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ANÁLISE DO FILME TOY STORY

INTRODUÇÃO:
O presente trabalho visa fazer uma breve revisão dos conceitos de objeto e fenômenos
transicionais de Winnicott e a correlação destes com Toy Story (a história do brinquedo), uma
animação de 81 minutos que conta a história dos brinquedos de um menino, Andy, e a sua
relação com eles. O protagonista do filme é Woody, o brinquedo preferido do garoto. A
escolha desse filme justifica-se pelo papel central que os brinquedos ocupam, bem como
pela relação destes com uma criança.
O FILME:
O conflito central do filme se justifica pelo medo que os brinquedos de Andy têm de serem
substituídos e esse temor pode ser observado em toda a trama do filme. Este conflito já é
demonstrado nos primeiros 10 minutos de filme em que Andy comemora seu aniversário e
seus brinquedos se sentem ameaçados pela possível substituição que pode acontecer
através dos presentes que Andy irá ganhar. Woody tenta acalmar todos os brinquedos
dizendo que eles não serão substituídos, e que eles podem conviver pacificamente com
todos os outros brinquedos que virão, e eis que Andy ganha um astronauta, Buzz Light Year,
Woody sente-se ameaçado, fica com ciúmes e passa a compartilhar do mesmo medo que os
outros brinquedos sentiam, mas de forma mais intensa, pois o garoto passa a dar mais
atenção a Buzz do que a Woody. E é nesse momento, motivado pelo ciúmes, que ele coloca
Buzz em uma armadilha e os dois acabam caindo nas mãos do vizinho torturador de
brinquedos, assim, eles passam alguns dias na casa desse menino tão temido por todos os
brinquedos. Durante esses dias, através de um comercial de televisão, Buzz descobre que
não é um astronauta, mas sim um brinquedo e que, conseqüentemente, não poderia voar.
Isso é motivo de decepção, pois ele acreditava que era um astronauta de verdade e que
estava na terra com uma missão de outro planeta.
Fica claro que esse vizinho é o vilão da história. Um dado importante é que em nenhum
momento do filme é dado um nome a esse vizinho. O que é mostrado é que seu quarto é
repleto de brinquedos assustadores, bonecos sem cabeça, sem olhos, seu quarto era como
um laboratório que era palco de destruição e experiências que ele fazia com seus
brinquedos.
Já caminhando para o final do filme, a família de Andy decide se mudar, mas seus dois
brinquedos favoritos, Woody e Buzz, estão perdidos na casa do vizinho, e o desfecho da
história se dá quando eles conseguem se salvar das mãos desse garoto e chegam, então, ao
destino desejado: os braços de Andy.
ANÁLISE:
Em primeiro lugar é necessário conceituarmos os termos “objetos transicionais” e
“fenômenos transicionais”, segundo Winnicott (1975), eles constituem a experiência
intermediária que a criança vivencia, é aquele espaço que existe entre o “polegar e o ursinho,
entre o erotismo oral e a verdadeira relação de objeto, entre a atividade criativa primária e a
projeção do que já foi introjetado, entre o desconhecimento primário de dívida e o
reconhecimento desta”. (O Brincar e a Realidade, pg 10). Esta área da experiência é aquela
que existe entre a realidade externa e interna. O autor afirma que ela é um lugar de repouso
que precisa existir a fim de manter as realidades interna e externa separadas, mas inter-
relacionadas.
O objeto transicional, segundo o autor, pode ser um ursinho, uma boneca ou um brinquedo
macio e ele costuma aparecer na hora de dormir e surge como uma defesa contra a
ansiedade do tipo depressiva. E este objeto precisa ser usado e gasto pelo uso diário. No
filme, fica claro que sempre que Andy vai dormir ou sair, ele faz uso de Woody, um boneco
de pelúcia em forma de cowboy com braços, pernas, cabeças e mãos maleáveis e dobráveis.
Winnicott (1975) afirma que o objeto precisa ter as marcas da experiência do brincar, ou seja,
a criança precisa dar suas marcas a este objeto, sejam estas um cheiro, um nome, uma
modificação do brinquedo ou simplesmente a marca do uso. Andy dá sua marca a Woody,
embaixo da sola do pequeno cowboy há a assinatura de Andy, percebe-se claramente que
foi uma marca dada pelo próprio garoto devido a forma da letra, característica de quem ainda
não foi alfabetizado.
A diferença que existe entre esses dois termos é que os fenômenos transicionais consistem
na experiência que a criança terá junto ao uso do objeto que não faz parte do seu corpo.
Assim, o balbucio de um bebê e a entoação que a criança faz de uma canção enquanto se
utiliza do objeto transicional são exemplos de fenômenos transicionais que o autor nos dá.
