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Com o início do período eleitoral os candidatos e suas equipes de assessoria dão forma e
corpo a suas campanhas. Começa enfim o jogo da política e as eleições para presidente
do país se tornam um grande evento, uma espécie de ‘copa do mundo’ da política com
seus atores em campo e suas estratégias de jogo articuladas. A mídia também participa
voltando seu olhar para a cena política garantido assim a relação com o público eleitor.
Assim está formado o quadro de relações que organiza o discurso político como um
todo.
Foram destacados para isso, os jingles de três candidatos à presidência do Brasil: Dilma
Rousseff (Dilma brasileira), José Serra (Eu quero Serra) e Marina Silva (Marina),
procurando traçar as características dos imaginários utilizados na apresentação do ethos
destes candidatos. O objetivo é tentar perceber por meio da observação e interpretação
quais os mecanismos de manifestação, reforço e apagamento de identidades e os valores
trabalhados pelos textos em questão.
O Ethos
Para Aristóteles, o ethos juntamente com o logos e o pathos constituem as três provas
lógicas geradas pelo discurso. Presentes em todo processo argumentativo essas peças de
convicção se articulam dentro do mecanismo de persuasão para produzir acordos e
convencer o auditório. Segundo o pensador grego, o ethos seria uma manifestação
interna ao discurso e dependeria portanto da capacidade do orador de mostrar
determinadas qualidades para poder inspirar confiança. Qualidades estas denominadas
por Aristóteles como Phrónesis, Areté e Eunóia. A primeira seria a capacidade de ter ‘ar
ponderado’, ‘prudência’ e ‘sabedoria prática’ (Logos). A Areté significa a capacidade de
se apresentar como homem ‘honesto’ e ‘sincero’, de mostrar ‘virtude’ (Ethos). Já na
Eunóia o orador deve apresentar uma imagem agradável de si, mostrar que é
‘benevolente’ e ‘solidário’ (Pathos).
O Discurso Político
Características do jingle
O gênero denominado Jingle é caracterizado de modo geral por ser uma forma de
divulgação musical de um produto ou idéia. Une melodia, harmonia e ritmo associados
ao texto para despertar a atenção e a emoção do público. Uma peça musicada de curta
duração (entre quinze e sessenta segundos na publicidade, podendo chegar a dois
minutos ou mais em se tratando de jingle político) e de fácil assimilação. É utilizado
com freqüência pela publicidade e está geralmente associado a outras peças que
compõem as campanhas de comunicação publicitária. Mas o jingle é também muito
aplicado às campanhas eleitorais.
Veiculado pelas emissoras de rádio a partir dos anos de 1930, o jingle sempre se
mostrou como eficaz instrumento de disseminação da identidade de uma marca e no
processo de memorização de uma mensagem. Foi durante o período de Getúlio Vargas
que os jingles políticos surgiram no Brasil, com a função de propagar ações e valores do
presidente e do estado.
Os jingles selecionados para esta análise foram extraídos dos sites de três candidatos
considerados principais pelo critério da representação quantitativa das preferências de
votos, demonstradas pelas pesquisas de opinião e disseminadas pelo conjunto das
mídias de informação, durante o processo eleitoral de 2010, até então. De acordo com a
legislação está permitido no momento a divulgação sonora, em certas situações
(comícios, comitês, internet). As peças poderão ser utilizadas também nos programas,
de rádio e televisão, a partir de 17 de agosto de 2010. Os jingles de Dilma Rousseff
(PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV) mostram em linhas gerais os caminhos
que as campanhas dos três candidatos deverão seguir.
Dilma brasileira
Dilma Roussef traz em sua biografia uma representação que remonta aos tempos em
que era estudante de economia na UFMG, oriunda da classe média, que se envolveu
com movimentos políticos revolucionários no período da ditadura militar (anos 60 e
70). O ethos prévio de Dilma também incorpora, de modo ainda mais acentuado nos
últimos anos, a imagem da mulher competente, inteligente, dinâmica e firme em seus
projetos e idéias. De secretária de estado, passando por ministra de Minas e Energia,
ministra chefe da Casa Civil, braço direito e preferida do presidente Lula, a hoje
candidata à presidência, reflete toda essa ‘carga’ de investimento e confiança que Lula e
o partido despejam sobre ela. Passando de guerrilheira a uma ‘grande brasileira’, como
diz em seu jingle.
A candidata apresenta uma peça que parte do gênero musical denominado Axé music e
trabalha com elementos de outros ritmos populares de sucesso no momento. A letra da
canção ‘Dilma brasileira’ procura centrar-se na figura do presidente Lula como
padrinho de Dilma, apóia-se em sua popularidade e credibilidade como estratégia para
garantir sua presença na cena e promover certa transferência de valores: ‘Lula tá com
ela; eu também tô’. Destaques e virtudes do governo Lula são relacionados à figura de
Dilma por um princípio de proximidade e de confluência de ações. Na canção, o nome
de Dilma aparece seis vezes e o de Lula cinco, mostrando de forma clara essa
associação.
