You are on page 1of 10

Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl I):68-77

Consenso brasileiro sobre


políticas públicas do álcool
Brazilian consensus on public
policies on alcohol
Ronaldo Laranjeiraa e Marcos Romanoa
aUnidade de Pesquisas em Álcool e Drogas (UNIAD) – Departamento de

Psiquiatria – UNIFESP
Painel de especialistas:
Ana Cecília Marques (SP), Analice Gigliotti (RJ), Cláudia Maciel (MG), Cláudio
Jerônimo da Silva (SP), Denise Leite Vieira (SP), Flavio Pechansky (RS), Florence
Kerr-Corrêa (SP), Francisco Cordeiro (Min. Saúde), Ilana Pinsky (SP), João
Carlos Dias (RJ), José Carlos F Galduróz (SP), José Nino Meloni (SP), Lílian
Ratto (SP), Marcelo Ribeiro (SP), Marco A Bessa (PR), Marcos Zaleski (SC),
Maria Lucia OS Formigoni (SP), Mônica Zilberman (SP), Neliana Figlie (SP),
Paulo Macedo (Min. Saúde), Renata Azevedo (SP), Sandra Scivoletto (SP),
Sergio de Paula Ramos (RS), Vilma Aparecida da Silva (RJ).

Resumo
Esse é um resumo de uma reunião na qual vários especialistas, representando diversas organizações médicas e universitárias brasileiras, criaram
um consenso sobre as principais políticas que deveriam ser implementadas pelos diferentes níveis de governo no Brasil. Há mais de 30 anos a
OMS vem buscando um consenso internacional sobre as ações com maior potencial de trazer benefícios sociais. Essa busca trouxe duas con-
clusões importantes: 1) A pesquisa estabelece, sem margem à dúvida, que existem medidas de eficácia comprovada para reduzir os custos e os
danos relacionados ao uso de álcool, visando ao bem comum; 2) É possível desenvolver estratégias que influenciam tanto a quantidade de álcool
consumida por uma comunidade quanto os comportamentos de consumo e os contextos de alto risco causadores dos problemas relacionados ao
consumo de álcool. Os objetivos deste Consenso são:
1) Tornar as evidências científicas mais acessíveis para os que elaboram políticas públicas;
2) Facilitar a avaliação das diversas estratégias disponíveis segundo critérios de efetividade, suporte científico, custo e viabilidade de transposição
cultural;
3) Familiarizar o profissional de saúde, e em especial os que trabalham em saúde mental, sobre as prioridades da política do álcool.

Descritores: Bebidas alcoólicas. Política social. Consenso.

Abstract
This is the summary of a meeting where a group of experts, representing several health organizations and academic departements from different
parts of Brazil, created a consensus about the main alcohol policies which should be implemented by different levels of the brazilian government.
The World Health Organization has been suggesting for 30 years the actions that should be implemented for the public good. Two important con-
clusions were reached: 1) The research establishes beyond doubt that public health measures of proven effectiveness are available to serve the
public good by reducing the widespread costs and pain related to alcohol use; 2) To that end, it is appropriate to deploy responses that influence
both the total amount of alcohol consumed by a population and the high-risk contexts and drinking behaviours that are so often associated with
alcohol-related problems. To conceive of these intrinsically complementary approaches as contractory alternatives would be a mistake. The objec-
tives of the consensus are:
1) To make the scientific evidences more available to the Brazilian policy makers;
2) To facilitate the evaluation of the available estrategies according their effectivity, scientific support, cost and cultural adaptability;
3) To make the brazilian health professionais familiar with the priorities of alcohol policies.

Keywords: Alcoholic beverages. Public policies. Consensus.

Introdução todas as evidências disponíveis sobre as políticas públicas em relação


Apesar de mais de um século de experimentações políticas com um ao álcool, que resultou em dois livros fundamentais: Políticas de con-
espectro de opções (diferentes) bastante amplo, ainda muitas vezes o trole do álcool em uma perspectiva de saúde pública2, e Política do
que vêm à mente, quando se fala em políticas do álcool, são as expe- álcool e o bem comum.3 As conclusões foram as seguintes:
riências de proibição total que ocorreram em alguns países no início 1) A pesquisa estabelece, sem margem à dúvida, que existem medi-
do século passado. EUA, Canadá, Noruega, Islândia, Finlândia e Rússia das de eficácia comprovada para reduzir os custos e os danos rela-
proibiram a produção e a venda de todas, ou de quase todas, as cionados ao uso de álcool, visando ao bem comum.
bebidas alcoólicas a partir de 1914.1 Entre os anos de 1920 e 1930, tais 2) É possível desenvolver estratégias que influenciam tanto a quanti-
leis foram revogadas e substituídas por políticas regulatórias mais dade de álcool consumida por uma comunidade quanto os comporta-
brandas. Mas enxergar as políticas do álcool através da perspectiva mentos de consumo e os contextos de alto risco causadores dos pro-
restrita da proibição total, entretanto, é negligenciar o fato de que blemas relacionados ao consumo de álcool.
muitas políticas elaboradas durante o século passado incrementaram Recentemente, dando continuidade à tradição de colaboração entre a
e respeitaram o direito de beber com moderação. OMS e pesquisadores da área, houve o lançamento de um terceiro
Nos últimos 30 anos, a OMS coordenou um projeto que visou analisar livro, Alcohol: no ordinary commodity.4 Seus autores o escreveram por

SI 68
Políticas públicas do álcool / Laranjeira R & Romano M Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl I):68-77

três razões: estudos recentes mostram que existe uma relação direta entre a into-
1) Pesquisas epidemiológicas revelam mudanças na forma como o xicação ocasional e problemas como violência, mortes no trânsito e
álcool afeta a saúde e o bem-estar social da população em diferentes outros danos. Embora exista uma tendência popular de se enxergar
regiões do mundo. A população de países em desenvolvimento é atingi- todos os problemas relacionados ao consumo de álcool como alcoolis-
da de forma crescente e peculiar por problemas relacionados ao con- mo, estudos mostram que há todo um universo de problemas causa-
sumo do álcool. dos pelo álcool que está além das fronteiras do alcoolismo5: a maior
2) Governos locais e nacionais têm se responsabilizado de forma causa de problemas relacionados ao álcool na população geral é, na
crescente por elaborar políticas de saúde apropriadas para combater verdade, a intoxicação pelo álcool. As principais conclusões desses
esses problemas, incluindo programas de prevenção e tratamento. estudos são:
3) Existem, atualmente, evidências científicas sólidas que fundamen- 1) Beber ocasionalmente, mas a ponto de ficar intoxicado, é muito
tam tais políticas, oferecendo uma oportunidade única aos formu- comum. A intoxicação, mesmo quando ocorre com pouca freqüência,
ladores de políticas públicas. pode provocar danos sociais e físicos consideráveis. Na verdade, o
Este Consenso baseia-se neste livro. Esperamos, com ele, desenvolver risco de problemas decorrentes de um único episódio de intoxicação
esse mesmo interesse naqueles que elaboram as políticas públicas é mais alto entre aqueles que o fazem infreqüentemente do que entre
em nosso país, fornecer-lhes as bases científicas necessárias para aqueles que bebem com mais freqüência.6,7
sustentar as medidas possíveis e poupar-lhes o trabalho de “reinven- 2) Prevenir a intoxicação pelo álcool é uma estratégia poderosa para
tar a roda”, já que o estado atual da pesquisa científica torna possível prevenir muitos dos danos causados pelo álcool.
saber quais medidas são eficazes e quais não o são, possibilitando 3) Já que a relação entre intoxicação e dano sofre uma grande
ainda, dessa forma, a aplicação do dinheiro público em políticas de influência do contexto físico e social, os danos também podem ser evi-
resultado comprovado. tados alterando-se o ambiente, seja fisicamente (tornar o lugar onde
São, portanto, objetivos deste Consenso: se bebe mais seguro), seja temporalmente (separar o hábito de beber
1) Tornar as evidências científicas mais acessíveis para os que ela- de atividades que requeiram atenção), por exemplo.
boram políticas públicas; As políticas públicas para o álcool devem considerar essa complexi-
2) Facilitar a avaliação das diversas estratégias disponíveis segundo dade e devem corresponder ao entendimento de que o álcool está
critérios de efetividade, suporte científico, custo e viabilidade de trans- longe de ser um produto qualquer.
posição cultural;
3) Familiarizar o profissional de saúde, e em especial os que traba- Álcool e saúde pública
lham em saúde mental, sobre as prioridades da política do álcool. Ao contrário da medicina clínica, que tem seu foco nos cuidados e na
cura de doenças de casos individuais, a saúde pública lida com grupos
O álcool não é um produto qualquer de indivíduos, chamados populações. O conceito de “população”
A despeito de todos os significados culturais e simbólicos que o con- baseia-se no fato de que certos grupos de indivíduos constituem uma
sumo de bebidas alcoólicas adquiriu ao longo da história humana, o população específica por compartilharem certas características
álcool não é um produto qualquer. É uma substância capaz de causar (gênero, por exemplo), determinado ambiente (bairro, cidade, nação)
danos através de três mecanismos distintos: toxicidade, direta e indire- ou a mesma ocupação (garçons e atendentes de bares, por exemplo).8
ta, sobre diversos órgãos e sistemas corporais; intoxicação aguda; e O valor da perspectiva da saúde pública para as políticas do álcool é a
dependência. Tais danos podem ser agudos ou crônicos e dependem do sua habilidade em identificar riscos, e/ou grupos de risco, e sugerir
padrão de consumo de cada pessoa, que se caracteriza não somente intervenções apropriadas para beneficiar o maior número de pessoas.
pela freqüência com que se bebe e pela quantidade por episódio, mas 1. Definição de política do álcool
também pelo tempo entre um episódio e outro e ainda pelo contexto em Políticas públicas são decisões de consenso tomadas por gover-
que se bebe. A Figura 1 mostra as relações entre consumo de álcool, os nantes na forma de leis, regras ou regulações.9 A palavra “consenso”
três fatores que mediam os danos e os diversos tipos de danos. indica que as decisões provêm de evidência fartamente documentada
Com relação aos efeitos tóxicos do álcool, é importante salientar que a ponto de constituírem consenso entre os especialistas e autoridades
alguns de seus efeitos danosos à saúde podem resultar de um episó- da área; devem provir, também, do alcance legítimo de legisladores ou
dio único de consumo excessivo, mesmo que a pessoa não beba com outras autoridades constituídas em prol do interesse público, nunca
freqüência. Com relação à dependência do álcool, é interessante notar da indústria ou de seus lobbies. Quando políticas públicas dizem
que ela pode perpetuar um consumo pesado e este contribuir para o respeito à relação entre álcool, saúde e bem-estar social, são consi-
desenvolvimento da dependência. Além disso, estudos de prevalência deradas políticas do álcool. Portanto, leis destinadas a prevenir aci-
revelam que formas menos graves de dependência são amplamente dentes automobilísticos relacionados ao álcool são consideradas
distribuídas na população geral e estão associadas a um nível cres- políticas públicas, mais do que leis destinadas a punir os infratores.
cente de problemas. Agora, com relação à intoxicação pelo álcool, Baseadas na sua natureza e no seu propósito, as políticas do álcool
Figura 1 – Relação do consumo do álcool e problemas. podem ser divididas em duas categorias: as de alocação e as de regu-
lação.9 Políticas de alocação são as que promovem um recurso a um
grupo ou organização específicos (às vezes, às custas de outro grupo
ou organização), de forma a obter determinados objetivos de interesse
público. Financiar o treinamento de atendentes e garçons para
servirem bebidas com responsabilidade e fornecer tratamento aos
dependentes do álcool são exemplos de políticas que visam a reduzir
os danos causados pelo álcool. Já as políticas regulatórias procuram
influenciar comportamentos e decisões dos indivíduos através de
ações mais diretas. Leis que regulam preço e taxação de bebidas
alcoólicas, que impõem uma idade mínima à compra de álcool, que
limitam as horas de funcionamento de bares, que proíbem total ou
SI 69
Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl I):68-77 Políticas públicas do álcool / Laranjeira R & Romano M

