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Software Livre

Licenças BSD e GPL: uma breve


comparação
30/07/2005 0:00

Por: Carlos Augusto Moreira dos Santos

São bastante diferentes a licença de software adotada


entre os sistemas operacionais derivados do BSD
Unix e a General Public License, adotada pela Free
Software Foundation.
Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós!

Talvez por falta de informação, tornou–se comum a idéia errônea de que todo Software
Livre é distribuído sob os termos da General Public License (GPL), da Free Software
Foundation (FSF).

Isto decorre da propaganda agressiva da FSF e seus seguidores, reforçada por ser a
GPL a licença do kernel Linux, que serve de base para inúmeros sistemas operacionais
muito populares. A maioria dos sistemas derivados do BSD Unix, porém, usa uma
licença mais simples e liberal. Este artigo compara as duas e pesa os prós e contras de
cada uma.

Antes de ler o texto, fique ciente de que minha opinião não é neutra; sou adepto da
licença BSD e seria hipocrisia fingir o contrário. Sei que comparações como esta podem
levar a discussões intermináveis, xingamentos e ofensas pessoais, mas não me
interessam celeumas desse tipo, como bem denota o início do artigo.

Os termos “livre” e “proprietário” são usados ao longo deste texto como adjetivos
convenientes para designar algo cujo significado é bem mais complexo. A liberdade só
existe e tem valor para quem é consciente dela. Pessoas podem ser livres; software,
sendo inanimado, não. Ele é uma “coisa”, que tem uma autoria (individual ou coletiva) e
pode ter dono ou ser de domínio público (sem dono, ainda que com autoria).

Copyright e licenças

Cópia, distribuição e modificação de software e demais formas de produção intelectual


são atividades reguladas por lei. Cada país tem sua própria legislação, mas há também
acordos internacionais, o que torna Propriedade Intelectual um tema complexo, cuja
discussão profunda extrapolaria o escopo deste artigo. Apresentamos aqui apenas
alguns conceitos básicos indispensáveis.

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No Brasil há leis que dispõem sobre direito autoral em geral (lei 9609/98) e sobre
propriedade de software em particular (lei 9610/98). O País reconhece, por doutrina
jurídica, legislação e jurisprudência, dois tipos de direito:

Direito comercial. Trata da exploração comercial da obra. Este direito é transferível: o


detentor pode outorgá–lo a outrem, exclusivamente ou não, possivelmente em troca de
pagamento; renunciável: o detentor pode autorizar que outros comercializem a obra
sem pagar por isto; revogável: o poder público pode cassá–lo em benefício da
sociedade (à semelhança dos remédios para combate à AIDS, no Brasil); temporário:
há um prazo definido para a exploração comercial da obra.

Direito moral. Trata do crédito pela autoria e da proteção da imagem e da honra do


autor. Este direito é intransferível: não se pode assumir a autoria de obra criada por
outrem; irrenunciável: o autor não pode negar nem ter usurpada a autoria; irrevogável:
nem o poder público pode revogar a autoria; perpétuo: a autoria é válida
indefinidamente (vigora mesmo após a morte do autor).

A Lei geralmente dá ao proprietário de uma obra o direito de explorá–la comercialmente


por um certo prazo. A obra cujo direito material expirou, ou cujo proprietário original
abdicou dele explicitamente, é de domínio público. Pela lei 9610/98, artigo 24, mesmo
neste caso o direito moral permanece em vigor, cabendo ao Estado zelar por ele.
Publicar uma versão adulterada de um livro de Castro Alves, por exemplo, seria crime
no Brasil. Há países em que o direito moral não é reconhecido, como os Estados
Unidos.

No caso do software, confunde–se propriedade com autoria ao contrapor “livre” a


“proprietário”, criando um conceito anômalo: a maioria do software dito livre tem um
proprietário, mas este cedeu o direito comercial ou pelo menos abriu mão da
exclusividade sobre ele, sem ter necessariamente abdicado.

Se fosse de domínio público poderia ser usado por qualquer um, com qualquer fim, sem
autorização prévia; como tem dono, só pode ser distribuído segundo as condições
impostas em uma licença de copyright.

Com a valorização da propriedade intelectual, empresas dos ramos de entretenimento e


software têm pressionado por leis que lhes dêem mais poder sobre os usuários, prazos
de exploração mais amplos e, por conseqüência, maiores lucros.

O copyright, entretanto, dá ao proprietário controle apenas sobre a reprodução,


distribuição e modificação da obra. Para burlar esta limitação as empresas de software
adotam licenças que caracterizam a cessão do direito de uso do produto como um
contrato de prestação de serviço. Isto visa evitar, entre outras coisas, que o usuário final
revenda o software, como faria com um disco de música ou um livro que lhe
pertencesse; permite também restringir o que o usuário pode fazer ao executar o
software.

