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Magia do Caos
por Adrian Savage
Do passado mais sombrio até hoje, a imagem do sábio, para aqueles homens, tem
sido a de alguém que sabe a lei secreta escondida por debaixo do aparente mundo
arbitrário a sua volta. Sua visão do mago tem sido a de alguém que poderia
explorar aquela lei para subjugar, à sua vontade, o mutável evento da vida.
Comecemos pela Europa Medieval. Foi durante este período que três ramos do
ocultismo desenvolveram aquilo que ainda influencia o pensamento mágico
ocidental — a Wicca, o Satanismo e a Magia Cerimonial.
Apesar de ter retido muito de sua tendência — Lojas, equipamento caro, visão
hierárquica do Universo — ao contrário do Satanismo, a Magia Cerimonial evoluiu e
modificou—se. Os agentes dessa mudança foram a Ordem Hermética da Golden
Dawn e seu mais conhecido membro Aleister Crowley. A primeira mudança veio em
relação às entidades as quais se dirigiam. Enquanto mantinham as hostes judaico-
cristãs, a Golden Dawn também se dirigia a deuses do panteão egípcio e greco-
romano, sempre trajando túnicas e adornos sugestivos das deidades invocadas.
Depois que Crowley seguiu por conta própria, continuou a dirigir-se a antigos
deuses. Mais adiante, ele negou a existência de um poderoso Ente Supremo no
topo da hierarquia universal. Proclamou que o objetivo do Mago era "alcançar o
Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião", satisfação de "verdadeira
vontade", e a realização da própria divindade. Apesar de alguns magos terem sido
influenciados pela própria obra de Carl Jung, que considerava todos os deuses
como imagens arquetípicas projetados por um inconsciente coletivo, e por filosofia
orientais, as quais mencionaremos mais adiante; outros teriam começado a tomar
uma abordagem mais psicológica de seus trabalhos. Existe pouca dúvida de que
Crowley acreditasse que o Sagrado Anjo Guardião fosse uma entidade externa à
própria pessoa, uma das inúmeras inteligências operando de outras dimensões da
existência. Para Crowley, a realização da divindade do mago não significa sua
absorção no absoluto, significava a realização de sua linha de evolução individual.
Incansavelmente, Crowley trabalhou — escrevendo novos rituais em Inglês,
encontrando a Astrum Argentum e reestruturando a Ordo Templi Orientalis,
adaptando conceitos orientais, sintetizando as várias tradições mágicas — Grega,
Egípcia, Hermética, Cabalística e Maçônica — em um novo sistema, o qual publicou
em infindáveis livros. À parte de trazer a Magia de volta aos olhos do público, a
maior contribuição de Crowley foi sua franca admissão da verdadeira fonte do
poder mágico — a energia sexual. Tendo proclamado abertamente o segredo,
revelou ao escrivão o que se segue: reconhecendo o uso de drogas e indulgências
orgiásticas para facilitar a entrada em estados alterados de consciência;
desposando Thelema, a filosofia da absoluta liberdade pessoal (ou abuso de
liberdade, como seus críticos o acusaram) e intitulando-se a "Besta 666", Crowley
empenhou-se em chocar. Ao fazê-lo, ficou exposto a desnecessários mal
entendidos e, em muitas esferas, foi estigmatizado como um Praticante Negro. A
despeito de sua diabólica reputação, e não obstante a existência de idéias
norteadas por uma tradição judaico - cristã - notadamente aquelas de Dion Fortune
e Israel Regardie, ambos cabalistas — Crowley é amplamente considerado a fonte
da qual flui toda Magia Cerimonial Moderna.
Do trabalho de Carl Jung precisamos dizer pouco, exceto que sua teoria dos
arquétipos — imagens universais que simbolizam as experiências humanas e
aspectos da mente humana — determinou definitivamente a visão de todos os
deuses da Magia do Caos. Apesar de que a maioria dos praticantes do Caos poder
considerar a ciência como apenas um outro sistema, não podem ajudar, mas ser
influenciado pelas pesquisas parapsicológicas, as quais sugerem que a habilidade
psíquica pode ser função da mente humana — tornando possível a idéia de poder
mágico sem assistência desencarnada. A física do Quantum, com suas partículas
indeterminadas e, na maioria das vezes, teórica, deve encontrar um lugar
confortável em seu coração. Mas a filosofia oriental é a sua maior fonte, e não
podemos entender sua definição especial do Caos — uma pedra angular de suas
idéias — e como difere da tradicional visão Ocidental, sem entender o pensamento
Asiático.
