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CIDADES HÍBRIDAS:
Porto Alegre, RS
Novembro de 2006
Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons
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94305, USA.
[...] vi o Aleph, de todos os pontos, vi no Aleph a terra, e
na terra outra vez o Aleph, e no Aleph a terra, vi meu
rosto, minhas vísceras, vi teu rosto e senti vertigem e
chorei, porque meus olhos haviam visto esse objeto
secreto e conjectural cujo nome usurpam os homens, mas
que nenhum homem olhou: o inconcebível universo.
Este trabalho propõe-se a estudar o aplicativo Google Earth como uma forma de
escrita colaborativa sobre o urbano. Para isso, entende-se a cidade contemporânea como um
espaço híbrido conectado a múltiplas virtualidades que possibilitam a integração entre os
lugares reais e as redes telemáticas que caracterizam uma Sociedade em Rede. Com base na
observação de dados coletados da Google Earth Community sobre a cidade de Toronto, no
Canadá, este trabalho propõe uma nova tipologia para a análise do conteúdo publicado no
aplicativo. Revela também duas tendências principais, de espelho e de narrativa, no uso da
Google Earth Community de modo a aumentar o espaço físico e reforçar identidades
comunitárias e locais na rede mundial de computadores.
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 11
3 O GOOGLE EARTH........................................................................................................ 37
3.1 Globo virtual.................................................................................................................. 38
3.1.1 Uma visão de pássaro ................................................................................................. 38
3.1.2 Navegação .................................................................................................................. 40
3.1.3 Sistema de Informações Geográficas........................................................................... 42
3.1.4 Outras funcionalidades ............................................................................................... 46
3.2 Google Earth & Google Maps........................................................................................ 47
3.3 Críticas e Limitações...................................................................................................... 48
3.4 Google Earth Community .............................................................................................. 49
3.4.1 Formas de visualização............................................................................................... 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 80
INTRODUÇÃO
Assumindo estas páginas como sendo justamente uma “casa” na internet, em 1996 o
serviço de hospedagem GeoCities organizava seu sistema em bairros virtuais, cada qual
separado de acordo com o conteúdo que ali fosse publicado: “Silicon Valley” para home
pages que falassem de computadores e tecnologia; “Area 51” para os adeptos da ficção
científica; “Paris” para a poesia e as artes. O serviço propunha-se a criar, como seu próprio
nome sugeria, uma verdadeira cidade on-line, chamando seus usuários de Homesteaders –
uma referência ao Homestead Act de 1862, legislação através da qual o governo dos EUA
passou a distribuir as novas terras do oeste americano.
passa a visualizar e comentar em seus passeios pela rede os lugares físicos por onde anda;
anotar e inscrever-se em duas noções de espaço, simultaneamente no real e no virtual. Ao
mesmo tempo, vê-se diante da rápida expansão das tecnologias móveis que estão em contato
com as redes globais a todo o momento. A cada dia são lançados novos telefones celulares,
pequenos gadgets e aparelhos diversos que interconectam mensagens, finanças e amigos.
É claro que esta forma de conexão não substituiu os processos da WWW por inteiro, e
tão pouco o fará de imediato. Trata-se, porém, de observar uma nova dinâmica que começa a
tornar-se parte do dia-a-dia dos usuários dos grandes centros urbanos, transformando a
maneira como utilizam-se tanto do virtual quanto dos espaços da cidade. Não mais uma
cibercidade – com suas ruas replicadas nas estruturas da rede – mas uma cidade que é cyber,
onde a rede instala-se como uma outra rua sobreposta aquelas já existentes.
Diante da realização dessas estruturas, as possibilidades para seu estudo são vastas e
as questões que sugerem as mais diversas: Como descrever esta cidade que passa a estar
interligada à rede através das tecnologias de informação? De que modo é possível navegar
entre duas esferas de espaço que antes julgavam-se distintas? Como as pessoas, saindo da
posição de meros usuários e passando a vivenciadores de uma realidade local imbricada em
fluxos da rede, transformam-se e relacionam seu corpo à virtualidade? E por fim, quais as
implicações desta simbiose entre a rede e a cidade para uma concepção de Estado e da própria
democracia?
Desta forma, no primeiro capítulo faço uma breve revisão teórica acerca da condição
contemporânea, observando noções de sociedade, espaço e território, e, por fim, elaborando
uma concepção de cidade que é híbrida, múltipla e também imaginária. Faço isso para
apresentar a possibilidade de subversão e redefinição social que se inscreve no emaranhado
do tecido urbano-virtual. A partir de exemplos de manifestações artísticas que apropriam-se
da cidade para apresentar novas perspectivas de vivência tanto no espaço físico quanto no
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espaço virtual, indico a necessidade de observar uma aplicação aberta como o Google Earth
para inquirir sobre os usos públicos desta interconexão.
Por fim, no terceiro capítulo deste trabalho faço uma análise de uma série de
placemarks coletados sobre a cidade de Toronto, no Canadá. Esta amostra de dados revela
algumas tendências na maneira com que as pessoas estão utilizando a Google Earth
Community para referenciar o urbano. Proponho assim uma nova tipologia para definir o
conteúdo publicado quanto ao seu interesse e fator comunicacional, e observo, a partir desta
classificação, as possibilidades de transformação social que tal uso do entrecruzamento de
espaços oferece nas estruturas contemporâneas.
Internacional Situacionista
O lugar é um conceito que pode ser historicamente inscrito nas sociedades ocidentais.
Na Idade Média, a organização do espaço era hierárquica e dicotômica. Havia o sagrado e o
profano, a cidade e o rural. Tratava-se, segundo a genealogia proposta por Foucault em seu
texto Des Espaces Autres, um espaço de localização. A partir do século XIV, da expansão das
cidades mercantis e da retomada dos questionamento das relações entre o homem e os céus,
conhecimento e corporeidade, a idéia de espaço também viu-se transformada. Galileu, ao
abrir os olhos para uma noção de infinito, cunhou a possibilidade de um lugar que é amplo e
ele próprio extensível a este infinito. A humanidade tornou-se habitante de um espaço de
extensão, caracterizado mais pelos seus movimentos do que pela fixação a um local.
We are in the epoch of simultaneity: we are in the epoch of juxtaposition, the epoch of
the near and far, of the side-by-side, of the dispersed. We are at a moment, I believe,
when our experience of the world is less that of a long life developing through time
than that of a network that connects points and intersects with its own skein. One
could perhaps say that certain ideological conflicts animating present-day polemics
oppose the pious descendents of time and the determined inhabitants of space (p.22). 1
1
Tradução do autor: Estamos na época da simultaneidade: estamos na época da justaposição, na época do perto e
do longe, do lado a lado, do disperso. Estamos em um momento, acredito, em que nossa experiência do mundo é
menos a de uma longa vida se desenvolvendo através do tempo do que aquela de uma rede que conecta pontos e
se cruza com sua própria trama. Pode-se dizer, talvez, que certos conflitos ideológicos que animam polêmicas
atuais opõem os fiéis descendentes do tempo aos determinados habitantes do espaço.
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Com esta revisão será possível melhor compreender o fenômeno atual de conexão e de
rede onde irão surgir aplicativos como o Google Earth. Esta discussão não pretende, é claro,
esgotar a temática do espaço, das cidades, e da experiência urbana, sendo assim somente uma
necessária contextualização para a posterior análise desta ferramenta. Apesar disto, torna-se
essencialmente caminho a ser trilhado para a continuidade dos estudos nesta área.
2.1 Sociedade
As novas estruturas contemporâneas têm nas redes telemáticas seu principal elemento
constituinte. Expandindo sobre uma terminologia anterior que definia a existência de uma
Sociedade da Informação, Castells irá dizer que são os fluxos desta informação que são
fundamentais e estabelecem as condições para uma Sociedade em Rede: um sistema
interconectado de relações complexas que determinam as estruturas sociais, políticas e
econômicas de nossa época (Castells, 1999). Diante desta organização, tanto noções de
tempo, quanto de espaço são alteradas e adquirem novos significados. A cidade, lugar da
comunidade e da experiência, passa a organizar-se sob o domínio de um espaço imaterial de
fluxos, e nela o próprio tempo é comprimido, alterado ou simplesmente aniquilado por
inteiro.
interconectado em tempo-real através de uma rede global, que “define o novo espaço como as
ferrovias definiram as ‘regiões econômicas’ e os ‘mercados nacionais’ na economia
industrial” (Castells, 1999, p.437). Por outro lado, o mesmo autor é enfático ao dizer que a
revolução de TI não é o único fator sobre o qual a Sociedade em Rede estaria baseada. Não é
uma questão de determinismo dos novos aparatos tecnológicos, tendo em vista que a
redefinição dos sistemas capitalistas em torno de uma agenda neo-liberal e as significativas
mudanças culturais após a década de 60 também tiveram influência nestas transformações.