parcialmente a propaganda de bebidas alcoólicas e que limitam a hora dos adolescentes e o dos bebedores pesados.4
e o lugar em que bebidas alcoólicas podem ser servidas ou compradas 4. Preço do álcool e problemas relacionados ao uso do álcool
têm sido usadas para restringir o acesso ao álcool por razões de A melhor forma de avaliar o impacto do aumento de preços é quan-
saúde e segurança públicas, e são exemplos de políticas regulatórias. tificar os problemas decorrentes do uso de álcool; isso inclui mor-
A seguir, listamos uma série de estratégias e intervenções possíveis bidade e mortalidade relacionadas ao álcool, como doença hepática,
de serem adotadas, cuja efetividade encontra-se documentada na li- acidentes de trânsito, violência e suicídio. Essa forma de avaliação não
teratura. Também consideramos importante relatar aquelas cuja efe- só é mais viável do que quantificar as vendas de álcool no varejo, como
tividade não foi comprovada, a fim de servir de alerta e evitar gasto de também é mais confiável, pois oferece uma medida mais realista do
dinheiro público com o que não dá certo. consumo, já que evita o possível viés da substituição da bebida adquiri-
da no mercado formal por aquelas provenientes da produção caseira
Estratégias e intervenções ou do contrabando.
1. Preço e taxação do álcool Partindo dessa premissa, diversos estudos revelam que o aumento
Dentre as várias estratégias que governos de diferentes países têm de preços é bastante eficaz na redução da mortalidade por cirrose e
usado para controlar os problemas relacionados ao consumo do na redução dos índices de acidentes de trânsito, fatais e não-fatais.4
álcool, a regulação do preço e das taxas que incidem sobre as bebidas Estudo específico verificou o impacto do aumento do preço da cerveja
alcoólicas tem sido, de longe, a mais popular. Isso não ocorre apenas nos acidentes de trânsito fatais entre jovens, encontrando uma
porque os governos precisam aumentar sua arrecadação, mas tam- redução significativa dos mesmos após aumento dos preços.11,12
bém porque esse tipo de regulação é fácil de estabelecer através da Especialistas vêem o aumento de preços como o meio mais eficaz de
lei e também é fácil fiscalizá-la na prática. Além disso, é importante reduzir a embriaguez ao volante.4 Estima-se que um aumento de 10%
frisar, é uma medida de baixíssimo custo. Estudos conduzidos em no preço de bebidas alcoólicas, nos EUA, pôde reduzir a probabilidade
diversos países desenvolvidos, e em alguns em desenvolvimento, de se dirigir embriagado em 7% para homens e em 8% para mulheres,
demonstraram que o aumento do preço e da taxação sobre bebidas com reduções ainda maiores nos menores de 21 anos.13 Vários estu-
alcoólicas resulta em diminuição do consumo e dos problemas rela- dos têm examinado o impacto dos preços de bebidas alcoólicas em
cionados.4 homicídios e outros crimes (incluindo seqüestro, assaltos, furtos,
Na ausência de qualquer controle formal sobre produção, dis- roubo de veículos, violência doméstica e abuso de crianças) e indicam
tribuição e vendas, o preço de uma bebida alcoólica vai ser meramente que o aumento dos preços de bebidas alcoólicas está associado à
uma resultante das condições do mercado, tendo por base a oferta e diminuição da ocorrência desses crimes.4
a demanda. Em vários países, durante algum período de suas
histórias, a taxação de bebidas alcoólicas foi uma importante fonte de Regulando a disponibilidade física do álcool
renda para o Estado. Entre 1911 e 1917, nos EUA, um terço de toda a A disponibilidade física refere-se à acessibilidade do produto e tem
arrecadação provinha da ta- xação sobre as bebidas alcoólicas.4 Casos implicações políticas na prevenção de problemas álcool-relacionados
semelhantes são encontrados na Holanda, Inglaterra, Dinamarca, através do controle das condições de venda ao consumidor final. O
Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia.4 Existem experiências igual- objetivo principal dessas medidas, ao longo da história até os tempos
mente bem sucedidas em países em desenvolvimento, como a Índia e modernos, sempre foi o de reduzir os danos decorrentes da ingestão
Camarões.4 No entanto, é necessário conside -rar que existe um limite alcoólica.
além do qual deixa-se de obter os efeitos previstos, pois a população Os mercados de bebidas alcoólicas podem ser formais ou informais.
pode tender a procurar o mercado negro ou a produção doméstica. Formais são aqueles regulados pelo governo, seja em nível municipal,
2. Oferta e demanda estadual ou nacional. Esta regulação geralmente visa a assegurar
O efeito das mudanças de preço do álcool sobre o seu consumo tem graus mínimos de pureza, segurança e a descrição apropriada do pro-
sido mais extensamente estudado do que qualquer outra medida. duto, e também permite a taxação de impostos. Em alguns países, a
Estudos econométricos mostram que o álcool se comporta como qual- regulação especial a que está submetido o mercado de bebidas
quer outro produto sujeito às leis da oferta e da demanda; ou seja, alcoólicas reflete o grau de preocupação social acerca da saúde e
uma diminuição do seu preço resulta em um aumento do consumo e segurança públicas. Dessa forma, podem existir diversas restrições:
um aumento do preço leva a uma redução do consumo. O importante às horas ou dias de venda, à localização dos pontos de venda, às pro-
aqui, é que governos podem regular a demanda por bebidas alcoólicas pagandas e promoções das bebidas alcoólicas e quem pode ou não
através do controle dos preços, obtendo não apenas uma arrecadação comprar tais produtos. Taxações especiais sobre as bebidas alcoólicas
maior, mas também benefícios para a saúde pública.4 podem fazer parte de um regime regulatório. Restringir a disponibili-
Exemplo de sucesso – No Canadá, a fixação de preços mínimos para dade do álcool tem sido uma política-chave no Canadá, nos EUA e nos
a cerveja nas províncias de Quebec e Ontário contribuiu para a saúde países escandinavos, e em muitas outras partes do mundo.4
e a segurança públicas.10 Experiências têm demonstrado que restrições extremas, como a
Exemplo local – Na cidade de Paulínia, em São Paulo, o estabelecimen- proibição total da venda de bebidas alcoólicas, podem reduzir o con-
to de aumento de preço para a cerveja, durante o carnaval no sambó- sumo e os problemas relacionados. Mas tais restrições, freqüente-
dromo municipal, tem resultado em menores índices de ocorrências mente, têm efeitos colaterais, como o aumento da violência e da cri-
médicas e de violência. minalidade associadas aos mercados ilícitos.4 Tais efeitos colaterais
3. Efeitos do preço em grupos específicos podem sobrepujar os efeitos positivos das restrições. Portanto, a
Diversos estudos têm demonstrado que os jovens constituem um ênfase aqui é em estratégias nas quais os efeitos colaterais de regu-
grupo particularmente sensível a mudanças do preço da cerveja. Além lações mais amenas possam ser minimizados.
disso, ao contrário do que usualmente se pensa, bebedores pesados
tendem a ser mais sensíveis às variações de preço do que bebedores Mudanças na disponibilidade geral
leves e esporádicos. Portanto, estratégias de aumento de preço ten- As políticas discutidas nesta seção baseiam-se no princípio econômi-
dem a ser eficazes em reduzir tanto o consumo quanto os problemas co de que tanto a oferta quanto a demanda afetam o consumo de
associados e isso ocorre justamente nos grupos mais vulneráveis: o álcool; a redução na oferta leva a aumentos de custos e conseqüente
redução nas vendas. Portanto, a disponibilidade física tem o potencial
SI 70
Políticas públicas do álcool / Laranjeira R & Romano M Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl I):68-77