A letra inicia dizendo que o Brasil tem que seguir em frente, ‘sem voltar para trás’. O
trecho: ‘Meu Brasil querido/Vamos em frente/Sem voltar pra trás/Pra seguir
mudando/Seguir crescendo/Ter muito mais/Meu Brasil novo/Brasil do povo’, demonstra
logo de início a proposição de um projeto de sociedade ideal (‘Seguir crescendo’, ‘Ter
muito mais’, ‘Brasil do povo’) que leva à produção de um discurso que destaca certos
valores dessa sociedade. Mas o texto procura também adotar uma perspectiva mais
objetiva, buscando explicar quais os meios concretos utilizados para promover essa
sociedade ideal e seus valores. A letra afirma que este novo Brasil, feito pelo povo e
para o povo, iniciado no governo Lula ‘vai seguir com a Dilma’, pois ‘Ela sabe bem o
que faz/Ela já mostrou que é capaz/Ajudou o Lula a fazer pra gente um Brasil melhor’;
diz a canção que procura aí reforçar o ethos de mulher competente e de ação, que sabe e
pode fazer um país melhor para o povo.
Pela primeira vez na história política brasileira uma mulher aparece com chances claras
de se eleger presidente do país. Mas essa novidade não pode, ou não deveria representar
um projeto de mudança, mas sim a continuidade das políticas adotadas pelo governo
Lula que funcionaram e vão continuar com a Dilma. Daí a recorrente idéia trabalhada na
música de ‘Pra seguir mudando/Seguir crescendo’, ‘Vai seguir com a Dilma’. E nessa
empreitada ela pode contar com apoio de peso, pois se ‘Lula tá com ela/ eu também tô’.
Para tentar trazer o eleitor para o plano simbólico do discurso e transmitir essa idéia de
participação e de adesão ao grupo, percebe-se no modo como o jingle é cantado o uso
de uma voz unificadora personificada numa espécie de ‘voz da nação’ (voz do povo),
que congrega os cidadãos e os faz aderir ao projeto de um Brasil cada vez melhor, que
cresce ‘mais e melhor’. Então se trabalha, aqui, a idéia de uma identidade nacional, de
‘povo brasileiro’ que ama seu país, como em ‘Meu Brasil querido’.
Eu quero Serra
Marina
Marina Silva tem sua biografia como grande trunfo, uma vez que diferentemente de
Dilma e Serra, é oriunda de família pobre do interior do Acre, viveu nos seringais até
decidir se mudar para Rio Branco e conseguir ser alfabetizada aos 16 anos. Foi eleita
vereadora pela primeira vez aos 31 anos, pelo Partido dos Trabalhadores, foi deputada
estadual e federal até se tornar senadora aos 36 anos, a mais jovem da história política
brasileira. Convidada pelo presidente Lula para assumir a pasta ambiental do governo,
acabou por deixar o ministério por conflitos de interesses e desentendimentos no
governo. Depois de romper com o PT, foi recebida e aclamada como candidata do
Partido Verde à presidência da república.
Também lançado em junho, o jingle de campanha de Marina Silva (PV) procura
ressaltar a origem humilde da candidata, além de associar sua imagem ao conceito
ambiental, principal bandeira da sua campanha. Outros qualificativos são igualmente
destacados na canção intitulada ‘Marina’, como em ‘verdadeira’, ‘sábia’ e ‘serena’,
são alguns exemplos. O gênero musical escolhido para o jingle se assemelha a um estilo
MPB. Nele, a equipe de Marina procura imprimir força à imagem da candidata
defensora da causa ‘verde’, buscando transmitir a idéia de uma mulher batalhadora e
persistente. O tema principal da campanha da candidata não poderia ser outro senão
‘meio-ambiente’, que aparece de modo recorrente na letra.
Conclusão
Vimos como os três candidatos tentam mostrar suas qualidades reforçando certos
valores, que encontram-se por seu lado sobredeterminados por um ethos prévio, uma
imagem anterior que precisa ser reforçada ou mesmo apagada. Apresentam uma
projeção de uma identidade política que agrega os valores capazes de concretizar o
projeto de uma sociedade ideal; e que consegue integrar e incorporar um conjunto de
qualidades que responda aos anseios dos cidadãos.
Cada um ao seu modo, mas com estratégias semelhantes, constrói na cena política
brasileira como um todo, um discurso destinado a convencer o maior número de pessoas
a aderir ao seu projeto de nação. ‘Seguir crescendo’, em Dilma; ‘Avançar mais’, em
Serra e ‘Salve o Brasil’, em Marina, representam os argumentos que podem sintetizar a
idéia central de seus projetos.