Um belo exemplo de fenômenos transicionais nos é dada logo no início do filme através de
uma música que o próprio Woody destina a Andy. Segue abaixo, a letra da canção:
Amigo estou aqui
Amigo estou aqui
Se a fase é ruim
E são tantos problemas que não tem fim
Não se esqueça que ouviu de mim
Amigo estou aqui
Amigo estou aqui
Amigo estou aqui
Amigo estou aqui
Os seus problemas são meus também
E isso eu faço por você e mais ninguém
O que eu quero é ver o seu bem
Amigo estou aqui
Amigo estou aqui
Os outros podem ser até bem melhores do que eu
Bons brinquedos são
Porém, amigo seu é coisa séria
Pois é opção do coração
O tempo vai passar
Os anos vão confirmar
Às três palavras que eu proferi
Amigo estou aqui
Amigo estou aqui
Amigo estou aqui
A letra dessa música parece demonstrar uma das qualidades especiais da relação, as quais
Winnicott enumera e esta característica diz que, para a criança, o objeto transicional tem vida
própria, deve parecer que é ele quem dá calor, quem protege a criança. Dentro da teoria
winnicottiana essa é a resposta ao desamparo diante da ansiedade depressiva, assim, a
criança pode encontrar no objeto transicional, a sua defesa. A música representa essa
realidade própria do objeto, é como se o próprio boneco Woddy estivesse dando certeza da
sua proteção a Andy.
Outras qualidades especiais na relação que o autor nos indica são as seguintes: o bebê
assume uma certa onipotência sobre o objeto; este é acariciado de forma afetuosa e é
“excitadamente amado e mutilado”; ele só pode ser mudado pelo bebê, ele sobrevive aos
ataques, a agressividade que lhe é destinada; segundo o nosso ponto de vista ele é oriundo
do exterior, mas para o bebê não o é, e também não se origina no interior, não é, portanto,
uma alucinação; aos poucos o objeto é descatexizado, isso não quer dizer que ele
esquecido, mas sim que ele perde o significado.
A característica de que o objeto tem uma realidade própria pode ser observada durante todo
o filme, visto que, o enredo se constrói em cima dessa realidade que faz parte aos
brinquedos. Sendo assim, eles ganham vida e relacionam-se entre si. O quarto do menino
Andy é repleto de brinquedos que cumprem sua função de acordo com o que são. Por
exemplo: os soldados estão sempre prontos para a defesa de todo o grupo, o cowboy Woody
é visto como o líder, o astronauta ganha seu destaque devido a tecnologia que dele provém.
Enfim, a história é construída mais em função da realidade dos brinquedos do que em função
da realidade de Andy.
Outro detalhe importante é a figura do vizinho-vilão, um menino que, através de explosões,
experiências e destruição ele tortura seus brinquedos. Como já foi mencionado, em nenhum
momento o nome desse personagem é citado, ou seja, não é lhe dado um nome durante o
filme, algo que o identifique, e isso chama a atenção, pois parece estar diretamente ligado
com a relação que ele possui com seus “objetos”, um tipo de ligação mais destrutiva do que
criativa, oposta a ligação que Andy mantém com seus brinquedos.
Apesar das poucas aparições que a mãe de Andy tem durante o filme, podemos deduzir que
ela se enquadra no que Winnicott chama de mãe suficientemente boa, pois se observa que
sua participação na história está sempre ligada ao relacionamento de Andy com Woody. Em
determinado momento da história, Andy, como era de costume, procura seu brinquedo antes
de sair e não consegue achá-lo, é nesse instante que sua mãe demonstra paciência até que
o menino encontre seu objeto. Winnicott afirma que a mãe suficientemente boa ajuda o bebê
a progredir do princípio do prazer para o princípio da realidade. O autor afirma:
A 'mãe' suficientemente boa (não necessariamente a própria mãe do bebê) é aquela
que efetua uma adaptação ativa às necessidades do bebê, uma adaptação que diminui
gradativamente, segundo a crescente capacidade deste em aquilatar o fracasso da
adaptação e em tolerar os resultados da frustração. (pg 24)
O autor continua afirmando que a tensão que existe entre a realidade interna e externa
estará presente na vida do ser humano por toda a sua vida e que a área intermediária da
experiência será a responsável pelo alívio dessa tensão. E esta área está ligada ao brincar
da criança pequena e que mais tarde será expressada pelas artes, religião, filosofia. É
através dessa área que a criança se relacionará com o mundo.
A área intermediária da experiência está sob o domínio da ilusão, ou seja, os objetos
transicionais e os fenômenos transicionais também pertencem a ilusão e o papel da mãe
nesse estágio do desenvolvimento é o de iludir a criança a fim de que ela acredita que aquilo
que criou realmente existe.
CONCLUSÃO:
Podemos concluir, através do filme e sua análise, que o enredo de Toy Story é um fenômeno
transicional propriamente dito, visto que durante todo o filme a história é construída em
função da realidade dos brinquedos. O longa-metragem pode ser considerado uma metáfora
da relação entre a criança e o brincar. Metáfora, pois ilustra de maneira lúdica o que
acontece na área intermediária da experiência. Não é sabido se John Lasseter, diretor do
filme, já leu Winnicott, mas o filme retrata de forma bela como se dá a relação de uma
criança com seus brinquedos. Por último, gostaria de ressaltar que a cena final do filme se
passa dentro do carro da mãe de Andy, onde o menino e sua família estão se mudando e
dirigindo-se a sua nova casa, e neste momento os únicos brinquedos que vão no banco
traseiro com o garoto são: Woody e Buzz. Os outros brinquedos são transportados pelo
caminhão de mudança. Sendo assim, fica claro que, principalmente Woody, estava ali com o
garoto dando segurança e proteção, portanto, cumprindo sua função de objeto transicional
num último momento em que o garoto mostra sua relação com seu brinquedo favorito.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
WINNICOTT, D. W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora. 1975.
Toy Story. John Lasseter. Pixar Animation Studios, Buena Vista International, 1995. DVD, 81
minutos, som, cor, legendado.

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