de influenciar a demanda do consumidor pelas bebidas alcoólicas.14 constituem um segmento da população que bebe de forma particular-
mente pesada.
Proibição parcial
Conforme dissemos acima, a proibição total não é uma opção politi- Densidade dos pontos de venda
camente aceitável, mesmo se o potencial para reduzir problemas Quanto menor a densidade, maior a oportunidade de lucro na venda
álcool-relacionados existir. Mas proibições parciais tendem a ser efe- de álcool, o que tende a elevar seu preço e, conseqüentemente,
tivas, sem apresentar os efeitos colaterais da proibição total.4 diminuir o consumo e os problemas relacionados. Estudos mostram
Exemplo de sucesso: A cidade de Eindhoven, na Holanda, fornece um que os índices de violência são maiores nas áreas com maior densi-
bom exemplo da proibição parcial como uma medida de redução de dade de pontos de venda.
danos: durante o campeonato europeu de futebol do ano 2000, apenas 1) Realidade dramática: A situação mais dramática foi observada na
cerveja de baixo teor alcoólica (2,5%) pode ser vendida no centro da Finlândia, em 1969, quando mercados e mercearias foram autorizados
cidade e sua venda não podia ocorrer em garrafas de vidro. Apesar da a vender cerveja com mais de 4,7% de álcool e tornou-se mais fácil
presença de grande número de torcedores ingleses, as ruas per- obter a licença para abertura de restaurantes: o número de mercados
maneceram predominantemente calmas. Em contraste, na semana e mercearias que vendiam álcool saltou de 132 para 17.600 e o
seguinte, na Bélgica, onde nenhuma proibição especial havia sido número de bares e restaurantes saltou de 940 para mais de 4.000; o
instituída, ocorreram distúrbios violentos e atos de vandalismo em consumo global de álcool aumentou 46% e, nos cinco anos que se
larga escala.4 seguiram, a mortalidade por cirrose hepática aumentou 50%, as inter-
nações hospitalares por psicose alcoólica aumentaram 110% entre os
Regulando os pontos de venda homens e 130% entre as mulheres, e as prisões por embriaguez
O poder de influência sobre o consumo de bebidas alcoólicas é maior aumentaram 80% entre os homens e 160% entre as mulheres. Há algu-
nos estabelecimentos que vendem a bebida para ser consumida no ma evidência de que esse efeito é maior entre os mais jovens.4
próprio local, já que têm a oportunidade de influenciar diretamente o Medidas sugeridas: leis de zoneamento e planejamento urbanos
que acontece durante e depois da compra. Regulamentações podem: podem ser utilizadas para regular a densidade dos pontos de venda, e
1) Especificar o volume das doses (em estudo inédito, realizado em para restringir a sua localização.
todos os pontos de venda de álcool da cidade de Paulínia, SP, encon-
trou-se variações de grande amplitude no volume da dose de destila- Restrições à compra e à venda de álcool
dos. O volume médio da dose consistiu em 75 ml, bastante acima do As mais utilizadas e eficazes são a proibição de venda a quem não
padrão internacional de 35 ml); atingiu a maioridade e a quem já se encontra embriagado.
2) Inibir promoções de descontos, como a venda a um preço menor 1) Idade mínima: Mudanças na idade mínima para se beber podem
durante a happy hour; provocar efeitos substanciais na população mais jovem.
3) Exigir que o staff receba treinamento sobre como servir com Exemplo de sucesso – Nos EUA, a elevação da idade mínima dos 18
responsabilidade; anos para os 21 anos reduziu, consideravelmente, em 11% a 16%, a
4) Regulamentar o layout e os insumos do bar ou restaurante; ocorrência de acidentes automobilísticos noturnos envolvendo jovens,
5) Incluir especificações em relação a oferta de comestíveis, disponi- independentemente da gravidade do acidentes.4 E mesmo um mode-
bilidade de entretenimento e outras questões não relacionadas dire- rado aumento na fiscalização pode reduzir a venda a menores em 35%
tamente com o consumo de álcool. a 40%, especialmente quando combinado a estratégias de mídia e de
outras atividades comunitárias.4
Exemplo de sucesso 2) Proibição da venda à pessoa já embriagada: Apesar de proibida
Na Islândia, Noruega, Suécia e Finlândia, sistemas estatais de pelo Código Civil brasileiro, nunca se ouviu falar de algum proprietário
monopólio foram implantados no início do século XX, com poder sobre ser responsabilizado por eventuais danos decorrentes da embriaguez
a produção, venda e distribuição de álcool. O monopólio estatal sobre de um cliente. Uma aplicação mais efetiva dessa lei, já de uso corrente
a venda pode ser usado para reduzir o número de pontos de venda, em outros países, tende a reduzir danos causados pelo beber pesado.
limitar suas horas de funcionamento e remover a necessidade de 3) Limite individual de compra: Muitos países têm implementado esta
lucro que induz o aumento das vendas. Existe forte evidência de que o estratégia e existem algumas evidências a seu favor. Têm surgido tam-
monopólio sobre a venda limita o consumo de álcool e os problemas bém iniciativas de implantação de um limite de compra apenas em
relacionados, e que a eliminação dos monopólios governamentais eventos específicos, como festas populares.
aumentam o consumo de álcool.4 Exemplos de sucesso – Entre 1979 e 1982, houve uma redução signi-
ficativa na mortalidade por cirrose hepática, violência e outras conse-
Localização dos pontos de venda e “aglomerados de bares” qüências do beber pesado na Groenlândia, devido à implantação de
Governos locais podem lançar mão de diversas medidas que limitam um sistema que limitava globalmente a quantidade de bebidas alcoóli-
a localização de pontos de venda – como leis de zoneamento urbano, cas que um indivíduo podia comprar. Durante uma crise político-
e outras, como distância mínima de escolas e igrejas – ou simples- econômica na Polônia, em 1981-1982, foi instituído um limite de com-
mente limitar o número de pontos de venda na região ou no municí- pra de meio litro de destilados por mês para seus habitantes. Os
pio. A aglomeração de bares, restaurantes e lanchonetes em uma bebedores pesados foram os mais atingidos. Internações psiquiátri-
determinada região é um problema em si mesmo. Violência e aci- cas por psicose alcoólica tive-ram uma redução de 60%, mortes por
dentes de trânsito ocorrem com maior freqüência nesses locais.4 doenças hepáticas caíram 25%, e mortes por acidentes foram reduzi-
das em 15%.
Dias e horas de venda 4) Controle sobre quem está habilitado a vender bebidas alcoólicas:
Restringir dias e horários de venda restringe as oportunidades para - Checagem dos antecedentes criminais;
compra e pode reduzir o consumo. Numerosos estudos indicam que - Idade mínima para o vendedor de bebidas. Estudos mostram que
tais restrições reduzem os problemas álcool-relacionados; o contrário vendedores abaixo da idade mínima tendem a vender mais facilmente
também é verdadeiro: quando as restrições são levantadas, ocorre a compradores também abaixo da idade mínima legal;
aumento dos problemas. Os que bebem até tarde durante a semana
SI 71
Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl I):68-77 Políticas públicas do álcool / Laranjeira R & Romano M

