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BRASÍLIA
2005
i
Andrade, Liza Maria Souza
207 p. : il.
CDD
CDU
ii
TERMO DE APROVAÇÃO
Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre pelo Curso de Pós-
Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.
iii
iv
A Nina, Ana, Marcos e aos meus pais a quem
dedico carinhosamente este trabalho.
v
vi
AGRADECIMENTOS
Para o leitor, os agradecimentos sempre são uma listagem tediosa e inútil. Para o escritor é
quando temos a oportunidade de fazer justiça as pessoas e aos amigos que nos
incentivaram e nos agüentaram ao longo de todo o processo.
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à professora Rachel Naves Blumenschein da
FAU/UnB pela grande contribuição da minha iniciação ao tema desenvolvimento sustentável
e pelo carinho demonstrado.
À professora Marta Romero, mais do que uma orientadora, uma amiga, quero expressar
meu reconhecimento pelo profundo compromisso intelectual e a confiança que sempre
demonstrou pelo meu trabalho.
À professora Eliani Carvalho da FAU/UnB pela amizade e pelas aulas maravilhosas de Infra-
estrutura as quais me fizeram aproximar de Tecnologias Alternativas para o Saneamento
Ambiental.
À professora Suzi Huff Theodoro do CDS/UnB pela força no início da caminhada e pela
oportunidade de ensinar o procedimento para desenvolver Estudos de Impactos Ambientais.
Ao professor Luiz Alberto de Campos Gouvêa (Jacaré), pela oportunidade de ministrar aula
ao seu lado para a turma de Projeto de Urbanismo I e pelas diferentes contribuições no
processo. Igualmente ao professor Vicente Barcellos e ao professor Antonio Carlos Cabral
Carpintero pelas opiniões divergentes que contribuíram indiretamente para o fortalecimento
dos argumentos da pesquisa.
À professora Lúcia Cony Faria Cidade do Departamento de Geografia da UnB pelas
contribuições na fase de projeto . E à professora Claudia Naves David Amorim da FAU/UnB
pela gentileza em contribuir fazendo parte da composição da banca.
Ao professor Ricardo Bernardes do Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de
Tecnologia da UnB pela contribuição no aprendizado de cálculo e compreensão de
tecnologias sustentáveis, como drenagem natural e tratamento de esgoto com sistema
anaeróbio e leito cultivado.
Aos professores que, indiretamente, contribuíram na busca dos princípios de
sustentabilidade. Ao professor Miguel Aloysio Sattler, pela admiração ao seu trabalho
determinado junto ao grupo de pesquisa em Edificações e Comunidades Sustentáveis do
NORIE da UFRGS. À professora Jeanine Maria Felfili do Departamento de Engenharia
Florestal da UnB pelo trabalho em defesa das Áreas de Proteção Ambiental no DF e ao
professor Anthony Alissom Brandão Santos do MP pelo curso de Legislação Ambiental. Ao
professor Genebaldo Freire Dias do curso de Gestão Ambiental da Universidade Católica
pelo seu conhecimento sobre pegada ecológica e sustentabilidade humana.
Aos funcionários da SUPIN/SEDUH do DF pela disposição e contribuições com informações
importantes para acelerar o processo de coleta de dados.
Ao Luiz Rocha da EMATER pela demonstração do projeto de agricultura urbana para a Vila
Varjão.
Ao professor de inglês Milton da Western Idiomas pelas aulas enriquecedoras e discussões
sobre o livro Ecocidades.
À Anita presidente da Associação de Mulheres do Varjão pelo seu apoio e contribuições
com depoimentos sobre o processo de ocupação.
Ao amigo e companheiro Valério Medeiros da FAU/UnB (o mais acadêmico de todos) pelas
contribuições acadêmicas, mapas e modelagens utilizados neste trabalho além de sua
grandeza como ser humano. E à Paulinha agradeço o apoio constante.
vii
À amiga, irmã, Juliana Saitter Garrocho quero agradecer pela solidariedade em todos os
momentos, juntamente com o Lu, seu companheiro. À amiga Darja Kos Braga pela
delicadeza e simplicidade em suas atitudes.
À amiga e companheira Rejane Jung Vianna que, mesmo com as divergências ideológicas,
não impediram o crescimento da nossa amizade e contribuíram para fortalecer meus
argumentos.
Aos colegas do grupo formado na disciplina de Bioclimatismo do PPG-FAU pelo
companheirismo, que tornaram a passagem pelo curso mais agradável. Á Delayse, em
especial, pelo companheirismo nos seminários em defesa do Cerrado.
Ao companheiro George da Guia, agradeço a disponibilidade para me acompanhar ao
levantamento de campo da Vila Varjão. E aos colegas do CDS/UnB, Núbia, Simone e
Augusto pelas contribuições no desenvolvimento do EIA-RIMA na disciplina de AIA.
Aos amigos da secretaria da PPG-FAU, Junior, João e Conceição, quero demonstrar meu
reconhecimento pela disponibilidade que sempre nos atenderam.
