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E NOVA
RESUMO
1 STRATHERN, M. The Gender of the Gift. Problems with 2 Ver também: ALMEIDA, M. V. Gênero, masculinidade e
women and problems with society in Melanesia. Berkeley, poder: revendo um caso do sul de Portugal. Anuário
University of California Press, 1988. Antropológico/95. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.
Assim, não se trata mais de focalizar Ao realizar um estudo sobre
apenas as mulheres como objeto de estudo, masculinidade através do viés do conceito de
mas sim os processos de formação da gênero e, baseado nos conceitos de Marilyn
feminilidade e da masculinidade, ou os Strathern, Almeida (1996) elabora
sujeitos femininos e masculinos (sem considerações que desfazem a associação
referência à mulheres e homens, homem-masculino. Segundo o autor,
respectivamente). O aspecto relacional do masculinidade e feminilidade não são
conceito aponta para a consideração do sobreponíveis respectivamente a homens e
masculino e feminino (e/ou suas percepções) mulheres, mas são metáforas de poder e de
como dependentes e constitutivos um do capacidade de ação e, como tal, acessíveis a
outro, ou seja, os sujeitos se produzem em homens e mulheres.
relação e na relação. Portanto, é preciso ressaltar que a
relação comumente estabelecida entre
MASCULINIDADES E masculinidade, homens e poder tem um
FEMINILIDADES caráter móvel. Isso não quer dizer, entretanto,
que não exista uma “masculinidade dos
Partindo do pressuposto de que o homens”, siginifca que essa expressão não é
gênero engloba homens e mulheres, indo óbvia.
além dos sujeitos concretos, o que está em Nesse sentido, o autor considera a
jogo são as relações que são estabelecidas e masculinidade hegemônica (baseado em
as atribuições de masculino e feminino CONNELL, 1995), como um modelo cultural
elaboradas através dessas relações. ideal que, não sendo atingida por nenhum
Ressalta-se, então, que estudos sobre homem, exerce poder controlador sobre
homens ou mulheres sem referência ao homens e mulheres. Indo mais além, Almeida
gênero desconsideram que a masculinidade e (1996) afirma que a masculinidade não pode
a feminilidade são constituídas nas relações ser vista como a mera formulação cultural de
estabelecidas entre homens e mulheres, entre um dado natural, uma vez que ela é marcada
homens e homens, e entre mulheres e por assimetrias (como heterossexual/
mulheres. homossexual) e hierarquias (de mais a menos
Connell3 (1995) apud Costa (1998b) “masculino”).
considera que a masculinidade faz parte de Seguindo este raciocínio, o autor faz
um processo e não é uma categoria estática e uma crítica a trabalhos que se embasam na
universal que possa ser definida de uma vez posição construcionista (construção social da
por todas. As masculinidades são masculinidade/feminilidade), pois, segundo
configurações das práticas das relações de ele, a diferença biológica é, ela mesma,
gênero, da mesma forma como estão histórica e culturalmente relativa. Dentre os
perpassadas pelas relações de raça e classe vários problemas que esta posição apresenta,
social. cabe ressaltar: não aborda como o sexo é
construído; encara as relações entre homens
e mulheres como entidades polarizadas
e fixas; impede uma visão da dinâmica
polifacetada das masculinidades e
feminilidades e o uso desses termos como
3 Ver BOURDIEU, P. A dominação masculina. Rio de operadores metafóricos para o poder e a
Janeiro: Bertrand Brasil, 1999 (tradução Maria Helena diferenciação mesmo a níveis que não são os
Kühner) e LAQUEUR, T. Inventando o sexo: corpo e gênero de sexo e gênero.
dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001 Esse interesse pela abordagem
(tradução Vera Whately). realizada por Almeida (1998) sobre
masculinidades se explica quando o autor CLÁUDIA E NOVA: ALGUMAS
questiona4 : “(...) se eu falo – a partir de CONSIDERAÇÕES
Connell – de masculinidades hegemônica e
subalterna, será que há feminilidade No Brasil, de acordo com Severo
hegemônica e feminilidades subalternas? (1995), os referenciais de imprensa para as
Porque disso ninguém fala....” (p. 212). mulheres são as revistas Cláudia e Nova.
Continuando sua reflexão, o autor Cláudia foi a primeira revista de texto para
mesmo conclui: mulheres, sendo lançada em junho de 1961.
(...) provavelmente a hegemonia não Possui um público-alvo de classe média e alta
é um sistema dicotômico, ou seja, e se dirige a mulheres cronologicamente mais
não há hegemonia masculina e maduras, geralmente casadas, mães e que se
hegemonia feminina, mas sim dedicam ao lar. Já a revista Nova pretende
hegemonia masculina e todo o resto, representar a voz de um tipo de mulher das
que inclui as feminilidades e as mesmas classes sociais, porém mais jovem,
masculinidades subalternas, que geralmente solteira ou divorciada, e que
podem ser várias, basta a orientação trabalha fora de casa. Cláudia e Nova são
sexual para introduzir diferença (p. publicadas pela Editora Abril e foram
212). baseadas nas revistas norte-americanas Good
Perante a improbabilidade colocada Housekeeping e Cosmopolitan,
por esse autor de se falar em hegemonia respectivamente.
feminina, indaga-se se realmente não existe Ao realizar uma crítica ao artigo de
um “modelo cultural ideal” de feminilidade, e Severo, Pires (1996) ressalta, entre outros
se este não exerce poder controlador sobre pontos, que as distinções entre as leitoras de
homens e mulheres. Cláudia e Nova não foram ilustradas com
dados pertinentes. Ao disponibilizar alguns
DISCUSSÃO dados de 1990 (último ano do universo de
pesquisa de Severo), este autor observa que,
na verdade, as distinções anteriormente
colocadas perdem o sentido.
Tabela 1 - Idade das leitoras
Revistas Mulheres que trabalham Donas de casa Donas de casa que trabalham
Cláudia 50% 49% 22%
Nova 57% 35% 17%
Fonte: XXII Estudos Marplan/90 – 9 mercados