- Implantação de um sistema de registro do responsável pela compra se um instrumento efetivo e flexível para reduzir problemas álcool-
de barris de chope; isso permite responsabilizar o comprador quando relacionados.4
há menores bebendo em festas e tende a inibir a ocorrência de festas
privadas de menores. Modificando o contexto
O uso de álcool tem seu lugar em um contexto social, cultural e comu-
Controle do teor alcoólico nitário. Portanto, o consumo pesado pode ser modificado e problemas
Existem evidências sugestivas, mas não conclusivas, de que estimular reduzidos através de estratégias que alteram esse contexto. Tais
a venda de bebidas de baixo teor alcoólico (através de uma taxação esforços são considerados como medidas de redução de danos, já que
diferenciada, por exemplo) pode ser uma estratégia eficaz. A idéia con- partem de uma aceitação de que haverá consumo de bebidas alcoóli-
siste em promover a substituição da venda de bebidas de alto teor cas e procuram, então, modificar ou limitar esse consumo ou o am-
alcoólico pelas de baixo teor, reduzindo, dessa forma, o consumo glo- biente onde esse consumo acontece, de forma a reduzir o potencial
bal de álcool. dano. Nesta parte vamos focar em estratégias cujo alvo é o ambiente
onde o álcool é vendido e consumido. É interessante notar que sua efe-
Promoção de atividades e eventos sem álcool (alcohol-free) tividade não depende do apoio ou adesão dos indivíduos que bebem,
Trata-se de uma estratégia bastante utilizada e de forte apelo popu- embora tal apoio possa aumentar o efeito de tais medidas. Prevenção
lar, mas que infelizmente carece de comprovação científica. Avaliações direcionada aos ambientes de alto risco do beber constitui uma alter-
sistemáticas desses programas alternativos são raras. Os poucos pro- nativa ou complemento a medidas de prevenção de foco mais amplo,
gramas que tiveram resultados positivos haviam aplicado também, como aumento do preço e abordagens individuais, como o tratamento.4
pelo menos, uma outra estratégia de prevenção paralelamente. Há Devido ao alto índice de problemas que ocorrem em estabelecimen-
também programas alternativos que revelaram resultados negativos, tos comerciais autorizados a vender bebidas alcoólicas, tais estabele-
como aumento da freqüência de embriaguez.4 cimentos constituem um alvo prioritário para políticas do álcool de
caráter preventivo. Comportamento agressivo é um grande problema
Custo-efetividade e potenciais efeitos colaterais associado ao consumo de álcool em locais como bares e casas notur-
Em geral, as estratégias apresentadas aqui custam muito pouco com- nas. Estudos revelam uma relação de causa-efeito entre a intoxi-
paradas aos custos dos problemas relacionados ao consumo de álcool, cação pelo álcool e o comportamento agressivo. É claro que fatores
principalmente do beber pesado. Um bom exemplo é a instituição de circunstanciais e de personalidade desempenham um papel nos
uma idade mínima para a compra de bebidas, uma medida de custo efeitos do álcool. Por exemplo, o alto índice de problemas em bares é
insignificante e de grande impacto. O custo de implantação de tais medi- atribuível, pelo menos em parte, aos tipos de bebedores que freqüen-
das tende a se elevar se encontram resistências; por exemplo, interes- tam tais estabelecimentos. Certos aspectos do ambiente do bar tam-
ses comerciais podem dificultar a implantação de medidas de zonea- bém aumentam a probabilidade de problemas, como as práticas de
mento ou outras medidas destinadas a regulamentar a distribuição servir bebidas que promovem a intoxicação, a inabilidade do staff do
geográfica dos pontos de venda. Da mesma forma, o custo tende a bar em lidar com problemas de comportamento, lotação do bar, per-
diminuir quanto maior o apoio popular às medidas implantadas. missividade do staff e o tipo de bar.
O principal efeito colateral das medidas que impõem grandes O foco nos ambientes de alto-risco tem muitas vantagens. Pode ter
restrições à disponibilidade física do álcool é a o aumento do mercado um impacto mais amplo do que abordagens individuais. Diversas
informal (produção ilegal, importações ilegais). Mas, normalmente, as estratégias podem ser usadas, ao mesmo tempo (treinamento do staff,
atividades informais não parecem suficientes para preencher a lacuna controle e fiscalização, redução dos riscos ambientais), para ampli-
das atividades formais, nem produzem o mesmo nível de problemas.4 ficar os efeitos. Além disso, muitas estratégias direcionadas aos am-
Redução da densidade de pontos de venda pode levar alguns a diri- bientes de alto-risco têm bom nível de aceitação e são prontamente
girem grandes distâncias para comprar bebidas, mas os estudos não adotadas em muitas culturas.4
mostram relação com aumento dos acidentes automobilísticos. A
Organização Mundial de Saúde recomenda, como uma medida exem- Treinamento para servir com responsabilidade
plar de controle do álcool e exemplo bem sucedido de custo-efetividade, Estes programas têm seu foco nas atitudes, conhecimentos, habili-
a implantação do fechamento dos pontos de venda aos sábados. dades e práticas das pessoas envolvidas no ato de servir bebidas. O
Embora seja menos eficaz do que um aumento substancial da taxação.15 objetivo principal é evitar a intoxicação e a venda a menores. Foram
muito estudados no Canadá, EUA, Austrália e Suécia, e tiveram suces-
Estratégias ambientais so em inibir práticas negativas, como “empurrar” bebidas, e em esti-
As estratégias até aqui consideradas consistem, todas, de medidas mular práticas positivas, como oferecer comestíveis ou desacelerar o
que afetam o ambiente onde ocorre o consumo de álcool; são por isso serviço. Além disso, tais programas tendem a provocar a redução das
chamadas estratégias ambientais. A literatura revela, de forma consis- concentrações alcoólicas no sangue (CAS) dos clientes e a reduzir o
tente, que regulamentações de caráter preventivo, direcionadas às número de clientes com alta concentração alcoólica no sangue, além
vendas de álcool e respaldadas por controle eficiente, são mais efeti- de reduzir o índice de acidentes de trânsito noturnos com envolvimen-
vas do que programas de prevenção baseados somente na educação to de apenas um veículo.4
ou persuasão direcionados aos prováveis bebedores.4 Além do treinamento do staff, é necessário estimular que os estab-
elecimentos desenvolvam as “regras da casa”, com os seguintes tópi-
Implantação de um sistema de licenças cos: prover incentivos positivos para inibir a intoxicação dos clientes
Por trás das palavras “controle”, “fiscalização” e de medidas desti- (comestíveis, preços menores para bebidas com pouco ou nenhum
nadas a “forçar o cumprimento da lei”, esconde-se uma série de álcool), evitar incentivos à intoxicação (preços menores na happy
ameaças: processo criminal, responsabilidade civil por danos, etc. hour), políticas para minimizar danos (opções de transporte) e políti-
Mas o mecanismo de controle mais direto e imediato sobre o álcool cas para minimizar intoxicação (deixar mais lento o serviço e, então,
tende a ser a implantação de um sistema de licenças para a venda de recusar servir a clientes já intoxicados). Os estudos mostram que pro-
bebidas alcoólicas. Se o sistema tiver poder, de fato, para suspender gramas de treinamento, quando respaldados por mudanças nas
ou revogar a licença do estabelecimento em caso de infrações, torna- “regras da casa” e fisca-lizados pelas autoridades locais, reduzem o
SI 72
Políticas públicas do álcool / Laranjeira R & Romano M Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl I):68-77

consumo pesado e o beber de alto-risco.4 são as seguintes:


1) Fatores de risco associados à entrada dos clientes no bar;
Controle das práticas de servir álcool 2) Layout do bar;
Quanto maior o controle ativo (estratégias destinadas a forçar o 3) Características do staff de atendentes e de segurança;
cumprimento de leis e outras medidas), maior o impacto das políticas 4) Horário de fechamento.
direcionadas ao servir bebidas. Policiamento pró-ativo, envolvendo
visitas regulares aos estabelecimentos, constitui uma estratégia efe- Mobilização da comunidade
tiva para evitar a intoxicação e a venda a menores. Responsabilizar A mobilização da comunidade tem sido usada para aumentar o grau
(do ponto de vista legal) quem serve as bebidas por conseqüências de consciência dos problemas associados ao consumo de bebidas em
decorrentes de oferecer mais álcool a quem já está intoxicado ou a bares e casas noturnas, desenvolver soluções para problemas especí-
menores também funciona. Nos EUA, estados que instituíram a ficos e pressionar proprietários dos bares a reconhecer sua respon-
responsabilidade legal dos proprietários e atendentes por danos sabilidade para com a comunidade, em termos de comportamento
atribuíveis à intoxicação alcoólica tiveram menores taxas de aci- dos clientes problemas ou de barulho excessivo, por exemplo.
dentes de trânsito fatais e de homicídios. Quando um estado simples- Avaliações de estratégias de mobilização da comunidade mostraram
mente fez publicidade sobre a responsabilidade legal dos atendentes, elevado sucesso na redução das agressões e de outros problemas
os acidentes noturnos envolvendo um único veículo foram reduzidos relacionados ao consumo em bares, como atendimento médico de
em 12%!16 urgência, traumas e acidentes de trânsito.4
Estratégias de redução de danos no ambiente em que se bebe, como
Uso de códigos de conduta voluntários as descritas aqui, têm tido um interesse crescente, principalmente
Muito útil quando os problemas nos bares estão concentrados em em sociedades e lugares onde o consumo de álcool é amplamente
uma área geográfica específica, envolve acordos entre os proprietários aceito. Esta abordagem de prevenção é relativamente nova, entretan-
de bares para limitar os fatores de risco para a violência e outros pro- to, e muitas das intervenções atualmente em prática ainda não foram
blemas. Um exemplo de sucesso, na Austrália, objetivava diminuir o adequadamente avaliadas E, embora pareçam promissoras, têm uma
movimento dos jovens de um bar para outro e inibir a intoxicação de relação custo-efetividade não tão vantajosa quanto estratégias de
menores; envolveu a cobrança de taxas para entrar nos bares após controle e de taxação do álcool.4
as 23h, a remoção da exceção para mulheres, proibição de pro- Medidas para a redução de danos causados pelo álcool nas si-
moções que estimulavam a intoxicação, políticas de serviço consis- tuações onde habitualmente se bebe constituem uma opção interes-
tentes, aumento da fiscalização do cumprimento das leis relativas à sante dentro do mix mais amplo de estratégias de prevenção discuti-
venda a menores e ao consumo nas ruas. Um bom ponto de partida do neste Consenso. E tornam-se particularmente interessantes na
deste projeto foi o apoio da associação comercial local, mas a lide- ausência de um processo político que dê suporte a medidas de con-
rança exercida pela polícia local foi determinante no sucesso das trole e taxação. Mas não devem ser consideradas como substitutas de
medidas adotadas.4 outras políticas de efetividade melhor documentada.4

Manejo da agressividade e de outras alterações Estratégias direcionadas ao trânsito


do comportamento Acidentes devidos à direção sob o efeito do álcool constituem um
Muitos programas têm sido desenvolvidos especificamente para sério problema em qualquer país que faça uso substancial de veícu-
treinar o staff com relação a certas leis, efeitos do álcool e outras dro- los automotores. No Brasil, dados anedóticos do DETRAN – SP
gas, segurança contra incêndio, primeiros socorros, reconhecimento mostram que 50% dos acidentes automobilísticos fatais são rela-
precoce de sinais de alerta, manejo da raiva e da frustração de cionados ao consumo de álcool.17
clientes, técnicas para resolução de conflitos, habilidades de comuni-
cação para manter clientes problemáticos fora do bar e procedimen- CAS e desempenho ao volante
tos para reduzir riscos na hora de fechar. Tais programas mostraram- O nível de álcool no sangue de uma pessoa é chamado de concen-
se necessários por diversas razões: tração de álcool no sangue, ou CAS. Além da quantidade de álcool que
1) Nem sempre os problemas acontecem porque os clientes estão a pessoa ingeriu, a concentração no seu sangue dependerá também
alcoolizados. Por exemplo, muitos bares atraem clientes que podem de fatores individuais, como peso, gênero, velocidade da ingestão
estar “procurando briga”; alcoólica, e presença de alimento no estômago, entre outros.
2) Alguns indivíduos já chegam alcoolizados a um bar; Resultados de testes laboratoriais mostram que a performance ao
3) Às vezes, os problemas estão menos relacionados à intoxicação volante é afetada por níveis de álcool muito mais baixos do que o
dos clientes do que a um staff agressivo; legalmente permitido. Prejuízos no desempenho tornam-se marcantes
4) Apesar de bem treinado, um staff muito ocupado pode não ter para CAS entre 0,05% e 0,08%, mas podem estar presentes em CAS
tempo de monitorar o nível de consumo de seus clientes. abaixo de 0,05%. No Brasil, o limite legal para se dirigir é 0,06%.
Experiências bem sucedidas mostraram aumento do controle pelo Estudos mostram ainda que o risco de um indivíduo se acidentar
staff, diminuição da permissividade do staff e relações mais com CAS de 0,05% é o dobro do risco para uma pessoa com CAS igual
amigáveis com os clientes. Iniciativas como essa devem contar com a zero. E quando a CAS atinge 0,08%, o risco é multiplicado por dez.
treinamento continuado a fim de preservar seus efeitos positivos ao CAS de 0,15% ou mais apresentam um risco relativo da ordem de cen-
longo do tempo. tenas de vezes mais. Devido às evidências que mostram uma forte cor-
relação entre a CAS e acidentes de veículos, muitos países estabelece-
Redução dos desencadeantes ambientais de violência ram leis que estabelecem os níveis máximos de CAS tolerados para o
A manutenção, em cada estabelecimento, de um livro de registro das condutor do veículo.4 No Brasil, o Código Nacional de Trânsito esta-
ocorrências pode ser usada para identificar e corrigir pontos-chave. belece em 0,06% a CAS máxima permitida. Embora tal medida, em
Esta estratégia inclui um questionário auto-aplicável de avaliação de tese, contribuísse para a redução das fatalidades no trânsito em
risco para proprietários e gerentes e se destina a mudar o ambiente nosso país, na prática é mais uma das leis não cumpridas; o descaso
do bar de forma a minimizar o risco de agressão. As áreas abordadas das autoridades com essa situação é alarmante. Uma lei para ser
SI 73
Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl I):68-77 Políticas públicas do álcool / Laranjeira R & Romano M