I propose the notion that a fundamental struggle in our society is around the
redefinition of time, between its annihilation or desequencing by networks, on one
hand, and, on the other hand, the consciousness of glacial time, the slow-motion, inter-
generational evolution of our species in our cosmological environment (Castells,
1997, p.146).3
2
“Timeless time”
3
Tradução do autor: Proponho a noção de que o conflito fundamental em nossa sociedade é em torno da
redefinição do tempo, entre a sua aniquilação ou fragmentação pelas redes, por um lado, e, por outro, a
17
Ainda que a lógica espacial de um lugar histórico seja mantida, tanto o espaço de
fluxos, quanto o “tempo sem tempo” são dominantes por causa da articulação das elites em
torno do seu paradigma. Enquanto fomenta um processo de conexão entre o local e o global, a
rede e seus fluxos também conduzem a uma segregação social, onde as distâncias são infinitas
em contraponto à distância nula daqueles que estão integrados à ela. Castells identifica uma
manifestação espacial das elites, sugerindo que a dominação só torna-se possível a partir da
desarticulação dos grupos sociais estabelecidos.
Deste modo, é possível definir o espaço de fluxos por pelo menos três elementos
primordiais: os circuitos eletrônicos que conectam os sistemas de informação e criam uma
rede global; os nós e centros de comunicação constituintes desta rede; e a organização
espacial das elites dominantes.
Tal estrutura não significa um fim da cidade, perdida como mera localização em meio
aos não-significados da rede, vendo que uma nova Cidade Informacional é definida no
predomínio dos fluxos. Esta não adquire forma específica, mas surge como uma nova
dinâmica para as cidades, onde o local passa a integrar e ser modificado pelo global. Apesar
disto, Castells enxerga no espaço urbano um processo de liberação dos códigos culturais e a
redefinição do próprio valor do design e da arquitetura, refletindo uma aistoricidade e
consciência do tempo glacial, da evolução entre gerações e em câmera lenta da nossa espécie em nosso ambiente
cosmológico.
18
[...] a arquitetura que parece mais repleta de significado nas sociedades moldadas pela
lógica do espaço de fluxos é o que eu chamo de “a arquitetura da nudez”. Ou seja, a
arquitetura cujas formas são tão neutras, tão puras, tão diáfanas, que não pretendem
dizer nada. E ao nada dizer, elas comparam a experiência com a solitude do espaço de
fluxos. Sua mensagem é o silêncio (p.445).
Augé, em uma visão similar ainda que um pouco mais distópica4, apresenta o conceito
de não-lugares: efêmeros espaços de passagem que são super-individualizados e provisórios.
São as grandes cadeias de hotéis que replicam um visual estanque ao redor do globo, os
saguões de aeroportos e espaços públicos onde não há memória ou qualquer sentimento de
coletividade. O autor atenta para a problemática da individualidade e da solidão, constatando
que estes não-lugares “mobilizam o espaço extraterrestre para uma comunicação tão estranha
que muitas vezes só põe o indivíduo em contato com uma outra imagem de si mesmo” (Augé,
1994, p.75). Fahmi, citando Sotokols e Shumaker, identifica na proliferação destas zonas de
trânsito e na atual condição de mobilidade (Urry, 2000) um fenômeno de não-pertencimento
onde há um distanciamento entre indivíduo e ambiente, levantando assim questões de
autenticidade, identidade e significação dos próprios territórios (Fahmi, 2001).
4
A “distopia” é um termo apropriado da ficção científica como a anti-utopia. Realidades futuristas de dominação
como aquelas criadas por Orwell ou Huxley, estados completamente privatizados como em ‘Snow Crash’, de
Stephenson, ou até mesmo futuros “perfeitos” e igualmente assustadores, como mostrado por Gibson em
‘Gernsback Continuum’. Para mais, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Dystopia.
19
2.2 Território
A subversão de um domínio dos fluxos passa necessariamente pela apropriação dos
mesmos pelo cidadão. Pode-se dizer que é preciso um processo de territorialização na rede de
modo a reforçar particularidades e identidades locais. Há portanto a necessidade de inserir o
indivíduo em um contexto geográfico e territorial (Haesbaert, 2004).
É importante notar que não trata-se aqui de uma visão de território como simples
presença, e tampouco de desterritorialização como apenas deslocamento. Haesbaert procura
desmistificar a idéia de uma estrutura contemporânea des-espacializante, e critica as demais
ciências sociais (isto é, aquelas além da Geografia) por terem redescoberto o território apenas
para falar do seu fim – o que Guattari vai chamar de um fascínio da desterritorialização
(p.28). Contrário à idéia de dissociação entre tempo e espaço – a partir do qual “o ‘puro’
espaço que, por não existir nunca como tal, quando isolado do tempo simplesmente
desaparece” (p.155) –, Haesbaert sustenta que o predomínio das redes e dos fluxos não
significa necessariamente um processo de desterritorialização, visão esta que considera
simplista demais.
20
[...] pensar estes agenciamentos é, sem dúvida, pensar em uma Geografia, uma
geografia das multiplicidades e das simultaneidades como condição para o próprio
movimento, a própria História (ou devir), pois o agenciamento é, antes de tudo,
territorial (Haesbaert, 2004, p.117).
Assim como Castells quando este justapõe o espaço de lugares ao espaço de fluxos,
Haesbaert propõe duas lógicas de territorialização: o território-zona e o território-rede. O
primeiro diz respeito ao controle de áreas e espaços físicos, e o segundo ao controle de fluxos
na rede. Ambas não são noções excludentes, e assim como os agenciamentos árvore-rizoma,
são constituídos e reconstituídos por movimentos recursivos. Estes seriam acompanhados,
ainda, por aglomerados de exclusão, noção que contempla aqueles espaços desencaixados de
um ou outro processo territorializante.
[...] o grande dilema deste novo século será o da desigualdade entre as múltiplas
velocidades, ritmos e níveis de des-re-territorialização, especialmente aquela entre a
minoria que tem pleno acesso e usufrui dos territórios-rede capitalistas globais que
asseguram sua multiterritorialidade, e a massa ou os “aglomerados” crescentes de
pessoas que vivem na mais precária territorialização ou, em outras palavras, mais
incisivas, na mais violenta exclusão e/ou reclusão socioespacial (p.372).
5
Tradução do autor: A medida que redes de comunicação informacionais se difundem na sociedade, e à medida
que a tecnologia é apropriada por uma variedade de atores sociais, segmentos do espaço de fluxos são
penetrados por forças de resistência à dominação, e por expressões de experiência pessoal.
23
Há pouco mais de trinta anos Lefebvre questionava-se a respeito desta nova cidade
que brotava diante da perspectiva pós-industrial. Pode-se dizer que a evolução das estruturas
telemáticas da Sociedade em Rede, que hoje permeiam o urbano, transformaram a cidade
contemporânea e criaram espaços que são híbridos, múltiplos e ciborgues.
Cada vez mais integrada à tecnologia e aos fluxos, o espaço urbano pode hoje ser
definido por uma sobreposição de camadas de virtualidades. É também uma cidade
transparente, regulada pela vigilância e pelo controle, e cujos limites exatos são
desconhecidos. A cidade expande-se ao nível extremo da conurbação e ao sprawl, onde não
se sabe onde começa ou termina a metrópole; não apenas cidades como Nova York, Londres e
Tóquio interligadas pelos círculos financeiros, mas também San Diego e Tijuana que
fisicamente ultrapassam as próprias fronteiras do estado-nação. Seja na Cidade Informacional
de Castells, ou na Cidade-Ciborgue que Lemos irá propor (Lemos, 2004b), fica clara a
imbricação dos elementos tecnológicos nos espaços públicos urbanos. Não deve-se, porém,
determinar esta cidade por suas tecnologias, fazendo-se necessário uma análise vis-à-vis os
seus usos, experiências, e um latente poder de contestação e redefinição social.
Esta condição das cidades contrasta com um imaginário utópico de dissociação entre o
corpo e sua presença cibernética que caracterizou um fetiche do ciberespaço durante as
décadas de 80 e 90. A rápida expansão da rede mundial de computadores, aliado ao
imaginário de fantasia construído pela ficção científica e suas influências nas subculturas
cyberpunk e hacker (Amaral, 2006), criavam no usuário da WWW um desejo de imersão
completa em um espaço virtual. A idéia em voga era entrar em uma bolha de informação –
uma realidade alternativa, auto-constituída, onde a própria noção de corpo era fragmentada na
digitalização do sujeito. A agonia de Case tendo que voltar para “a carne” ao desplugar seu
console e sair do cyberspace em Neuromancer (Gibson, 1984), ou o delírio de Hans Moravec
ao vislumbrar um futuro onde o “eu” seria transferido para a máquina como padrões de
24
informação e o corpo orgânico poderia ser dispensado como “mera geléia” (Moravec, 1990),
são exemplos da utopia da virtualidade durante os primeiros anos de expansão da internet.