Não poderia de deixar de registrar meu reconhecimento aos amigos Daphne e Cassiano
pela amizade acolhedora desde que chegamos a Brasília.
Aos amigos companheiros Ana Prisce e Aloísio Brandão quero expressar minha gratidão por
todos os momentos agradáveis que passamos juntos.
Aos queridos amigos de sempre de Belo Horizonte: Marcela e Musso, Luciana (Lu) e
Heloísa, Paulo Dimas, Zé e Ricardo, com os quais dividi angústias e dúvidas, agradeço a
constante solidariedade e amizade da qual muito me orgulho.
Aos parentes que indiretamente torceram pelo êxito do trabalho e à amiga Geralda que me
ajudou diariamente com as crianças.
Não poderia deixar de agradecer aos meus pais no constante incentivo as minhas
atividades. À força de minha mãe, que mesmo lutando contra a doença conseguiu iluminar
meu caminho. E ao meu pai, uma referência na busca do conhecimento.
Finalmente, minha gratidão ao Marcos, companheiro de todas as horas, cuja ajuda
inestimável jamais me faltou. Às minhas filhas Nina (desenho da capa) e Ana que me fazem
refletir sobre o futuro das próximas gerações.
viii
APRESENTAÇÃO
Procuramos tratar o Desenho Urbano não apenas como um produto final acabado, mas
como parte do processo de planejamento urbano - considerando a qualidade físico-
ambiental das cidades e o processo de controle de políticas, planos, projetos e programas -
no qual todas as decisões de desenho, com suas recomendações específicas, terminarão
por afetar a qualidade do meio ambiente local ou global.
A temática é necessária por duas razões. Primeiro pela escassa literatura, em língua
portuguesa, que aborde ao mesmo tempo e com a mesma intensidade as dimensões
físicas, espaciais, sociais, econômicas e éticas para elaborar procedimentos de desenho
voltados para Cidades Sustentáveis. Segundo porque em nosso país já se tornou evidente
as condições locais de degradação ambiental provocadas pelas desigualdades sociais,
típicas das cidades do terceiro mundo, para as quais o desenho inadequado contribui
fortemente.
Pensamos ser esta a nossa contribuição para o trabalho dos profissionais da área de
arquitetura e urbanismo, bem como para aqueles cujas ações têm interfaces com o campo
disciplinar do Desenho Urbano, visando nortear as atividades que atualmente estão
desconectadas.
ix
x
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS xii
LISTA DE TABELAS xviii
LISTA DE QUADROS xviii
RESUMO xix
ABSTRACT xxi
INTRODUÇÃO 1
1.Delimitação do Tema – Problema 6
2.Relevância do Tema – Justificativa 12
3.Objeto 18
4.Objetivos 20
5. Hipótese 20
6. Metodologia 21
1a. PARTE: DEFINIÇÃO DE CONCEITOS E A EVOLUÇÃO DO DESENHO URBANO 23
ASSOCIADO AO DESENHO DA PAISAGEM
CAPÍTULO I - A EVOLUÇÃO DO ECOURBANISMO OU URBANISMO SUSTENTÁVEL 25
E PADRÕES URBANOS ATUAIS.
1.1 - A evolução do desenho urbano associado ao desenho da paisagem 29
1.2 - O planejamento das Cidades-Jardins 31
1.3 - A Cidade-Jardim e o Ecourbanismo 35
1.4 - O planejamento urbano ampliado de Village Homes e as tecnologias sustentáveis 38
1.5 - Os padrões urbanos atuais predominantes nos EUA 42
1.6 - Experiências européias de cidades sustentáveis 47
1.7 - Iniciativas brasileiras para assentamentos de habitações sustentáveis 51
CAPÍTULO II - PRINCÍPIOS ECOLÓGICOS: DIRETRIZES PARA A CONSTRUÇÃO DE 57
ASSENTAMENTOS URBANOS SUSTENTÁVEIS
2.1 - Princípios ecológicos 62
2.2 - Permacultura: princípios do desenho ambiental 63
2.3 - A aplicação dos princípios ecossistêmicos no espaço urbano 69
2.4 - Princípios associados à morfologia urbana 74
2.5 - Aplicação dos princípios de sustentabilidade às várias escalas territoriais 80
2.6 - Procedimentos para aplicação de princípios de sustentabilidade no desenho de um 83
condomínio na região do Distrito Federal
2a PARTE – DEMONSTRAÇÃO DO PROBLEMA - CONFLITOS ENTRE AS AGENDAS 94
VERDE E MARROM NO BRASIL
CAPÍTULO III - A IMPORTÃNCIA DAS ÁREAS AMBIENTALMENTE PROTEGIDAS NO 99
BRASIL PARA DESENHO URBANO SUSTENTÁVEL
3.1 - A legislação ambiental brasileira representada nos instrumentos da gestão 100
ambiental urbana
3.2 - As Áreas de Proteção Permanente – APPs nas cidades 111
3.3 - A importância das APPs nas cidades para a drenagem urbana 114
xi
3.4 - A Gestão Ecológica do Ciclo da Água: definição de princípios 121
