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Fetichismo na
Teoria Marxista:
um comentário
Fetishism in the marxist
theory: a comment
RESUMO – Este artigo consiste num comentário didático, com base na visão de Isa-
ak I. Rubin, sobre o papel do fetichismo no pensamento de Karl Marx. O feti-
chismo é identificado como elemento central para a distinção, localizada no cam-
po do método, entre a economia política inglesa e o marxismo.
Palavras-chave: marxismo – teoria do valor – fetichismo.
ABSTRACT – This article consists of a didactic comment, starting from the vision
of Isaak I. Rubin, about the function of the fetishism in Karl Marx´s thought. The
fetishism is identified as central element for the distinction, located in the field of
the method, between the English political economy and the marxism. VALDEMIR PIRES
vapires@unimep.br
Keywords: marxism – theory of the value – fetishism. vapires@merconet.com.br
Mestre em Economia, coordenador
do Curso de Economia (UNIMEP)
INTRODUÇÃO
TEORIA DO FETICHISMO:
MAIS DO QUE UM APÊNDICE À TEORIA DO VALOR
sas características que têm sua origem nas relações sociais en-
tre as pessoas no processo de produção.3
Para esse autor, a teoria do fetichismo é algo que deve ser enten-
dido como muito mais do que um mero apêndice à teoria do valor.
Por isso, ele se opõe a Struve,4 que, apesar de reconhecer o mérito da
teoria do fetichismo de ter desvendado as relações capitalistas de pro-
dução por trás da mercadoria, não considera correto estendê-la ao
conceito de valor ou quaisquer outras categorias econômicas. Assim
como antagoniza com Hammacher,5 que avalia ser a teoria do feti-
chismo uma estéril transferência para a Economia das idéias sobre re-
ligião de Feuerbach.
Rubin encara a teoria do fetichismo como “uma teoria geral das
relações de produção numa economia mercantil”, posto que, com ela,
Marx mostrou
que na economia mercantil, as relações sociais de produção
assumem inevitavelmente a forma de coisas e não podem se
expressar senão através de coisas. A estrutura da economia
mercantil leva as coisas a desempenharem um papel social
particular e extremamente importante e, portanto, a adqui-
rir propriedades sociais específicas (...),6 graças às quais não
só oculta as relações de produção entre as pessoas, como
também as organiza, servindo como elo de ligação entre as
pessoas.7
Ou seja, o fetichismo deve ser entendido como essência de todo
o sistema econômico de Marx, como um elemento-chave que permite
diferenciar seu método do método dos economistas clássicos.
E, de fato, somente um método que em sua essência contenha a
teoria do fetichismo pode conduzir à formulação de categorias que ex-
pressam vários tipos de relação de produção que assumem a forma de
coisas. Somente com base nesta teoria é possível afirmar, como Marx,
que o capital é “uma relação social expressa em coisas e através de coi-
sas”. Que o impacto da sociedade sobre os indivíduos se dá sob a for-
ma social de coisas. Que as coisas se apresentam em cada circunstância
sob diferentes formas, sendo a forma de valor a categoria em que “a
relação social básica entre pessoas enquanto produtoras de mercado-
rias que trocam os produtos de seu trabalho confere aos produtos a
3 RUBIN, 1980, p. 19.
4 STRUVE, apud: RUBIN, op. cit., p. 62.
5 HAMMACHER, apud: RUBIN, op. cit., p. 67.
6 RUBIN, op. cit., p. 20.
7 Ibid., p. 24.
FETICHISMO E VALOR
Para tornar mais clara a importância da idéia de fetichismo no es-
quema teórico marxista, é oportuno utilizar a noção de preço político
em contraposição à de preço de mercado. Considerando-se o preço
como expressão monetária do valor, as relações que valem para o pre-
ço valem também para o valor. Se numa sociedade de tipo socialista,
o preço (e o valor) é politicamente determinado (via planejamento
central), não se esconde nos produtos, nas coisas, nenhuma relação de
produção. Ao contrário do que ocorre num sistema de mercado. No
socialismo, a relação é do tipo homem-homem, não havendo a neces-
sidade da interposição da mercadoria. Ou seja, não se constitui uma
8 Ibid., pp. 45-46.
9 A forma capital apresenta-se sob diferentes aspectos, conforme a função que cumpra numa dada relação
de produção: meio de circulação, meio de pagamento, tesouro.
