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ENSAIO SOBRE UMA REVISÃO CRÍTICA DA HISTÓRIA DA ARTE

Arthur Meucci1

Abstract

This article is about the beginning of art history theory, based on Johann

Winckelmann´s work. In the first part of this article, we discuss the main philosophical

arguments on art. In the second part, the contribution of Winckelmann has given for the

origin of art history.

O século XVIII foi extremamente fértil em relação à filosofia estética. Muitas

obras sobre o assunto começaram a surgir no meio acadêmico do período, superando

outros períodos anteriores da história do pensamento neste assunto2. No meio desta

efervescência causada pelo Iluminismo não somente a filosofia da arte e a critica

estética tomam fôlego, mas acaba por surgir neste período a história da arte como nós a

conhecemos. Obviamente não estamos aqui desconsiderando os relatos dos movimentos

das artes feitos pela antiguidade, muito menos a história da vida dos pintores

empreendida por Vasari, e sim a história da arte como um meio de pensar a própria arte

e seus movimentos artísticos, levando em conta as manifestações culturais de um

determinado período.

É por esta abordagem da história da arte que nos acompanha até os dias de hoje

que resolvemos investigar a origem deste pensamento no seu fundador, Johann

Winckelmann. Em seu livro Reflexões sobre a Arte Antiga, escrito em 1755, vemos o

início desta tentativa de se pensar o estudo da história dos antigos, tomando por antigos

os gregos, uma nova luz sobre a produção cultural e artística de seu tempo. É remetendo

a história da “história da arte” que este artigo propõe analisar a origem deste saber,
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salientando a importância de refletirmos sobre o “refletir sobre a história”, assim como

fazemos ao pensar e analisar os 70 anos da Universidade de São Paulo.

(I) As reflexões sobre a arte no século XVIII

Cassirer nos chama a atenção para o fato de que o século XVIII não deve ser

considerado somente como o “século da filosofia”, mas também como o século da

crítica3. E sobre crítica não devemos pensar nas obras especificas de Kant, mas também

dos outros ensaios críticos feitos antes dele. A filosofia se manifesta nas criticas

estéticas e literárias do período. É esta corrente de análises que vai se tornar

predominante naquele século, ocupando as discussões acadêmicas no tempo de

Winckelmann, sobre a beleza da arte e de como ela se constitui. Surge neste período

duas grandes correntes que vão analisar esta questão: A primeira, intelectualista,

procura uma visão clara do indivíduo, além de conceber a união entre a poética, a

estética e a literatura tomando como ponto de partida para estudá-las o domínio

racional. A segunda, sensualista, parte de uma problemática racional abrindo caminho

para se questionar o próprio conteúdo do pensamento. Iniciam uma discussão para saber

se as regras da arte, o gosto, e o belo são concebidas por uma forma de conhecimento

racional, ou se são fundamentadas no sentimento4.

A primeira corrente é oriunda do projeto cartesiano que visa englobar todas as

ciências sobre o princípio da razão, que também chegou a englobar os modos de agir. A

arte, assim como a ciência, passou a ser orientada pelo mesmo principio racional que

guiava a matemática, a física e outros saberes. Neste projeto não se leva em

consideração o sentimento que temos perante a obra de arte. Buscou-se um alicerce

válido para guiar metodologicamente as obras e críticas de arte através de regras


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descobertas pela razão. Assim como a natureza é movida por regras universais, e

levando em consideração que a arte é uma mimeses da natureza, logo a arte também

deveria possuir regras universais5. É esta idéia que fundamenta o classicismo francês.

Batteux, em As Belas Artes Reduzidas ao Mesmo Princípio, vai procurar

introduzir um método para as artes, baseado em uma regra. Mas qual seria o axioma que

fundamentaria as artes? Para Batteux e sucessores a resposta é simples, é o axioma da

imitação em geral6. Neste momento percebemos o axioma da imitação novamente

presente na estética moderna. No Renascimento Alberti também prescreve “Tão grande

força tem o que é apanhado da natureza. Por essa razão devemos tirar da natureza o

que podemos pintar, e sempre escolher as coisas mais belas”7, onde temos preceitos

sobre a mimeses da natureza na arte que acompanhavam estes artistas desde Cennino

Cennini8. Mas o que diferenciaria esta posição em relação às preceptivas renascentistas?