O modelo integral da Magia do Caos pode ser facilmente observado com um rápido
vislumbre dos pensamentos de um homem que seus praticantes consideram o pai
da Magia do Caos — Austin Osman Spare. Outrora membro da Golden Dawn e
associado a Crowley, até que uma desavença rompeu a relação deles, Spare
incessantemente denunciou a religião, a ciência e Magia Cerimonial. Seus ataques a
todos os três eram baseados na mesma premissa: em um Universo que desafia
descrição, todos os sistemas de crenças somente podem ser falsos. Desde que o
homem é parte do Universo e, portanto, Deus, tudo que a religião pode lhe
oferecer são falsos ídolos que o impedem de perceber sua verdadeira divindade.
Desde o início Spare viu que a ciência é uma forma de religião, uma tentativa de
designar o inominável, um sistema de categorias que rejeita tudo que não pode
encerrar. A Magia Cerimonial, ele considerou como uma perda de tempo
demasiadamente complicada — perpetrada sobre o ingênuo por charlatões
gananciosos — que impede o homem de descobrir sua verdadeira fonte de poder,
que está dentro dele mesmo. Spare pregou a necessidade absoluta de simplicidade
em todos os trabalhos mágicos e, ao invés de prece e ritual, ele considerava como
técnica mágica máxima a criação e meditação sobre o sigilo — um desenho pessoal
de letras estilizadas expressando um desejo, ocultando-o, contudo, da mente
consciente. Os Sigilos têm tradicionalmente, sido o desenho de talismãs mágicos,
mas Spare afirmava que seus poderes não estavam intrínsecos às linhas e figuras
do desenho — seus poderes vinham de seus efeitos sobre as camadas mais
profundas da mente inconsciente. Portanto, cada uma deveria criar seu próprio
desenho, o qual teria de ser suficientemente simples para ser facilmente
visualizado e suficientemente complexo para que a mente consciente esqueça seu
significado original.
Em seu trabalho sobre sigilização, nós observamos a influência Oriental nas idéias
de Spare. Embora o Sigilo deva ser criado sob a influência de um ardente desejo, e
deva ser visualizado e meditado enquanto a obsessão persistir, pode não ter efeito
mágico até que tenha-se esgotado o desejo, esquecido o significado do Sigilo, e
tornando-se completamente indiferente ao desejo e ao símbolo que ele representa.
Para Spare, a meditação significa manter o Sigilo na imaginação até que ele
gradualmente exclua todos os outros pensamentos e, então desbotar-se da
consciência, deixando a mente vazia — o polo oposto para fixar-se a mente sobre
um símbolo, avaliando seu significado, repelindo outras idéias, e focando toda sua
vontade concentrada em sua realização. Qualquer um que tenha um conhecimento
superficial do Tantra Hindú ou Budista reconhecerá isto como a prática do Tantrika,
aqueles que realizam idênticas visualizações sobre os Yantras — desenhos
geométricos representando forças cósmicas e psicológicas. Os Yantras são os
modelos básicos por trás das Mandalas — e considera a satisfação de um desejo
como um passo em direção ao desprendimento de todos os desejos.
Como se aquilo não fosse suficiente, o conceito de Universo de Spare parece com
as idéias asiáticas reformuladas. O absoluto ele chamou Kia — uma palavra que
não tem nenhum significado em nenhuma língua ocidental e assemelha-se à
palavra japonesa "Ki", que significa o sopro vital por trás de toda a vida. Percebe o
quão de perto as palavras de Spare ecoam naquelas de Lao Tzu. Spare: "De nome,
não tem necessidade, para designá-lo, e eu o chamo Kia...o Kia que pode ser
expresso em idéias concebíveis não é o Kia eterno". Lao Tzu: "o Tao que pode ser
dito não é o Tao...Dele mesmo, não tem nome...por falta de palavra melhor, eu o
chamo 'o Tao'". O Kia — que poderia tão facilmente ser chamado Caos — está além
de descrição, um todo completo, sem partes divisíveis, um zero inconcebível.