Este é também o discurso de muitos tecno-pessimistas, que vêem nos usuários da internet
prisioneiros de uma esfera virtual. Para Casalegno, porém, as cidades estão diante de uma
superposição entre espaço real e informações digitais:
I think that the real dimension of the city and information cybernetics are
superimposing and supporting each other. The growing number of available digital
information that is scattered throughout the territory emphasizes the element of
physical places; the environment becomes a real interface of memory, a connective
tissue (Casalegno, 2004, p.317).6
6
Tradução do autor: Acredito que a dimensão real da cidade e as informações cibernéticas estão sobrepondo e
suportando umas as outras. O crescente aumento da disponibilidade de informação digital que é espalhada pelo
território enfatiza o elemento físico dos lugares; o ambiente torna-se uma interface real de memória, um tecido
conectivo.
7
Acesso sem fio à internet através de rádios de curta-distância.
8
Isto é, desde que esta pessoa detenha as condições materiais de acesso, é claro, Não trata-se aqui de elaborar
sobre a questão de democratização destes acessos, mas sim identificar a existência ou não de um potencial para a
fomentação de comunidades e da democracia em si. A partir desta análise pode-se começar a falar em acesso
público e generalizado, antes não.
9
RFID, ou “Radio Frequency Identification”, são etiquetas emissoras de ondas de rádio que transmitem
informações sobre algum objeto. Atualmente são usadas em produtos como um substituto para o códigos de
barras, mas países como os EUA estudam implementá-las em passaportes e documentos de identificação.
Bluetooth é uma tecnologia de conectividade de curta distância e está sendo utilizada em “objetos
comunicacionais” que transmitem informações como horário do cinema ou dados de um produto para o telefone
celular do transeunte.
25
desloque até a rede, mas a rede que passa a envolver os usuários e os objetos numa
conexão generalizada (Lemos, 2005, p.2).
Esta cidade é vista por Lemos como um espaço híbrido composto de redes sociais,
infra-estruturas físicas e redes imaginárias que constituem um organismo complexo. Para isso,
o autor recorre a Claude de Saint-Simon, que no século XIX descrevia a cidade como um
“artefato complexo composto por diversas redes materiais e espirituais” (Lemos, 2004b).
Surge aí a cidade-ciborgue, que é definida como tal por uma simbiose de multiplicidades; da
relação organismo–tecnologia que alude à metáfora do ciborgue; um espaço que torna-se
recursivamente lugar de influências múltiplas e mútuas.
10
www.secondlife.com, site que oferece um mundo virtual onde o usuário pode criar um avatar para si próprio
que poderá constituir residência, criar e comercializar objetos e interagir com outros “residentes”
11
Tradução do autor: As mulheres são intensamente conscientes do que significa ter um corpo historicamente
constituído. Porém com a perda da inocência na nossa origem, não há também expulsão do Jardim (do Éden).
Nossa política perde a indulgência da culpa com a ingenuidade da inocência.
26
No atlas do seu império, ó Grande Khan, devem constar tanto a grande Fedora de
pedra quando as pequenas Fedoras das esferas de vidro. Não porque sejam igualmente
reais, mas porque são todas supostas. Uma reúne o que é considerado necessário, mas
ainda não o é; as outras, o que se imagina possível e um minuto mais tarde deixa de
sê-lo (p.32).
The problem then would not be to interpret or decode these signs, where that would
mean attaining a reality beyond signs, but to ‘read’ them (which means to produce
further signs) in ways which might enhance our capacities to live in proximity with
strangers (Patton, 1995, p.113).12
É preciso, nesta perspectiva, criar cidades legíveis onde seja possível (re)estabelecer
um sentimento de lugar tendo em vista a nova significação do local a partir da convergência
de múltiplos poderes na conexão global. A existência de inúmeras camadas de virtualidade
que sobrepõe-se ao espaço urbano, sugerem uma nova maneira de ver a cidade, assimilando-a
como uma colcha de campos interconectados que se influenciam mutuamente (Fahmi, 2001).
Percebe-se também uma forte influência das formas narrativas e do mito na arquitetura do
espaço, indicando a necessidade de examinar a cidade como transformada pela experiência e
práticas culturais.
12
Tradução do autor: O problema não seria, então, interpretar ou decodificar estes signos, onde isto significaria
alcançar uma realidade além dos signos, mas “lê-los” (que significa produzir outros signos) de maneiras que
possam aprimorar nossa capacidade de viver em proximidade com desconhecidos.
28
The city is regarded as a “partially connected multiplicity which we can only ever
know partially and from multiple places”. If we are to fully understand any particular
city vision, then, we need to approach the city in a similarly polymorphous way,
piecing it together, never losing sight of the “magical” human practices that criss-cross
its form, dancing and flickering over real and virtual space (Fahmi, 2001, p.7).13
The postmodern city is covered with a new connective tissue; just like we all decorate
our houses with objects and memories, members of the community can decorate their
social interaction spaces, thus taking part in the construction of their collective
memory. Memories of an individual join another individual’s memories, and the link
together in a constant dynamics (Casalegno, 2004, p.318).14
Esta cidade pode assim ser vista como uma estrutura aberta de espaço e propriedade
compartilhados, propensa à uma urbanidade de livre-criação. Fahmi sustenta que a presença
13
Tradução do autor: A cidade é vista como uma “multiplicidade parcialmente conectada que apenas podemos
conhecer parcialmente e a partir de múltiplos lugares”. Para entender qualquer visão particular de cidade por
completo, precisamos nos aproximar da cidade de uma maneira igualmente polimorfa, juntando os seus pedaços,
nunca perdendo de vista as “mágicas” práticas humanas que entrecruzam sua forma, dançando e brilhando
intermitentes sobre espaços reais e virtuais.
14
Tradução do autor: A cidade pós-moderna é coberta de um novo tecido conectivo; assim como todos nós
decoramos nossas casas com objetos e memórias, membros da comunidade podem decorar seus espaços de
interação social, assim tomando parte na construção de sua memória coletiva. Memórias de um indivíduo
juntam-se às memórias de outro indivíduo, e estas se juntam em dinâmicas constantes.
29
das redes globais, interconectadas ao local, pode, de fato, conduzir a uma transformação
positiva na maneira como vivemos em comunidade:
Urban public spaces can facilitate the creation of invisible networks of contacts and
stopping points that weave together the fabric of people-places relationships. On a
cognitive level this assists in creating legible cities (Lynch 1960), with the ability to
enhance images and memories of places, and to contribute to identities of people.
These are components of place identity which can enrich urban life, and make the
anonymous city comprehensible, familiar and manageable, whilst meeting their users’
needs (Fahmi, 2001, p.8).15
Neste momento em que ele considera transitório, Fahmi propõe para o campo das
cidades uma arquitetura de imagens. Uma sintaxe arquitetônica que ultrapasse sua própria
materialidade e ofereça estruturas multidimensionais conectadas a camadas virtuais de um
“hiper-ambiente”. De certa forma uma materialização do Aleph de Borges, este “instante
gigantesco” onde tudo e todos são representados. Ao mesmo tempo que glorifica e critica a
sociedade informacional contemporânea, Fahmi alerta para a inevitável realização de uma
corporeidade latente e a necessidade de conectar a abstração do virtual ao tangível do real.
Although media may conjure up almost anything into presence, the show is only skin
deep and, in its virtuality, ultimately inaccessible. The science, architecture, and arts
of the virtual can only displace but not replace the real. As this realization grows, an
antithesis to the architecture of images may surge seeking to reaffirm the true meaning
of being embodied. In turn this will invite a refocusing of architectural work so that it
brings together the material and the informational, the tectonic and the abstract, the
real and the virtual (Fahmi, 2001, p.15).16
15
Tradução do autor: Espaços públicos urbanos podem facilitar a criação de redes invisíveis de contatos e pontos
de partida que costuram o tecido das relações entre pessoas e lugares. Em um nível cognitivo, isso ajuda na
criação de cidades legíveis (Lynch 1960), podendo aprimorar imagens e memórias de lugares, e contribuir para a
identidade das pessoas. Estes são componentes de identificação ao lugar que podem aperfeiçoar a vida urbana e
tornar a cidade anônima compreensível, familiar e administrável, ainda que suprindo as necessidades de seus
usuários.
16
Tradução do autor: Ainda que a mídia possa invocar quase qualquer coisa em presença, o espetáculo é raso e,
em sua virtualidade, inacessível. A ciência, arquitetura e artes do virtual só conseguem deslocar mas não
substituir o real. À medida que esta realização cresça, uma antítese para a arquitetura de imagens poderá surgir
buscando reafirmar o verdadeiro significado da corporeidade. Assim, isto irá conduzir a uma mudança no foco
do trabalho arquitetônico para que este abrace o material e o informacional, o tectônico e o abstrato, o real e o
virtual.