A unidade das artes pela imitação. Quadros, esculturas, poemas, tudo envolve a

imitação da natureza. A crença neste axioma quase elevou a arte à categoria de ciência.

Boilleux chegou a fazer um paralelismo entre as artes e a ciência9, chegando a condenar

a faculdade da imaginação, a sensibilidade e tudo que pensava comprometer esta regra.

Em contra partida a esta corrente de pensamento surge, na Inglaterra, o

sensualismo de Hume. Na França esta corrente foi divulgada por Diderot. Partidários do

subjetivismo, analisavam a arte a partir do gosto, travando uma batalha contra a

autoridade absoluta do método dedutivo sobre a obra de arte. Ao contrário de subordinar

o fenômeno a razão os partidários desta corrente elaboravam seus princípios através da

intuição, ou seja, subordinavam a razão aos fenômenos10. Não se busca mais a natura

rerum dos classicistas, mas a do homem. Ao invés de se analisar a arte através da

matemática ou da física, as reflexões sobre a arte giram em torno da psicologia. É na

natureza humana que vai se encontrar o fundamento do belo. Neste movimento surge o
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que denominamos de autonomia da obra de arte. Diderot, no seu ensaio sobre a pintura,

nos remete a questão do problema de se desmerecer uma obra, que nos suscitam os mais

belos sentimentos, por causa do desrespeito as regras estabelecidas. Ao lermos o seu

Paradoxo do Comediante, vemos que o artista de gênio não busca imitar a natureza

comum das coisas, mas sim entender e reproduzir os sentimentos dos homens11.

No tocante a subjetividade dos gostos, Hume esclarece no Do padrão do gosto,

como é possível, dentre as infinitas opiniões, se estabelecer um certo padrão, uma certa

concordância. Apesar das inúmeras preferências que as pessoas podem ter, elas julgam

através da aprovação ou desaprovação12. Além disso há coisas que sempre são tidas

como opinião comum, como comparar a altura de uma montanha com o monte feito por

uma toupeira13. Neste caso percebemos que a razão é quem nos dá um parâmetro de

valoração. Por esta razão ela não deve ditar os parâmetros do gosto ou do valor, mas sim

explicar os efeitos que nos fazem valorar14.

(II) A mudança operada por Winckelmann

É raro que Winckelmann não pertencesse a Academia de Leipzig, aonde,

debaixo da égide de Cristo e sem preocupar-se com nenhum filósofo do mundo, teve

como desenvolver mais comodamente o seu estudo principal15.

Esta é uma das principais observações que Goethe nos fornece sobre a posição

teórica de Winckelmann perante os movimentos acadêmicos de sua época. Ao sair da

academia alemã para estudar a arte grega em Roma, patrocinado pelo rei Frederico-

Augusto da Polônia e Saxônia16, Winckelmann acabou não tomando partido das

discussões acadêmicas da época, o que lhe facilitou poder pensar a arte de uma outra

forma, sem se prender a estas correntes teóricas. Um outro fator importante para o

sucesso das análises de Winckelmann sobre os Antigos (gregos) é o fato deste tipo de
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reflexão não ter sido desenvolvida em território alemão durante o período do

denominado Renascimento. A reforma protestante empreendida por Lutero isola a

Alemanha dos demais movimentos culturais da Europa renascentista17, o que tardia

neste país o contato com as reflexões sobre a antiguidade, já empreendida na Itália,

França, Holanda e outros países.

A inovação trazida por Winckelmann ao estudo da arte começa pelo seu método

de análise histórico. Ao contrário de Vasari, Winckelmann inicia seu trabalho

analisando a história, a geografia e a sociedade grega daquele período. “A influência do

céu sereno e puro se fazia sentir nos gregos desde a mais tenra idade, mas os exercícios

físicos, praticados em boa hora, davam forma nobre a sua estrutura corporal”18. Nosso

autor mostra como o fator social e geográfico da Grécia foi fundamental para o

surgimento das mais belas artes produzidas naquele período. Estas artes, como explicita,

não são feitas segundo uma inspiração divina, por fruto de um déspota esclarecido, ou

segundo regras de arte. Para usar a linguagem de seu descendente intelectual, Hegel,

esta arte surge da bela totalidade de Espírito do povo grego.