respeitada e cumprida deve contar com fiscalização sistemática por Gravidade da punição
parte de uma força policial bem treinada e equipada. Punições graves não resultam em menos acidentes do que punições
menos graves. Seus efeitos podem até ser contra-producentes quando
Padrões de beber e dirigir o sistema judiciário está sobrecarregado ou quando a promotoria não
Estudos conduzidos com amostras aleatórias de motoristas indicam obtém a condenação. A única punição que parece ter um impacto con-
que os países, geralmente, dividem-se em dois grupos: aqueles em que sistente é a perda ou suspensão da carteira de habilitação.4 É uma
um percentual mínimo (<1%) dos motoristas dirige sob efeito do medida eficaz tanto para acidentes álcool-relacionados quanto para os
álcool, com uma CAS entre moderada e alta – neste grupo encontram- não relacionados ao álcool. Infratores que não perdem a licença apre-
se os países escandinavos. No segundo grupo, encontram-se EUA, sentam maior índice de reincidência. Um estudo revelou que três quar-
Canadá, França e Holanda, onde, entre 5% e 10% dos motoristas apre- tos dos motoristas que perderam a licença permanecem dirigindo,
sentam CAS entre moderada e alta durante as horas noturnas de lazer. porém, menos freqüentemente e com mais cautela.4
Um estudo de 1988 revelou que 28% dos australianos, 24% dos ameri-
canos e apenas 2% dos noruegueses admitiram ter dirigido, no ano Rapidez da punição
anterior, após beber quatro ou mais drinques.4 Um bom exemplo é a suspensão administrativa da carteira de habili-
Dissuasão como estratégia preventiva Normalmente, força-se o tação, sem a necessidade de um processo judicial. Nos EUA, essa é
cumprimento da lei através da punição dos infratores, esperando que uma possibilidade em 40 dos 50 Estados e o seu impacto na redução
isso possa prevenir ou dissuadir outros motoristas de dirigirem após de acidentes álcool-relacionados é consistente, reduzindo em até 26%
beber. A dissuasão é essencialmente um instrumento para aumentar o índice de acidentes fatais. Um estudo com motoristas novatos reve-
a percepção do risco de ser punido; se a probabilidade de ser flagra- lou que o custo-benefício de tal programa é de 11 dólares para cada
do alcoolizado ao volante é grande, isso realmente persuade o dólar investido.20
motorista a evitar beber e dirigir.18 É interessante notar que a per- Concluindo, há evidências de que as medidas abaixo formam uma
cepção do risco também é influenciada pela gravidade e pela rapidez estratégia combinada com o maior potencial de sucesso na prevenção de
da punição. problemas relacionados ao beber e dirigir:
1) Estabelecer um nível baixo da CAS tolerada para os motoristas;
Reduzindo limites da CAS 2) Realizar fiscalizações dos limites da CAS de forma freqüente e visível;
A evidência da efetividade do impacto da dissuasão através desta 3) Suspender efetivamente a habilitação dos infratores;
estratégia é grande, embora os efeitos possam se desfazer com o 4) Estabelecer a certeza da punição especialmente através de checagens
tempo. Isso tem levado diversos países a reduzir ainda mais os limites aleatórias.
tolerados da CAS, com impacto considerável em reduzir acidentes e
salvar vidas.4 Regulando a promoção do álcool
O marketing do álcool é agora parte de uma indústria global, onde as
Garantindo o cumprimento da lei: checagem aleatória ou seletiva? grandes corporações dão as cartas do jogo tanto nos países industri-
Uma estratégia para aumentar a “certeza de punição” entre os alizados quanto nos novos mercados dos países em desenvolvimento.
motoristas consiste em aumentar a freqüência e a visibilidade da fis- As estratégias utilizadas para promover as bebidas alcoólicas fazem
calização. Ou seja, simplesmente intensificar as ações da polícia que uso da televisão, do rádio, da mídia impressa, da internet e de pro-
visam o cumprimento da lei (fiscalização em checkpoints). Campanhas moções nos pontos-de-venda. E nichos específicos de mercado são
de curta duração realmente reduzem acidentes, mas seus efeitos são desenvolvidos a partir da associação de determinada marca com
temporários. E, geralmente, tais campanhas fazem uso da checagem esportes, estilos de vida e outras artimanhas destinadas a fisgar o
seletiva, ou seja, somente os motoristas que a polícia julga estarem consumidor pela via da identificação. Estudos demonstram, de forma
alcoolizados são submetidos ao teste. Mas a polícia se engana: estudo consistente, que tais estratégias de promoção do álcool apresentam
norte-americano mostrou que a polícia “deixa passar”, despercebida, conseqüências à saúde pública. Tais evidências são fortes o bastante
50% dos motoristas com CAS >0,10%.19 para tirar o Estado de seu papel omisso para, a bem do interesse
Uma alternativa às checagens seletivas são as checagens aleatórias: público, regular a promoção do álcool, em vez de deixar que a indús-
qualquer motorista, em qualquer momento, pode ser submetido ao tria e a mídia exerçam sua “auto-regulação”.
teste, que pode variar em freqüência e local, sem aviso prévio. Além Experiências com outros setores econômicos demonstraram que a
disso, sempre são muito visíveis e causam impacto na mídia. Uma auto-regulação geralmente é exercida quando determinada indústria
revisão de 23 estudos sobre checagem aleatória e seletiva revelou um encontra-se “na mira” do governo, ou seja, sob ameaça de regulação
declínio de 22% (variação de 13% a 36%) nos acidentes fatais. Outro pelo Estado; e a auto-regulação tende a ser uma sub-regulação e uma
estudo mostrou que a checagem aleatória é duas vezes mais efetiva do subfiscalização, em detrimento do interesse público. Temos assistido a
que as checagens seletivas. Em Queensland, Austrália, programas isso em nosso país, à medida em que o CONAR – Conselho Nacional de
baseados na checagem aleatória resultaram em 35% de redução nos Auto-Regulamentação Publicitária, composto pela indústria, mídia e
acidentes fatais, enquanto os programas baseados em checagens agências de publicidade – baixou uma resolução, em 2003, que
seletivas alcançaram 15%. Estimativas sugerem que cada 1.000 testes recomendava a suspensão do uso de personagens de desenhos anima-
diários correspondem a 6% de redução em todos os acidentes graves dos na publicidade de cervejas, apenas após forte pressão da
e 19% de redução nos acidentes noturnos de único veículo. Outros sociedade civil; e provavelmente agiu para evitar restrição maior.
estudos mostram, ainda, que os efeitos da checagem aleatória se man- Através do mecanismo da auto-regulação, muitas vezes consegue-se,
têm por dez anos e que tais checagens oferecem aos bebedores pesa- também, desviar o foco das questões políticas pertinentes (rela-
dos uma desculpa legítima para beber menos quando em companhia cionadas à venda de bebidas a menores, por exemplo), consumindo-se
dos amigos. Existe forte evidência científica , portanto, de que checa- energia no refinamento dos códigos de conduta, como se esse fosse
gens aleatórias bastante visíveis e não seletivas, têm um efeito susten- um fim em si mesmo.
tado e significativo em reduzir acidentes, traumas e mortes associa- Efeitos da regulação da publicidade: estudos comparando 17 países
dos ao beber e dirigir.4 com proibição total, proibição parcial ou sem qualquer proibição da
propaganda de bebidas alcoólicas mostraram o seguinte4:
SI 74
Políticas públicas do álcool / Laranjeira R & Romano M Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl I):68-77

1) Países que proíbem a publicidade de destilados têm níveis de con- O objetivo dos programas escolares é modificar as crenças, atitudes
sumo 16% mais baixos e 10% menos acidentes automobilísticos fatais e comportamentos dos adolescentes em relação ao álcool. Embora
do que países sem qualquer tipo de proibição. aumentem o conhecimento, não modificam o consumo; além disso,
2) Países que proíbem a propaganda de cervejas e vinhos, além dos fornecer informação sobre os perigos de diferentes substâncias psi-
destilados, têm níveis de consumo 11% menores e 23% menos aci- coativas pode despertar a curiosidade e estimular o consumo entre
dentes automobilísticos fatais do que os que proíbem apenas a pro- aqueles que são buscadores de estímulos. Abordagens afetivas dire-
paganda de destilados. cionadas à clarificação de valores, auto-estima, habilidades sociais e
Estratégias educacionais e de persuasão Estas estratégias estão abordagens “alternativas”, que provêem atividades sem relação com
entre as mais populares abordagens de prevenção de problemas rela- álcool (como esportes), são igualmente ineficazes em alcançar o obje-
cionados ao consumo de álcool. No entanto, diferem das abordagens tivo proposto.4
anteriores devido à falta de efetividade. Além da baixa efetividade, são Programas de influência social visam a aumentar as habilidades de
abordagens em geral muito caras, tornando seu custo-efetividade resistir à pressão social relacionada ao consumo do álcool; mas,
extremamente desvantajoso quando comparado às outras aborda- recentemente, descobriu-se que o uso de álcool por adolescentes
gens descritas aqui.4 Geralmente possuem os seguintes objetivos: deve-se menos a formas de pressão direta do que à influências so-
1) Difundir o conhecimento sobre o álcool e os riscos relacionados ciais bem mais sutis; também foi sugerido que tal abordagem (treina-
ao seu consumo; mento em habilidades para resistir à pressão social) pode ser con-
2) Mudar atitudes com relação ao beber a fim de reduzir os riscos traproducente, na medida em que leva o adolescente a concluir que o
envolvidos; uso de álcool é bastante prevalente e aprovado pelos seus colegas.
3) Mudar comportamentos relacionados ao beber; Estabeleceram-se então programas de educação normativa visando a
4) Diminuir a freqüência ou a gravidade dos problemas relacionados corrigir a tendência do adolescente de superestimar o número de
ao álcool; seus colegas que bebem e que aprovam o uso de álcool.4
5) Obter mais recursos e apoio para as políticas do álcool. Muitos programas escolares atuais combinam o treinamento de
Podem fazer uso das seguintes abordagens: resistência à pressão com a educação normativa; os resultados ainda
1) Iniciativas de mídia: são ambíguos. Quando positivos, os resultados produzidos têm curta
- Meios de comunicação de massa e propaganda educativa duração, a não ser que sejam reforçados periodicamente; alguns sub-
- Mensagens de advertência nos rótulos grupos de adolescentes tendem a ser mais responsivos que outros.
- Diretrizes para beber com segurança Por exemplo, jovens com pouca experiência no comportamento de
2) Programas baseados nas escolas. beber mostram-se mais responsivos aos programas de influência
Embora possua um forte apelo popular, a propaganda educativa social. Já os programas de educação normativa apresentam melhores
nunca é tão bem produzida, nem possui os mesmos recursos, nem a resultados em jovens com comportamento rebelde. Programas esco-
mesma freqüência nos meios de comunicação do que a propaganda lares mais abrangentes, que incluem abordagem educacional tanto
da indústria do álcool. Pesa ainda a favor desta ser muito mais sedu- individual quanto familiar ou comunitária – alguns programas avalia-
tora e persuasiva do que qualquer contra-propaganda conseguiria dos chegaram a incluir educação parental, treinamento de líderes
ser. Que mensagem contrária ao consumo do álcool poderia ter tanto comunitários e os meios de comunicação de massa –, apresentaram
apelo quanto a propaganda de cerveja protagonizada por um dos algum resultado, porém logo dissipado assim que o programa acabou.4
maiores ídolos do futebol em nosso país? Como contrabalançar o A literatura especializada21,22 recomenda algumas orientações gerais
efeito de mensagens publicitárias da indústria do álcool protagoni- para o desenvolvimento de programas preventivos escolares:
zadas por grandes nomes da TV, da MPB, ou dos esportes? Difícil. 1) Os programas de prevenção devem procurar atingir várias áreas
Mesmo que houvesse recursos para a produção de propaganda da vida do jovem, denominadas domínios da vida, que são: individual,
educativa à altura da publicidade da indústria, seu custo seria tão ele- grupal, escolar, familiar, comunitário e social. Pesquisas de pre-
vado que deixaria de ser compensador. Quando apresenta alguma efe- venção recentes sugerem que, quanto mais domínios da vida são
tividade, é como parte integrante de um programa mais amplo de atingidos pelo programa, mais efetivo ele se torna.
políticas. Algo importante de se afirmar, proibir a publicidade do 2) O desenvolvimento do programa deve seguir uma seqüência lógi-
álcool custa bem menos e é bem mais eficaz que qualquer medida de ca e previsível do uso de substâncias: álcool – tabaco – maconha –
contra-propaganda.4 depressivos – estimulantes – alucinógenos – outros.
O uso de advertências nos rótulos, embora apresente um significati- 3) O programa deve contar com diferentes modalidades de pre-
vo recall nas pesquisas – pesquisas de recall avaliam com que facili- venção: universal, seletiva e indicada.
dade algo é evocado ou recordado pelo entrevistado –, não é eficaz em 4) Estudos mostram que o período mais efetivo para a prevenção
mudar comportamentos relacionados ao consumo de álcool e tam- compreende a faixa etária dos 10 aos 15 anos de idade.
pouco é efetivo em prevenir o consumo entre bebedores pesados. 5) Programas baseados em métodos interativos são muito mais efe-
Alguns estudos mostraram que adolescentes de 17 anos de idade tivos do que os baseados em formatos didáticos.
relatavam conhecimento dos rótulos de advertência nos EUA, embora 6) Agentes multiplicadores jovens podem fazer parte do programa
esse conhecimento não resultasse em mudanças nas crenças acerca preventivo, desde que estes recebam orientação constante da equipe
do consumo de álcool. É provável que o impacto das advertências nos responsável.
rótulos das bebidas alcoólicas possa ser incrementado combinando 7) Programas escolares que possuem intervenções direcionadas aos
tal estratégia com ou-[tras mudanças na política do álcool.4 pais e à comunidade apresentam melhores resultados.
Após pesquisas epidemiológicas sobre o efeito do consumo modera- Os fatos apresentados nos permitem as seguintes conclusões a
do de álcool sobre problemas cardiovasculares, a indústria lançou respeito das abordagens baseadas na escola:
mão de uma estratégia onde provê o público com material promo- 1) Qualquer que seja o programa educacional adotado, constitui uma
cional e informativo sobre os benefícios do uso moderado do álcool. alternativa bastante cara e pouco efetiva.
Os efeitos dessa estratégia ainda não são conclusivos, no que diz 2) Seu impacto é pequeno e pouco persistente.
respeito à possibilidade desse tipo de mensagem diminuir ou mesmo 3) A educação, por si só, é fraca demais enquanto estratégia con-
aumentar o consumo de álcool.4 trária a poderosos fatores de risco que permeiam o ambiente social.
SI 75
Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl I):68-77 Políticas públicas do álcool / Laranjeira R & Romano M