30
Trata-se então de analisar a relação entre estas distintas esferas espaciais. Por um lado,
o espaço de fluxos sob domínio das elites que organizam-se em torno do seu paradigma e
controlam o acesso e criação na rede. Por outro, um espaço de lugares onde acontece a vida
cotidiana e a experiência pessoal propriamente dita. Entre ambas, a possibilidade de
territorializar-se tanto na rede quanto no local, no território-rede e território-zona,
subvertendo aqueles poderes historicamente inscritos e promovendo uma multiterritorialidade
que fomente memórias coletivas em cidades também múltiplas, híbridas e imaginárias.
2.5 Experiência
Durante as décadas de 50 e 60, o movimento político-cultural da Internacional
Situacionista (IS) já propunha uma subversão e apropriação das cidades pela população. Com
forte influência nos países da Europa, o grupo defendia que a auto-constituição dos espaços
urbanos pelo cidadão era a única maneira de quebrar a alienação e evitar uma queda ao
espetáculo. Propondo a participação ativa dos indivíduos em todos os campos da vida social,
e tendo o meio urbano como terreno de ação, buscavam combater a passividade dos
habitantes de uma sociedade cada vez mais espetacularizada (Jacques, 2003). Fundada por
Guy Debord, e influenciada por outras vanguardas como o Surrealismo, a IS queria realizar,
ao fim, uma revolução da vida cotidiana.
17
Tradução do autor: examinando a interação entre o espaço de fluxos, o espaço de lugar, função, significado,
dominação e contestação à dominação, em padrões crescentemente complexos e contraditórios.
31
Ao sugerir jogos urbanos como a deriva – o vagar sem rumo pela cidade –,
convidavam o habitante para uma maior interação/integração com os espaços à sua volta.
Através da criação de situações, “momento da vida, concreta e deliberadamente construído
pela organização coletiva de uma ambiência unitária e de um jogo de acontecimentos”,
procuravam cunhar um sujeito que pudesse fugir do hábito alienante18 e fazer pessoalmente
sua própria história. Não mais o “more aqui”, “trabalhe ali”, “brinque em outro lugar”
estanque e asséptico do urbanismo funcional de arquitetos como Le Corbusier, mas uma
proposta de Urbanismo Unitário (UU) formado a partir da experiência da cidade. Longe de
ser um modelo, o UU era propriamente uma crítica ao urbanismo corbusiano, este que
buscava a separação da cidade em funções e condicionava o cidadão a Modulor – o homem
moderno ideal –, simples peça usuária da cidade.
18
John Dewey também vai falar do hábito como uma das premissas para uma susceptibilidade à dominação que
é inerente ao homem. Apenas através da arte, ou de uma “artful communication”, é que seria possível quebrar a
passividade e fomentar o surgimento de um Público e de uma verdadeira democracia participativa (Dewey,
1927).
32
Terra torna-se seu meio. Arte esta que, ao fim, representa a materialização de uma nova
proposta democrática para as cidades.
As locative and wireless technologies become more widespread, many are not simply
"mapping" territories, but seeking to shape and augment them. It becomes possible to
treat urban space and the surface of the Earth as a digital canvas, and digital media
changes from something placeless into a kind of digital graffiti [...] In the tense play of
forces between real and virtual worlds, the lines of distinction become increasingly
blurred, creating an ecology of mutual influence where our sense of space and place is
multiple, hybrid and continually changing (Futuresonic, 2006).19
Assumindo a função da arte como sendo a de romper com uma camada de consciência
rotineira e convencional de modo a “tocar níveis mais profundos da vida para que estes
brotem como desejo e pensamento” (Dewey, 1927, p.183), destaco a seguir alguns projetos
recentes que poderão ilustrar as inúmeras possibilidades de uso (e contestação) para as
cidades contemporâneas. Estes exemplos, em sua condição de modelo, servirão de base para
uma análise do Google Earth como aplicação que integra tanto o urbano quando o virtual.
19
Tradução do autor: À medida que tecnologias de localização e sem-fio se expandem, muitos não estão apenas
mapeando territórios, mas querendo moldar e aumentá-los. Torna-se possível tratar o espaço urbano e a
superfície da Terra como uma tela digital, e a mídia digital transforma-se de algo sem-lugar a uma forma de
grafite digital (…) No tenso jogo de forças entre mundos reais e virtuais, as linhas de distinção tornam-se cada
vez mais borradas, criando uma ecologia de influência mútua onde nossos sentimento de espaço e lugar é
múltiplo, híbrido e em constante mudança.
33
lugar” (genius loci) através da conectividade (ping20), trabalhando assim com uma poética do
espaço.
20
Na computação um ping é a forma de comunicação mais simples entre um ponto da rede e outro, como um
cumprimento entre duas máquinas.
34
Os projetos artísticos que aliam o digital ao urbano trabalham tanto com a construção
e modificação do espaço real sob influência do virtual, quanto com o inverso, o
monitoramento de estruturas, impulsos ou incentivos na cidade através da rede. Yellow Arrow
cria uma realidade aumentada, isto é, expande as fronteiras físicas com o virtual,
possibilitando o intercâmbio de informações entre participantes com o auxílio da internet,
criando e recriando territorialidades; Ping Genius Loci explora a possibilidade de “ambientes
inteligentes”, conectados à rede mas também sob influência do espaço físico à sua volta; You
Are Not Here levanta um debate político sobre a cidade, suas fronteiras e barreiras criadas
pelo domínio das mídias tradicionais; similarmente, mimoSa avança em questões de acesso,
exclusão e controle do espaço de fluxos, promovendo uma subversão e apropriação popular;
finalmente, Real Time Rome nos coloca diante do fascínio e terror da vigilância onde cidade e
corpo são transparentes, conectados aos grandes bancos de dados e manipulados de acordo.
Todos os exemplos aqui citados podem ser considerados tipos ideais, não por sua
inatingibilidade, mas pela própria condição de arte que os transformam em simples modelos.
São assim, aquilo que é possível atingir diante da condição de entrecruzamento de espaços; do
36
real com o virtual, da experência humana com as estruturas da rede. Há uma necessidade de
visualizar a aplicação destes mesmos conceitos sob “condições naturais”, em uma ferramenta
pública que não seja previamente condicionada e que também esteja aberta à participação na
construção de ambiências no espaço urbano híbrido. Ou seja, é preciso sair do campo de mera
criação artística e observar a experiência coletiva em sistemas cujo uso é aberto e ampliado.
3 O GOOGLE EARTH
“It has never been spread out, yet,” said Mein Herr: “the
farmers objected: they said it would cover the whole country,
and shut out the sunlight! So we now use the country itself, as
its own map, and I assure you it does nearly as well…”
Lewis Caroll
21
Disponível em http://earth.google.com/
22
http://www.gearthblog.com/ e http://www.ogleearth.com/, por exemplo.
38
relacionados ao uso do programa, e estima-se que sua base de usuários ultrapasse os 100
milhões23.
23
Segundo Press Release publicado em 12 de Junho de 2006:http://www.google.com/press/pressrel/geoday.html
24
Neste trabalho utilizo a versão 4.0.1b para a plataforma Macintosh.
39
justaposição de inúmeras fotografias aéreas ou de satélite que são “costuradas” para dar forma
à Terra. As fotografias não são necessariamente obtidas sequencialmente, resultando em
situações como a da Figura 7, onde uma parte da cidade de Montreal, no Canadá, aparece
branca, coberta pela neve, enquanto outra já não apresenta os sinais do inverno.
25
Um pixel é a menor parte de uma imagem e também é usado para definir o menor ponto que pode ser
mostrado em uma tela de computador. Hoje, a maioria dos monitores podem exibir um mínimo de 1024x768
pixels.
40
cidade. Como bem definiu um repórter do jornal The New York Times escrevendo sobre o
Earth View em 2002, o programa é “para qualquer um que alguma vez sonhou em voar”.26
3.1.2 Navegação
A navegação por este globo virtual pode ser realizada de diversas maneiras. Utilizando
o mouse ou um trackpad o usuário pode clicar na bússola de navegação, que oferece
comandos de panning, zoom, rotação e tilt do planeta. O mesmo pode ser feito através de
atalhos no teclado27. Outra forma de navegar o globo é através da função de busca presente na
barra lateral, chamada “fly to”, ou “voar”.
Além da buscar por país, cidade ou endereço, a barra lateral contém ainda os campos
“Find Businesses” e “Directions”. O primeiro oferece a localização de serviços dentro do
mapa. Assim, ao buscar “post office”, por exemplo, o programa indentifica as agências dos
correios localizadas ao redor do MoMA (FIG. 10). O segundo campo oferece indicações de
26
http://tinyurl.com/zwrr7
27
No teclado: setas direcionais, positivo e negativo, page down e page up e shift+setas derecionais,
respectivamente.
41
como dirigir de um ponto a outro na cidade, no caso deste exemplo, como chegar do MoMA
até a agência dos correios na rua 43. O GE apresenta o trajeto rua a rua, além de informar que
a distância a ser percorrida será de 1.2 milhas (FIG. 11).