CAPÍTULO IV - “HIGIENIZAR OU ECOLOGIZAR” ASSENTAMENTOS EM ÁREAS DE 133
PROTEÇÃO AMBIENTAL
4.1 - Caracterização do assentamento localizado em Área de Proteção Ambiental: Vila 137
Varjão - Distrito Federal
4.2 - Programa Habitar Brasil/BID: uma tentativa de planejamento ambiental 152
4.3 - Controvérsias e Conflitos Governamentais do Licenciamento Ambiental do Projeto 158
Integrado da Vila Varjão – PROGRAMA HABITAR BRASIL/BID
4.4 - “Higienizar” ou “Ecologizar” assentamentos em Áreas de Proteção Ambiental? 172
CONCLUSÃO 185
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 199
ANEXOS 209
xii
LISTA DE FIGURAS
xiii
Figura 1.39 - Foto do condomínio Jurerê Internacional - SC 45
Figura 1.40 - Foto do condomínio Jurerê Internacional - SC 45
Figura 1.41 - Foto do condomínio Jurerê Internacional - SC 45
Figura 1.42 - Projeto de Frank Gehry (Pós-Urbanista) - Museu Guggenhein em Bilbao 46
– Espanha
Figura 1.43 - Projeto de Frank Gehry (Pós-Urbanista) - Museu Guggenhein em Bilbao 46
– Espanha
Figura 1.44 - Projeto de Frank Gehry (Pós-Urbanista) - Museu Guggenhein em Bilbao 46
– Espanha
Figura 1.45 - Maquete do condomínio de Ecolônia – Holanda (1991-1993) 48
Figura 1.46 - Foto do condomínio de Ecolônia – Holanda (1991-1993) 48
Figura 1.47 - Foto do condomínio de Ecolônia – Holanda (1991-1993) 48
Figura 1.48 - Empreendimento de Nieuwland em Amersfoort – Holanda (1994-2000) 49
Figura 1.49 - Empreendimento de Nieuwland em Amersfoort – Holanda (1994-2000) 49
Figura 1.50 - Desenho da gleba de 2,3 ha projetada pelo CETHS 52
Figura 1.51 - Perspectiva da gleba de 2,3 ha e da habitação projetada pelo CETHS 52
Figura 1.52 - Perspectiva da gleba de 2,3 ha e da habitação projetada pelo CETHS 52
Figura 2.1 - Construção com tecnologias alternativas do Instituto de Permacultura e 65
Ecovilas do Cerrado
Figura 2.2 - Construção com tecnologias alternativas do Instituto de Permacultura e 65
Ecovilas do Cerrado
Figura 2.3 - Foto da Ecovila de Findhorn – Escócia 66
Figura 2.4 - Foto da Ecovila de Findhorn – Escócia 66
Figura 2.5 - Ecovila Visão Futuro – São Paulo - Brasil 67
Figura 2.6 - Ecovila Clareando – São Paulo - Brasil 67
Figura 2.7 - Deslocamentos de uma cidade com zoneamento das atividades para os 71
núcleos de uso misto
Figura 2.8 - Ilustração de uma metrópole transformada em Ecocidade 73
Figura 2.9 - Ilustração de uma metrópole transformada em Ecocidade 73
Figura 2.10 - Ilustração da reconstrução de um centro de cidade para automóveis 73
modificado para um centro ecológico para pedestres - Register
Figura 2.11 - Ilustração da reconstrução de um centro de cidade para automóveis 73
modificado para um centro ecológico para pedestres - Register
Figura 2.12 - Ilustração da reconstrução de um centro de cidade para automóveis 73
modificado para um centro ecológico para pedestres - Register
Figura 2.13 - Desenho do Empreendimento Christie Walk, em Adelaide – Austrália - 78
Figura 2.14 - Foto do Empreendimento Christie Walk, em Adelaide – Austrália - 78
Figura 2.15 - Mapa de localização do Centro de Atividades (CA) 83
Figura 2.16 - Mapa de localização do Centro de Atividades (CA) 83
Figura 2.17 - Foto da quadra CA-6 do Centro de Atividades (CA) 84
Figura 2.18 - Foto da quadra CA-6 do Centro de Atividades (CA) 84
Figura 2.19 - Mapa da topografia do Centro de Atividades do Lago Norte 84
Figura 2.20 - Planta do Condomínio Sustentável do Centro de Atividades do Lago 89
Norte
Figura 2.21 - Mapa de Uso e Ocupação do CA existente desenvolvido pela SEDUH 90
Figura 2.22 - Foto do alto da Chapada de Contagem da Quadra CA – novembro/2002 90
Figura 2.23 - Modelagem do alto da Chapada de Contagem da Quadra CA com a 90
xiv
proposta de intervenção
Figura 2.24 - Desenho do Condomínio Sustentável - Quadra CA-6 91
Figura 2.25 - Localização da Estação de Tratamento do Condomínio Sustentável e 91
Croqui esquemático
Figura 2.26 - Localização da Estação de Tratamento do Condomínio Sustentável e 91
Croqui esquemático
Figura 2.27 - Modelagem da Chapada de Contagem e da Sub-bacia do Ribeirão 92
do Torto
Figura 2.28 - Sistema de Drenagem com bacia de retenção de águas pluviais 92
Figura 3.1 - Tripé da Política de Ocupação Urbana 102
