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VIOLONCELOS

Emerson Donizeti Batista


VIOLONCELOS
Emerson Donizeti Batista
Edição do Autor
Bauru - 2004-04-04
Prefácio

Ler sempre foi a porta de uma dimensão única e


inigualável. Talvez a única porta realmente democrática
e aberta a qualquer ser humano. Depende apenas do
livre arbítrio, da vontade própria de cada um.

Nada mais humano e contraditório.

Os livros sempre foram meus companheiros, meus


amigos inseparáveis desde que fui alfabetizada. Nada
era mais prazeroso que ler e conhecer personagens
como Dorian Gray, de Oscar Wilde; Catherine , de Emile
Brontë; Rita Baiana de Aluísio de Azevedo. Os únicos
concorrentes dessas personagens amadas foram alguns
versos que me arrebataram ainda na adolescência.

Camões, Vinícius de Morais, Alphonsus Guimarães,


Fernando Pessoa, Augusto dos Anjos foram a minha
entrada para o mundo da poesia.

Apaixonei-me perdidamente pelas rimas, pela


métrica, pela ironia dos versos livres.

Meu cérebro e meu coração ficaram cada vez mais


ávidos em conhecer todo tipo de poesia e louvar aos
poetas, heróis de um mundo árido de sensibilidade
poética.

Exatamente no ápice de tantos questionamentos


existenciais, conheci o mais humano e humilde dos
poetas: Emerson.

Quando nos tornamos inseparáveis, meu grande


amigo levou até minha casa um rico tesouro: uma mala
azul, antiga, cheia de textos escritos por ele.

Num sumir dos sentidos, percebi que a Vida havia


nos agraciado com uma metáfora, dentro da mala, ao
invés de roupas, o poeta me levou sua Alma.
3
Nas poesias havia graça, havia questionamento,
havia conflitos, havia dor... Eu enxerguei ali
sentimentos que eu nunca conseguiria expressar.

E a poesia é assim. Não interessa o contexto


histórico, não interessa a escola literária, não interessa
quem a lê, basta entrar em seu universo.

Apesar de todos meus elogios, o criador nunca


acreditou que eu estivesse correta quando afirmava que
os poemas, a poesia e os contos eram fantásticos.
Talvez, tenha mudado (um pouco) de idéia quando
venceu o Mapa Cultural Paulista de 1998, com o soneto
Violoncelos.

Vitória minha! Eu tinha certeza que não era apenas


tietagem da minha parte o encanto vindo de cada
verso, de cada estrofe. Melhor que receber o prêmio, foi
ouvir de um escritor-jurado que fazia tempo que ele não
via uma maturidade literária tão grande em um jovem.

Desde 1993 penso que o mais justo seria repartir


com quem gosta de poesia este material rico, precioso
que começou a ser preparado dentro de uma mala azul.

Tenho certeza que desde o primeiro verso lido, o


leitor concordará comigo e acreditará quando digo que
a leitura forma leitores críticos, mas não escritores com
pendores literários. E é justamente por isso que eu
respeito o trabalho de Emerson Batista, que consegue
ser, não apenas um escritor, mas um grande leitor da
alma humana, em todas as suas variações e
destemperos.

Maria Ester Cacchi Batista / Março/2004

4
VIOLONCELOS *

Que amor suportaria a diferença


Que existe entre o querer e o ser querido?
Seria insensatez a recompensa
De dar o que se quer sem ser pedido?

Se adiante vais correndo, sento e espero


Que voltes, mas, se voltas, já parti.
Então, como explicar o que não quero
Se tu já me mostraste o que eu não vi?

E como ver sentido no Perfeito,


Se as curvas desse espaço rarefeito
São luzes que ao final vão se encontrar?

Por isso, num perfil de violoncelos,


Nós somos dois riachos paralelos
Que correm cegamente para o mar.

* Vencedor do Mapa Cultural Paulista, em 1998

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REVERSO

num mundo de visões me perco e habito


as noites em que sonho ser um santo.
acordo e não desperto com meu grito:
imóvel, perco o sono e não levanto.

quem sou? pergunto ao sonho fugidio.


que tempo há de nascer quando eu voltar?
por que tanta lembrança e calafrio
se nada é mais incerto que acordar?

nas teias do meu ego submerso


encontro os dois espelhos no reverso
da imagem que dá vida ao meu Narciso.

por fim, quando me volto ao sonho lento


um pássaro me rasga o pensamento
lembrando que acordar não é preciso.

6
TOMATES

Transformar é um desafio,
Converter é uma arte.
Quem não chora? - disse eu, rindo.
Cai a estrela... desce... quase em vão...
Bateu no solo... saiu ferida, quente.
Sangue de luz a refletir a noite.
A descoberta é um desnudar-se,
Quase uma queda indiferente.

Nesse mundo tudo era criança


E a palavra era o mundo que criava tudo
E o tomate não ficava vermelho
Enquanto era criança, porque era verde
em sua esperança.
Agora, ih, não se pode falar pr’a ele
Tudo o que se pensa sem pressa,
Que ele já enrubesce.
Pobre tomate,
Vive, num mundo que cresce!

(mai/93)

7
ENTRETANTO

Entre o tudo e o tanto,


Quase menos.
Entre a vida e a tristeza,
Entretanto.
Entre a busca e a conquista,
Caminho.
Tanta distância e partida,
Adeus.
Entre o céu e o abismo,
Oração.
Tanto o olhar como o sorriso,
São teus.
Entre o Passado e o Destino,
A porta entreaberta.
Tanto imagem quanto o espelho,
Ilusão.
Entre o Tempo e o Espaço,
Compasso.
Tanta música ao vento,
Compaixão.
Entre o Verbo e o Calvário,
A Palavra.
Tanto aqui como sempre,
Salvação.
Entre o sono e o dormir,
Recomeço.
Entre o azul e as estrelas,
O dia.
Entre a pedra e a poeira,
Tropeço.
Entre a palavra e o silêncio,
Poesia.

8
LABIRINTO

A luz é mais intensa que o silêncio


Que espalha os fragmentos pelo mundo.
Assim, não me arrependo do que penso,
Eu faço do meu tempo o meu segundo.

Acordo em meio ao dia incandescente


Debruço na janela de um olhar;
Flutuo nos vapores do presente
Enquanto me procuro além do mar.

Resisto o quanto posso enquanto penso...


Mas, ai!..., já sinto a flecha que me alcança:
O tempo é mais veloz que o meu silêncio,

Navega em águas ríspidas e lança


Portais de labirintos neste imenso
Clarão indivisível da lembrança.

9
HOUVE MAR

Houve rios cavando o leito


Criando as margens...
Tontos rios, caminhavam todos
Escapando tortos
Entre o Sol e o Céu.

Houve amor dentro do peito


Correndo as veias
Tantos sonhos, faróis, sereias,
Naufragados todos
Entre o Mar e o Véu.

Houve sol no céu desfeito


Crescendo lentos
Trezentos sonhos, sufocados todos
Lágrimas de fogo
Entre o Sal e o Fel.
(mai/98)

10
NASCENTE

Sem nada que me possa descrever


A noite que passou como um amigo,
Eu tento me lembrar mas não consigo
Saber o que teria que esquecer.

Há mais que só restar o sentimento


Em ver uma coroa sem um rei:
Foi tudo e quase nada em um momento;
O tempo não parou, mas eu parei.

Estive numa paz ensandecida,


Sonhando que sonhava uma partida,
Cruzando um chão de estrada incongruente.

Mas eis que me desfiz em ventania


E a lágrima deixei por fantasia
Que fosse um rio mais novo que a nascente.
(set/98)

11
ALMA

Andarilho das almas,


vagueio entre amores,
disperso como o vento ameno
quase um suspiro nos lábios umedecidos.
Levado por essa ânsia de sentir-me
desprovido de caminhos como as estrelas
descubro-me assim no meio fio do céu,
na gelidez e dureza de um passo vão.
Quebrado em mil pedaços, reflito sonhos no olhar,
digo amém às preces dos outros
e fujo sempre, sempre e sempre,
como se devorasse o espaço e a distância
com meus passos de moleque avesso.
Crescem flores, em mim,
eu deixo as flechas de luzes me ferirem no coração da
sombra,
sou brisa, sou casa, armadilha,
jardim semeado aguardando a chuva,
um ego ferido esperando ajuda,
um sol sangrando no poente.

(Out/97)

12
PORTOS

À beira deste mar que dorme em mim,


Há brisas que me cortam sem chegar.
Sou eu que avanço rápido no fim
Que guarda as ondas dúbias de pensar.

Se adiante aquele porto é um curvo início


De fim que me surpreende a navegar,
Nas ondas me transporto no resquício
De mim que não me vi no espelho-mar.

Há portos neste mundo de partidas,


Que chegam sempre tarde em nossas vidas,
Querendo algum motivo de ficar.

Mas eu, que nem o mar hei conhecido,


Encontro neste porto o meu sentido
Nos mundos em que sei que vou chegar.
(out/96)

13
VENTANIA

Um vento se levanta num suspiro


Que longe alguém derrama pelo espaço
E acorda inconsciente como um giro,
Crescendo em lenta dança sem compasso.