Figura 9 - Resultado da busca pelo endereço “11 W 53rd Street, New York”
28
O formato KML (Keyhole Markup Language) é uma linguagem baseada em XML que armazena placemarks
do Google Earth. Cada arquivo contêm dados de título, latitude e longitude, além de informações extras como
descrições, links e modelos em 3D. Para saber mais, leia http://earth.google.com/kml.
42
Estes dados do SIG, assim como as próprias imagens de satélite, são acessados on
demand nos servidores do GE. Isso significa que as informações não estão armazenadas no
computador do usuário mas sim “baixadas” quando necessário. Tal sistema tem a vantagem
de reduzir o espaço em disco utilizado na instalação do GE, porém requer uma conexão
permanente à internet. Ao mesmo tempo, permite uma atualização dinâmica, possibilitando a
implementação de camadas com informações em tempo real como dados de trânsito e
previsão do tempo.
• Camadas políticas que apresentam dados como nomes de cidades, países e fronteiras.
Apesar de a priori parecer algo simples, o Google tem recebido duras críticas devido à
nomenclatura utilizada em algumas localidades, especialmente regiões que estão conflito.
Uma primeira versão do seu banco de dados mostrava, por exemplo, Taiwan como sendo
província da China, o que profundamente irritou os moradores da ilha. As indicações de
fronteira foram posteriormente atualizadas (FIG. 14), porém isso fez com que a ira fosse
transferida para o lado dos chineses. O mesmo tipo de crítica surge na Índia, onde a disputada
região da Cashemira é mostrada como província do Paquistão, e também em Jerusalém,
44
• Camadas de turismo virtual, que indicam pontos de interesse turístico no planeta que
podem ser “visitados” sem que o usuário saia de casa. Localidades como as Pirâmides de
Gizé, no Egito, ou informações sobre o estudo de chimpanzés em uma remota floresta da
Tanzânia, possibilitam ao usuário explorar a civilização humana e a natureza através do globo
virtual (FIG. 17). Hoje, além dessas camadas, podemos encontrar inúmeros sites e blogs29 que
identificam pontos interessantes nas imagens do GE e conduzem o usuário a populares
29
O blog Google Sightseeing (http://www.googlesightseeing.com/) é um exemplo da promoção do turismo
virtual através do GE e do Google Maps.
46
destinos turísticos do planeta, além de indicar locais curiosos como mansões de celebridades
ou os estádios onde foram realizados os jogos da Copa do Mundo de futebol em 2006.
30
http://www.grandhighwizard.net/gps2gex.html
47
O GM, por exemplo, pode ser rapidamente acessado em qualquer terminal conectado à
internet ou até mesmo pelo telefone celular, enquanto o uso do GE está restrito àqueles
computadores aos quais o usuário tenha acesso para instalar o aplicativo ou nos quais ele já
esteja previamente instalado. O GM é, portanto, dotado de alta mobilidade. O GE, porém,
apresenta uma gama muito maior de funcionalidades que o GM, além de permitir ao usuário a
visualização de diversas camadas simultâneas de SIG. A versão padrão do GM limita-se à
busca de endereços e serviços apenas, porém a existência de uma API (Application
Programming Interface32) aberta possibilita que ele seja integrado a outros sites e serviços,
assim diversificando e popularizando o seu uso. Essa funcionalidade é implementada, por
exemplo, no site Craigslist33, um serviço de classificados on-line que sobrepõe o seu banco de
dados de apartamentos para alugar aos mapas de ruas norte-americanas do GM.
Ainda que essa expansão e integração de novos bancos de dados seja possível através
de sua API, tal processo requer conhecimentos de programação além daqueles de um usuário
comum e assim está restrito a webdesigners e administradores de sites e portais. A opção por
focar este estudo no Google Earth e não na sua versão Maps surge, assim, pela facilidade com
que o usuário comum consegue interagir com o aplicativo, adicionar informações ao mapa e
disponibilizá-las para outras pessoas através da rede
31
http://maps.google.com/
32
Uma API é a interface de programação que permite que outros software ou hardware acessem funcionalidades
e serviços de determinado programa, expandindo as funcionalidades inicialmente previstas pelos
desenvolvedores. APIs são bastante utilizadas no universo da computação, tanto na elaboração de um simples
plugin quanto na programação de aplicativos que funcionem em determinado sistema operacional.
33
www.craigslist.org
48
34
http://www.indianexpress.com/story/9972.html.
35
http://news.com.com/Indian+president+rails+against+Google+Earth/2100-1028_3-
5896888.html?part=rss&tag=5896888&subj=news
36
http://googlesightseeing.com/2006/09/24/
49
Acredito que a facilidade com que o usuário consegue compartilhar seus próprios
dados e impressões é um dos principais diferenciais do aplicativo Google Earth. Após
armazenar um ponto interessante no GE, basta clicar a opção “Share/Post”, disponível no
menu, para que este placemark seja compartilhado. O usuário é então transferido para o site
da GEC, onde deve selecionar uma categoria adequada e adicionar ou modificar o texto do
seu post. Para tanto, é necessário que ele esteja cadastrado no fórum, processo realizado
através do link “New User” na página principal do mesmo. É possível identificar aqui um
processo de escrita sobre a cidade de forma a aumentá-la e criar uma cartografia coletiva no
qual o usuário deixa de ser propriamente usuário e passa a interagir e criar os seus espaços
reais e virtuais.
37
Bulletin Board System, ou simplesmente “fórum de discussão”.
38
Dados atualizados disponíveis em http://bbs.keyhole.com/entrance.php
50
É importante salientar aqui a distinção entre placemark e post. Cada ponto vetorial
indicado na camada da GEC, ou seja, cada ícone que aparece sobreposto à imagem do espaço
físico, é um placemark. Estes são pontos de interesse deixados pelo usuário que fazem
referência a uma localização específica no globo. Cada um destes placemarks está
relacionado a um post na BBS da GEC, que poderá ser uma compilação de muitos
placemarks que não fazem necessariamente referência a uma mesma região.
Estes posts podem também ser restringidos através de um mecanismo de busca, que
permite pesquisas por palavras-chave contidas no título ou no corpo do texto, bem como por
fórum específico, usuário ou data. Não há, porém, maneira de delimitar uma busca por cidade
ou região a qual determinado post faz referência, o que surge como uma das principais
limitações deste modo de visualização da GEC. Ainda que seja possível fazer uma pesquisa
pelos posts que contenham a palavra “Montreal” no título, por exemplo, a grande maioria dos
placemarks deixados por usuários não contêm o nome da localidade em questão, fazendo com
que tal busca mostre apenas uma pequena parcela dos posts que realmente fazem referência à
cidade.
Cada post específico, que pode ser composto por texto, links, imagens ou vídeos, tem
ainda indicações de data de publicação, usuário e um link para download do arquivo .KML
contendo o placemark em questão, caso existente. Ainda, usuários registrados na GEC podem
deixar seus comentários e selecionar uma nota de 1 a 5 estrelas para aquele post.
52
39
O Degree Confluence é um projeto colaborativo que pretende fotografar todos os pontos de cruzamento
integral entre latitude e longitude no planeta (e.g. 46°N 94°W). As fotos e relatos das visitas a estes pontos de
interseção, são publicadas no site: http://www.confluence.org/.
53
destes placemarks, que passam a integrar uma neo-cartografia urbana. Estes dois modos de
visualização, porém, não são sincronizados em tempo real, fazendo com que haja uma
discrepância de um a dois meses entre a publicação de uma informação no fórum e a sua
visualização através da camada de comunidade no GE.
54
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO
Wim Wenders
Saliento que para o âmbito deste trabalho, o placemark é a unidade mínima, visto que
é este que sobrepõe-se ao espaço físico visualizado no Google Earth. Em alguns casos
específicos em que o placemark não era uma unidade compatível para a análise, o post foi a
unidade utilizada.
40
Os dados completos estão diponíveis em http://www.gabrielpillar.com/mono/dadosGE.txt
56
4.2 Placemarks
O primeiro ponto da série de placemarks coletados sobre a cidade de Toronto foi
publicado na GEC em 13 de setembro de 2003, quando o programa ainda chamava-se Earth
Viewer, e o último data de 01 de outubro de 2006. Fica clara a evolução do uso do programa
após a aquisição do mesmo pelo Google, saltando de meros 23 placemarks no ano de 2004, a
126 em 2005, e 236 no presente ano. Vendo que este número não significa necessariamente
uma respectiva quantidade de posts na BBS, cada placemark foi classificado como sendo
integrante ou não de uma compilação de pontos de interesse. Ainda que não haja um
indicador específico para tal condição, a compilação fica evidente quando (a) o post tem o
mesmo número identificador que aquele de outro ponto coletado, (b) o título do post na BBS
sugere um número maior de placemarks que aquele observado (e.g. “Canadian Placemarks”41)
ou (c) refere-se a uma localização genérica ou global (e.g. “All US and all European Hard
Rock Cafe's42”).