O autor nos mostra que a vida social na Grécia colaborava com o trabalho

artístico. O culto ao corpo, e por fim ao belo, fazia-se visível na produção artística. “Por

esses exercícios, os corpos recebiam os grandes e viris contornos que os mestres gregos

deram a suas estatuas”19. É difícil se conceber a arte na Grécia nos dias de hoje, mas

Winckelmann nos alerta para esta totalidade que a arte exercia na vida dos gregos.

Quando ele descreve que “os gregos faziam instruir seus filhos na arte do desenho,

principalmente por acreditarem que tal arte os tornava aptos a examinar e julgar a

beleza dos corpos”20, ele nos mostra que este povo não via a arte como um campo

separado dos demais, como um saber específico que diferia da educação, política ou

religião. As preocupações artísticas eram tidas como um complemento da vida em


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sociedade. Além dos concursos de beleza, Winckelmann ressalta que a educação grega

tinha como característica colocar os alunos nos ginásios para desenhar os corpos dos

atletas, e principalmente desenhar em cima das silhuetas deixadas pelos ginastas na

areia21.

Mas tão importante quanto a forma22, Winckelmann ressalta que os gregos

davam importância ao conteúdo, um sentimento interior, na obra. As obras não eram

tidas só como meros retratos, puras formas, mas continham em si um tipo de “alma”.

Inúmeros são os exemplos citados, como o de Ctésilas que retratou um Gladiador

moribundo, mas que se percebia na obra a conservação de sua alma23. Na análise do

conjunto escultórico de Laooconte ele nos indica o ideal grego de “nobre simplicidade e

uma grandeza serena”, que remete tanto a atitude quanto a expressão dos personagens24.

Nesta escultura, o personagem Laooconte tenta salvar seus filhos de uma cobra gigante

que quer matá-los. A cena de desespero é posta, e a dor do personagem é retratada pela

contorção precisa dos músculos. Porém, em sua face, não notamos um grito ou choro,

mas um espírito grande e nobre que suporta virtuosamente todas as dores. É valido

lembrar que tanto a palavra belo quanto bem, em grego, é kalós. Suas obras não

remetem somente a beleza física, mas também a grandiosidade moral.

Todas estas observações de Winckelmann tem a função de construir uma

orientação para os artistas modernos. A História dos Antigos, para ele, não é erudição e

sim um parâmetro para estes25. “O único meio de nos tornarmos grande, é imitar os

antigos”26. A história, para nosso autor, é o objeto de edificação e critica da arte de seu

tempo. Em todo o texto, logo após a descrição do caráter dos antigos, segue a critica aos

modernos. Tal é o grau de critica que no final do livro Winckelmann vai atribuir a

decadência dos modernos perante aos antigos pela falta de uma mitologia, pois a

ausência desta não fornece alegoria aos artistas de sua época27. Assim, a história da arte
7

não somente informa, mas ajuda a entender os problemas atuais da arte e a resolve-los

pela comparação com outros períodos do desenvolvimento cultural humano.

A nova maneira de se pensar a arte proposta por Winckelmann altera o cenário

crítico do século XVIII, e se desenvolve nos demais séculos posteriores até os nossos

dias. Seu método de pesquisa reflete no cerne no pensamento sobre arte em Hegel,

Assim sendo, toda obra de arte pertence a sua época, a seu povo, a seu ambiente

e depende de concepções e fins particulares, históricos e de o outra ordem. Neste

sentido, a erudição em arte exige igualmente uma ampla riqueza de conhecimentos

históricos, que devem ser, além disso, muito especializados28

Os efeitos de seu empreendimento se encontram não só na intelectualidade

alemã como em Schelling, Hegel, Schopenhauer, Nietzsche, Heidegger e outros, mas

em todo pensamento contemporâneo sobre arte. Ele faz parte da história do pensamento.