Descreve seu trajeto e torce o mato;


Levanta o chão da estrada e faz poeira.
É luz que espalha espaço num hiato
Que rasga em dois o som da ribanceira.

Por fim, quando retorna enfraquecido,


Saído de uma luta sem sentido,
Perdido em mil suspiros não reclama.

São marcas do mistério que o permeia:


O vento que não volta é o que semeia
A vida nos pulmões de quem não ama.

14
PANDORA E A CICATRIZ

É cinza a cor dos sonhos que acordaram:


São cores que fugiram, sombras presas:
São restos de desejos que ficaram
Na brisa que nasceu da correnteza.

E há lágrimas que a noite carregou


No gume da razão que me desliza,
Deixando as tatuagens no que sou
Das noites como um rio que cicatriza.

Desperto deste sonho sem motivos


No rastro do meu ego-fugitivo,
Ruflando as minhas asas sem razão.

Mas sonhos são detalhes de partidas


Que sangram cicatrizes ressequidas,
Trazendo a correnteza ao coração.

(ago/98)

15
SANGUE E ESPÍRITO

Na brisa que me inflama no mormaço,


De um dia esparramado pelo tempo,
Dissolvo o sentimento no cansaço
Enquanto o coração rebate o vento.

E crio pesadelos de outro mundo


De vidas que perdi ou não teria,
Sentindo a solidão de cada dia
Ou todas as lembranças num segundo.

Preciso deste ar, de amor sangrento,


Da infâmia, brisa indócil do momento:
Do eco incandescente do meu grito.

Assim, após dormir eternamente,


Que eu possa arder ao sol até que a mente
Me lance ao vôo eterno do infinito.

16
DA GUERRA E DO AMOR

Se ao menos fosse guerra aquele adeus,


O fim de um mesmo amor que fora insano,
Talvez não me restassem mais os teus
Vestígios nas lembranças que ainda amo.

Talvez se um ódio imenso fosse a cura


Final daquela dor de amar-te ausente,
Meu corpo adormecesse na procura
Sem rédeas da razão cansada e crente.

Mas, eis que a indiferença não demora


E amar-te é não dizer que sei agora
Que é sábio quem amou e não reclama:

A dor da solidão em quem odeia


É a mesma dos amantes, pois rodeia
O medo de perder a quem se ama.

(jul/98)

17
FAGULHA

Rompendo a imensidão daquele instante


Imenso como o espaço a flutuar,
Saltei como fagulha cintilante
Tragado pelo tempo de um olhar.

Instante que não passa e que perdura


Ainda na lembrança a me aquecer,
Na noite inacabada em que procura
Em vão todas as formas de esquecer.

Instante que transcende e não termina


Que foge deste olhar que me fulmina
E longe vai pousar na solidão;

E agora não sei mais como se prende


A chama que nasceu tão de repente
Que agora já queimou meu coração.

18
LUAR

lua dia
lua tarde
lua noite
luar

orvalho

O corpo expandido,
repleto,
no chão.

orvalho

luar
sol lua
sol lua
sol lua
sol lua
solidão
(out/97)

19
NON PENSARE A ME

Quem sabe eu pudesse estar


Em sonho nalgum lugar
Num tempo que fosse o vento.
E houvesse o teu rosto lindo
Brincando de amar sorrindo
Nas horas do esquecimento.

Quem sabe se a vida intensa


De esperas sem recompensa
Me fosse um luar fugaz.
Se ao menos houvesse estrelas
Na noite e se eu fosse vê-las
Depois de uma noite em paz.

Quem sabe os vestígios lentos


Dormentes nos meus lamentos
Não fossem perdão jamais...
Se houvesse um fugaz depois
De um dia em que fomos dois
E agora não somos mais.
(set/98)

20
LAMINAS DE FOGO

Enquanto a chuva insana permanece


Cobrindo de lembranças meu olhar,
A lâmina de fogo brilha e desce
Rasgando o véu de sombras que é sonhar.

Mas nada a consciência ousou descrer,


Pois resta mais que dor no ser pensante.
E é humano não querer passar adiante
Do instante que não pode acontecer.

Assim, enquanto durmo sem sentir,


Adiante alguma aurora há de surgir
Nos passos pela estrada do sem fim.

Entrego-me sem luta ao meu segredo


E a noite cerra os olhos do meu medo
Enquanto cai a chuva dentro em mim.

(fev/98)

21
HO BISOGNO DI TE

Restando apenas luz naqueles dias,


Em tudo fui destino e tu, momento.
Ouviste o meu silêncio e me dizias:
Lembranças são poeira. Somos vento.

Mas tu quiseste a busca e eu fui partida


Em cada cicatriz que nos restou,
Amando-te fui volta e foste a ida
Na mesma estrada só que te levou.

Um vale de lembranças perpassei


Imerso nos momentos que guardei.
E, assim, determinado eu quis morrer.

Contudo, havia o céu na eternidade!


Meu sonho, então, perdeu-se na saudade
E, amando-te, lembrei de te esquecer.

(out/98)

22
INVERNO 1998

Se ao menos restasse ainda


Inteira uma noite infinda,
E um pouco de mim no Céu.

Quem sabe se eu visse a Deus


Imerso nos medos meus
De tudo o que amei fiel.

Quem sabe se eu não daria


Meu tempo a uma estrela fria
Que fosse algum anjo ou flor...

Talvez eu perdesse a hora


E a dor que eu sentisse agora
Sumisse te olhando, amor.
(set/98)

23
DESPEDIDA

Desfaz-se uma presença e nasce a busca


Insana como a queda sem barreiras,
E logo a noite chega: invade e ofusca
A mente envolta em fronhas traiçoeiras.

Dormir sem medo é um místico esquecer,


Pois nada cega mais que a luz da mente:
Dormir na solidão sem padecer
Do som que vem do adeus em dor silente.

Mas como despertar da despedida


Se o adeus é um sono eterno e dura a vida
Em todo o meu silêncio em que está imerso?

E como ver o sol rasgando o ar


Se a pálpebra reluta em sustentar
Aberta a curvatura do universo?

(mai/98)

24
LÁGRIMA NO OCEANO

Aqui neste oceano desigual


Às margens do meu sonho continente,
Eu busco na maré do impenitente
As rosas que nasceram neste sal.

Sou brisa, meio água, ser concreto,


Imerso nesta idéia sem defeito
De ver nas profundezas do meu peito
O abismo onde escondi meu mar secreto.

Aqui na eterna luz do entardecer


Eu busco despertar e te rever
Na imagem que espelhou-me o navegar.

Senão, voltar em sonho aos desenganos;


Quem sabe adormecer por mais mil anos
À espera de algum dia, à beira-mar.

(ago/98)

25
SONETO SEM TI

Disseste ser melhor fugir de tudo,


Que o tempo apagaria o que não houve,
Que a vida é mesmo assim e o sonho é mudo
E Deus deixou-nos dor como lhe aprouve.

E agora te escondeste indiferente


Atrás do monte santo do futuro.
Nem sabes que o sofrer é como a mente
Que vê iluminação no quarto escuro.

Meu tempo não tem hora nem corrente


E foge do porvir que me amedronte,
Mas como ver distância no presente

Deixando de te amar se hoje é ontem


E tu foste uma estrela do poente
Que estava em brilho inteiro no horizonte?

(set/98)

26
ÓCULOS

saber é concentrar-se cegamente


nos restos irreais que os corpos têm
de mundos desfocados, muito além
dos olhos profanados pela mente.

e enquanto objeto e luz não são ninguém


ressurgem flores novas novamente
a serem conhecidas tão somente
por corpos palpitantes que não vêem.

pois nada pode mais que a imagem pura


de idéias flutuando na tortura
de estar defronte as rosas de um segundo:

os corpos são fronteiras do passado


que o sonho, por desejos transpassado,
percorre corrigindo o amor e o mundo.
(nov/98)

27
DESENGAVETAR-SE

A solidão é o leito de rios em que não me lavei,


Uma visão longínqua do crepúsculo algoz.
Por isso, há quimeras demais dentro de um coração
que se arrepia
e gela,
Tristeza demais acima dos sonhos de um homem
que revelou a todos seu amor pela fúria.

A dor ressequida e o amor lancinante se perderam


na superfície de indolência e gelidez consciente.
- Sofrer é um milagre quando chega a razão
primeiro,
onde habitam todos os inimigos da
alma.

Quem projetará a sombra do sol? A luz de um


olhar?
Quem sobreviverá aos véus da consciência?

Espere! Eis que ante a sombra o sangue já se


derreteu
em tons de vermelho até amarelo sem cor...
Agora, é o olhar de guilhotina.
(set/98)

28
MICRÓBIO

Estou na imagem vaga de um caminho,


O brilho fugidio da semente.
Sou pássaro esquecido do seu ninho
Que se culpa voando eternamente.

Estou no espelho estúpido quebrado.