Tabela 1
Estratégia Efetividade Suporte Transposição Custo Grupo-alvo
ou intervenção científico cultural e comentários
Disponibilidade
Proibição total +++ +++ ++ Alto PG; muitos efeitos colaterais.
Idade mínima +++ +++ ++ Baixo AR; fiscalização é necessária.
Racionamento ++ ++ ++ Alto Difícil implementação.
Restrição à densidade de bares ++ +++ ++ Baixo PG; implementação de longo prazo.
Responsabilidade dos atendentes +++ + + Baixo AR; requer definição legal de responsabilidade.
Disponibilidade diferenciada pelo teor alcoólico ++ ++ + Baixo PG
Preço e taxação
Taxação +++ +++ +++ Baixo PG; efetividade depende da capacidade do governo em controlar
produção e distribuição; efeito colateral: pode aumentar contrabando
e produção ilícita.

Alterando o contexto
Não servir cliente alcoolizado + +++ ++ Moderado AR; necessário treinamento + fiscalização.
Manejo da agressividade + + + Moderado AR
Códigos de conduta 0 + + Baixo AR; ineficaz sem fiscalização.
Fiscalização dos pontos de venda ++ + ++ Alto AR; adesão depende da percepção quanto à certeza da fiscalização.
Promoção de atividades sem-álcool 0 ++ + Alto PG
Mobilização da comunidade ++ ++ + Alto PG
Educação e persuasão
Programas escolares 0 +++ ++ Alto AR; aumenta conhecimento, mas não diminui o consumo.
Mensagens de interesse público 0 +++ ++ Moderado PG
Advertência nos rótulos 0 + + Baixo PG; aumenta conscientização, mas não muda comportamento.

Regulando a promoção do álcool


Proibição da propaganda + ++ ++ Baixo PG; forte oposição da indústria.
Controle do conteúdo da propaganda ? 0 0 Moderado PG; sujeito a acordos de auto-regulação, raramente monitorados.

Beber e dirigir
Pontos de checagem ++ +++ +++ Moderado PG; efeito de curta duração.
Checagem aleatória +++ ++ + Moderado PG; maior custo de implementação.
Reduzir CAS permitida +++ +++ ++ Baixo PG
Suspensão da habilitação ++ ++ ++ Moderado BAD
Campanhas do motorista designado 0 + + Moderado AR; não evita acidentes.
4) A hegemonia e popularidade que tais modelos desfrutam não se Grupo-alvo: PG = População Geral; AR = grupos de alto risco (bebedores de alto-risco, ou
devem à demonstração de seu impacto ou potencial de reduzir danos grupos particularmente vulneráveis aos efeitos do álcool, como adolescentes); BAD =
pessoas que fazem uso abusivo do álcool ou apresentam dependência do álcool.
relacionados ao consumo de álcool.
Evidência da efetividade: demonstração científica de que uma estratégia é capaz de
5) Devemos questionar a validade do emprego de recursos finan- reduzir o consumo, os problemas relacionados ou os custos para a sociedade.
ceiros em iniciativas isoladas e nos perguntar por que recursos 0 Evidência indica falta de efetividade
valiosos permanecem sendo gastos com iniciativas de potencial tão + Efetividade limitada
++ Efetividade moderada
limitado. +++ Alta efetividade
6) Recomenda-se o uso de abordagens escolares como parte inte- ? Não há estudos, ou a evidência é insuficiente para avaliação
grante de um conjunto de políticas de alocação e de regulação. Dessa Amplitude do suporte científico: relaciona-se ao número de estudos científicos e à
consistência dos resultados; independe da efetividade; ou seja, uma determinada
forma, as abordagens educacionais podem contribuir para a susten-
estratégia pode ter baixa efetividade e ter uma ampla evidência científica que legitima
tação das outras medidas – nos vários domínios de vida do jovem – e essa avaliação.
estas podem fornecer as mudanças ambientais necessárias para a 0 Sem estudos de efetividade
efetividade das abordagens baseadas na escola. + Apenas um estudo de boa metodologia
++ Dois a quatro estudos completados
+++ Cinco ou mais estudos de efetividade concluídos
Resumo das políticas Testes de transposição cultural:
A pesquisa possui a capacidade de indicar quais estratégias terão 0 A estratégia não foi adequadamente testada
+ A estratégia foi estudada em apenas um país
provável sucesso, e quais tendem a ser menos efetivas ou até mesmo
++ Estudada em dois a quatro países
inúteis, além de indicar um desperdício de recursos. A Tabela 1 mostra +++ Estudada em pelo menos cinco países
claramente o desequilíbrio entre as várias estratégias descritas ante- Custo de implementação: custo para o Estado implementar, operar e sustentar uma
riormente, facilitando sua compreensão. estratégia, independente da usa efetividade.
Baixo Baixo custo para implementar e manter
Moderado Custo moderado para a implementação e sustentação
Síntese Alto Implementação e manutenção de alto custo
1) As políticas públicas para o álcool devem corresponder ao entendi- bebidas, etc.
mento de que o álcool está longe de ser um produto qualquer. 4) O controle da disponibilidade do álcool é uma estratégia de baixo
2) Os impostos e taxas sobre as bebidas constituem um instrumento custo e de alta efetividade para reduzir o consumo e os problemas
poderoso de política do álcool, na medida em que podem ser usados relacionados.
tanto para gerar receita como para reduzir danos causados pelo 5) A implantação de um sistema de licenças para a venda de bebidas
álcool. Funcionam ainda como uma compensação social pelos danos constitui uma das estratégias mais amplamente aceitas internacional-
causados. mente e recomendadas por especialistas; sua implantação e fiscaliza-
3) É possível controlar a disponibilidade do álcool de diversas formas: ção não é dispendiosa, sua efetividade é alta e permite obter um con-
dias e horários de funcionamento, controle da densidade de pontos de trole efetivo sobre a venda de bebidas alcoólicas.
venda, leis de zoneamento urbano, idade mínima para a compra de 6) O consumo do álcool relaciona-se à metade dos acidentes automo-
SI 76
Políticas públicas do álcool / Laranjeira R & Romano M Rev Bras Psiquiatr 2004;26(Supl I):68-77