Atualmente as observações de Winckelmann, mesmo possuindo erros no tocante

a descrição do mundo grego, erros cometidos pelas fontes consultadas e falta de

pesquisas anteriores na área, serve novamente como uma metodologia mais abordada do

que a tradicional proposta por Hegel. “Winckelmann deve ser considerado não só o

iniciador de um novo comportamento em face da arte, mas também o precursor da

moderna metodologia cientifica”29. Esta é uma das principais importâncias de se estudar

Winckelmann nos dias de hoje. Rever criticamente o princípio da história da arte, e a

posição desta perante a crítica. Ou seja, até onde a história de arte pode se omitir a

criticar a própria arte de nosso tempo, e se não for esta sua perspectiva de trabalho, qual

deve ser então o papel da história da arte? Qual seria sua real finalidade?

1
Graduado em filosofia pela USP é professor assistente na ESPM, e pesquisador em Filosofa da
Comunicação, orientado pelo Prof. Dr. Clóvis de Barros Filho, da ECA-USP.
2
Sobre este tipo de comparação poderemos remeter a título de exemplo os comentários não só de Cassirer
sobre a estética do Iluminismo, como também a observação de Gerd Bornheim: “A presença da estética
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durante os 2500 anos em que se desenvolveu o pensamento metafísico é de uma pobreza desoladora.
Mesmo nos tempos modernos, quando a arte começa a manifestar maior autonomia e enseja não poucas
polêmicas...”. (BORNHEIM, G., O que está vivo e o que está morto na estética de Hegel. In: NOVAES,
A., Artepensamento, São Paulo, Cia. Das Letras, 1999, pg. 127)
3
CASSIRER, E., A Filosofia do Iluminismo, trad. Álvaro Cabral, Campinas, Ed. Unicamp, 1997, p. 367
4
Ibidem, p. 369
5
Sobre este tema vale consultar a pg. 373 do livro de Cassirer acima citado, bem como os estudos de
Panofsky sobre este tema. PANOFSKY, E., Idea: A Evolução do Conceito de Belo, trad. Paulo Neves,
São Paulo, Martins Fontes, 1994, pg. 106 ss.
6
BATTEUX, A., Lês beaux-arts réduits à un même principe, Paris, Edition des Cendres, 1990, pg. 17.
7
ALBERTI, L. B., Da Pintura, Campinas, Ed. UNICAMP, 1992, p. 133
8
PANOFSKY, E., Idea: A Evolução do Conceito de Belo, trad. Paulo Neves, São Paulo, Martins Fontes,
1994, pg. 45
9
BOILEAU, N., Art poetique, Paris, Hatier, 1939, pg. 32. Ver também Cassirer, op. cit., 375.
10
CASSIRER, op. cit., pg. 394
11
DIDEROT, D., Paradoxe sur le comédien, Paris, Flammarion, 1981, pg. 23 ss.
12
HUME, D., Do padrão do gosto. In: Ensaios Morais, Políticos e Literários, trad. Luciano Trigo, Rio de
Janeiro, TopBooks, 2004, pg. 370
13
Ibidem, pg. 373
14
Ibidem, pg. 377, a questão da delicadeza e do bom gosto. Ver também Cassirer, op. cit., pg. 397
15
GOETHE, Winckelmann y su siglo. In Winckelmann, Historia Del Arte, Madrid, Aguilar, 1955, pg. 75
16
Ver a referência dele ao apoio do rei Frederico-Augusto em sua dedicatória. WINCKELMANN, J.,
Reflexões sobre a arte antiga, trad. Herbert Caro et alli., Porto Alegre, Ed. Movimento, 1975, pg. 37
17
BORNHEIM, G., Introdução à leitura de Winckelmman. In: WINCKELMANN, J., op. cit., pg. 7
18
WINCKELMANN, J., op. cit., pg. 41
19
Ibidem, pg. 41
20
Ibidem, pg. 42
21
Ibidem, pg. 43
22
A simples cópia da natureza chega a ser pejorativa para Winckelmann, ver Panofscky, op. cit., 107
23
WINCKELMANN, op. cit., pg. 44
24
Ibidem, pg. 53
25
Ibidem, pgs. 40,42, 44-46, 54, 60-68
26
Ibidem, pg. 40
27
Ibidem, pg, 67
28
HEGEL, G.W.F., Lições sobre a Estética: Introdução, trad. Marco A. Werle, DF-USP, 1997, pg. 29
29
BORNHEIM, G., Introdução à leitura de Winckelmman. In: WINCKELMANN, J., op. cit., pg. 32

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