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Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

Nasceu em ltabira (MG) em 1902. Fez os estudos secundários em Belo Horizonte, num
colégio interno, onde permaneceu até que um período de doença levou-o de novo para
ltabira. Voltou para outro internato, desta vez em Nova Friburgo, no estado do Rio de
Janeiro. Pouco ficaria nessa escola: acusado de "insubordinação mental" - sabe-se lá o que
poderia ser isso! -, foi expulso do colégio. Em 1921 começou a colaborar com o Diário de
Minas. Em 1925, diplomou-se em farmácia, profissão pela qual demonstrou pouco interesse.
Nessa época, já redator do Diário de Minas, tinha contato com os modernistas de São Paulo.
Na Revista de Antropofagia publicou, em 1928, o poema "No meio do caminho", que
provocaria muito comentário.
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento


na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
Ingressou no funcionalismo público e em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro. Em agosto de 1987
morreu-lhe a única filha, Julieta. Doze dias depois, o poeta faleceu. Tinha publicado vários livros de poesia e
obras em prosa - principalmente crônica. Em vida, já era consagrado como o maior poeta brasileiro de todos
os tempos.
O nome de Drummond está associado ao que se fez de melhor na poesia brasileira. Pela grandiosidade e
pela qualidade, sua obra não permite qualquer tipo de análise esquemática. Para compreender e, sobretudo,
sentir a obra desse escritor, o melhor caminho é ler o maior número possível de seus poemas.
De acontecimentos banais, corriqueiros, gestos ou paisagens simples, o eu-lírico extrai poesia. Nesse caso
enquadram-se poemas longos, como "O caso do vestido" e "O desaparecimento de Luísa Porto ", e poemas
curtos, como "Construção".
O primeiro poema de Alguma poesia é o conhecido "Poema de sete faces", do qual transcreve-se a
primeira estrofe:
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
A palavra gauche (lê-se gôx), de origem francesa, corresponde a "esquerdo" em nosso idioma. Em sentido
figurado, o termo pode significar "acanhado", " inepto". Qualifica o ser às avessas, o "torto", aquele que está
à margem da realidade circundante e que com ela não consegue se comunicar. É assim que o poeta se vê.
Logicamente, nesta condição, estabelece-se um conflito: "eu " do poeta X realidade. Na superação desse
conflito, entra a poesia, um veículo possível de comunicação entre a realidade interior do poeta e a realidade
exterior.
Variantes da palavra gauche - como esquerdo, torto, canhestro - aparecem por toda a obra de Drummond,
revelando sempre a oposição eu-lírico X realidade externa, que se resolverá de diferentes maneiras.
Muitos poemas de Drummond funcionam como denúncia da opressão que marcou o período da Segunda
Grande Guerra. A temática social, resultante de uma visão dolorosa e penetrante da realidade, predomina em
Sentimento do mundo (1940) e A rosa do povo (1945), obras que não fogem a uma tendência observável em
todo o mundo, na época: a literatura comprometida com a denúncia da ascensão do nazi-fascismo.
A consciência do tenso momento histórico produz a indagação filosófica sobre o sentido da vida, pergunta
para a qual o poeta só encontra uma resposta pessimista.
O passado ressurge muitas vezes na poesia de Drummond e sempre como antítese para uma realidade
presente. A terra natal - ltabira - transforma-se então no símbolo da atmosfera cultural e afetiva vivida pelo
poeta. Nos primeiros livros, a ironia predominava na observação desse passado; mais tarde, o que vale são as
impressões gravadas na memória. Transformar essas impressões em poemas significa reinterpretar o passado
com novos olhos. O tom agora é afetuoso, não mais irônico.
Da análise de sua experiência individual, da convivência com outros homens e do momento histórico,
resulta a constatação de que o ser humano luta sempre para sair do isolamento, da solidão. Neste contexto
questiona-se a existência de Deus.
Nos primeiros livros de Drummond, o amor merece tratamento irônico. Mais tarde, o poeta procura
capturar a essência desse sentimento e só encontra - como Camões e outros - as contradições, que se revelam
no antagonismo entre o definitivo e o passageiro, o prazer e a dor. No entanto, essas contradições não
destituem o amor de sua condição de sentimento maior. A ausência do amor é a negação da própria vida. O
amor-desejo, paixão, vai aparecer com mais freqüência nos últimos livros.
Depois da morte de Drummond, reuniu-se no livro O amor natural uma série de poemas eróticos mantidos
em sigilo e que foram associados a um suposto caso extraconjugal mantido pelo poeta. Verdadeiro ou não o
caso, interessa é que se trata de poemas bem audaciosos, em que se explora o aspecto físico do amor. Alguns
verão pornografia nestes poemas; outros, o erotismo transformado em linguagem da melhor qualidade
poética.
Metalinguagem: a reflexão sobre o ato de escrever fez parte das preocupações do poeta.
O tempo é um dos aspectos que concede unidade à poesia de Drummond: o tempo passado, o presente e o
futuro como tema.
Toda a trajetória do poeta - qualquer que seja o assunto tratado - marca-se por uma tentativa de conhecer-
se a si mesmo e aos outros homens, através da volta ao passado, da adesão ao presente e da projeção num
futuro possível.
O passado renasce nas reminiscências da infância, da adolescência e da terra natal. A adesão ao presente
concretiza-se quando o poeta se compromete com a sua realidade histórica (poesia social). O tempo futuro
aparece na expectativa de um mundo melhor, resultante da cooperação entre todos os homens.
Obra
Poesia: Alguma poesia (1930); Brejo das almas (1934); Sentimento do mundo (1940); Poesias (1942); A rosa
do povo (1945); Claro enigma (1951); Viola de bolso (1952); Fazendeiro do ar (1954); A vida passada a
limpo (1959); Lição de coisas (1962); Boitempo (1968); As impurezas do branco (1973); A paixão medida
(1980); Corpo (1984); Amar se aprende amando (1985); O amor natural (1992).
Prosa: Confissões de Minas (1944) - ensaios e crônicas; Contos de aprendiz (1951); Passeios na ilha (1952) -
ensaios e crônicas; Fala, amendoeira (1957) - crônicas; A bolsa e a vida (1962) - crônicas e poemas; Cadeira
de balanço (1970); O poder ultrajovem e mais 79 textos em prosa e verso (1972) - crônicas; Boca de luar
(1984) - crônicas; Tempo vida poesia (1986).
Alguns livros do Poeta:

Antologia Poética CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Amar se Aprende Amando CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

70 Historinhas CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Carlos Drummond de Andrade - Alguma poesia
José Confidência do Itabirano
Os Ombros Que Suportam O Mundo A Flor e a Náusea
Elegia 1938 Mãos dadas
Quadrilha Poema de Sete Faces
José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,


está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão


quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Confidência do Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,


vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas que ora te ofereço:


este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.


Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Os Ombros Suportam O Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.


Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.


Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha velhice, que é a velhice?


Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

A Flor e A Náusea
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cizenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:


Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.


Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.


Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam pra casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?


Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.


Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!


Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.


Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde


e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,


onde as formas eas ações não enceram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,


e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guardas chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra


e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas por entre os mortos e com eles conversas


sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota


e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.


Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.


não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo


que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Poema de Sete Faces

Quando nasci, um anjo torto


desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens


que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:


pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode


é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste


se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo


se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer


mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

 No site a seguir você encontra mais poesias de Drummond:

http://www.aindamelhor.com/poesia/poesias04-carlos-drummond.php

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