Contudo, ele se manifesta em dualidades aparentes — macho e fêmea, luz e
escuridão, nascimento e morte. Na fórmula de Spare, do nada vem dois. Mas os
pólos de cada dualidade não são absolutos neles mesmos; cada um é como um
braço, unidos por um tronco, o qual neste caso não pode ser descrito. As
dualidades sempre surgem juntas. Alegria emerge com angústia, fé com dúvida.
Portanto, a mente não pode evitar o conflito e a contradição. A solução de Spare
não é para escolher entre impulsos opostos, mas observá-los simultaneamente —
um estado mental que fixa sua consciência, por exemplo, sobre a aurora e
anoitecer, horas crepusculares que não são nem dia nem noite. "Nem-Nem" de
imediato lembra o hindú "Neti — Neti", nem isto/nem aquilo, a dialética negação de
Nargajuna pelo qual nada pode ser dito para existir ou não existir, a não escolha do
eremita taoísta, e a percepção não discriminante do Mestre Zen. Ele também
insistir que o ego permanece num estado de auto-amor — que não deve ser
confundido com narcisismo — um estado onde é absorvido com felicidade na
alegria de sua própria existência e não tem necessidade de exaltar-se
continuamente por infindáveis conquistas e aquisições. Como diz os Upanishads: "
Permita que o Eu (self) encontre refúgio no Eu (self)".
Durante sua vida, Spare — um artista brilhante, que produziu uma série de
notáveis desenhos automáticos — nunca recebeu a atenção que foi dado a seu
antigo companheiro, Crowley. Os pequenos comentários que faziam eram em sua
maioria ruins. Os críticos de arte odiavam seu trabalho e muitos ocultistas,
inclusive Crowley, o consideravam um Mago Negro. Suas idéias — que ele
comunicou em pequenos livros, escritos em um estilo exortativo, denunciatório e
declamatório reminescentes ao "Assim falava Zarathrusta" — foi apenas
recentemente dada a consideração que eles mereciam.
Talvez este seja o mais alto cumprimento para um homem que detestava que
aqueles responsáveis pela redescoberta de seu trabalho não o tomam como uma
autoridade absoluta. Enquanto que Ray Sherwin, Julian Wilde, e "O Círculo do
Caos" possam louvar o trabalho de Spare, o consideram o ponto de partida, uma
influência sobre um precursor de suas próprias diligências. Ao contrário dos
seguidores de Crowley, eles não transformaram Spare num "Asno Dourado". Os
discípulos de Spare — como eles provavelmente odiariam este termo — diferem
dele tanto quanto eles diferem de cada um deles. A maior diferença é que os
sucessores de Spare, enquanto o criticam, não rejeitam ritual fora de controle.
Do "Círculo do Caos", nós podemos dizer muito pouco. São uma coleção eclética de
diversos ocultistas que reuniram-se em meados dos anos sessenta — até certo
ponto em reação a crescente sectarismo e mercantilismo com o mundo do
ocultismo. Criaram um conjunto de rituais tecendo diferentes elementos das
tradições de vários de seus membros. Até então, tinham somente publicado um
livro, The Rites of Chaos, com direitos em nome de "Paula Pagani". É uma coleção
de rituais sazonais, celebrações rimadas dos tradicionais dias festivos da Wicca.
Originalmente conhecido como " O Círculo Wyrd", o "Círculo do Caos" é
basicamente em estilo da Wicca, se não completamente em substância.
Em seu sentido mais verdadeiro, o mesmo não pode ser dito de Julian Wilde. Ele se
considera um Wicca Tântrico Xamânico e é exatamente tão eclético quanto esta
designação subentende. Por sua própria conta estudou a Wicca, a Cabala, o
Shamanismo, o Zen e o Budismo Tântrico Tibetano, usou o sexo, as drogas e o
Rock n'Roll como auxiliares para alcançar o êxtase, e foi influenciado pelos
apontamentos de Carlos Castañeda e Michael Moorcook. Seu "Grimoire of Chaos
Magick" — uma fragmento de seu Livro das Sombras pessoal que ele tinha
publicado como uma coleção de sugestões para almas da mesma opinião — é um
livro delgado, ainda que extraordinário. Seu estilo é ainda mais feroz e
denunciatório do que o de Spare. Suas invocações são versos livres, cheias de
imagens notáveis transmitidas em uma linguagem bárbara, ainda que majestosa —
entre suas linhas vislumbra-se um homem que sobreviveu a quase todo tipo de
catástrofe pessoal. Como se para provar a sinceridade de compromisso ao
ecletismo, seu livro contém ao mesmo tempo um áspero ataque sobre e um ritual
de — Aleister Crowley. Wilde é o fundador da Igreja de Ka'atas, uma entidade que
não existe no sentido legal e é somente um nome para aqueles que mais ou menos
compartilham de sua visão. Ele é verdadeiramente, como descreve-se, um
Guerreiro do Caos.