Moído, após enganos e ilusões.
Com ele estão meu corpo e meu passado
Cobertos de loucuras e visões.

E assim, não tenho nada e nem queria.


Nem divas, nem a lua que cobria
Em sonho a minha vida e se perdeu:

Apenas quero estar no cemitério.


Por fim, eternamente homem sério,
Na orgia dos micróbios como eu.

29
UM DIA

Um dia, quando o sol não mais nascer


Na linha do horizonte. O céu inteiro
Será na minha mente prisioneiro
De um dia que não vai entardecer.

E, embora eu já me houvesse diluído


Na bruma dessa luz. Jamais pensei
Que frágil solidão quando sonhei
Pudesse devolver-me algum sentido.

Mas, quando numa luz de candeeiro,


Ao ver-me ressurgindo quase inteiro,
Num mundo diferente deste aqui,

Um místico horizonte bem mais perto,


Será na minha mente um dia aberto
A tudo o que sonhei e não vivi.

(out/97)

30
T...E...M...P...O

TIC...TAC
TAC...TEMPO...TIC
TAC...OPMET...TEMPO...TIC
TAC...OPMET.TEMPO.TEMPO...TIC
TAC...OPMET.OPMET.TEMPO.TEMPO...TIC
TAC...OPMET.OPMET.TEMPO.TEMPO.TEMPO...TIC
TAC...OPMET.OPMET.TEMPO.TEMPO...TIC
TAC...OPMET.TEMPO.TEMPO...TIC
TAC...OPMET.TEMPO...TIC
TAC...TEMPO...TIC
T...E...M...P...O
TIC...TAC
tic...
ti...
t...
t...
t...
...
o tempo é uma ilusão de ótica.
(out/97)

31
/
//
///
//////
/////////
///////
/////
////
//
A vela incontida
em lágrima e vida
derrama-se em paz.
Escorre e derrete,
Esgota e reflete
Um raio fugaz.

(out/97)

32
CASSIOPÉIA I - O Caminho

Vai-se longe aquele dia


em que repousei meu olhar
sobre teu rastro...

Era cansaço e contemplação,


como se de nada valera
aquele adeus.

Prostrado aos pés do horizonte


beijei o caminho e persegui
a estrela.

Naquele fio de chão, derramei


meu pranto,
semeei meus sonhos...

Era pura aquela dor, feito instinto,


era fuga na alma, como a água.

Era encontro aquele chão,


e saudade aquela ausência.

(out/96)

33
SONETO PURO, LINEAR

De ti, fugaz lembrança do futuro,


Não guardo um só vestígio que há de vir,
És como a estrela errante que procuro
Na chuva sobre a argila do porvir.

Pois tudo e aquela brisa que me ardia


No peito como brasa me queimando,
Agora é a solidão que a ventania
Ao fogo lhe confere crepitando.

Mas paro, como em nada refletido,


Na inércia de não ser, e tendo sido
A vida que trilhei e que fiz juz.

Adiante, vejo um prado que eterniza


A imagem que emolduro nesta brisa
Que jorra dos meus olhos feito luz.
(set/96)

34
RAZÃO

aos bravos guerreiros que outrora cruzavam


as terras longínquas no mundo que havia,
restaram as vozes nos céus que exaltavam,
cantando a lembrança de alguém que nascia.

mas entre os caminhos por eles trilhados,


nas ínfimas flores que enfeitam a vida,
ouviram tambores talvez compassados,
no ritmo denso, na dança esquecida.

trouxeram seus passos no brilho da aurora,


brincaram às margens do lago de agora,
fincaram seus pés na certeza do chão.

e enquanto fitavam a voz que insinua,


fundiram seus sonhos no brilho da lua,
marchando em segredo, cruzando a razão.

(out/93)

35
SONETO IRRELEMBRÁVEL

Além do meu sentido mais profundo,


Na pura inconseqüência de um porquê,
Percorro a vida inteira e rasgo o mundo
No gume do meu sol que não se vê.

Assim, como uma flecha sem caminho,


Desbravo este horizonte enquanto vôo,
Traçando no celeste azul, sozinho,
A imagem desta voz em que me ecôo.

No espectro de um Eu não-refletido,
De tanto imaginar o sem-sentido,
Procuro algum motivo sempre adiante.

E sempre relembrando algum momento,


No místico tanger de um sino ao vento,
Procuro em meu chamado o meu semblante.

(abr/93)

36
NO MEIO DO CAMINHO

No meio do caminho havia um outro


Que a muitas outras sendas conduzia.
À beira do caminho havia um poço
Profundo em água límpida e vazia.

Os vastos horizontes se firmavam


Nos elos que uma noite desfazia.
Olhares se perdiam, mas buscavam
A noite que saltava à luz do dia.

Mas caso algum caminho se insurgisse,


Se o passo fosse fraco em que buscava,
Se um nobre caminhante desistisse

De dar um passo adiante de onde estava,


Jamais se ouviu de alguém que conseguisse
Saber se ia em frente ou retornava.

(set/96)

37
LÁGRIMA

A chama emoldurada no disfarce


Fenece enquanto cresce aquele espanto.
É um brilho e vem rolando pela face
Na insípida visão turvada em prantos.

Salgando a boca inerme e retorcida,


Aos poucos obedece às leis do amor:
Amarga um pouco a boca, adoça a vida,
Depois se eleva livre em seu vapor.

Limite que se expande frente à aurora,


Garganta desta noite que se faz,
A nuvem que não passa, se evapora

Ou perde-se em torrentes colossais.


E a lágrima nos olhos de quem chora
É nuvem que se foi pra nunca mais.

(set/96)

38
MOSTEIRO

Atrás dos meus sentidos mora um monge


Que em noites de oração recobre a face.
E, assim, quando a saudade vem de longe,
Esquece aquela dor que lhe renasce.

É como a folha solta ao vendaval,


Que vai para onde aponte o norte errante,
Não sabe distinguir o bem do mal,
Não vê se o fim é próximo ou distante.

Um sonho que percorre a vida inteira,


Sentindo em seu percurso o brilho intenso,
Um louco transbordando a verdadeira

Saudade que flutua neste incenso


Que sobe em oração para onde queira
O som que Deus ouvir em meu silêncio.

(jun/93)

39
PORTAL DO PORTAL

Do novo pesadelo que me vem


Encher de solidão meu desengano,
Sonhar me custa ser aquele trem,
Trilhando a mesma trilha por insano.

Passaram-se portais como vulcões


E estradas longas, vivas como os rios.
Sonhei perdidamente as ilusões
Que agora são meus próprios desvarios.

E a noite, que refaz meu céu sem cor,


Procura na penumbra a luz fulgente.
Pois quando o sonho vem ao seu senhor,

Quebrando o vento inteiro livremente,


Afloram como as asas do condor
Os outros que me são profundamente!

(abr/93)

40
FORASTEIRO

O que dura no meu peito como o espaço


É o tempo que procuro sem cessar.
Não posso desviar-me dos meus passos -
Um sonho vale mais que não sonhar.

Pois tudo o que de mim provei ser livre


Vagueia junto ao vento que me expande
Adiante como a estrada que não vive
Sem ter sobre seu curso alguém que ande.

Janelas vão se abrir pelas manhãs


E a luz reverterá meu sonho inteiro.
Se outrora fui deserto em meu afã

Nas grades em que eu era prisioneiro,


Ao menos fiz da cela a guardiã
Da livre solidão dos forasteiros.

(jun/93)

41
NEL MEZZO DEL CAMMIN

Vai longe aquele rastro de esperança,


A parte do meu sonho que partiu.
Não quero precisar não ter lembrança
Do amor que nem ao menos existiu.

Eu sei que a noite incerta não tem vultos,


Nem luzes, porque a noite está em mim.
A quem irão os sonhos insepultos,
Se a morte é não sonhar até o fim?

Adiante, paciente, a dor me espreita,


Ornada de lembranças como a estreita
Passagem de voltar para onde estou.

Mas algo que não vejo me seduz


E eu sei que tu serás aquela luz
No fundo deste túnel em que me vou.

(jun/97)

42
DESCANSAR

Contido neste ocluso firmamento,


Há tempos já não quero mais sair.
Sou pedra, pois nem dor experimento,
Nem sei onde ficou meu ir-e-vir.

Não sei nem mais sofrer por ser assim,


Nem lembro das andanças que já fiz.
Não tenho mais feridas dentro em mim,
Deixei meu coração na cicatriz.

Não restam mais rancor nem falsidade,


E a música sutil da liberdade
É um som que não consigo recordar.

Aqui não há silêncio, há solidão.


Deixai-me aqui em meio à escuridão
E não deixeis a luz me atormentar.

(jun/97)

43
SONETO FRÁGIL

Há sonhos tão distantes nesta vida,


Clamando por fugazes ilusões,
Que até nas desmedidas solidões
Convivem perto a busca e a despedida.

Por isso, nos momentos tão distantes


Do lúcido momento que não pensa,
Amar é transformar a diferença
Que existe entre os amigos e os amantes.