Esta é a principal diferença entre as licenças de software livre e proprietário: uma é


licença de copyright, enquanto a outra é de uso. No primeiro caso quem distribui deve
aceitar os termos da licença, não quem instala ou usa. Mesmo quem discorda da
licença pode instalar e usar o software.

O segundo caso, o proprietário, é muito diferente: antes da instalação o usuário é


apresentado ao texto da licença e precisa manifestar sua aceitação (ao pressionar um
botão numa caixa de diálogo, por exemplo). Com isto estabelece–se um contrato entre

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o usuário e o proprietário do software.

A maioria dos fabricantes de software proprietário recusa–se a assumir a


responsabilidade por danos advindos do uso do produto. Quando alegam que software
livre não dá garantia alguma ao usuário, é puro cinismo. É fato notório, por exemplo,
que se um defeito de fabricação num automóvel levar a um acidente, o fabricante é
passível de punição, mas se um defeito no software prejudica o usuário o fabricante
isenta–se de qualquer culpa.

A recíproca, infelizmente, também é verdadeira: há pessoas que fazem proselitismo do


Software Livre com base no fato de o software proprietário não dar garantias.

Descrição das licenças

O código fonte do Unix chegou a Berkeley em 1974, proveniente da AT&T, onde tinha
sido criado. Quanto o Berkeley Software Distribution (BSD) começou a ser distribuído,
em 1977, cada usuário tinha de comprar da AT&T, detentora do copyright do Unix, uma
licença de código. Somente em 1989 surgiu o “Networking Release 1″, primeira versão
livre, distribuída sob uma licença liberal, que vigora até hoje.

A licença BSD é fácil de entender, graças à sua brevidade. O detentor do copyright


cede os direitos comerciais, mas exige crédito pela autoria e propriedade.

Redistribuições do fonte devem manter a notícia de copyright, as condições da licença e


um aviso de que não há garantias nem se assume a responsabilidade por prejuízos
decorrentes do uso do software. Distribuições binárias devem reproduzir na
documentação essas informações. Os nomes do autor e seus colaboradores não
podem ser usados para endossar ou promover produtos derivados sem permissão.
Uma cláusula revogada em 1999 exigia que o material de divulgação contivesse a
mensagem “Este produto inclui software desenvolvido pela Universidade da California,
Berkeley e seus colaboradores”.

A GPL surgiu como parte do projeto GNU (GNU is not Unix), iniciado em 1984 por
Richard Stallman, cujo propósito era criar um novo sistema operacional, inspirado no
Unix mas não proprietário como o Unix era (daí o trocadilho no nome).

Stallman argumentava que a comercialização do software impedia os programadores de


se tratar como amigos, compartilhando programas. GNU não seria de domínio público,
mas qualquer um poderia redistribuí–lo desde que não tentasse restringir o acesso ao
código original ou às modificações feitas nele. Para garantir isto foi criada a General
Public License (GPL).

A GPL permite que qualquer um redistribua o software desde que não tente restringir o
acesso ao código original ou às modificações. Pode–se distribuir versões modificadas
do fonte apenas sob os termos da GPL; versões em formato binário devem ser
acompanhadas do código fonte, de uma oferta dele ao custo de reprodução ou de
instruções de como obtê–lo; cópias devem ser acompanhadas da licença e nenhuma
restrição adicional pode ser imposta ao recebedor; para incorporar partes do programa
a outro distribuído sob condições deferentes, deve–se pedir permissão ao autor; não há
garantia pelo programa e prejuízos decorrentes do seu uso não são imputáveis às
partes envolvidas na distribuição. Dito assim parece simples, mas não é.

O texto da GPL é longo, rebuscado, e mistura argumentos morais com disposições


legais. O preâmbulo afirma que as licenças da maioria do software visam tomar nossa

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liberdade de compartilhá–lo ou modificá–lo. A GPL protegeria esses direitos fazendo


restrições “que proíbem qualquer um de te negar esses direitos ou de pedir que
renuncies aos direitos”. Isto é contraditório: se alguém tem um direito, então ninguém
pode, sem base legal, tomá–lo ou obrigar que se renuncie a ele. Numa licença o
detentor do copyright faz concessão de direitos e imposição de deveres ao licenciado.
Isto não é sinônimo de proteger.

Comparação entre as licenças

No que diz respeito à instalação, execução dos programas e aproveitamento dos


resultados produzidos por eles, BSD e GPL se equivalem: regulam apenas cópia,
modificação e redistribuição do software.

