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ISSN 1807-1783 - Publicado em 25 de janeiro de 2011

CAMPOS, CARLOS EDUARDO DA COSTA. As reflexões sobre o Imaginário


Social. Revista história e - história. Campinas - SP, UNICAMP, Janeiro, 2011. Site:
http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=355

As reflexões sobre o Imaginário Social

Prof. Mestrando Carlos Eduardo da Costa Campos1

A partir dos anos 60 surgiu na França uma produção pautada nos sistemas de
crenças, valores e representações, que veio a ser denominada de História das
Mentalidades. Tal vertente histórica abordaria o cotidiano, o que escapa aos sujeitos
históricos, por ser revelador do conteúdo impessoal do seu pensamento. A História das
Mentalidades seria um termo específico da cultura francesa, de acordo com os escritos
de Roger Chartier (CHARTIER, 1990, p.30).

As mentalidades seriam aquilo que rege os indivíduos, sem que eles percebam, e
atua no âmbito do coletivo, enquanto as idéias se pautam nos estudos do indivíduo.
Uma sociedade partilha de conteúdos de pensamentos, interiorizados nos indivíduos,
sem que seja necessário explicitá-los (CHARTIER, 1990, p.41). Através do discurso de
Chartier, notamos que a História das Mentalidades responderia melhor à pesquisa do
que a História Intelectual, por estabelecer uma relação entre a História e a Antropologia,
a Sociologia e a Lingüística, assim proporcionando a apreensão de novos objetos como
gestos, crenças, rituais, educação (ensino e leitura).

As diferenças sociais não poderiam ser pensadas apenas em termos de fortuna ou


de prestígio – são produzidas devido ao distanciamento cultural, a partilha desigual do
acesso aos bens culturais resultando em práticas culturais distintas. O alvo da História
das Mentalidades seria a passagem de um sistema a outro, assim compreendendo

1
Prof. Carlos Eduardo da Costa Campos (NEA/PPGH-UERJ) é pesquisador do Núcleo de
Estudos da Antiguidade sendo orientado pela Prof.ª Dr.ª Maria Regina Candido
(NEA/CEHAM/PPGH/UERJ – PPGHC/UFRJ). Email: eduygniz@hotmail.com;
rupturas, continuísmos, processo de hesitações, retrocessos e bloqueios. Seriam os
elementos que a diferem da História Intelectual, que almejava refletir sobre as maneiras
de pensar e as relações com as obras intelectuais e a sociedade (CHARTIER, 1990, p
53). Assim, percebemos que a História das Mentalidades inaugurou um novo campo de
pesquisa, o qual até aquele momento era deixado à margem pelos estudos históricos.
Dentre esses trabalhos podemos destacar os estudos de Robert Mandrou2 sobre a
feitiçaria na França; Jean Delumeau3 com o seu trabalho de historicização do medo no
mundo ocidental; Philipe Ariès4 com a História da Morte (BARROS, 2009, pp.37-38).

O pensador polonês Bronislaw Baczko5 aponta em sua obra Imaginação Social,


que a História das Mentalidades pôs em destaque a longa duração em que a imaginação
social iria atuar, assim como também traria a cena: “o peso da inércia dos imaginários
nos comportamentos econômicos, demográficos e etc” (BACZKO, 1984, p. 308). O
historiador José d’Assunção Barros argumenta que o imaginário é algo que faz parte do
cotidiano dos indivíduos e se faz tão presente quanto aquilo a que atribuímos o valor de
real ou considerado como algo concreto (BARROS, 2009 ,p. 91). A pesquisadora
Maria de Fátima de Souza Santos aponta para a perspectiva de uma relação entre o
imaginário e o simbólico. Na visão da autora o Imaginário Social possui como base os
sistemas de símbolos e essa categoria seria formulada através das vivências, objetivos e
metas dos indivíduos (SANTOS, 2005, p. 48).