Tomando como base estas evidências, 58% (229) destes pontos foram identificados
como fazendo parte de uma compilação. Estas compilações podem ter abrangência mundial,
como o exemplo acima em que todos os Hard Rock Cafés da América do Norte e da Europa
foram agregados em um único post com muitos placemarks, ou ter caráter estritamente local,
como é o caso de uma compilação das estações de metrô em Toronto. Uma posterior análise
irá demonstrar que existe relação entre o tipo do placemark e o fato de este integrar uma
compilação de vários pontos de interesse.
Também foi registrada a presença de anexos, como fotografias ou vídeos, bem como o
uso da ferramenta de comentários disponível nos fóruns da GEC. Apenas 33 dos placemarks
coletados trazem anexos para ilustrar as informações publicadas, mostrando que a maioria dos
usuários utiliza-se apenas de texto e links para fontes e sites externos quando descrevem um
41
Tradução do autor: Placemarks Canadenses
42
Tradução do autor: Todos os Hard Rock Cafés dos EUA e da Europa
57
local de interesse. Supõe-se que isso esteja fortemente relacionado ao fato do próprio Google
Earth ser um programa vetorial bastante rico em imagens e renderizações em 3D, fazendo
com que o uso de fotografias adicionais seja desnecessário. Também, somente um pequeno
número de posts (64) contém comentários deixados por outros usuários, sugerindo que a
Google Earth Community, apesar de ser chamada como tal, talvez não possa ser considerada
uma comunidade on-line propriamente dita. Segundo Rheingold (1993), as comunidades
virtuais são “[...] social aggregations that emerge from the Net when enough people carry on
those public discussions long enough, with sufficient human feeling, to form webs of personal
relationships in cyberspace” (p.3)43. Não é o foco deste trabalho, porém, analisar o caráter de
comunidade virtual da GEC, mas sim o conteúdo do que está sendo publicado sobre a cidade.
A notação vetorial dos placemarks evidencia também a sobreposição dos mesmos, uns
aos outros, sobre locais de grande interesse. Em Toronto isso acontece, por exemplo, na
região da CN Tower e seu estádio anexo Skydome, um dos principais destinos turísticos da
cidade. Só nesta área são 33 placemarks sobrepostos, a grande maioria destes com conteúdo
semelhante (FIG. 24). Ainda que os administradores da GEC procurem alertar para a
publicação de posts duplicados, inclusive mostrando um aviso requisitando que o usuário
revise o sistema antes de adicionar os seus placemarks, o pedido parece estar sendo ignorado
nestes lugares com bastante apelo popular.
43
Tradução do autor: Agregações sociais que surgem na Internet, quando um número suficiente de pessoas
levam adiante aquelas discussões públicas por tempo suficiente e com suficiente sentimento humano, a ponto de
estabelecerem redes de relacionamentos pessoais no ciberespaço.
58
4.4 Usuários
Foram registrados 141 usuários distintos publicando dentro do espaço amostral. Além
do número de pontos inseridos sobre Toronto (394 placemarks), e o número de posts que
estes placemarks integram na BBS (217), é possível saber quantas vezes os usuários já
escreveram posts em toda a GEC (15.976). Ao relacionar os dois últimos dados (já que a
59
deste pressuposto, porém não aceitando a análise quantitativa sem relacionar seus resultados
ao conteúdo daquilo que está sendo tratado.
4.5 Categorias
O primeiro passo para analisar o conteúdo dos placemarks, e inquirir os reais usos que
estão sendo dados à ferramenta, é atentar para uma categorização destas informações. O
próprio formato de BBS da GEC faz com que cada post precise ser publicado em uma seção
específica, divididas por tema ou interesse. Como descrito no capítulo anterior, quando o
usuário decide compartilhar um de seus placemarks a ele são apresentadas algumas opções
para a categorização do seu post. A um primeiro olhar estas categorias abrangem uma grande
gama de possibilidades e aparentam ser um sistema eficiente de classificação. Porém, ao
analisar os dados constata-se alguns problemas, como apresento a seguir.
44
Tradução do autor: As Descobertas de Phil Verney, Militar, História Ilustrada, Natureza e Geografia,
Estudantes, Grande e Único, Pessoas e Culturas, Esportes e Hobbies, Informações de Viagem, Transportes,
Explorando a Terra.
61
O primeiro (placemark #36 da amostra) é uma brincadeira que o usuário Lunatech faz
com a imagem de um caminho em espiral localizado à beira do Lago Ontário (FIG. 26),
referenciando um elemento narrativo do filme O Mágico de Oz, de 1939. O segundo (#360),
indica a localização de um café da rede Starbucks na rua King. Mesmo tratando-se de
conteúdos claramente distintos, ambos estão agrupados sob a mesma categoria. Da mesma
forma, os placemarks abaixo, que estão publicados sob a categoria Travel Information,
poderiam ter classificações díspares, ainda que a diferenciação entre eles seja um pouco mais
sutil:
45
Tradução do autor: Rua de tijolos amarelos. Siga a rua de tijolos amarelos, Siga a rua de tijolos amarelos, Siga,
siga, Siga a rua de tijolos amarelos!!! Não pude resistir!
46
Tradução do autor: Este é um starbucks em Toronto, ontario. Venha conhecê-lo.
47
Tradução do autor: Esta área é a China Town de Toronto, você pode encontrar shoppings, restaurantes e
conhecer pessoas chinesas.
48
Tradução do autor: TheatreBooks foi fundada em 1975 por Leonard McHardy e JohnHarvey, que se
conheceram quando trabalhavam em um dos teatros “alternativos” de Toronto. A loja logo tornou-se a Meca dos
profissionais de teatro, estudantes, e ávidos fãs. Na época, assim como agora, a loja oferecia peças em inglês de
62
Alguns fatores podem ser considerados para explicar esta classificação equivocada.
Um destes é o de indução às categorias principais em razão do elevado número de posts que
todo o mundo, e, é claro, todas as peças publicadas no Canadá. TheatreBooks estoca e vende peças do
Dramatists Play Service, Dramatic Publishing Co., Samuel French, e dos principais editores de peças do Reino
Unido.
63
já estão publicados nas mesmas. Haveria um receio em utilizar seções diversas por causa da
manifestação da maioria, que induz à conformidade. Similarmente, uma categoria com um
maior índice de publicação é também aquela que é mais acessada nos fóruns, podendo
reforçar ao usuário uma idéia de maior visibilidade para o seu conteúdo. Por fim, a
problemática da generalidade pode ser resultado da simples vontade do usuário em não-
classificar, vendo que é menos dispendioso simplesmente adicionar o seu placemark a uma
categoria como a Earth Browsing. Nesta perspectiva, não haveria um ímpeto de contribuir
com o grupo para que este possa recuperar os dados com maior facilidade, mas simplesmente
uma vontade própria de publicação.
4.6 Tipologia
A partir da observação do conteúdo dos placemarks coletados sobre a cidade de
Toronto, é possível sugerir uma tipologia que classifique os usos que estão sendo dados à
ferramenta. Além de simplesmente registrar o conteúdo, esta tipologia propõe-se a estender a
classificação com base em fatores comunicacionais revelados no texto do usuário. Proponho
assim nove tipos para os placemarks da GEC, que, se não substituem por completo a
categorização feita pelo usuário, servem de complemento para sua melhor compreensão:
Similarmente, o tipo IB (que nada mais é que uma especificação do anterior) indica a
localização de pontos de transporte como estações de ônibus e metrô. Ao contrário do tipo IA,
porém, não há qualquer descrição dos locais, apenas a indicação de que eles estão ali. Em
vista da grande incidência destes placemarks, direta influência da falta de tais informações
nas camadas de SIG oferecidas na instalação padrão do Google Earth, vi necessária a criação
de um tipo a parte englobando pontos como o #352, que indica a localização da estação de
metrô Queen.
#352 – Queen
TTC - Toronto subway and bus stations (cubakid em 03/09/05).51
Aqueles placemarks que vão além da simples nomenclatura e são sugestões diretas de
locais ou usos para a cidade foram classificadas como tipo II. É possível reconhecer nos
pontos deste tipo a presença de expressões como “visite”, “faça isso” ou “não vá aqui”, bem
como uma apreciação pessoal do usuário sobre determinado local, indicando seus gostos e
predileções. Há uma clara intenção de conduzir futuros usuários através da cidade, como é o
caso do placemark #11, que convida o leitor a visitar uma feira multicultural, ou o #20, que
dá a dica do melhor restaurante chinês daquela região.
49
Tradução do autor: Residência do Woodsworth College, como parte do Woodsworth College da Universidade
de Toronto. Situado na esquina sudeste da Bloor com a St. George, a Residência do Woodsworth College tem
muitos restaurantes próximos, e também está a uma curta distância de todas as aulas, e uma curta caminhada de
5 minutos da biblioteca Robarts.
50
Tradução do autor: Igreja St Patrick. Uma das igrejas mais antigas em Toronto.
51
Tradução do autor: Estações de metrô e ônibus de Toronto.