Figura 3.2 - Tripé do Plano de Ocupação Urbana 103
Figura 3.3 - Tripé do plano de ocupação de uma Unidade de Conservação 104
Figura 3.4 - Tripé do Plano de Ocupação das Bacias Hidrográficas 105
Figura 3.5 - Adaptação do diagrama de Bursztyn para as etapas no processo de 109
estudos de impactos ambientais
Figura 3.6 - Fotos da ocupação urbana nas proximidades da Represa Billings – São 113
Paulo, manancial crucial para o abastecimento da maior cidade da
América Latina
Figura 3.7 - Fotos da ocupação urbana nas proximidades da Represa Billings – São 113
Paulo, manancial crucial para o abastecimento da maior cidade da
América Latina
Figura 3.8 - Foto do azul do Rio São Francisco na saída da represa de Três Marias, 113
MG
Figura 3.9 - Foto de erosão por falta de mata ciliar na represa de Furnas, MG 113
Figura 3.10 - Foto do rio assoreado no Portal do Paranapanema 114
Figura 3.11 - Foto do rio Araguaia perto da nascente, com o detalhe da terra erodida 114
por uma voçoroca, que será levada pelo rio nas próximas chuvas
Figura 3.12 - Impactos no ciclo da água após a construção em áreas urbanas 115
Figura 3.13 - Destino das águas: precipitação nas diversas densidades urbanas 117
Figura 3.14 - Croqui do Processo de impacto da drenagem urbana adaptado do 118
esquema de Sunderhsa, 2002
Figura 3.15 - Associação entre os serviços que se relacionam com a água (adaptado 119
do esquema de Tucci, 2003)
Figura 3.16 - Croqui de Hynes de diferentes tipos de drenagem urbana para Virginia 121
Park
Figura 3.17 - Drenagem Tradicional – Córregos canalizados e casas situadas nas 122
várzeas
Figura 3.18 - Drenagem Natural – Córregos preservados e casas fora dos fluxos de 123
água - pequenos canais de infiltração
Figura 3.19 - Comparação entre o sistema tradicional de loteamentos urbanos e o 123
sistema agrupado (clusters) em relação à densidade e à drenagem
Figura 3.20 - Exemplo de drenagem natural nos EUA: Village Homes ( Davis, 123
Califórnia)
Figura 3.21 - Exemplo de drenagem natural nos EUA: Village Homes ( Davis, 123
Califórnia)
Figura 3.22 - Maquete do projeto de Renzo Piano da Potsdamer Platz, em Berlim 124
Figura 3.23 - Maquete do projeto de Renzo Piano da Potsdamer Platz, em Berlim 124
Figura 3.24 - Foto da Potsdamer Platz, em Berlim 124
xv
Figura 3.25 - Sistema de drenagem de Potsdamer Platz de Herbert Dreiseitl 125
Figura 3.26 - Planta de Marlene-Dietrich-Platz, Potsdamer Platz - Berlim 125
Figura 3.27 - Lagoa de retenção das águas pluviais – Ecolônia – Holanda (1991-1993) 126
Figura 3.28 - Condomínio de Ecolônia – Holanda (1991-1993) 126
Figura 3.29 - Condomínio de Ecolônia – Holanda (1991-1993) 126
Figura 3.30 - Condomínio de Ecolônia – Holanda (1991-1993) 126
Figura 3.31 - Foto da Estação de Tratamento de Esgotos com Biossólido de Sertão do 128
Carangola
Figura 3.32 - Foto da Estação de Tratamento de Esgotos com Biossólido de Sertão do 128
Carangola
Figura 3.33 - Modificação no centro de Berkeley com áreas verdes para infiltração – 130
Califórnia
Figura 4.1 - Carta imagem do DF – Degradação do Bioma Cerrado – Landsat/TM-7 - 134
1998
Figura 4.2 - Modelagem da Chapada de Contagem e da Sub-bacia do Ribeirão do 136
Torto
Figura 4.3 - Modelagem da Bacia do Lago Paranoá 138
Figura 4.4 - Modelagem da Bacia do Lago Paranoá 138
Figura 4.5 - Mapa de hidrografia do DF 139
Figura 4.6 - Mapa da Balneabilidade do Lago Paranoá 139
Figura 4.7 - Foto da ETE Norte 139
Figura 4.8 - Foto de satélite do assoreamento do Lago Paranoá no braço Riacho 140
Fundo – SPOT 1995
Figura 4.9 - Foto de satélite do assoreamento do Lago Paranoá no braço Riacho 140
Fundo – LANDSAT 1997
Figura 4.10 - Foto do assoreamento do trecho Riacho Fundo do Lago Paranoá 140
Figura 4.11 - Foto da saída da drenagem das águas pluviais do Lago Paranoá 140
Figura 4.12 - Foto da saída da drenagem das águas pluviais do Lago Paranoá 140
Figura 4.13 - Unidades Hidrográficas da Bacia do Lago Paranoá 141
Figura 4.14 - Drenagem da Bacia do Lago Paranoá 141
Figura 4.15 - Perspectiva multitemporal da ocupação do solo da Sub-bacia do Ribeirão 142
do Torto de 1953 a 1994
Figura 4.16 - Mapa do Corredor Ecológico – Torto/Paranoá – Faixa de degradação 143
ambiental
Figura 4.17 - Foto aérea da Vila Varjão de 2003 144
