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TEORIA DA
IMPUTAÇÃO OBJETIVA
Gilbert Uzêda Stivanello
RESUMO
Apresenta de forma sintética a Teoria da Imputação Objetiva, indicando sua origem e finalidade na resolução de problemas não-solucionados pelo
causalismo e finalismo.
Assevera que, não obstante o desconhecimento da referida teoria, esta costuma despertar reações polarizadas no meio acadêmico-científico, ao propor,
sobretudo, uma inovadora conceituação para a tipicidade, distinta da oferecida pelas teorias causalista e finalista.
Desenvolve sua tese inspirado no pensamento de autores da doutrina pátria, ao apresentar a concepção original da Teoria da Imputação Objetiva
formulada por Claus Roxin, bem como a valiosa vertente manifestada por Günther Jakobs.
Admite persistirem resistências quanto à adoção de tal teoria pelos doutrinadores brasileiros, tendo em vista a possibilidade de resolução de algumas
controvérsias com fulcro em outros segmentos teóricos.
Por fim, enfatiza a importância do debate e da pesquisa, elementos essenciais à descoberta de soluções originais, porquanto propiciam um avanço no
âmbito do Direito Penal com reflexos em suas conseqüências processuais, com o escopo de se evitarem prejuízos à devida aplicação da justiça em
virtude do desnecessário elastério do processo penal.
PALAVRAS-CHAVE
Teoria da Imputação Objetiva; Direito Penal; Direito Processual Penal; Teoria Causalista e Teoria Finalista.
T
grande progresso da Teoria Finalista quanto em primeiro lugar deve ser
ipo penal, na definição de foi a criação do tipo subjetivo, pela examinada a causalidade (empírica)
Eugênio Raúl Zaffaroni, é um inclusão do dolo e da culpa no con- do resultado e, se afirmada que ela
instrumento legal, logicamente ceito amplo de tipo. seja, a imputação (normativa) do re-
necessário e de natureza predomi- Uma vez que o tipo penal pas- sultado5.
nantemente descritiva, que tem por sou a conter elementos objetivos e
função a individualização de condutas subjetivos, passou o mesmo a ser · Para as Teorias Causalista e
humanas penalmente relevantes1 . denominado “tipo complexo”. Em Finalista:
Cabe ao tipo penal descrever a decorrência deste novo conceito de
conduta que se deseja proibir ou tipo, que apenas se perfaz mediante TIPO OBJETIVO = (Presença dos)
impor, sob ameaça de sanção. a conjugação de seus elementos ob- ELEMENTOS DO TIPO OBJETIVO
Para que se conheça o alcan- jetivos e subjetivos, a ausência de
ce da proibição ou imposição, neces- qualquer deles passou a implicar em · Para a Teoria da Imputação
sário se faz que ele contenha elemen- atipicidade. Objetiva:
tos de natureza objetiva2.
Tais elementos de natureza TIPO = TIPO COMPLEXO = TIPO TIPO OBJETIVO = (Presença dos)
objetiva descrevem a ação e seu ob- OBJETIVO + TIPO SUBJETIVO ELEMENTOS DO TIPO OBJETIVO +
jeto, e, quando necessário, o resulta- (Teoria Finalista) IMPUTAÇÃO OBJETIVA
do, a pessoa do autor, circunstâncias
externas do fato, o sujeito passivo Não se mostrava, entretanto, a Logo, para a Teoria da Imputa-
etc. Teoria Finalista como instrumento su- ção Objetiva:
Enquanto prevaleceu a Teoria ficiente para a solução de uma série
Causalista, bastavam ao tipo seus de situações jurídicas, eis que seu TIPO COMPLEXO= TIPO OBJETIVO
elementos objetivos, eis que o dolo e conceito de tipo objetivo ainda per- (=ELEMENTOS DO TIPO
a culpa não integravam o fato típico, manecia por demasiado extenso... OBJETIVO+IMPUTAÇÃO OBJETIVA)
mas sim a culpabilidade. + TIPO SUBJETIVO
A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
TIPO = TIPO OBJETIVO A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
(Teoria Causalista) A Teoria da Imputação Objeti- SEGUNDO CLAUS ROXIN6, 7
va surgiu na Alemanha, havendo
Nas palavras de Johannes seus primeiros conceitos partido de Criou então Claus Roxin uma
Wessels: ...A ele pertencem a descri- Hegel, com posterior revisão por Teoria Geral da Imputação Objetiva,
ção do sujeito, do objeto e da ação Richard Hönig em 1930. Retomada, apontando as hipóteses normativas
executiva, incluindo eventualmente desenvolvida e aperfeiçoada na dé- que autorizam a imputação do resul-
formas especiais de comissão, meios cada de 1970 por Claus Roxin, que tado ao autor, aperfeiçoando dessarte
ou outras modalidades do fato. Na lhe deu seus contornos atuais, tem o tipo objetivo, eis que, segundo tal
maioria das vezes pressupõe-se no esta teoria por finalidade resolver os teoria, deve o tipo objetivo compre-
tipo objetivo a ocorrência de um de- problemas não solucionados pelo ender tanto a causalidade material
terminado resultado como efeito exte- causalismo e finalismo, por intermé- quanto a causalidade normativa (im-
rior da ação. Nesses delitos de resul- dio de uma nova metodologia de aná- putação objetiva).