Mas larga é a correnteza e estreita a sorte,


Enquanto alguém curvava seu semblante
Na dor era de amor temendo a morte

De quem partiu sozinho chão adiante,


Dizendo que no peito era tão forte
A dor de ser eterno aquele instante.

(jun/96)

44
SENTIDOS

Atroz feito a certeza de sonhar,


Ao longe se aproxima o que serei,
Cravando a imensidão no meu olhar,
A imagem deste mundo que não sei.

Porém, se nada vale desejar,


Se tudo recomeça diferente,
Recolho meu destino ao seu altar,
Na ânsia que renasça no presente.

E a lágrima que verto em tom de prece


Escoa junto ao Nada em tom silente;
Jamais compreendi como pudesse

Viver meu sonho antigo no presente,


Mas vejo que não sinto o que entristece,
E sinto o que não vejo e o corpo sente.

(jun/95)

45
DESCARRILHAMENTO

Além dos horizontes vai teu brilho,


Guiando a solidão de um trem vazio,
Sou eu que aos pés do ocaso descarrilho,
Fluindo em teu chamado como um rio.

Deslizo destemido e corto os ventos,


Flutuo nesta inércia que é querer.
Procuro-te na espera, nos tormentos,
Na brisa, no sorriso, no sofrer.

A busca é uma fagulha sem destino


Que brilha nestes olhos de menino
Que brinca de trenzinho no luar.

Sou eu que vou trilhando teu caminho,


Seguindo-te, e por isso mais sozinho
Que quando eu só ficava a te esperar.

(jun/97)

46
A ESTRELA

Algo novo no céu vem surgindo,


Uma estrela brilhante, sem par.
Traz no rastro a beleza do lindo
Pôr-do-sol refletido no mar.

Vem de longe, trazendo esperança


Desses mundos que os olhos não vêem.
E traçando um sorriso criança
Neste céu que hoje é noite também.

Pois um sonho estampado no olhar,


Feito noiva brilhante no altar,
É semente da paz sorrateira

Que nos surge aprontando seu laço


Feito estrelas brincando no espaço,
Na ciranda da Luz Verdadeira!

(jun/96)

47
IOSEH

Um nobre carpidor da terra crespa,


Trazendo junto ao corpo seu cantil,
Vai longe, procurando, feito vespa,
Sujeira e tiririca pelo tri´o.

Assim, seu nome escreve em solo quente


Em letra a passo escrita, o desletrado.
E o corpo, sob o sol que invade a mente,
Na terra destes campos faz o arado.

No fôlego que anima o corpanzil,


Adiante espreme/expande o ar no peito,
Pois passo de caboclo é igual funil

Que alarga e afina o espaço rarefeito.


Na vida, carpe o sol que se expandiu,
Na morte, colhe o sol do rio sem leito.

(fev/93)

48
DOIS ESPINHOS

se lágrimas derramo quase sem querer


na noite de delírios que a razão procura,
é a dor que em vão mitiga a chama do prazer
e o pranto recolhido na imortal ventura.

amores são caminhos que jamais terminam,


que vivem sempre sós na imensidão dos passos...
nos vagos horizontes a que se destinam,
sentir o passo forte é descobrir espaços.

nos sonhos, existindo, já trilhei caminhos,


sentindo a morte amena por viver demais.
ao longe, tudo é nada como dois espinhos,

dois cortes nesse abismo que de dor se faz,


dois raios destemidos a brilhar sozinhos
na luz da vida inteira que me brilha atrás.

(jun/93)

49
SPERAE!

Na noite incerta, a sombra, livremente,


Passeia pelo abismo do não-ser;
Flutua, feito corpo que não sente,
O medo permanente de querer.

Florestas verdejantes escondidas,


Por trás das vãs noturnas ilusões,
São almas delirantes esquecidas,
Temendo a sobrevinda de paixões.

E as sombras flutuantes de quem vive


Recolhem-se em mortais desilusões,
Tolhendo o afã secreto de ser livre.

E as puras degredadas confissões


Se perdem nos mistérios impossíveis
De um óbvio retinir de corações!

(jan/93)

50
IMPRESSÕES DO ABISMO

instintos desconexos, na memória esparsa,


da nuvem de silêncio no perdão desabam,
negando a vida toda como numa farsa
de céus escurecendo que jamais se acabam.

as noites, tão desertas, no meu ser disforme,


reluzem vagamente num olhar que espera
os dias que não chegam sem o sol que impera
e a noite que não vai sem derreter meu nome.

na brisa escura e fria de brumoso ser,


opaca luz da noite que vagueia ao vento,
minh’alma turbulenta surge ao florescer

um raio como rosa na meu pensamento,


pois nunca me sonhei tentando reviver
a noite escura, leito do imortal momento.

(jan/93)

51
TRANSPASSO

Mensageiro de um sonhar distante e ameno,


Ultrapasso transversais distâncias, penso,
Revivendo a luz pesada e o sol sereno
Que debruça sobre o som do tempo intenso.

E o Passado, que me inspira o pranto eterno,


Rejubila-se ao prever seu mundo escuro,
De onde surgem novos deuses e um inferno
Flutuante ao fogo intenso em seu futuro.

Sobre as nuvens deste dia me transpasso,


Ressonhando meu destino transparente.
Já cruzei muitas fronteiras neste espaço,

E, por isso, decidi ser diferente:


Ergo os olhos para o céu, retraio o passo,
Abro as asas, fecho os olhos, sigo em frente.

(jan/94)

52
SONETO DA ALMA E DO CORPO

Teus olhos são lagoas de águas turvas,


São pérolas castanhas como a lua.
Teu corpo, desnudado em vagas curvas,
Defronte ao meu desejo se insinua.

Olhando nos teus olhos, brevemente,


A estrela que fizeste ser constante,
Parece que meu corpo e toda a mente
Refletem meu desejo em teu semblante.

Surgiste em minha vida como um raio,


Qual vento mais cortante em mês de maio,
No instante em que nascia a Eternidade.

Destróis minhas angústias num sorriso,


Pois tens a liberdade que preciso
Viver como quem sente uma saudade.

(mar/93)

53
SONETO ESQUECIDO

No mar das incertezas eu navego,


Tão livre que nos ventos me liberto,
Alçando neste céu um vôo cego
Por sobre a solidão do mar deserto.

Nas nuvens minha mente se dilui


Ao vento que interrompe o vôo humano,
O céu então se torna um oceano,
Contendo o meu presente que não flui.

O vôo que descrevo neste abismo


Às leis dos meus desejos desafia:
Nas asas me liberto pelo ar,

Sentindo a solidão no Cataclismo


Que surge como um deus da maresia
Nos sonhos que deixei de navegar.

(mar/93)

54
O CIÚME

Estranhas que hoje negue-lhe o sorriso,


Que esteja triste e quase indiferente;
A máscara dói mais que o ter juízo,
E amar consome o íntimo da mente.

Espera! Não me digas que sabias


De tudo e que nem queres me escutar.
A dor que me tragava tu não vias,
Nem finjas entender se eu confessar.

Tu sabes que a tristeza no sorriso


É fácil disfarçar quando é preciso...
Por isso é que comparo meu ciúme

À rosa que, ferida mortalmente,


No vaso em que agoniza lentamente,
Não nega nem beleza, nem perfume.

(mar/97)

55
EMBARCAÇÃO

Ó noite que perfumas meu sonhar,


Derrama sobre mim tua oração.
És fúlgida lembrança dalgum mar
Que abraça o adeus que leva a embarcação.

Os ventos que sacodem lado a lado,


Enquanto o céu balança sem ter fim,
São frutos da ilusão de estar parado
No mar em que navego sobre mim.

Ó noite em que perdi aquela estrela,


Por culpa da ilusão dos navegantes.
É tarde neste mar para esquecê-la,

No mesmo céu de luzes tão distantes.


Eu fujo sempre e nem desejo vê-la,
Senão, meu céu sacode mais que antes.

(mar/98)

56
DESCAMINHO

No dia em que se foi tua presença,


Segui tua lembrança até onde pude,
Depois tu te esvaíste nesta densa
Poeira de existir que nos ilude.

Foi lógica a partida sem aviso,


Num mundo tão repleto de partir,
Mas louco aquele último sorriso,
Dizendo que tentavas resistir.

Foi pouco aquele espaço de caminho,


Tu partes, e nem sei se vais sozinho,
Pra longe perdoar este veneno.

Em vida, semeaste o meu destino,


Na morte me trouxeste a ser menino,
Nas lágrimas que verto em tom de aceno.

(ago/97)

57
CENÁRIO

Ausência que me alcança, o que fizeste


Daquela em que depus todo o meu ser?
És tu que me retornas no cipreste
Cenário de promessas sem saber?

Ausência que me enlaça, és tu que existes


Na aurora deste dia sem luar?
És tu que vens ruflando as asas tristes
De amores que se foram sem chegar?

Princesa dos meus dias, que tu queres?


Que eu seja o teu poente em tarde amiga?
Contigo voltarei de onde estiveres,

Serás no meu destino uma cantiga.


Feliz tu me farás quando o quiseres,
Embora, por amor, eu não te diga.