Figura 4.18 - Projeto de 1991 com a demarcação das poligonais propostas 147
Figura 4.19 - Foto ETE Varjão, antes de ser desativada 151
Figura 4.20 - Foto ETE Varjão, antes de ser desativada 151
Figura 4.21 - Grotas existentes – (APP - curso d´água intermitente com lixões a céu 152
aberto)
Figura 4.22 - Grotas existentes – (APP - curso d´água intermitente com lixões a céu 152
aberto)
Figura 4.23 - Plano de Ocupação do Programa Habitar Brasil/BID 154
Figura 4.24 - Projeto proposto sobre ortofoto de 1991 155
Figura 4.25 - Repetição do modelo de ocupação existente no projeto de 2001 156
Figura 4.26 - Repetição do modelo de ocupação existente no projeto de 2001 156
Figura 4.27 - Detalhe da canalização das grotas 156
xvi
Figura 4.28 - Detalhe da canalização das grotas 156
Figura 4.29 - Detalhe da canalização das grotas 156
Figura 4.30 – Mapa de drenagem da canalização das grotas 157
Figura 4.31 - Fotos da situação das grotas e das ruas após as últimas chuvas – 162
fev/2004
Figura 4.32 - Fotos da situação das grotas e das ruas após as últimas chuvas – 162
fev/2004
Figura 4.33 - Fotos da situação das grotas e das ruas após as últimas chuvas – 162
fev/2004
Figura 4.34 - Fotos da situação das grotas e das ruas após as últimas chuvas – 162
fev/2004
Figura 4.35 - Fotos da situação das grotas e das ruas após as últimas chuvas – 162
fev/2004
Figura 4.36 - Fotos da situação das grotas e das ruas após as últimas chuvas – 162
fev/2004
Figura 4.37 - Croqui da borda de ruptura das chapadas e o limite imposto pelo Código 164
Florestal e pela Resolução CONAMA nº. 303
Figura 4.38 - Detalhe das curvas de nível com ruas não perpendiculares às curvas de 165
nível
Figura 4.39 - Detalhe das curvas de nível com mais de 10% de declividade para 165
superfícies contínuas
Figura 4.40 - Detalhe da situação em que a linha de mudança de declividade não 165
coincide com as linhas de início de escarpa
Figura 4.41 - Detalhe da linha que indica mudança de unidades geomorfológicas 165
Figura 4.42 - Mapa com as linhas de transição entre áreas com média abaixo de 10% 167
de declividade e média acima de 10% de declividade superposto aos
limites determinados pelo Código Florestal para os cursos d’água
Figura 4.43 - Mapa com as linhas de transição entre áreas com média abaixo de 10% 168
de declividade e média acima de 10% - análise, caso a caso, pelo custo-
benefício
Figura 4.44 - Mapa das grotas e nascentes – APPs (curso d´água intermitente – grotas 169
– faixa de 30m e nascentes – raio de 50m) superposto ao Projeto
Integrado da Vila Varjão
Figura 4.45 - Mapa com superposição do parcelamento proposto 171
Figura 4.46 - Foto da encosta (fevereiro de 2004) 173
Figura 4.47 - Foto do início de uma grota (fevereiro de 2004) 173
Figura 4.48 - Foto das obras de higienização do assentamento - out./2004 174
Figura 4.49 - Foto das obras de higienização do assentamento - out./2004 174
Figura 4.50 - Foto das obras de higienização do assentamento - out./2004 174
Figura 4.51 - Foto das obras de higienização do assentamento - out./2004 174
Figura 4.52 - Foto das obras de higienização do assentamento - out./2004 174
Figura 4.53 - Foto das obras de higienização do assentamento - out./2004 174
Figura 4.54 - Foto das obras de higienização do assentamento - out./2004 174
Figura 4.55 - Foto das obras de higienização do assentamento - out./2004 174
Figura 4.56 - Projeto de Revitalização das margens do Córrego São Francisco – Belo 176
Horizonte – MG
Figura 4.57 - Projeto de Revitalização das margens do Córrego São Francisco – Belo 176
Horizonte – MG
xvii
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS
Quadro 3.1 - Impactos causados pela ocupação urbana no ciclo da água 116
Quadro 3.2 - Princípios da gestão ecológica do ciclo da água 124
Quadro 3.3 - Critérios Ambientais para os PDDUS 127
xviii
RESUMO
O estudo aborda o conflito entre os atributos próprios das agendas Verde e Marrom,
refletidos no planejamento e desenho urbano no Brasil, uma vez que inexistem tais
princípios para o processo de desenho. Assim, detectou-se a necessidade de uma
aproximação ecológica por parte das áreas de arquitetura e urbanismo para sua inserção
dentro da Agenda Marrom.