bilísticos fatais; existem hoje medidas efetivas para reduzir proble- produto que requer extraordinárias políticas públicas na forma de
mas nessa área. regulação, taxação e serviços destinados aos danos causados pelo
7) A exigência de níveis mais baixos de concentração alcoólica no seu consumo.
sangue relaciona-se a menores índices de acidentes fatais e não O processo de criação da política do álcool deve ser o mais transpa-
fatais no trânsito. rente possível e corresponder, da melhor forma, às necessidades
8) Para que as estratégias no trânsito sejam efetivas, torna-se dos cidadãos que são os consumidores finais dessa política. Muitas
necessário aumentar o grau de certeza de punição e a velocidade com das ações no jogo da política do álcool ocorrem nos bastidores, su-
que a punição é aplicada. bordinadas a considerações políticas ou interesses velados. Sem a
9) A educação, por si só, é fraca demais enquanto estratégia con- devida informação científica e sem o necessário monitoramento dos
trária a fatores de risco que permeiam o ambiente social e o contex- seus resultados, a política do álcool não se qualifica nem como se
to onde se bebe. baseando em evidências, nem com a necessária efetividade. Torna-se
Em um país como o nosso, em que a regulação do álcool é próxima imperativo assegurar que a política do álcool sirva, acima de tudo, ao
a zero, e em um momento onde aumenta o nível de conscientização bem comum.
popular devido ao incremento dos danos causados pelo álcool, está
configurada a oportunidade para uma ação política efetiva e transpa- Referências
rente. No palco da política do álcool há diversos atores em cena:
1. Paulson RE Women’s suffrage and prohibition: a comparative study of equal-
1) Os interesses comerciais: quando grandes somas em dinheiro são ity and social control. Glenview, IL: Scott, Foresman and Company; 1973.
investidas no marketing, a indústria da publicidade, os meios de 2. Bruun K, Edwards G, Lumio M e col. Alcohol control policies in public health
comunicação de massa e parte da indústria do esporte tornam-se, perspective. Helsinki: The Finnish Foundation for Alcohol Studies; 1975.
então, parte interessada na política do álcool. Isso ocorre especial- 3. Edwards G, Anderson P, Babor TF e col. Alcohol policy and the public good.
Oxford University Press; 1994.
mente quando surgem propostas de restrição à propaganda. É
4. Babor TF, Caetano R, Casswell S. Alcohol: no ordinary commodity. Oxford
necessário ficar atento às “iniciativas de prevenção” patrocinadas University Press; 2003.
pela indústria ou por organizações financiadas por ela – tais iniciati- 5. Cahalan R, Room R. Problem drinking among American men. New Brunswuick,
vas visam mais à manutenção do status quo do que ao bem comum. NJ: Rutgers Center of Alcohol Studies; 1974.
2) Os meios de comunicação de massa: podem ter uma grande 6. Hurst PM, Harte D, Frith WJ. The Grand Rapids Dip revisited. Accidents
Analysis and Prevention 1994;26:647-54.
influência no debate político em nível nacional e local; podem moldar 7. Room R, Bondy S, Ferris J. The risk of harm of oneself from drinking Canada
o debate escolhendo o tema, definido o problema e sugerindo 1989. Addiction 1995;90:499-513.
soluções. Podem, portanto, ser usados para alavancar diversas políti- 8. Fos PJ, Fine DJ. Designing heath care for populations. San Francisco, CA:
cas do álcool, evitando, assim, o custo da aquisição de espaço na Jossey-Bass; 2000.
9. Longest BB. Heath policymaking in the United Sates. Chicago, IL: Health
mídia para a contra-pro-paganda. Administration Press; 1998.
3) Organizações não-governamentais: podem desempenhar um papel 10. McCarthy S. Ontario will defy GATT on beer. Toronto Star, Toronto, Ontario, 14
muito relevante. Um bom exemplo é a associação de mães nos EUA, de fevereiro 1992.
Mothers Against Drunk Driving. 11. Saffer H, Grossman M. Beer taxes, the legal drinking age, and youth motor
4) Campanhas públicas: podem ocupar um lugar valioso ao desper- vehicle fatalities. Journal of Legal Studies 1987;16:351-74.
12. Saffer H, Grossman M. Drinking age laws and highway mortality rates: cause
tar a atenção para os problemas causados pelo álcool, mas nunca são and effect. Economic Inquire 1987;25:403-17.
suficientes. Campanhas como “Semana de Combate ao Álcool” podem 13. Kenkel DS. Drinking, driving and deterrence: the effectiveness and social
proporcionar grande satisfação pessoal aos envolvidos, mas sem costs of alternative policies. Journal of Law and Economics 1993;36:877-913.
causar impacto nos problemas relacionados ao consumo de álcool. 14. Chaloupka FJ, Grossman M, Saffer H. The effects of price on alcohol con-
sumption and alcohol-related problems. Alcohol Research and Heath
Programas assim geram muito entusiasmo e reconhecimento público 2002;26:22-34.
e podem causar a aparência de que algo está sendo feito, sem no 15. Chisholm D, Rehm J, Van Ommeren M et col. Choosing interventions to
entanto oferecer intervenções substanciais e efetivas. reduce heavy alcohol use: a generalized cost-effectiveness analysis (WHO-
5) Governos: políticas do álcool podem ser desenvolvidas e imple- CHOICE). Genebra: WHO-CHOICE Project; 2003.
16. Wagenaar AC, Holder HD. Efects of alcoholic beverage server liability on traf-
mentadas em muitos níveis diferentes de governo, do nacional ao
fic crash injuries. Alcoholism: Clinical and Experimental Research 1991;15:942-7.
local. Este fato permite uma descentralização no processo de tomada 17. DETRAN – SP Departamento Estadual de Trânsito (2004) Álcool e trânsito.
de decisões políticas, facilitando muitas vezes, sua implementação. Disponível on-line: URL:
6) Comunidades: muitas abordagens políticas de efetividade compro- http://www.detran.sp.gov.br/campanhas/alcool_transito/in_alcool_transito.html
vada em nível nacional ou regional podem também ser executadas no 18. Ross HL. Confronting drunk driving: Social policy for saving lives. New Haven,
CT: Yale University Press; 1992.
nível da comunidade. A abordagem comunitária apresenta uma série 19. McKnight AJ, Voas RB. Prevention of alcohol-relaed road crashes. In: Heather
de vantagens: é a comunidade que deve lidar não só com as mortes e N, Peters TJ, Stockwell T, editors. International Handbook of alcohol dependence
traumas decorrentes de acidentes automobilísticos relacionados ao and problems. Chichester, UK: John Wiley and Sons; 2001. p. 741-70.
consumo de álcool, mas também com o custo social de tais problemas 20. Miller TR, Lestina DC, Spicer RS. Highway crash costs in the United States by
driver age, blood alcohol level, victim age, and restraint use. Accident Analysis
e com o processo de recuperação e reabilitação. Tais problemas, and Prevention 1998;30:137-50.
muitas vezes, geram histórias e experiências pessoais que motivam 21. Sloboda Z, Bukoski WJ. Drug Abuse Prevention Curricula in Schools. In:
determinada ação; os pais que perdem seus filhos em acidentes Handbook of Drug Abuse Prevention. New York, NY: Plenum Publishers; 2003. p.
podem constituir um grupo que exerça pressão contra a venda de 45-69.
bebidas a menores, por exemplo. 22. Heather N, Peters TJ, Stockwell T. Alcohol Education in Schools. In:
International Handbook of Alcohol Dependence and Problems. England: John
Idealmente, o processo político forma um ciclo, começando com uma Wiley & Sons Ltd; 2001. p. 787-804.
avaliação sistemática dos problemas relacionados ao álcool, seguida
pela implementação de políticas de intervenções eterminando com Correspondência
uma avaliação objetiva dos efeitos destas. Mas, geralmente, o proces- Ronaldo Ramos Laranjeira
so político não é tão claro assim, sendo contaminado por interesses, Rua Borges Lagoa, 564 - cj 44
valores e ideologias conflitantes. O álcool, além de ser um produto 04038-000 São Paulo, SP
que, como outro qualquer, produz trocas econômicas, também é um E-mail: laranjeira@psiquiatria.epm.br
SI 77

You might also like