Em principio do século XX, no entanto, numa sociedade em mudança, a crise
do historicismo era evidente. Isso explica que se iniciassem as tentativas de superá-
la no terreno concreto da pesquisa histórica, ao mesmo tempo em que permanecia
estabelecido no da teoria econômica, depois de uma “querela de método” que levou
a reivindicar na economia a primazia da teoria contra o estudo isolado de casos
precisos, defendido pela escola histórica. As concorrentes de pensamento que
propunham, nestes anos, a revisão de um historicismo que consideravam, no
entanto, pelos problemas concretos da pesquisa – um terreno em que aceitavam de
fato as formulações tradicionais – mas somente pela fundamentação filosófica.

Pag. 240.
Nesta linha encontramos sobretudo o neokantismo da escola de Marburg,
com Heinrich Rickert (1863-1936), que afirmava que a realidade empírica era
múltipla e inabordável na totalidade. A forma em que as diversas ciências a
enfrentavam era diferente. As ciências da natureza o fazem com um método
“generalizador”, que utilizava os conceitos de lei, gênero e espécie, alcançando, com
eles, um conhecimento geral da realidade.
A seleção dos fatos com que o historiador constrói a história faz-se em função
de “valores” transcendentes, que estão alem do objeto e do sujeito. A história torna-
se, assim, uma construção mental erigida pelo homem e a concepção do progresso
histórico e uma armadilha.
Apesar de ser anterior a alguns neokantinianos, Wihelm Dilthey (1833-1911)
influenciou com atraso a filosofia da história. Para Dilthey, não são dois campos
distintos o que marca a diferença, entre as ciências da natureza e as de espírito,
mas o comportamento distinto destas ciências.
Só podemos aceder à vida, em toda a complexidade, pelas próprias
experiências de vida: de nossas vivencias.

Pag. 241
Enquanto se desenvolvia o conjunto das novas tendências que
transformariam as ciências sociais – o complexo integrado pelo marginalismo,
funcionalismo e estruturalismo – os historiadores acadêmicos limitavam-se a
continuar recolhendo “fatos históricos”, colando-os um atrás do outro, convencidos
de que o que faziam não somente era “cientifico” – mesmo que fosse uma ciência de
categoria inferior – mas que era a única forma licita de trabalhar no campo da
história.

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