Para tanto, num primeiro momento, investigou-se a evolução do desenho das cidades,
associada ao desenho da paisagem nos países desenvolvidos ao longo do século XX.
Identificou-se que os problemas relacionados à Agenda Marrom foram resolvidos com
intensas práticas urbanísticas e, atualmente, tais países se preocupam com as questões da
Agenda Verde.
xix
xx
ABSTRACT
This study aims to contribute to the development of sustainable environment principles which
could aid in settlement design in environmentally sensitive areas based on data obtained
from environmental impact studies in order to coherently meet current legal requirements.
The study addresses the conflicts between the specific features of the Green and Brown
Agendas, reflected in urban planning and design in Brazil, given that there are no such
principles for the design process. Thus, a need was found for an ecological approach for
fields of architecture and urban planning in order for their integration into the Brown Agenda.
To this end, the study examined, in a first phase, the evolution of city design associated to
landscape design in developed countries throughout twentieth century. It was found that the
problems related to the Brown Agenda were solved with intensive urban practices and that
nowadays such countries are concerned with the issues of the Green Agenda.
In a second phase, the study investigated how ecological principles can become guidelines
for the construction of sustainable communities, appropriate for the design of urban
settlements through the principles of environmental sustainability. Afterwards, a method and
procedure was established for the design of a condominium located in the Federal District of
Brazil and inside the Paranoa Environmental Protection Area (APA do Paranoá). This
method and procedure had been developed in the Urban Design Studio course at the School
of Architecture and Urban Planning of the University of Brasilia.
The environmental licensing process of the urban project developed by the PROGRAMA
HABITAR BRASIL/BID for the settlement of Varjão Village of the Federal District, inside the
Paranoa Environmental Protection Area, was chosen in order to illustrate the inexistence in
Brazil of environmental sustainability principles for the design of urban subdivision in
environmentally sensitive areas, the subject of this research. The study found that there was
no systemic incorporation of the principles, even though some items have been considered.
Therefore, no balance of the various dimensions of sustainability has been obtained.
Considering that urban design is part of the planning process, the environmental
sustainability principles should be considered together with strategies and specific
recommendations as techniques, in a dynamic interrelationship.
xxi
xxii
INTRODUÇÃO
No início deste século, as mudanças globais que estamos experimentando - como os efeitos
da mudança climática no planeta provocados pela emissão de dióxido de carbono, o efeito
estufa, o desflorestamento, o esgotamento de certos recursos e o aumento da população e
da pobreza nos grandes centros urbanos dos países em vias de desenvolvimento - fica
evidente a necessidade pela busca por novas soluções para o processo de desenvolvimento
urbano, fundamentado no uso racional dos recursos naturais, para que estes possam
continuar disponíveis às futuras gerações.
De acordo com Dias (2002), existe uma correlação entre as modificações globais e o
crescimento populacional induzidos pelas práticas de uso do solo e pelas alterações
causadas em sua cobertura. As mudanças de uso do solo são potencializadas quando áreas
são transformadas para abrigar os aglomerados urbanos com o aumento de áreas naturais
produtivas necessárias para sustentar o consumo de alimentos, além do consumo de
combustíveis fósseis, água e energia e áreas para a assimilação de resíduos de atividades
específicas básicas.
1
A população mundial aumentou cerca de 2,4 bilhões nos últimos 30 anos e aproximadamente metade deste
crescimento ocorreu nas cidades. Estima-se que entre 2000 e 2030 quase todas as 2,2 bilhões de pessoas
1
insuficiência no atendimento, inexistência do serviço ou, muitas vezes, adoção de soluções
ambientalmente condenáveis.
Somado a isto, a expansão das cidades, sem qualquer limitação do território, incentivada
pelas políticas públicas de cunho populista2, diminui as áreas circundantes para agricultura e
áreas de reservas naturais ou impõe modificações irreversíveis a áreas ambientalmente
sensíveis.
acrescidas à população mundial acabarão em centros urbanos do mundo em desenvolvimento (Bright et al,
2003).
2
As ofertas de lotes, geralmente, ocorrem em lugares distantes dos centros urbanos, longe de possibilidades de
emprego e sem infra-estrutura. Em Brasília, entre 1990 e 1994, foram ofertados mais de 100.000 lotes na
periferia incentivada por populismo político como forma de controle social e o fomento da indústria da invasão,
registrando a maior taxa de crescimento demográfico do país da época.