tado o nexo causal entre ação e resul- lise e delimitação do alcance do tipo Para que possa haver a impu-
tado constitui igualmente um elemen- objetivo. tação objetiva, pela Teoria de Claus
to (não escrito) do tipo objetivo3, 4. Ao se empregar tal teoria, dei- Roxin, seria portanto necessária a
Com a posterior adoção da xa-se de analisar, quanto ao tipo ob- concorrência de três condições, quais
Teoria Finalista, o dolo e a culpa fo- jetivo, uma relação de causalidade sejam:
ram retirados da culpabilidade e in- puramente material. Torna-se esta 1) A criação ou aumento de um
seridos no tipo, que passou desta mera condição mínima, a ela se agre- risco não-permitido;
maneira a possuir também um ele- gando outra, de natureza jurídica, que 2) A realização deste risco não-
mento subjetivo. consiste em verificar se o resultado permitido no resultado concreto;
O tipo deixou de ser conside- previsto pode ou não ser imputado 3) Que o resultado se encontre
rado realizado tão-somente em decor- ao autor. Não basta apenas que o re- dentro do alcance do tipo / esfera de
rência do fenômeno natural da cau- sultado tenha sido praticado pelo proteção da norma.
sação, passando a ser exigido tam- agente para que se possa afirmar a Assim esclarece Roxin: um re-
bém um direcionamento, guiado pela sua relação de causalidade. Passa a sultado causado pelo agente só deve
vontade humana, de um curso cau- ser necessário também que ele pos- ser imputado como sua obra e preen-
sal no sentido de um determinado fim. sa lhe ser imputado juridicamente. che o tipo objetivo unicamente quan-
A conduta passou a ser analisada Assim leciona Maurach: do o comportamento do autor cria um
como um ato finalístico, orientado a ... É este precisamente o inte- risco não-permitido para o objeto da
um objetivo. resse principal da Teoria da Imputa- ação, quando o risco se realiza no
O tipo objetivo, entretanto, con- ção Objetiva do resultado; para esta, resultado concreto, e este resultado
tinuou a ser considerado como reali- a causalidade somente é a condição se encontra dentro do alcance do
zado pela Teoria Finalista por meio da mínima; a ela deve agregar-se a rele- tipo8.
mera relação de causalidade. Em ou- vância jurídica da relação causal en- A contrario sensu, podemos
tras palavras, manteve a Teoria tre o sujeito atuante e o resultado. afirmar não poder o resultado ser im-
Finalista o conceito de tipo objetivo Portanto, a investigação da causali- putado ao agente, não se aperfeiço-
já adotado na Teoria Causalista. dade tem lugar em duas etapas, ando, dessarte, o tipo objetivo, sem-
CRIAÇÃO OU AUMENTO DE UM
RISCO NÃO-PERMITIDO porventura delas venha a decorrer um a seu amigo surfista “B” viagens ao
resultado de dano. O mesmo valerá local, na expectativa de que este fa-
Nas palavras de J. Antonio C. quando se tratar de risco inevitável leça ao praticar o surfe em suas peri-
Moltalvo, há uma zona cinzenta, in- ou realmente necessário para o avan- gosas praias, o que de fato acaba por
certa e difusa, separando o risco per- ço tecnológico das empresas que in- acontecer. Apesar do desejo de “A”,
mitido do risco proibido9... tegram nossa sociedade industriali- não deve o mesmo ser confundido
Visando a clarear a diferença zada. com uma “intenção”, eis que “A” ja-
entre tais figuras, levantou a doutrina · Princípio da Confiança mais deteve o domínio do resultado,
uma série de elementos e princípios Também tratar-se-á de risco não podendo este destarte ser-lhe
a serem empregados para tal distin- permitido aquele admitido em decor- atribuído...