52
Tradução do autor: Área Multicultural. A rua Augusta é parte desta área multicultural, você pode encontrar
coisas chinesas, coisas mexicanas, coisas indianas e mais. E todo último domingo de cada mês acontecem
eventos artísticos, se ligue nas datas!
65
Os pontos de tipo III revelam uma ligação pessoal do usuário com determinado local.
Assume-se aqui a intenção por parte deste em compartilhar um pouco de sua própria história
na ou com a cidade. São exemplos deste tipo o placemark #360, no qual o usuário revela que
sua primeira viagem como comissário de vôo foi para Toronto, ou o #391, onde a indicação
de uma escola católica vem acompanhada da notação “eu estudei aqui”.
#380 - Toronto
Including Toronto in this collection of travel stories has two important reasons for me.
My very first trip as a flight attendant was to this city. I will never forget the awe with
which I watched the highrise buildings, with which I watched down CN tower. Also, I
will never forget the jetlag when I arrived back home the next day… Toronto
skyscraper reflecting sun (Around_World_in_80_Clicks em 20/04/06).54
53
Tradução do autor: Melhor lugar de comida chinesa da cidade! Conhecido e adorado por muitos Gweilos por
anos. Alôs para o Blair e o Robin, meus colegas de KJY desde 1982.
54
Tradução do autor: Incluir Toronto nesta coleção de histórias de viagem tem duas razões importantes para
mim. A minha primeira viagem como comissário de vôo foi para esta cidade. Nunca vou esquecer a estupefação
com que vimos os altos prédios, com que vimos a CN Tower. Também, nunca vou esquecer do jetlag quando
cheguei de volta em casa no outro dia... Arranha-céu de Toronto refletindo o sol.
55
Tradução do autor: Escola católica francesa... Me formei ali em 1993.
56
Tradução do autor: Às vezes não consigo imaginar Toronto em 2025, a construção continua (como sempre).
66
57
Tradução do autor: Como parte da Universidade de Toronto, a biblioteca Robarts está aberta a todos os
estudantes e professores. Aberto em 1973, o prédio segue o design arquitetônico da ideologia Brutalista, e foi
desenhado para emular o formato de um pavão. Visto de cima, sua forma singular faz com que ele se destaque na
visão de pássaro da paisagem de Toronto.
67
identificando o restaurante italiano Piero’s com suas informações de contato. Já o #337 traz
apenas o ramo de atuação do escritório de advocacia, porém é clara sua intenção em reforçar
o nome da sociedade através do Google Earth.
Placemarks contendo dados históricos ou curiosidades são agregados aqui sob o tipo
VI. Estes, além de simples descrições, revelam fatos interessantes ou contam um pouco sobre
o passado de um determinado local. O usuário Frankenstein68, por exemplo, faz uma
compilação de lugares assombrados em toda a província de Ontario, onde situa-se a cidade de
Toronto. No placemark #5, este revela a localização de um cemitério onde os fantasmas de
soldados mortos em combate são escutados até hoje. Já o #376 traz curiosidades sobre o ator
canadense Keanu Reeves, indicando a escola onde ele estudou quando adolescente.
#376 - Keanu Reeves' high school (an independent co-educational Catholic school)
Keanu Reeves' high school (malefic em 13/09/06).60
Ainda no gênero curiosidades, o tipo VII agrega todas aquelas informações que
chamarei aqui de “almanaque”. Estes são placemarks que, ao contrário do tipo anterior, não
têm como propósito principal descrever uma curiosidade na cidade de Toronto, mas sim
ilustrar dados externos e compilações globais. Ainda que seja discutível tentar assumir
intenção com base apenas no texto publicado, a análise tanto do placemark quanto do post
58
Tradução do autor: Consultores sem fins lucrativos inspirando e apoiando inovações no setor social. Peppin,
Tranquada, Baker & Associados.
59
Tradução do autor: Cemitério do Segundo Batalhão. Os gritos dos soldados que estão enterrados aqui são
ouvidos por moradores das proximidades por algum tempo já. O cemitério data de 1814 e muitos daqueles
mortos na captura do Forte York e no saque de York estão enterrados aqui.
60
Tradução do autor: Escola Secundária do Keanu Reeves (uma escola católica independente co-educacional).
68
que este integra sugerem tal ímpeto global com maior ou menor relação com o local. O
placemark #50 posicionado sobre o estádio Skydome, por exemplo, informa o resultado de
um jogo esportivo e o ano de 1993. Somente quem acessar o post saberá que trata-se de uma
compilação de todos os times vencedores da World Series de baseball entre 1903 e 2005.
Similarmente, o placemark #239 ilustra todos os locais no mundo onde a banda irlandesa U2
já se apresentou.
#50 – 1993
League: American
Games Won: Toronto Blue Jays 4, Atlanta Braves 2 Pat Borders (LuciaM em
07/02/06).61
Por fim, os placemarks de tipo VIII indicam a localização de eventos que ocorreram
ou ainda estão para acontecer na cidade. O ponto #162, por exemplo, indica uma conferência
sobre administração de desastres que aconteceu em Toronto em julho de 2005.
Proponho esta tipologia como uma forma de melhor classificar os dados coletados no
espaço amostral delimitado sobre a cidade de Toronto. Levando-se em consideração o nível
de uso da Google Earth Community nesta região, e a existência de uma amostra de usuários
que é responsável por um significativo número de posts em todo o sistema, é plausível
assumir que um mesmo padrão poderia ser generalizado para outras localidades ao redor do
globo. Não seria sensato, porém, tomar isso como fato. Assim, a tipologia aqui proposta
restringe-se, pelo menos em um primeiro momento, ao âmbito deste trabalho apenas.
61
Tradução do autor: Liga: Americana. Jogos Ganhos: Toronto Blue Jays 4, Atlanta Braves 2 Pat Borders.
62
Tradução do autor: Todos os local onde o U2 se apresentou ao vivo. Bem, na verdade eu recém comecei.
Existe alguma maneira da comunidade adicionar lugares a este post?
63
Tradução do autor: 15 Conferência Mundial de Gerenciamento de Desastres: “A Nova Face do Gerenciamento
de Desastres – Definindo o Novo Normal”, patrocinado pelo Centro Canadense para Prontidão Emergencial,
Centro de Convenções Metro Toronto.
69
quantos tipos e quantas categorias existem para análise), fhj é a freqüência conjunta observada
para as classes h e j na tabela de contingência (e.g. quantas vezes o tipo h e a categoria j se
cruzam), e fºhj é a freqüência esperada calculada a partir dos totais da coluna e da linha
correspondentes a cada célula, definida por f hj0 = ( f h f j ) f . Deste modo, o somatório das
4.7.2 Associações
Poder-se-ia argumentar que a tipologia aqui proposta é muito parecida com aquelas
categorias já oferecidas na GEC. Em vista disso, investigou-se a relação entre categoria e tipo
quanto à sua função de semelhança. A análise dos dados irá mostrar que a correspondência
entre estas variáveis é somente parcial, sendo que a maioria dos tipos propostos são
independentes de uma categorização anterior feita pelo usuário.
[f f hj0 ]
2
f hj0
=
hj
total da tabela de contingência, onde c hj , observa-se uma maior incidência
2
de certas combinações. Conforme indicado na Tabela 4, os tipos IB, VII, VIII e ø são aqueles
que mais contribuíram para o qui-quadrado total da tabela de contingência (proporções
destacadas).
categoria/
tipo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
ø 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,075 0,000 0,000 0,001 0,001
IA 0,000 0,011 0,007 0,003 0,000 0,002 0,001 0,004 0,000 0,032 0,005
IB 0,000 0,030 0,001 0,001 0,004 0,000 0,001 0,008 0,010 0,247 0,025
II 0,000 0,002 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,002 0,002 0,003 0,004
III 0,000 0,005 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,001 0,001 0,003 0,001
IV 0,000 0,005 0,000 0,000 0,000 0,000 0,010 0,000 0,001 0,002 0,002
V 0,000 0,005 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,000 0,001 0,003 0,000
VI 0,000 0,000 0,001 0,000 0,000 0,000 0,001 0,003 0,002 0,018 0,019
VII 0,000 0,004 0,001 0,000 0,005 0,000 0,000 0,033 0,062 0,015 0,006
VIII 0,230 0,001 0,000 0,000 0,000 0,000 0,075 0,000 0,000 0,001 0,001
corroborando a decisão de criar uma nova tipologia para melhor analisar os dados recolhidos
sobre o espaço amostral.