3
CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna - A Carta de Atenas, de 1933, estabeleceu princípios
do urbanismo moderno definindo o zoneamento e o plano, com densidades razoáveis, a partir de quatro
funções chaves, cada uma com sua autonomia: habitar, trabalhar, lazer e circulação. Apesar das separações
por usos, as áreas destinadas ao lazer ou áreas verdes permeiam as cidades modernistas projetadas - como no
caso de Brasília.
2
diante, não cumpriram seus objetivos. Surgem espaços ociosos, perigosos,
descaracterizados e sem identidade que geram fortes demonstrações de exclusão.
Segundo Rogers (2001), este modelo, que se tornou fracassado nos países desenvolvidos e
se mantém nos países em desenvolvimento, afasta investimentos em projetos de
desenvolvimento urbano de uso misto que poderiam ter benefícios sociais e ambientais.
Conforme explica Paviani (1991), a segregação social e espacial se deu pela preservação
do aspecto límpido do plano original conjuntamente com a formação e expansão das
cidades satélites que não usufruem dos mesmos equipamentos coletivos urbanos e muito
menos de empregos concentrados no Plano Piloto.
3
E acrescenta:
A água desce desordenada pelas ruas, vinda de nascentes, de esgotos ou da
chuva. Sem estrutura adequada de escoamento, invade condomínios e leva
lixo, dejetos e cascalho para dentro dos córregos. Para se desfazer da água
suja os moradores puxam encanamentos até os córregos e constroem fossas
ecologicamente incorretas; não há sistema de água potável. As nascentes são
usadas de forma desordenada pelos moradores, que constroem poços
artesianos sem nenhum critério. Muitos veios de água secaram; a área de
proteção do córrego não é respeitada. Medições feitas por especialistas da
UnB revelam que em vários pontos do DF o nível das águas subterrâneas está
diminuindo rapidamente. Na região de São Sebastião, por exemplo, onde há
dezenas de condomínios, o abaixamento do lençol freático foi de quatro metros
em cinco anos.
Ao que se vê, um dos maiores problemas que se enfrenta hoje no Distrito Federal, onde
95% da população é urbana, é a ocupação desordenada de seu território. Paradoxalmente,
a maioria de seus assentamentos urbanos informais ou irregulares se encontra em
Unidades de Conservação4 . O Distrito Federal é a unidade da federação brasileira com
maior percentual de áreas protegidas, chegando a aproximadamente 43% do seu território
antes da criação da APA do Planalto Central em janeiro de 2002. (Figura 0.1)
4
Hoje, esta Unidade de Conservação engloba mais de 500 mil hectares, abrange todo o
território do DF5 (exceto zonas urbanas consolidadas e algumas dentro de outras APAs –
limites embasados no Macrozoneamento do Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF
– PDOT/97) e partes dos municípios goianos de Padre Bernardo e Planaltina de Goiás,
cabendo ao IBAMA, e não mais ao governo local, fiscalizar e licenciar todo empreendimento
com impacto ambiental nesta região.
Assim, qualquer projeto urbanístico que esteja nesta área, desenvolvido pela Secretaria de
Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação do DF – SEDUH, deve passar pela
aprovação do IBAMA. Conseqüentemente, o processo de licenciamento ambiental para a
regularização dos assentamentos torna-se mais complexo, uma vez que o projeto
urbanístico é desenvolvido por profissionais da área de arquitetura e urbanismo do órgão
distrital e o licenciamento ambiental é assegurado por técnicos ambientais do órgão
ambiental, na esfera federal.
O EIA-Rima funciona como um elo entre o componente político e social, responsável pela
execução das diretrizes ambientais, e o componente técnico, científico e legal desses
instrumentos. No entanto, existe um distanciamento entre as informações obtidas nos
estudos de impactos ambientais e as análises e proposições para as intervenções urbanas,
ou seja, apresentam um caráter mais enciclopédico do que analítico.
5
Ver em anexo o Mapa Ambiental do DF e a Área de Proteção Ambiental do Plananto Central.
5
território ou de planos de ordenamento territorial (PDOT), e tentativas correlatas de
zoneamento. As principais vulnerabilidades ambientais de assentamentos sem
planejamento são: escassez e poluição dos recursos hídricos e a susceptibilidade do solo à
erosão, que contribuiem para a diminuição da biodiversidade.
A abordagem da questão ambiental para áreas urbanas no Brasil requer uma especificidade
de percepção que envolve múltiplos atores e conflitos de interesses com dimensões
bastante complexas. Além da problemática em si enquanto desastres possíveis, os
problemas ambientais urbanos devem ser vistos sobretudo pelo critério da conflitualidade
entre os atores, principalmente quando os elementos do ambiente não são incorporados nas
soluções urbanísticas (proposta, planejamento e desenho).
De acordo com Pacheco et al (1992), em relação ao aspecto teórico-metodológico, a
questão ambiental urbana não tem ainda um estatuto delimitado devido ao tratamento
dissociado entre ecologia e a questão urbana. No campo concreto das políticas urbanas
com uma abordagem integrada, há a tendência de se gerar uma nova agenda de pontos a
serem contempladas no planejamento e gestão das cidades.