(mar/97)

58
OCASO

Campestres vultos, vozes que se fazem deuses,


Quiosques coloridos de fantasmas sãos.
Adiante vai a sombra que vos trouxe Eleusis,
Vós sois o baluarte dos temores vãos.

Um dia, caminhava por florais serenos,


Parei pra ver meus pés que no vergel sumiam.
Não vi sequer a trilha que pudesse ao menos
Levar pra longe os olhos em que reluziam.

Dois pássaros seguiam-me a guardar meus rastros,


No ritmo febril com que procuram astros,
Na trilha deste instante que se fez do acaso.

Adiante havia um rosto de sonhar profundo,


No canto deste abismo mal cabia o mundo,
Imerso na penumbra de um sereno ocaso

(mar/94)

59
TEMPO

Um dia foste meigo como um lago


Que em lágrimas sinceras transbordava.
Sonhavas como um deus perfeito, um mago
Que em lâminas de orvalho se banhava.

Vivias a sonhar profundamente


Com fontes cristalinas das mais puras.
A chuva te envolvia em corpo e mente
Qual grito mais feroz em noite escura.

Depois, como um sussurro te ocultaste


Na breve escuridão de onde provaste
A incerta sensatez de estar presente.

O tempo que passava tu não vias,


O espaço se espalhava enquanto rias,
E agora te fizeste um sol-poente.

(mar/93)

60
ADEUS, ADEUS

Agora, neste Adeus definitivo,


No espelho em que me vejo: o teu olhar,
Só resta ser o eterno-fugitivo
De ti que agora és livre em meu pensar.

Lembrando que esta vida é como um laço


Que alcança-nos por longe que estejamos,
Amor, é tarde e inútil neste espaço
Tentarmos nem saber pra onde vamos!

É pouco procurar a liberdade,


Se tudo sempre finda na vontade
De abrir o coração à insensatez.

O barro em que moldei tua presença,


Lembrando a gelidez da indiferença,
Na lágrima do Adeus já se desfez.

(set/97)

61
INCONSCIENTE

Enquanto cegamente algum sentido


Renasce inconsciente dentro em mim,
Eu finjo que adormeço entorpecido
Na imagem tão disforme do meu fim.

E olhando ensandecido aquele rosto


Que inunda o meu silêncio e faz pensar,
Desfaço-me do tempo e do sol-pôsto
Flutuo e me arremesso pelo ar.

Defronte o sonho antigo e seu portal,


Sem noite que me faça amanhecer,
Um tempo se levanta além do mal

No dia que antecede ao meu nascer -


Imerso neste mundo ocasional,
Sem nada que lembrar ou que esquecer.

(set/97)

62
NONSENSE

Agora que a fissura se rompeu,


Tragando aquela imensa nuvem triste,
O amor que não te dei não é mais meu,
Nem minha aquela dor quando partiste.

É límpida a visão que perpassamos


Na luz de meio-tom do entardecer,
Mas tarde é sempre quando nos lembramos
Que um dia já foi tarde pra esquecer.

As horas se passavam como espinhos


Que ferem com beleza, escondidinhos,
No aroma irracional do meu juízo.

O amor que eu te daria eternamente


Rasgava como um raio a minha mente,
Enquanto eu me calava em teu sorriso.

(set/97)

63
PASSADO

Acima do Universo e das marquises,


Há um místico luar curvado em manto:
A imagem não tem sombras, só matizes
Do olhar que lança ao mundo o seu espanto.

Na terra nascem rios cujas fontes


São lágrimas perdidas, sem luar:
São mares dando luz aos horizontes
Na linha em que se perde o meu pensar.

No molde em que deixei-me descrever,


Nas linhas pontiagudas do meu ser,
Há cinzas de um Passado que esquecemos.

As portas entreabertas não tem chaves,


Por elas passam luzes como aves,
Trincando o grande espelho em que nos vemos.

(set/97)

64
MORTE

Agora que lembrei da vida inteira,


Que o ego transbordou de sua taça,
Sou como a luz que fere a cachoeira
Nas cores do arco-íris que me abraça.

E as portas já se abriram sem ranger,


Enquanto um querubim me olha e diz,
Num ar de quem se esquece que é feliz,
Fitando-me c’o a luz do alvorecer:

“- Entrai-vos, caminheiros que chegais,


O tempo se esgotou, não há mais dor,
De tudo o que vivestes esqueçais,

Aqui, mostrar-vos-ei um céu sem cor,


Deixai todas as malas, não temais:
Entrai no vosso céu interior.”

(set/98)

65
IMPRESSÕES DO ABISMO

Diante deste abismo aberto


Te jogas sempre olhando o incerto
Caminho que deixaste atrás.

Se choras, desfaleço ao ver-te,


Travando com a morte um flerte,
Sorrindo por sofrer demais.

Te vejo sem que tu me vejas,


Sentindo que no ar te adejas,
Rumando sempre ao mesmo cais.

Teu sonho, todo inteiro assim,


Mirando neste céu sem fim,
Me inspira a sempre amar-te mais.

(set/93)

66
ORAÇÃO SEM NOITE

Liberto das correntes dos porquês,


Repleto de ternura e solidez,
Ecôo no silêncio uma oração:
Que brote em mim um pouco de alegria,
Que fique a vida inteira como um dia,
Defronte ao meu sorriso sem razão.
(set/97)

67
IMPRESSÕES DA PORTA ABERTA

montanhas me sufocam sempre ao vê-las


desertas, povoando meus afãs...
à tarde, dormem todas como estrelas,
cobrindo o fogo aceso das manhãs.

há muitas sombras dúbias da verdade,


no mundo, tudo passa e passará.
só fica no meu sonho esta vontade
de sempre e sempre mais querer ficar.

sem ventos, tais momentos, que não são,


nem passam pelos olhos que não vêem;
são máscaras, portais desta ilusão,
são pobres passageiros dalgum trem.

um sonho desabrocha, desabrocha,


tão sonho que de sonho não tem nada.
flutua sob a lua atrás da rocha
o sonho que perdi naquela estrada.

voláteis somos todos, vãos modernos,


contempos dos abismos que se vão.
miremos todos juntos dois infernos,
que dois etéreos deuses nascerão.

(set/93)

68
IMPRESSÕES DO TEMPO

O tempo são diversos temporais encantos,


Sangrando o céu inteiro que se abriu demais.
E os dias, que se foram por caminhos tantos
Surgiram como naus a navegar sem cais.

Um deus que se partiu na imensidão do ser,


É pedra, fogo e pó na imensidão dos passos.
Palavras são cristais que dizem, sem saber,
Que espelhos são silêncios dos azuis espaços.

Os séculos se passam como um trem que vemos


Partindo sempre ao longe num arfar constante.
Os trilhos somos todos que demais morremos,
Sonhando nos vagões da solidão do instante.

Perdidos somos todos que sobrevivemos,


Temendo a morte inteira sem mirá-la em parte.
Em prantos delirantes vagos risos temos
Nas lágrimas intrusas dessa dor sem arte.

(abr/93)

69
AO LONGE HAVIA UM LÍRIO

a glória que me espera num destino incerto


não vale um sonho meigo que morrer me inspire,
e o rumo liso e reto que se faz de aberto
são hélices clamando por alguém que as gire.

a brisa que me afaga desde a vida inteira


reluz como o semblante do imortal rebento
que surge flutuante e que se faz poeira
liberta na verdade que carrega o vento.

meu ego que navega neste céu sem fim,


imerso nesta essência sob a luz de amores,
é este o paraíso que procuro em mim,
que fica deslizando sobre sons e cores.

e os lírios desterrados, que brumosos giram,


são gotas cristalinas das longínquas fontes
que jorram feito olhares que jamais partiram
dos portos que flutuam nestes horizontes.

(abr/96)

70
SONETO INACABADO

Havia pensamentos, longas horas,


Jardins que esparramavam primaveras,
Bravura, beijos, sonhos, vãs demoras,
Olhares desfocados como esperas...

Mas como hei de apagar dos meus cadernos


Teu nome nas canções que foram celas,
Se agora já não somos dois modernos
Vencendo em naus pequenas as procelas?

E quando hei de saber se foi pequena


A dor que me nasceu naquela cena
Do tempo na canção desesperada?

Seria na lembrança da procura


Do amor que é como um quadro sem moldura
Pintado sobre a noite inacabada?

71
TOD UND TRAUM (Morte e Sonho)

Presente e futuro derretem no tempo


Do espaço em que durmo sonhando sonhar.
Seria uma brisa esquecida no vento
Ou cinzas, memórias que esperam chegar?

Se a mente guardasse da vida algum o sonho


Sabendo que a noite nasceu de um clarão,
Por certo seria o fim menos medonho
Nascendo esperança depois da ilusão.

Serei neste mundo um volátil segredo


Que os ventos carregam e deixam bem cedo
Nas pálpebras tíbias que vão despertar.

Assim, neste instante primeiro do fim,


Sou sono profundo nas águas de mim,
No céu navegando a lembrança de amar.