No início do seu texto, o intelectual Baczko nos possibilita refletir sobre a


associação do imaginário com o poder. Para o autor a imaginação estaria vinculada ao
plano simbólico dos sonhos e seria paradoxal relacioná-la com o poder, ao qual é

2
Ver obra: MANDROU, Robert. Magistrados e feiticeiros na França do século XVII. São Paulo:
Perspectiva, 1979. ( Publicado originalmente em: 1968);
3
Averiguar: DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente. São Paulo: Cia das Letras,
1989. (Publicado originalmente em:1978).
4
Verificar referências em: ARIÈS, Philipe. História da Morte no Ocidente. Rio de Janeiro:
EDIOURO, 2003. ( Publicado originalmente em:1975);
5
O autor Baczko nasceu em Varsóvia, na Polônia, no ano de 1924. Este filósofo foi responsável
por coordenar o departamento de História da Filosofia Moderna da Academia Polaca das
Ciências, no período de 1955 a 1968. Baczko leciona filosofia na Universidade de Genebra.
Ver referências a Baczko no site: http://www.unicamp.br/~berriel/conselho.htm - Acessado em
02/09/2010
atribuída certa seriedade, e seria visto como algo concreto e/ou real (BACZKO, 1984, p.
296). Nos apontamentos de Baczko, percebemos que a esfera política se utiliza das
representações coletivas, assim almejando se legitimar no poder (BACZKO, 1984, p.
297). A Professora Maria de Fátima de Souza Santos endossa nossa interpretação ao
frisar que Baczko analisa o imaginário como um importante instrumento para se exercer
o poder (SANTOS, 2005, p.48).

Um dos pontos basilares do seu escrito está no enfoque sobre a utilização do


imaginário, no momento de enfrentamentos entre poderes que seriam concorrentes. De
acordo com Baczko, esse conflito de âmbito pessoal poderia levar os indivíduos a
produzirem novos mecanismos de combate no plano imaginário para atingir o seu
objetivo. Logo, os concorrentes se valeriam do processo de disforização da imagem do
seu adversário, assim tornando este ser um ilegítimo perante o meio social; ao mesmo
tempo procurariam uma forma de euforizar a sua figura perante o grupo, assim visando
legitimar a sua autoridade (BACZKO, 1984, p. 300).

Um ponto importante dos estudos de Baczko está na relação do mito com o


imaginário social. O autor salienta que as narrativas míticas seriam utilizadas pelos
atores políticos como uma forma de promover a coesão social. Ao analisarmos a
vinculação entre religiosidade humana e o imaginário social, são perceptíveis as
diversas práticas utilizadas ao longo da História humana, que visaram legitimar as
hierarquizações sociais através da aplicação do sagrado (BACZKO, 1984, p. 300). Os
ritos cívicos, dentro dessa perspectiva, emergem como um mecanismo essencial para
reforçar no imaginário social o poder da ordem vigente e as diferenças existentes na
sociedade.

Baczko faz referência a Michelet para definir o imaginário não só como o


espaço de expressão das expectativas e aspirações populares latentes, mas também
como o lugar de lutas e conflitos, entre os grupos sociais com recursos e os desprovidos
de bens. Segundo Baczko, para Michelet o imaginário produz um importante peso
sobre as esferas política e social (BACZKO, 1984, p. 303). Seria através das imagens
criadas de si, em uma determinada época, que uma sociedade manifestaria e esconderia
as suas intenções, bem como o lugar que lhe caberia naquele contexto histórico
(BACZKO, 1984, p. 303).
O autor aqui citado ressalta que na segunda metade do séc. XIX, os estudos
sobre o imaginário começaram a se consolidar mais no campo da psicologia, sociologia
e antropologia (BACZKO, 1984, p. 303). O imaginário social passou a ser utilizado
pelos positivistas para explicar o progresso da civilização e pelos marxistas nas
interpretações dos imaginários sociais a partir das análises das ideologias. Baczko
argumenta que “cada classe social é ao mesmo tempo, produtora e prisioneira da sua
ideologia” (BACZKO, 1984, pp. 304-305). Para complementar podemos admitir que
no século XX e XXI, o estudo do imaginário tendeu também a transitar pelo campo
histórico, através do desenvolvimento da Nova História Cultural.