10 A forma capital, de acordo com sua função, pode apresentar-se como capital variável ou constante, capi-
tal dinheiro ou capital mercadoria, etc.
11 RUBIN, op. cit., p. 53.
12 RUBIN, ibid.
FETICHISMO E DINHEIRO
O dinheiro, como medida do valor, reforça o fetichismo da mer-
cadoria.
O preço é a denominação monetária do trabalho objetivado
na mercadoria (...) A grandeza de valor da mercadoria ex-
pressa (...) uma relação necessária imanente a seu processo
de formação com o tempo de trabalho social. Com a trans-
formação da grandeza de valor em preço, essa relação neces-
sária aparece como relação de troca de uma mercadoria com
a mercadoria monetária, que existe fora dela.14
A possibilidade de ocorrer uma incongruência quantitativa entre
o preço e a grandeza de valor é inerente à forma preço. Ela será re-
solvida pelo mercado, no qual “a regra somente pode impor-se como
lei cega da média à falta de qualquer regra”.15 Da mesma forma que
a média determina o valor das mercadorias pela via do trabalho soci-
almente necessário, e não pelo trabalho concreto. Da mesma forma
que o lucro é um conceito funcional somente enquanto lucro médio.
Pressuposto o ouro como mercadoria monetária, ouro imaginá-
rio basta como medida de valor, como expressão do preço, o que di-
ficulta uma vez mais a retirada do véu que cobre relações humanas sob
as relações entre as coisas. Se não bastasse ouro imaginário, ouro cor-
póreo seria necessário e este, pelo menos, é claramente resultado de
trabalho humano concreto.
A forma preço da mercadoria é um dos alicerces da coercibili-
dade do mercado sobre as ações humanas, ou de deificação do mer-
cado e, por conseguinte, da mercadoria (= coisa), pois ela “implica a
alienabilidade das mercadorias contra dinheiro e a necessidade dessa
alienação”.16
Como meio de circulação, o dinheiro apresenta-se enquanto
substrato para a metamorfose da mercadoria (dinheiro converte-se em
mercadoria e mercadoria se converte em dinheiro no processo de cir-
culação). Nesse processo contínuo, baseado na divisão do trabalho,
cada produto individual precisa ser transformado em dinheiro para se
tornar mercadoria. Assim, fica ainda mais difícil resgatar o trabalho
humano como verdadeira fonte do valor, sendo o seu vestígio, pre-
sente no valor de uso, completamente obscurecido pelo véu do di-
nheiro, que é a materialização social uniforme do trabalho indistinto.
14 MARX, op. cit., p. 92.
15 Ibid., p. 92.
16 MARX, op. cit., p. 93.
CONCLUSÃO
A teoria do fetichismo foi a descoberta que conduziu Marx para
além dos postulados da Economia Política clássica, pois esta última (es-
pecialmente pelas mãos de Ricardo), tomando a forma como a riqueza
se distribui entre as classes enquanto o objeto da Economia Política,
não se deteve no questionamento das causas que originaram esta for-
ma de distribuição. Marx, pelo contrário, centrou no estudo das rela-
ções de produção o objeto da Economia Política e, ao fazê-lo, pôde de-
tectar no fetiche da mercadoria um elemento explicativo do surgimen-
to, da consolidação e do modo de operar destas relações e das formas
de distribuição correlatas.
Tendo em vista que não é incomum encontrar afirmações de que
há em Marx uma postura ideológica que conduz a uma teoria envie-
sada do capitalismo, é conveniente, a esta altura, reforçar que, uma vez
aceito o método de Marx, não se pode fugir à conclusão de que ele,
ao invés de partir de uma ideologia para formular sua teoria, pelo con-
trário, descobre, com sua teoria (construída com base em método dis-
17 Ibid., p. 293.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HAMMACHER, Emil. Das Philosophisch-okonomische. Apud:
RUBIN, Isaak I. A Teoria Marxista do Valor. São Paulo: Brasili-
ense, 1980.
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
RICARDO, David. Economia Política e Tributação. São Paulo: Abril
Cultural, 1982.
RUBIN, Isaak Illich. A Teoria Marxista do Valor. São Paulo: Brasiliense,
1980.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo: Abril Cultural,
1983.
STRUVE, P. Khozaystvo i Tsena. Apud: RUBIN, Isaak I. A Teoria Mar-
xista do Valor. São Paulo: Brasiliense, 1980.