72
VOI CHE AVETE IL MIO CUORE

Oh vida que alargas as margens do rio


No curso em que escapo às barrancas do espaço
Não peço que estejas nas juras que faço:
Pois vejo que estás nas distâncias que crio.

És muitas maneiras de amar quem já vi,


Pessoas e olhares que o tempo levou;
Que alcançam a imagem do espelho em que estou,
Quebrando o feitiço do estar sempre aqui.

Trapaças do tempo, distâncias do olhar,


És vida que enlevas meu corpo que flui
Sem faces que eu possa comigo guardar.

Oh vida que escapas na imagem que rui,


Por fim, serás busca, memória de estar,
Serás bem maior, serás quem não fui...

73
TROPEÇO

Estar aqui é uma imprecisão. Eis-me.


E isto comprovais pelo verso confuso da ânsia sintática.
Mas quem precisa disso? De fazer sentido?
Vós que me ledes até aqui alcançastes meu olhar sem
palavras.
Peço-vos compreendais que há mistérios em ser-se.
Há dor em não mostrar-se,
há sussurros em não ouvir,
há visões em não ver.
E quem precisa do espaço amorfo da lembrança?
Ide-vos rastejando ó ressurreição do inconsciente!!!
Subjugo-vos à ira das potestades
e dos soluços derramados na infância.
Quem vos seduziu a sofrer por opção?
Não sabeis que a dor é uma âncora da vida?
Enumerais questões ante o simples prazer de não respondê-
las.
Dizeis não aos sonhos desiguais
pela pura punição de não vivê-los.

Mas vede que são curtos os reflexos da lógica:


uma fúlgida campana que vibra e se esparrama encarcerada.

Eu vi um quadrado quadrimensional
que encerra a todos os que me amaram mais que eu a mim.
Dói-me o braço e o peito.
Jamais vereis que o céu esconde estrelas durante o dia.
Desconheço cura para a razão, sem sinal, sem vazão.
O mal de estar e não estar, de começar como o esquecer.
Sabeis que o fim nascerá como um rio sem curso:
Do riso, como um soluço,
Do medo, como um tropeço
Do nada como um amor.

74
POEMA DA DEMASIA

Há liberdade demais nos caminhos


Que levam a qualquer lugar algum do mundo
Caminhos demais a passar
Como que sendas, não setas...
Mas... e quando passarem as potestades não
rimadas?
A quem darei o resto da rosa brega
Cuja pétala será sempre sua?
Fico zonzo numa ciranda de crianças
Que brincam de sentir

Como partir sem o mundo para onde rumaram


todos os pássaros?
Quantas prisões cabem dentro de um coração
que insiste em acreditar que existe um pouco
de amor no olhar que se esvazia sem dor?

A quem irão os mortos que nem conheceram o riso


das crianças
que jamais disseram “tudo bem” à iminência de
perderem o que de mais valor possuíam,
em nome da nobreza humana e da soberba
do espírito altivo que flerta sem medos
com a morte enquanto cala diante de seu
amor que lhe transborda os olhos e gestos.

Há motivos demais no silêncio


Destino demais da solidão
Suor demais no desespero
Amor demais sem porquê
Olhar demais sem ilusão
Prazer demais sem perdão
Você demais em mim.

75
LÁPIDE AMENA

Na sombra que some,


Vagueia sem nome
A luz mais pesada.

Um rasgo no espaço,
De livre compasso,
Nas curvas da estrada.

Derrama-se em vulto,
Fugaz e insepulto,
Clareia a jornada.

É o tempo ventando,
Pra longe mostrando
O gume da espada.

É sangue do tempo,
É vida sem volta,
Que escorre por nada.

(abr/97)

76
MONOPOEMA
DO ESPELHO

O Adeus é como um espelho que se quebra:


dividindo a luz e
multiplicando a imagem.

MONOPOEMA
DOS CAMINHOS

A Saudade é a única estrada em que é permitido


caminhar para dois lados, simultaneamente,
pois o tempo não tem espaço para a
distância,
nem sentido para a dor.

(dez/97)

77
RIO IMENSO
Ao longe, o Rio...
Simplesmente Rio solto
Livre, sem barreiras
Deixei-me levar por esse rio, liberto.
Tentei ser poeta, desisti.
E fui profeta de mim.
Hoje sou homem de alma e corpo e de Ser,
Fumaça espiritual de Deus
Sujeito do verbo haver...
Nada me indica onde vou existir
Amanhã.
Pode ser adiante,
além
Ou simplesmente aqui.
Sou muitos e vastas dúvidas
E dividendos divisores múltiplos
De muitos que não sou.
Morresse ontem
E não seria
O que não sou
Hoje.
O rio, ah meu Deus, o rio!
Esse rio corre e passa
Como se deslizasse por sobre a Eternidade
do seu leito.
Rio solto em correnteza,
Livre movimento,
Escravo do seu curso,
Fixo em seu caos.
Nascendo sempre, em todo lugar,
Na correnteza incerta.
Aquele rio nasceu e renasce de mim,
Por isso me corre adiante, desesperado.
Aquele fio de tempo escoando,
De ser fluindo e se transbordando
Sou eu
Sem mim,
Que vou
Sem fim.

78
DISTANTE

Hoje novamente acordei


pensando em ti.
Meu coração palpitou
incessantemente à noite,
enquanto meus olhos te procuraram
entre as estrelas.

É distância, e agora me vejo


solitário como a ilha esquecida
no mar dos sonhos que passam,
como se suas ondas carregassem
a realidade nas suas idas e vindas,
as mesmas ondas que ferem as rochas
e acariciam a areia da praia.

Debato-me em prantos
e me pergunto se voltarei a te ver.
Chegaste como um sonho
real e efêmero em minha vida.
Mas agora estás ausente.
Partiste. E tua presença é a falta.

Lágrimas soberbas me desafiam


a esquecer, mas é pouco.
É preciso partir sempre, como um rio
e ser livre como um caminho.
Eis adiante o tempo e o espaço
Nesta dança infantil da perda.

Mas o tempo é um espaço retraído,


e a qualquer lugar onde fores
estarei sempre contigo,
mesmo que de ti esteja comigo
apenas a Saudade.

(jun/92)

79
INSTANTE

Uma grande muralha corta o mundo e se espalha


para dentro do Ser.
Ódio e dor se misturam e na guerra figuram
a ilusão e o poder.

O soldado, valente, num olhar inocente,


acompanha a porfia.
No seu peito, a saudade, esperança e vontade
de viver mais um dia.

Entre olhares difusos, sob afetos intrusos,


eis o instante feroz:
Compadece consigo, reconhece o amigo
que será seu algoz.

Nada resta a ser feito neste jogo perfeito


que é morrer sem viver.
Já fugindo-lhe o ar, paralisa no olhar
de quem tira-lhe o ser.

Entre a bala e o peito: um olhar contrafeito


e um escudo de horror.
Ante a dor fulminante, tomba e mostra o semblante
na surpresa indolor.

Entre a morte e o medo, o murmúrio e o segredo,


vive sonhos de paz.
Soa o grito de alerta, e a saudade, liberta,
num tremor se desfaz.

(jun/93)

80
BARCOS GREGOS

Teu rosto são barcos partindo,


Um sonho vagando sem porto.

Teu olhos são luzes sorrindo,


Brilhando no céu do teu corpo.

Teu corpo são barcos mentindo,


Rasgando o oceano e o sol-pôsto

Teu barco é meu sonho partindo,


Teu porto que parte sem rosto.

81
TREM DE FLORES

Ao rastro inconstante,
que avistas adiante,
não negues o olhar.

As flores também,
são rastros de alguém
que foi semear.
(abr/93)

82
MULTIFORME

Se os meus olhos se perdem sem medo


Nas quimeras que guardam segredos,
Fico em frente do espelho e me chamo.

Não preciso nem mesmo ilusão,


Multiforme que é meu coração,
Do tamanho do sonho que eu amo.

(abr/93)

83
IMAGEM

Perfeito, o espelho te espera.


Enfrenta-o,
segue-te adiante,
espelho adentro,
sem luz que te siga.

Desbrava teu brilho,


Teu rastro,
Reencontra tua imagem.

É muito pouco não ter passado,


Não tentes curar-te as feridas -
O tempo é uma cicatriz no teu corpo
E as cicatrizes não têm cura,
Elas são divas da memória.

Escapa à lógica do não arrefecer a fúria:


Ao final sempre se encontra o recomeço,
nas chamas que moldaram as cinzas.

Não reduzas a vida ao óbvio da busca,


Reflete a luz sem ódio,
Ordena à sombra que te chame fagulha,
Ao vento que te chame partida.
Desculpa-te. Esculpe-te.
Chama-te de amigo.

(abr/93)

84
VIAGEM

Viaja para longe, sem bagagem.


Leva teu sonho perdido, teu pranto,
Planta distância no teu peito,
Colhe o Infinito.