A BSD permite distribuição de código objeto ou executável, sem o fonte. A GPL exige
que seja fornecido o fonte, podendo–se cobrar pelo custo de reprodução, ou instruções
de como obtê–lo (dizer onde obter uma cópia via internet, por exemplo).

A BSD permite que o software seja incluído, no todo ou em parte, em outro software
distribuído sob uma licença diferente. Com GPL é tudo ou nada: se alguém escrever um
programa com milhares de linhas de código e incluir apenas algumas linhas de um
código coberto pela GPL o programa inteiro tem de ser distribuído sob GPL, a não ser
que se obtenha permissão explícita para a cópia (numa sutil contradição entre a licença
e o preâmbulo, segundo o qual são as licenças de software comercial que nos privam
da liberdade de compartilhar e modificar o software).

Uma conseqüência desagradável disto é a falta de reciprocidade: pode–se incluir código


distribuído sob licença BSD em software distribuído sob GPL, mas não o contrário.

Há outras sutilezas na questão. Mesmo que não se transcreva um código, o simples ato
de lê–lo e parafraseá–lo pode ser legalmente considerado cópia, segundo Stallman (em
mensagem pessoal). A simples leitura do código GPL para saber o que ele faz e
escrever algo compatível torna–se arriscada. Não se trata de mera suposição; isto já
aconteceu comigo duas vezes.

Argumenta–se em favor da GPL que licenças liberais como a BSD permitiriam


transformar software livre em proprietário. Isto confunde cópia com apropriação, o que
os fatos demonstram ser um erro. Todos os Unix comerciais incluem código do BSD,
mas isto não impede que ele continue sendo livre. O uso do código do TCP/IP do BSD
no Windows NT não tornou a Microsoft sua dona, apenas uma licenciada. Pode–se
argumentar que ao fazer mudanças e possíveis melhorias (do que eu duvido; se
pudessem fazer coisa melhor não teriam copiado) ela teria o dever de fornecê–las ao
público, como fora o código original.

Aí reside a diferença filosófica central entre as duas licenças: a GPL pressupõe que o
proprietário original tem direitos sobre as modificações feitas pelo licenciado, e o obriga
a fornecê–las; a BSD reconhece o direito autoral do licenciado sobre as modificações.
Numa prepondera a vontade do proprietário sobre a do licenciado, na outra cada um
tem direitos sobre aquilo que é de sua própria autoria.

Intencionalmente ou não, a GPL parece ótima para empresas que comercializem


software de código aberto. Ela permite obter melhorias e correções feitas por terceiros,
ao passo que dificulta a criação de produtos concorrentes com vantagens competitivas.

Isto não significa que a BSD implique em uso comercial sem contribuição à

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comunidade. Veja–se o exemplo da Apple, que usa código do FreeBSD no Darwin,


base de seu sistema operacional MacOS X: não só as modificações feitas no código
original são fornecidas ao projeto FreeBSD como os desenvolvedores são pagos pela
Apple para fazer isto. Inúmeros exemplos deste tipo existem, envolvendo também o
NetBSD e o OpenBSD.

Wilfredo Sánchez, líder inicial do Projeto Darwin, disse certa vez em uma entrevista que
prover as modificações de volta à comunidade é a melhor política, mesmo que isto não
seja obrigatório.

Ele cita o exemplo do sistema operacional NeXTStep, baseado no BSD 4.3, que ficou
em descompasso com a versão de código aberto, o que impossibilitou aproveitar
melhorias posteriores ocorridas no BSD. Com o Darwin, a Apple aprendeu a lição.
Sánchez é da opinião que a GPL, em sua forma atual, inibe o compartilhamento do
código ao invés de facilitá–lo.

Conclusões

Ao invés de tentar impor um conceito particular e unívoco de liberdade, a licença BSD


deixa a cargo de quem modifica e distribui um software o direito de escolher entre
compartilhar ou não suas contribuições. Isto não ocorre por ingenuidade ou conivência
com o “império do mal”, mas por uma postura mais realista e menos impositiva quanto
às razões pelas quais pessoas e empresas se engajam no desenvolvimento de
software.

Isto posto, qual é a melhor licença? Cada um deve escolher sua resposta. Minha
opinião fica clara no artigo, mas ela não é a única verdade. Devido ao limite de espaço,
muita coisa foi deixada de lado neste texto. [Webinsider]

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Este artigo foi escrito para o nº zero do BSD em Revista, lançado em maio de 2003 no
Fórum Internacional de Software Livre (Porto Alegre, RS).

Sobre o Autor

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uma-breve-comparacao/
Publicada em: 30/07/2005 0:00
Impresso em: 04/08/2008
[editor] vtardin@webinsider.com.br

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