Verificou-se uma renovação no campo historiográfico desde a última metade do


século XX. Novos olhares foram lançados sobre os objetos de pesquisa e aplicações
metodológicas. Setores da sociedade, que até determinado momento estavam à margem
das análises foram englobados nos estudos históricos. O historiador italiano Carlo
Ginzburg, em “O Inquisidor, como antropólogo”, mostra que o diálogo da História com
a Antropologia teria provocado uma transformação nos eixos de análises e nas
aplicações metodológicas, para dar conta das especificidades existentes, como vemos
nas pesquisas da História Cultural (GINZBURG:1991,pp. 205-6).

Notamos que a História Cultural rompe com o atrelamento positivista das


pesquisas centradas somente no domínio do texto oficial, assim englobando como suas
fontes as pinturas, relatos, testemunhos, panfletos, estátuas, vasos, mapas, arquitetura,
etc. Tanto que o próprio termo cultura passou a designar tanto os artefatos produzidos
pelo homem, como as suas próprias práticas no meio social.

Tal renovação historiográfica possibilitou o desenvolvimento dos estudos sobre


o imaginário social. O filósofo polonês Bronislaw Baczko cita Durkheim e Mauss, para
expor a visão de ambos sobre o imaginário social. Segundo o autor, para ambos os
sociólogos, a sociedade somente encontraria uma coesão se houvesse a submissão do
fator psicológico ao sociológico. Para o filósofo polonês, Mauss possui uma visão
baseada nas crenças e valores em comum, como sendo expressões de uma consciência
coletiva. Assim o autor nos possibilita refletir que a religiosidade seria um elemento
aglutinador para a sociedade (BACZKO, 1984, pp. 306-307). Weber, na visão de
Baczko, pensaria a vida social “como produtora de valores e normas e, ao mesmo
tempo, de sistemas de representações que as fixam e as traduzem” (BACZKO, 1984, p.
307).

O filósofo polonês afirma que a psicanálise teria destacado o fato de a


imaginação não ser uma ‘faculdade’ e, menos ainda, uma forma de poder psicológico
autônomo, assim ela seria refletida como “uma atividade global do sujeito para
organizar um mundo ajustado às suas necessidades e aos seus conflitos” (BACZKO,
1984, p. 307). Contudo o autor, deixa transparecer que concebe a imaginação como
uma ‘faculdade’ da mente tendo em vista esta reflexão: “A imaginação é a faculdade
específica em cujo lume as paixões ascendem, sendo a ela, precisamente, que se dirige
à linguagem „enérgica‟ dos símbolos e dos emblemas” (BACZKO, 1984, p. 301).

Os estudos sobre o imaginário social apresentam uma ausência de teoria do


imaginário social, e assim levam as pesquisas a seguirem diferentes direções e ao
ecletismo (BACZKO, 1984, p. 308). O termo imaginário/imaginação possui na visão
de Baczko, um sentido polissêmico e, ao adjetivar com social, pouca precisão seria
acrescentada ao conceito (BACZKO, 1984, pp. 308-309). O pesquisador polonês
prossegue argumentando que cada geração traz consigo uma definição particular de
homem, que seria produto das transformações históricas, ocoridas ao longo do tempo.
É necessário frisar que cada período possui suas formas singulares de “imaginar,
reproduzir e renovar o imaginário, assim como possuem modalidades específicas de
acreditar, sentir e pensar” (BACZKO, 1984, p. 309). José d’Assunção Barros
converge na direção do pensamento de Baczko, ao frisar que a noção de imaginário
seria polêmica, complexa e que possuiria diferentes sentidos. Contudo, Barros admite
que, apesar dos problemas, o conceito de imaginário foi de grande importância para os
estudos históricos (BARROS, 2009, pp. 98-99).