Viaja para perto de ti mesmo,


Sonha tua realidade. Sorri.
Planta destino no teu presente,
Colhe a Eternidade.
(jan/98)

85
DEPOIMENTO

Na vida tudo é depoimento


Cumplicidade estranha com o detalhe,
Laço frouxo que amarra o sutil
ao verdadeiro.

O bilhetinho sobre a mesa,


O beijo no rosto e no resto,
O olhar da amada, à amada,
Um “oi” disfarçado de “me desculpa”,
Um gesto brusco, sem jeito,
O tempo que passou depressa,
A face envelhecida,
Poesia sem noite,
O adeus que ficou distante.

A carta não respondida


Que é dentro do peito ainda,
Moldando a palavra amada,
Chorando pela não dita.
(abr/97)

86
AUTODECLARAÇÃO

Respiro como quem se entrega.


Minhas ruas são meus rios;
Meu silêncio, meu riso.
Transpiro eternidade quando sonho.
Percorro-me inteiro até me encontrar idéia.
Durmo porque preciso encontrar-me com
a parcela inconsciente de Deus,
um segredo entre nós dois,
o que não é limite, mas uma meta.

Flutuo com o tempo


neste corpo em que sou indivisível.
Arrasto-me pelo espaço, não por escravidão,
mas por inscrever-me.

Existo, choro, contemplo.


Poemo pequeno,
porque a folha em que escrevo
é menor que meu olhar
e maior que minhas mãos.
(ago/93)

87
PROFISSÃO DE BUSCA

Escuta os ruídos longínquos, parecem harpas...


vê quanta coisa à tua volta, sai do teu lugar e vem, sem
medo,
sem vergonha de sujar teus ouvidos e mãos.

Traze teus olhos plangentes, sem soberbo coração.


Desnuda tua alma, liberta em ti o sorriso largo.
Cria um senso juvenil de tristeza, proeza, eis teu desafio:
Viver.
Olha o céu e fica pasmado: Deus está lá...
estaria aqui?
Não obterás resposta, mas permanecerás calado,
simplesmente... olhando...
ouvindo... sentindo...
... o vento que passará ao teu sentir.

Jamais farás tremer-te os pés:


não tentarás tua terra, teu chão.
Pois não serás um deus enquanto contemplares teu Criador.
Poderás fazer-te escadas que te mantenham sempre
acima da terra, subindo, abaixo do equador...

Tudo isso se dará quando os sonhos


te arrebatarem ao inferno e às guerras.
Tu, porém, serás firme, olhando acima, sempre...
Lá estará teu espelho, e aqui teu caminho...
e ali teus pés, e logo à frente a senda reta...
Contemplarás o céu e andarás na terra.
Assim, verás não somente o que há ao teu lado,
mas também o que está acima ou abaixo
dos teus céus e infernos diários.

Jamais te esquecerás de dormir:


só deste modo verás a sombra da tua realidade,
quando fechares os olhos.
Então descobrirás de onde vem a luz
que ilumina teu caminho
e lança tua sombra no chão
onde hás de encontrar teu Destino.

(abr/92)

88
DE PASSAGEM

Ó anjos do céu!
Trazei meu sonho de volta!
Ele partiu sorrindo,
Sofrendo, não sei.
Levou-me consigo
E eu já não consigo
Saber se acordei!

(out/93)

89
ESCORPIÃO

Num lugar distante daqui havia terríveis


escorpiões...
Crianças fechadas em casa,
Mães apavoradas,
Um medo que só vendo!

Mas eis que certo dia chegou um doutor de longe


e disse que o tal escorpião era coisa diferente,
aquilo, na verdade, era lacraia.

A partir de então tudo mudou no lugar,


e as portas de novo se abriram
aos pernilongos...

(out/93)

90
VELHIDADES

Saudades pungentes,
Lugares presentes,
Deixados pra trás.

Os passos antigos
E os velhos amigos
Já não voltam mais.

Marcantes olhares,
Distantes lugares,
Lembrados serão.

Bem dentro do peito,


Do abismo que é feito
Este meu coração.

(jun/92)

91
FLOR DE LARANJEIRA

Você é o sorriso que me arrasa a golpes sutis


de uma beleza corrosiva
aos olhares humanos.
Indecifrável, explicitamente mistério,
sombra de si mesma, sendo o próprio sol.
Existe algo estranho em você, anjo ascendente;
folha livre de outono, rosa morta de inverno,
inferno céu da boca.

O sol do meio-dia, a lua na madrugada


são minha ilusão
e por isso não distantes de você,
risada janeira, dor perene,
flor de laranjeira.
(fev/93)

92
VIDA MINHA

A vida é a minha
Solidão serena
Que não vale a pena
Se não for demais.

Vida, vida errante


Solidão do instante
Eu não passo adiante
Se te vejo atrás.

Vida, vida imensa


Breve, solta, leve
Recompensa inerme
Desta guerra em paz.
(fev/93)

93
CROSSING THE DOUBLE LINE

Viva a solidão das estradas e dos caminhos


Que nos levam a qualquer lugar nenhum do mundo.
A estrada é o altar das ambigüidades da vida,
A faixa dupla a ser cruzada sem saber,
A encruzilhada de qualquer coração sem trilhos
No jardim da nossa casa sem lugar.
O espaço é curvo e reta a vida em que vivemos,
Mas a estrada arrasta a vida ao seu destino.

Era fogo no rio, fumaça sutil, inocente.


Partimos como nuvens que se elevam do solo
Feito túneis de acesso aos anjos e santos,
Ou como a fornalha dos corações incinerados
Celebrada pelos demônios das horas vagas
E pelas divas em que orbitam os mortais quereres.

Nos caminhos da perda não há saudade, há solidão.


Há rumos e rimas que procuram seu lugar,
Há sonhos vãos que vagam sós,
Há busca do destino avesso, do alvo extremo.
Eu te emprestei as armas para tua conquista,
Mas as flechas não seguem caminhos, elas os criam.

Eis o adeus
Meu espelho são teus olhos quando
Vejo em tudo que estou só e distante.
Fica breve quase todo o espaço,
Breve ciclo neste abismo instante.

Na imensidão e lucidez da travessia,


Eram turvas águas, disfarces, aquelas horas.
Foi muito amor para tão curto dia,
Como a fulgidez do olhar que se esvazia.

(ago/96)

94
PASSOS DA CRIAÇÃO
I
Misérias inteiras e pensativas
flutuam no nevoeiro esquecido.

II
Comigo se vão os destruidores de ruínas
ondeantes,
andarilhos das próprias sombras, sem razão de não
sonharem.
Comendo frutos da semente enganosa
do desenvolvimento e dos instintos.

III
Tudo é emoção e nudez!
Mistérios são almas tímidas no limbo do anonimato,
perante o abismo-esquecimento...
e o éter-emergente.

IV
O universo se expande, não sei como,
duma primeira explosão; por certo, de bomba
atômica...

V
Fez-se o cosmos prestes a implodir-se
em vida nalguns lugares
Que perpassariam desde pré-criaturas
até sub-economias... do terceiro segundo.
Tudo em nome da paz mais devastadora
que a guerra contra si mesmo!

VI
Deus tentou destruir sua monótona solidão do
Sempre,
e acabou criando a astrologia do sonho.
95
TURBILHÃO

O mundo nas ruas...


A nua calçada percorro
No coração do turbilhão de anseios
vozes se amassam, crianças se esbarram.
vultos desconhecidos.
Todos os rostos se parecem comigo.
A ginga do camelô revela um mistério de dança,
e canto na voz aguda.
Alguém dorme dentro da catedral
Um bêbado? Um criminoso? Um homem?
Faces perambulam meu cerrado olhar
Um palco de ilusões se dissolve nos destinos
desfeitos em tarde.
A noite pesada se faz na sombra imensa imersa
na vida de quem vivia.
Um metrô passa,
Um olhar passa,
Um dia passa
A sombra sempre volta,
Fumaça.
A nuvem derrama seus deuses,
Trapaça,
Na terra em forma de gente.

(out/92)

96
CANTO DISFORME DA LEMBRANÇA

Na mística lembrança da jornada,


Os passos são badalos de algum sino.
O tempo nem passou por essa estrada
Por onde correm todos os meninos.
Mas restam as lembranças como o nada,
Nos sonhos que navegam seus destinos.