ção, alguns dos quais passaremos a rência do princípio da confiança, eis · Diminuição do risco
analisar: que a sociedade não pode funcionar Não haverá imputação objeti-
· Utilidade Social; sem bens passíveis de abuso. Asse- va quando o agente tiver como fim
· Inevitabilidade do Risco; gura o referido princípio poder-se con- diminuir risco de dano maior ao bem
· Necessidade de Certas Em- fiar que os outros se comportarão jurídico, mesmo que para tal venha a
presas conforme ao Direito, enquanto não causar dano menor, que seria em tese
Ensina Claudia López Díaz existirem pontos de apoio concretos proibido, ao bem.
que: Enquanto o risco pertence ao em sentido contrário, os quais não Podemos exemplificar a situa-
mundo natural, a permissão e a proi- seriam de se afirmar diante de uma ção imaginando o agente “A” que dá
bição determinaram-se de acordo aparência suspeita, mas apenas di- um empurrão em “B”, fazendo-o as-
com as regras do ordenamento soci- ante de uma reconhecível inclinação sim desviar-se de um carro desgo-
al. A tolerância para a realização da para o fato. vernado que o atropelaria, causando-
conduta criadora de risco advém das Não realiza conduta típica lhe, porém, lesões corporais leves
estruturas sociais que, por intermé- aquele que, confiando em terceiro e com tal ato...
dio de diferentes critérios, disciplinam agindo conforme o Direito, envolve- · Incremento do Risco
o que é lícito e o que é desaprovado. se em situação na qual este terceiro Tratar-se-á de criação de risco
Na aplicação desses métodos deve- produza resultado danoso. proibido, a autorizar a imputação ob-
mos ter em conta, em primeiro lugar, Penalmente irrelevante será, jetiva, a conduta do agente que au-
a consideração da natureza do bem portanto, a ação do padeiro que te- mentar um risco pré-existente, mes-
jurídico, que deve ser encontrada na nha vendido um bolo para um homi- mo que permitido, ou ultrapassar os
Constituição Federal. Esses critérios cida, que, posteriormente, nele inse- limites para os quais tal risco seria
são os seguintes: a utilidade social, riu veneno, vindo a matar terceiro que juridicamente tolerado.
a inevitabilidade do risco e as neces- dele provou.
sidades de certas empresas 10. · Ausência de domínio do re- REALIZAÇÃO DO RISCO NÃO-
Qualquer contato social impli- sultado PERMITIDO
ca um risco. Uma vez que uma soci- O risco será considerado per-
edade sem riscos não é possível, mitido sempre que o resultado pre- O risco não-permitido, criado
uma garantia normativa que implicas- tendido pelo agente não depender pelo autor, deve se realizar. Deve ter
se na total ausência de riscos não exclusivamente de sua vontade. Caso sido a causa do resultado. Não bas-
seria factível. O risco inerente à con- venha a ocorrer nesta situação, de- ta, para que haja a imputação objeti-
figuração social deve ser irremedia- verá ser atribuído ao acaso. Para que va, a simples criação ou aumento do
velmente tolerado como risco permi- haja a criação de um risco não-permi- risco proibido, fazendo-se também
tido. tido, deve haver domínio do resulta- necessária a sua realização no resul-
Desta forma, o risco será con- do por meio da vontade do agente. tado.
siderado permitido nas ações perigo- Podemos exemplificar tal situ- No clássico exemplo do indiví-
sas que sejam autorizadas pelo le- ação através da hipótese em que “A”, duo que é baleado, mas vem a fale-
gislador, em virtude de sua prepon- sabedor da violência das ondas em cer em razão de acidente envolven-
derante utilidade social, mesmo que certas praias do Havaí, proporciona do a ambulância que o transportava