O conceito de Imaginário Social foi assim definido por Bronislaw Baczko:


“trata-se de aspectos da vida social, da atividade global dos agentes sociais, cujas
particularidades se manifestam na diversidade do seu produto”. Os imaginários sociais
iriam compor uma diversidade de referências, dentro do extenso sistema simbólico que
qualquer coletividade seria capaz produzir. De acordo como o desenvolvimento do
imaginário social com que um grupo elaborasse a sua identidade social seria formulada,
dessa maneira, uma imagem de si; estipularia a distribuição dos papéis e das posições
sociais, assim ratificando a hierarquia social expressa e inserida pela autoridade. As
crenças comuns, como forma de controle e coesão social, serviriam para construir uma
espécie de código de ‘bom comportamento‟ (BACZKO, 1984, p. 309).

Sobre a formulação das identidades coletivas salientamos que são elas as


responsáveis por definir o seu ‘território’ e as suas relações com o meio social e com os
‘outros’. Na ótica do autor, seriam utilizadas na construção de representações dos
inimigos e dos amigos, etc. O imaginário social elaborado e consolidado por um grupo
poderia possuir como ação elementos de conflito, de divisões e violências reais ou
potenciais em relação ao outro (BACZKO, 1984, p. 309).

O autor descreve o imaginário social como sendo um dos mecanismos que iriam
regular a vida em sociedade. Assim o imaginário social seria uma forma eficiente de
controle da coletividade e também um meio para a legitimação do poder dos indivíduos.
Logo:“Ao mesmo tempo, ele torna-se o lugar e o objeto dos conflitos sociais”. Baczko
argumenta que o imaginário social faz parte de todas as sociedades humanas. O filósofo
parte do pressuposto que todos os grupos têm necessidade de criar e imaginar, visando,
assim, legitimar o poder ( BACZKO, 1984, pp. 309-310).

Notamos no texto, que o imaginário social se tornaria compreensível através da


construção dos discursos. O imaginário se consolida no simbolismo, mas a atribuição
deste símbolo não se resumiria em constituir uma classificação, não obstante possua
como sua função inserir valores, aperfeiçoando, assim, o comportamento dos indivíduos
e da coletividade ( BACZKO, 1984, p. 311).

Em suma, podemos frisar que o imaginário social interage na vida coletiva das
sociedades humanas. Sua atuação no meio social se estrutura possivelmente através de
uma relação binária de oposição, como: “legitimar/invalidar; justificar/acusar;
tranqüilizar/perturbar; mobilizar/desencorajar; incluir/excluir, etc.” Além disso, o
imaginário social dependeria, na visão do autor, dos meios de comunicação para poder
difundir as idéias e assim legitimar seu discurso de poder, de acordo com os interesses
de um determinado segmento social (BACZKO, 1984, pp. 312-313).
Referência Bibliográfica:

BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi. Vol.1. Memória e


História. Lisboa: Imprensa Nacional e Casa da Moeda, 1984, pp.296-331.

BARROS, José D’ Assunção. O campo da história: especialidades e abordagens.


Petrópolis: Vozes, 2009.

CHARTIER, Roger. História intelectual e história das mentalidades. In: A história


cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990, pp. 29-67.

SANTOS, Maria de Fátima de Souza. O Imaginário. In: ALMEIDA, Leda Maria de


(org). Diálogos com a Teoria das Representações Sociais. João Pessoa: Ed.
UFAL / UFPG, 2005.

VAINFAS, Ronaldo. "Histórias das mentalidades e história cultural". In: Ciro


Flamarion Cardoso & Ronaldo Vainfas (orgs.). Domínios da História:
ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, pp. 127-
162.

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