Tabela 5 - Tabela de contingência excluindo os placemarks dos tipos IB, VII, VIII e ø
categoria/
tipo 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 total
IA 56 4 2 6 1 0 4 12 2 39 126
II 9 0 0 1 0 0 0 0 1 8 19
III 6 0 0 0 0 0 0 0 0 3 9
IV 8 0 0 1 0 1 1 0 1 1 13
V 6 0 0 0 0 0 1 0 0 2 9
VI 22 0 0 3 0 0 9 3 1 32 70
total 107 4 2 11 1 1 15 15 5 85 246
Uma análise similar foi feita para relacionar o tipo do placemark com a integração ou
não deste a uma compilação. Para isso também utilizou-se a estatística de qui-quadrado e um
cálculo de sua significância estatística. Ao associar a freqüência de todos os tipos com um
valor binário 1 (quando o post integra uma compilação) ou 0 (quando não integra), a tabela de
contingência resultante (TAB. 6) demonstra que a associação entre ambas as variáveis é
significativa (qui-quadrado=175,269, p=0,0001). Realizando o cálculo da proporção da
contribuição de cada par ao qui-quadrado total desta amostra, observa-se uma alta
predominância do tipo IB-metrô (TAB. 7), indicando que há uma associação entre este e o
fator compilação.
Ainda que haja placemarks dentro destes tipos IB-metrô, VI-curiosidades e VII-
almanaque cujo foco é claramente global – e reforço aqui o exemplo anterior de posts que
indicam a localização de todas as apresentações de uma banda de rock – percebo que, em sua
maioria, estes não são prejudiciais à navegação na camada na GEC e tampouco nada dizem
sobre o espaço físico ao qual estão se referindo. Torna-se assim uma questão de perspectiva.
Quando estes placemarks são visualizados através de sua representação na camada vetorial,
ainda que façam referência à uma outra escala, estão, ao fim, descrevendo um fato que
ocorreu na cidade. Por outro lado, quando os mesmos são vistos através do post que compila
os muitos placemarks ao redor do globo, a escala em evidência transforma-se em uma mais
generalizada.
Com base nos dados de distribuição dos tipos, analisou-se também a associação entre
o número de posts publicados por cada usuário com a maior ou menor incidência de
determinado tipo de post para cada usuário. Para isso, cada tipo foi tratado como uma variável
binária (1 quando o placemark pertencia ao tipo considerado, 0 quando não pertencia) e foi
calculada a média desta variável para cada usuário. A partir de uma estatística de correlação
(por se tratarem de duas variáveis quantitativas), chegou-se à conclusão de que não há
associação entre número de posts por usuário e incidências dos tipos, pois as probabilidades
75
das medidas de correlação estão todas acima do limiar estabelecido (=0,05) e portanto não
são significativas (TAB. 8). Assim, o fato de determinado usuário ter uma maior participação
em Toronto não tem ligação direta com o que este mesmo usuário está escrevendo sobre o
espaço físico.
[The mirror] makes this place that I occupy at the moment when I look at myself in
the glass at once absolutely real, connected with all the space that surrounds it, and
absolutely unreal, since in order to be perceived it has to pass through this virtual
point which is over there (Foucault, 1986, p.24)64.
De fato, ao nomear os seus espaços através da GEC, o usuário, além de criar meras
reflexões na virtualidade da rede, está também retornando o seu olhar para a cidade e seus
entornos. Desta maneira, os placemarks destes tipos, ainda que com intuitos comunicacionais
diferentes, criam entre si uma nova cartografia coletiva a partir do qual o cidadão pode
navegar e descobrir outros caminhos para o urbano. É a construção de mapas democráticos,
vendo que qualquer um pode referenciar aquilo que julga ser mais relevante. Esta não pode,
porém, ser considerada similar a outros espaço colaborativos como a Wikipedia65, vendo que
64
Tradução do autor: [O espelho] torna este lugar que ocupo no momento em que me vejo no vidro ao mesmo
tempo absolutamente real, conectado com todo o espaço que o engloba, e absolutamente irreal, pois para ser
percebido precisa antes passar através deste ponto virtual que está do lado de lá.
65
www.wikipedia.org/
77
na GEC há autoria e propriedade das informações, não sendo permitido que outros
modifiquem algum placemark já publicado.
66
www.wikimapia.org/
67
Tradução do autor: Esta antiga via expressa Gardiner pode ser Demolida. Para mais informações, visite.
68
Tradução do autor: Mike Gamble Morou Aqui. Eu, o grande Mike Gamle, morei nesta casa por dois anos.
78
Ambas tendências representam assim uma escrita sobre a cidade de modo a expandir
com maior ou menor grau de intensidade os espaços e as experiências vividas no urbano para
dentro da rede. Apesar disso, o placemark-espelho e o placemark-narrativa não são noções
excludentes, vendo que a própria designação como “tendência” indica uma maleabilidade em
vista da própria dificuldade e desafio de criar uma tipologia subjetiva. Co-existem, portanto,
não apenas como usos para a GEC, mas como apropriações da rede e uma aplicação de uso
para a cidade contemporânea.
[...] among the birth of human relationships and cyber networks, we have a varied
example of expressions coming from current cyber socialities, like pictures of a new
social paradigm of the synergy between community, memory, and communication.
Thus, “new technologies” are old man-made creations. Use and experience give them
a value and a sense; it is the task of mankind to use them to make this poetical vision
come true (Casalegno, 2004, p.323).69
69
Tradução do autor: em meio ao nascimento das relações humanas e das redes cyber, temos um exemplo
variado de expressões vindas das atuais cyber-socialidades, como fotografias de um novo paradigma social de
sinergia entre comunidade, memória e comunicação. Assim, as “novas tecnologias” são criações antigas do
79
Sendo a Google Earth Community uma implementação pública, aberta e gratuita, onde
não há também regulamentação do tipo de informação que pode ou deve ser publicada, era de
se esperar uma grande diversidade de conteúdos. Ainda que a análise demonstre uma
predominância dos placemarks que seguem a tendência de espelho (são 230), é significativa a
presença de publicações com um caráter narrativo (163), os quais julgo serem mais
representativos de uma possibilidade de transformação. Em ambos os casos, vê-se que a GEC
demonstra um alto potencial para a colaboração, seja de apenas notação coletiva da cidade ou
de um real aumento e expansão da mesma através da rede. Esta, é claro, não é caracterísitca
exclusiva do Google Earth, mas sim de uma nova dinâmica que passa a inserir-se nas mais
variadas ferramentas e usos para o urbano.
homem. O uso e a experiência dão a elas um valor e um significado; é papel da humanidade usá-las para tornar
esta visão poética realidade.
80
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deste modo, é possível territorializar-se na rede global ao mesmo tempo que se criam
territórios e identidades locais. O transitar por entre o território-rede e o território-zona
conduz à noção de multiterritorialidades atenta para uma estrutura social que está em
constante e recursiva transformação. Como bem previu Foucault são as relações-entre e os
81
lugares que são heterogêneos, dispersos porém justapostos, que caracterizam e conduzem os
questionamentos atuais sobre o espaço.
O virtual e o cyber envolvem a metrópole e criam uma nova topologia conectiva sobre
as cidades onde o cidadão pode não apenas conectar-se à rede, mas também refletir sua
identidade, construir narrativas, e fomentar laços com seus espaços e comunidades. A
ferramenta do Google Earth aparece em meio a este processo. Além de ser um aplicativo de
mera consulta e exploração de informações geográficas através de um planeta virtual, seus
ambientes naturais e espaços urbanos recriados em pixels – propiciando ao usuário um certo
olhar divino –, é também uma ferramenta de criação à medida que qualquer pessoa pode
compartilhar suas próprias realidades através da Google Earth Community (GEC).
Esta pesquisa demonstrou que, em sua maioria, as pessoas estão escrevendo na GEC
sobre os espaços do seu dia-a-dia, utilizando-se da ferramenta para recriar seus lugares físicos
na rede. É também um local para compartilhar histórias, sugerir lugares e assim criar suas
próprias territorializações. Seja como placemark-espelho ou placemark-memória, estes estão,
ao fim, referenciando os lugares locais, seus laços e narrativas. Pode-se dizer, nesta
perspectiva, que este é um uso que reforça a colaboração no âmbito social, colocando nas
mãos do cidadão a construção dos espaços à sua volta, transformando-o em “vivenciador” de
suas próprias funções e experiências. É também um uso que constrói uma memória coletiva, a
partir da qual os habitantes criam suas próprias significações para os espaços e relações
sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARABÁSI, A.-L. Linked: How everything is connected to everything else and what it means
for business, science and everyday life. New York: Plume, 2003.
CASALEGNO, F. Thought of the Convergence of Digital Media, Memory, and Social and
Urban Spaces. Space & Culture, v.7, n.3, p.313-326, aug. 2004.
DEWEY, J. The Public and its problems. New York: H. Holt, 1927.
FAHMI, W. S. Reading of Post Modern Public Spaces as Layers of Virtual Images and Real
Events. The 37th International Planning Congress. Utrecht, Netherlands, 2001. 25 p.
HARAWAY, D. J. Simians, cyborgs, and women: The reinventation of nature. New York:
Routledge, 1991.
JAMESON, F. Postmodernism, or the Cultural Logic of Late Capitalism. New Left Review,
n.146, p.53-92. 1984.
MORAVEC, H. Mind children: the future of robot and human intelligence. Cambridge:
Harvard University Press, 1990.