Ray Sherwin é talvez o mais convencional dos praticantes do Caos. Como membro
da I.O.T. — uma Loja Inglesa que rompeu com a O.T.O. — é um mago
Cerimonialista. Ao contrário de Spare e Wilde, seus livros são escritos em um estilo
calmo e analítico, sistematicamente explorando pontos de interesse prático para o
mago. Um ponto que merece atenção é que a I.O.T. — ao contrário de outras
praticantes do Caos — considera o Caos como o fim de uma dualidade, o outro fim
sendo Cosmo/Ordem. Sherwin não parece concordar plenamente com esta visão,
mas não a rejeita completamente, tomando uma postura de talvez sim/talvez não.
Após uma visão geral da Magia do Caos, agora iremos examinar detalhadamente
como seus praticantes diferem do ocultismo ortodoxo e um do outro. Infelizmente,
teremos de limitar a maior parte desta discussão à visão de Spare, Wilde, e
Sherwin, já que o "Círculo do Caos" somente publicou rituais sazonais.
A Fonte de poder: O que o mago considera como fonte de seu poder determina o
resto de sua prática. Obviamente, o Satanismo acredita que seu poder é um
presente de seu mestre, o Diabo. O Cerimonialista acredita que seu poder deriva ,
por meio de uma série de entidades astrais, em última instância do Senhor das
Hostes, o Deus mais elevado — um crowleano dia que somente os seres astrais
existem e dão poder. E as adeptas da Wicca colocam sua fé na Deusa, no Deus, e
nos elementais. Mas, todos os praticantes do Caos concordam que as energias
ainda não descobertas no subconsciente humano são a verdadeira fonte da Magia.
Eles compartilham esta visão com a filosofia Oriental, com a parapsicologia e com
modernos teóricos da Magia, como Issac Bonewitz.
Como podemos ver, os praticante da Magia do Caos são unidos e distintos uns dos
outros pela sua ênfase na experimentação e experiência individual. A Magia do
Caos não é um tipo novo ou diferente de Magia. É um conjunto de princípios de
trabalho — alguns novos, outros antigos, — os quais o praticante individual pode
reintepretar criativamente para adaptá-lo suas próprias necessidades.
Que tipo de efeito tal abordagem personalizada terá sobre o ocultismo americano é
difícil de dizer. Quem pode prever o Caos? Pode muito bem encantar o
individualismo americano. Pode comprovar uma ponte útil entre o Ocultismo
Oriental e Ocidental — uma ligação que no passado foi sabotada pela procura do
bajulador homem branco liberal pelo selvagem exótico — a atávica incapacidade do
homem branco conservador em aceitar a sabedoria de qualquer um que não se
pareça com ele ou possua sua tecnologia, e o complexo de inferioridade que leva os
professores asiáticos a tratar os Ocidentais como ricos atrasados. Na pior das
hipóteses pode comprovar somente outro slogan expelido pelos mentecaptos
Mohawks que, sendo tão estúpidos para ver o verdadeiro Caos na ordem do dia a
dia, invoca o Caos ao quebrar as garrafas de cerveja na calçada e vomitando na
entrada das outras pessoas. Até mesmo a possibilidade ameaçadora é tolerável,
contudo, se a Magia do Caos silenciará às declamações dos maxi Wicca matriarcais,
finaliza a necessidade de autenticar as tradições antigas que foram criadas dois
dias depois por bruxas com mentalidade étnica, e põe fim ao incessante debate
alimentado por facções ocultistas rivais sobre quantos planos a realidade possue e
qual é o verdadeiro esquema de cor com que a magia deve trabalhar — todos os
quais atualmente dominam o ocultismo Americano. Se a Magia do Caos pode parar
os Cerimonialistas americanos de lamber os pés de suas estátuas de Aleister
Crowley...mas, talvez algumas coisas são demais para de desejar.
Não importa. Qualquer coisa que possa advir, os Ingleses estão nos invadindo de
novo.
O Caos Domina
Traduzido por A-Baphometis-O