(fev/93)

CRIANÇA

Estranha, distinta e congênita


Bendita é a criança
que chora mas chega aonde sempre esteve.
Deus também reclina seu trono eterno
para ouvir meu lamento dissipado entre a chuva e
o vento
A esperança calcifica o horizonte que agora é um
quadro.
Linda, linda imagem é a do destino.
Um objetivo feito fraternidade
Um destino feito desatino
E meu ser feito coragem
Tudo não gira a sombra
É o sol que ilumina o nada
para que nasçam as trevas.
É a luz que não deixa meu universo sem noite,
sem estrelas, sem sonhos, sem crianças,
e sem deuses.
(out/92)

97
DESPOEMA

eu quero viver da matéria impensável,


subterrânea e inalcançavelmente pura.
por isso, viva o homem-palavra,
que diz-se na existência...
viva a palavra-pedra,
que mata mas não empobrece o espírito,
a pequenez da areia sem praia
e sem beleza de ângulo ou verso,
o fato-verso, o anagrama de capins sem raça
e a falta de inspiração
a que nos leva o excesso de gesto,
a poesia incompreensível do ver-se.

viva a morte que crucifica o sábio para renascer o


santo,
os podres poderes e os padres pobres,
os montes e as montanhas de coisas pra dizer
sem porquê,
as sombras e os breus deste dia dentro de mim,
e os homens e as mulheres, os garfos e as
colheres.

eis a rima, a fonte, o mar e o horizonte,


a estrela da tarde que se foi e o sonho
imprevisível,
o quase impossível de ser livre e a mente
dilatada,
viva o tudo e o quase nada,
viva a vida, viva a estrada.
(fev/93)

98
MONOPOEMA INCONSEQÜENTE

É preciso muita luz e pouco sonho,


muita noite e pouco sono
para compreender o motivo de tudo.
Somos náufragos deste oceano perdido,
mirando miríades de estrelas,
sorrindo para o mar que nos rodeia
e embriaga.
Nessa insanidade do silêncio,
surgirão poetas esquecidos
para gritar verdades
e murmurar tristezas.
E neste abismo dos pensamentos
sozinhos,
surgirão musas e divas,
na sua medievalidade sedutora,
ornando nossos sonhos de alegria,
coroando a vida de espinhos sem salvação.

É do instante que nos vem o acaso da imensidão


e das paisagens, imersos na penumbra deste
dia.

O tempo é como um rio que desemboca


no oceano-conceito ainda inexplicado de
Eternidade.
Por isso, adiante está o mistério do fim:
A lei da luz e a lógica dos ângulos:
Não existem sombras que dispensem
as luzes que as criaram,
porque a luz é um vento sem direção...

(fev/93)

99
NIGHTMARE

Caem as trevas como pétalas noturnas.


Luz perfumada, cio do céu.
Semente de estrelas.

Não há paredes onde procurar janelas.


Também, haveria sol tão perto da solidão?
Pensar é impossível sem os olhos da taquicardia...
Quero ver a palidez da luz ao ritmo de mim.
Dentro deste olhar habita um medo aprisionado,
um lar ferido, um céu rasgado.
Adiante, a cor emudece a rigidez do corpo...

Como numa visão risonha o céu se encolhe,


As formas recuperam-se múltiplas e caóticas.
Impossível descrever o céu sem ofender a Deus.

Haverá fim no recomeço ou


apenas transposição de inícios?

Sonhadores diurnos debruçam na varanda


para verem três crianças e uma ciranda
na dança circular que nos liberta.

Poetas loucos transcrevem tontos


no verso longo a palavra indócil.

Compreender é um acidente da intuição,


misto de fêmea e fera morando em mim.
A sombra enorme recobre a terra, ofusca o coração.
Ergue-se mais um sonho sobre nós,
submersos deuses.

A sombra avança nas nuvens dispersas do ocaso


E vai-se, além.
Para o amanhã.

100
ONTOLOGIA FÚTIL

São as noites infinitas que derramam luz


no inevitável dia explícito.
Muitos acordamos sem ter dormido
a noturna melodia de beleza crepuscular.
Um anjo voador sem asas, com penas
não-brancas,
é o companheiro dos sempre mesmos
puros espaços vazios.
Ela, a noite, fala pelo silêncio,
se insinua pela escuridão,
se manifesta como eterno-sonho.
Uma noite espera o futuro,
como a chuva espera o solo:
indo ao seu encontro.
De luzes a escuridão está salpicada
para que se possa ver a noite
como sombra do que ela é:
a espera e o espelho, a luz.
Mas, de trevas também se faz o a noite,
que não se diz durante o sono,
e sim quando se pisca os olhos
para lubrificar a cortina
da escuridão e a fonte
do brilho das luzes que
vivem principalmente
enquanto
as pálpebras
estão cerradas
no ser
em sono,
profundo -
explicitamente
humano.
(nov/92)

101
NEM DO ROSTO EU LEMBRO

(Passa) (Passa) (Passa)


que de ti jamais sentirei saudades, efêmera,
és um rosto estampado na minha vida,
na minha retina,
nada mais.
Certamente não mais lembrarei de tua face
tão completamente fenômeno.

Eis a tua sombra


Eis a tua inscrição no solo da memória
Eis tua sentença de morte

(jul/93)

102
DÚVIDA

É grande a travessia
rumo aos sonhos nunca dantes navegados.
Chega!
Que venham os leopardos lépidos de amanhã!
Curvarão sobre mim aquelas sombras inebriadas
e com seu alarido infantil jamais serão lembrança
no que de mim já são presente.
Adiante algo distante avista o profundo instante
de solidão que alavanca os olhos.
A água livre corre infante sobre minha alegria
revolve a face,
rega o medo,
revoga a dúvida.
(mai/93)

103
O COPO

sobretudo,
há um copo sobre a mesa,
sobre a mesa, meu olhar,
sobre o copo, sobre a mesa

sobressai o copo
sobre a mesa,
sobra indefeso.

sobretudo vejo tanto


quebro o copo
sobre a mesa.

sobretudo,
entretanto,
sobra o olhar
sombra acesa.

brilha o caco
vai-se o copo
fica o corpo
nos meus olhos
sobre a mesa.
(set/93)

104
SEMÁFORO

Um homem
Parado
Olhando os carros e o semáforo
O sol e as estrelas,
O vento e a existência,
Aguarda
O sinal verde para continuar vivendo.
(mai/93)

NÃO FUME O SILÊNCIO

Digo um trago em tua boca


Te arrebato e deixo louca.
Digo amém, depois adeus.
(mai/93)

105
QUEDA

Vulcões são profetas querendo nascer...


Pois a queda é livre, mas o chão é o limite de qualquer sonho
que ouse desafiar o atrito do vento com o corpo.
Depois daquele dia jamais fui o mesmo
Um dia qualquer, confesso, como hoje
Sob o sol e as nuvens constantes, ergueram-se horizontes
enormes
E como numa cena indizível
Múltiplas faces duelavam entre olhares
Eram vozes multiformes que estampiam
Risonhos anjos reencontrando o sonho
e o céu dispersou meu pensamento
Gestos infantis expressando risos inocentes
E instantes eternos de felicidade incoerente.
Que seria eu, então, um poema sem fim?
Um elenco de expressões sintaticamente redundantes?
Um poeta doente, uma criança gripadinha?
A prova final do meu desajustamento com a realidade?
O rompimento último com a possibilidade mínima de
continuar?
Uma série de perguntas sem respostas nem talvez?
Sou um poemeto indócil em looping eterno...
Releia-me à exaustão: “Vulcões são profetas querendo
nascer...”
Só a Saudade inspira e expande o caminho
Aquele vento que vem e vai
é o fogo em sua alma que enrubesce a brasa
Para além do que fica e sai
é pequeno o gesto que fica depois do adeus
Muito perto, dentro, expresso.
Está o soluço do espírito
Distâncias vagas recuperam os sonhos e as sinas
E divas e delfos que habitaram momentos
Haverá maior caminho na escuridão
do que sempre andar de olhos fechados?
Haverá maneira de se esquecer de uma cicatriz
ou apagar da memória um momento de desespero?

(mai/92)

106
AUTOBIOGRAFIA DESAUTORIZADA
(preferia um título menos previsível)

Não tenho mais nada a dizer. (a quem?)


O poeta está morto? (diga sim)

(Há esperanças querendo nascer de pedras semeadas


com carinho e regadas com lágrimas do instante)
Não mais me adiantam
os ocasos (o sol te emudece!)
e as estrelas... (nem aquela da tua infância?)
Sinto enrijecerem meus lábios, (que beijaram teu sonho?)
secarem meus olhos, (que vitrificaram a beleza)
emudecer minh’alma. (tão criança quando
brinca!)
Talvez tudo seja apenas um recomeço,
Um mo... (imagem horrivel!!!) ...rrer para renascer,
Uma ponte pela qual tenho que passar,
(“Like a bridge over the troubled water”)
Talvez tudo seja um sonho
Que termina ao despertar. (abre-te olhar, abre-te instante!)

Não suporto mais conviver com fantasmas (eu, por exemplo?)


Velhos e novos (no tempespaço do corpalma?) ,
preciso da morte derradeira,
do mármore estéril e gélido. (desse jeito eu tremo!!!)
A morte que eleva ao sublime o indócil e amargo.

Chorar não me comove mais


(a vela que ilumina também chora sem se comover!)
Preciso da sangria do horizonte,
muito mais densa do que fora até aqui.

Desgastei demais o que me moldei em barro,


(...)
Chove dos meus olhos...
e a argila não resiste, amolece e se deforma.

(Amém! Que me venham novamente os querubins!)


(mai/97)

107
Lá longe, quando o tempo se desfaz
Em cenas que a memória já não traz
Existe, eu sei, a luz dos olhos teus.

E assim, não paro e sigo aquela rua,


Em busca da poção que diminua,
Em mim tamanha dor por um adeus.

108

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