6
Competência legislativa concorrente - cabe a União Federal (UF) fazer as normas gerais a serem
respeitadas pelos demais Entes Federativos: os Estados Membros da Federação, o Distrito Federal e os
Municípios. A função dos demais entes da Federação é criar leis com o intuito de viabilizar, frente a seus
6
disputas políticas no que tange os limites jurídico-legais implicados nos termos da
competência concorrente e as esferas de governo. Os municípios não têm poder decisório
sobre as questões relativas aos recursos hídricos e ao saneamento e buscam se aglutinar
na forma de consórcio intermunicipal e os governos estadual e federal, por sua vez, têm que
se adaptar às mudanças no processo decisório e nas rotinas internalizadas da máquina
administrativa.
Continuando na visão de Pacheco (op. cit.), cada agência procura se colocar como
interlocutor político-privilegiado e busca novos arranjos institucionais, aliando-se muitas
vezes a novos atores público ou privados, que, por sua vez, travam uma luta por melhor
posicionamento institucional e maior influência nas discussões orçamentárias (interesses
coorporativo-burocráticos).
Assim, começa a existir outro aspecto de disputa: as interfaces que cortam as duas esferas
burocráticas: pública e privada. Nestas interfaces, os interesses da sociedade civil começam
a aparecer e os novos agentes sociais passam a ter papel importante nas discussões e
propostas alternativas. No entanto, nem sempre os interesses dos diversos grupos sociais
são coincidentes, tornando-se um desafio a construção de articulações inovadoras entre os
atores que regulam, fiscalizam e consomem os recursos naturais.
A Agenda 21, documento previsto na Rio-92, com o plano de ações para as nações do
ponto de vista do desenvolvimento sustentável, estabelece uma verdadeira parceria entre
governos e sociedades. É um roteiro de ações concretas, com metas, recursos e
responsabilidades definidas e serve de guia para as ações do governo e de todas as
comunidades. Ocorre que os problemas e interesses das nações desenvolvidas e em
desenvolvimento são diferentes e nas prioridades de ação ficou nítida a separação de
agendas denominadas “Verde” e “Marrom”.
problemas e características peculiares, as normas gerais estabelecidas pela UF e pela CF. No caso do DF a Lei
Orgânica é subordinada a CF. Competência executiva concorrente – os órgãos e entidades da UF, Estados
Membros, Distrito Federal e Município responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental: órgão
central – Ministério do Meio Ambiente, órgão executor – IBAMA, órgãos seccionais – secretarias estaduais e do
DF do meio ambiente, órgãos locais – secretarias municipais do meio ambiente (Santos et al, 2004).
7
A Agenda Verde se refere a assuntos como a preservação de florestas e biodiversidade,
mudanças climáticas, enquanto a Agenda Marrom, segundo terminologia utilizada pelos
profissionais da área de saneamento ambiental, refere-se a problemas ambientais urbanos,
como poluição do ar, da água e do solo, coleta e reciclagem do lixo e ordenamento
territorial. (Tabela 01)
De acordo com Anjos (2003), os conflitos7 entre os atributos das duas agendas partem das
diferenças entre as prioridades ambientais de países desenvolvidos e países em vias de
desenvolvimento. As grandes cidades dos países desenvolvidos passaram por esses
problemas no final do século XIX: superpopulação, pobreza, problemas com saúde,
canalizações de esgoto a céu aberto e detritos e resíduos próximos às moradias.
7
Na visão de Theodoro, Cordeiro e Beke (2004), os conflitos modernos, sobretudo os socioambientais, são
inerentes à própria formação do modelo atual da sociedade, os quais contêm dualismos divergentes,
considerando-se conflito um processo de associação de objetivos, nem sempre compatíveis, quando se trata de
disputas envolvendo os recursos naturais. Assim, o conflito tem como incumbência resolver uma unidade
perdida, reunindo o embate entre os atores envolvidos. Constitui-se num elemento vital para a renovação e
unidade das sociedades, podendo ser às vezes responsável pela desagregação, pois nem sempre conduz à
conciliação. É necessário que não se perca a noção, de que os conflitos não se resolvem entre procedimentos
maniqueístas, e sim na busca de um ponto intermediário. Os conflitos podem ser classificados em: potenciais,
nos quais as situações mostram a possibilidade do confronto e, manifestos, nos quais existem atores
conscientes da possibilidade do confronto. Deve-se considerar quatro elementos centrais quando se analisa um
conflito: os atores, a natureza (econômica, política, ambiental, entre outras), os objetos e as dinâmicas.
8
condições de vida, por meio de vários modelos higienistas8 de Reforma Urbana. Podem aqui
ser citadas, desde as Leis Sanitárias de 1848, que permitiam a intervenção do Estado para
reformas em áreas insalubres na Inglaterra, passando pela reforma de Paris em1860, do
Barão Haussman, até o movimento para as Cidades-Jardins de Ebenezer Howard9, também
na Inglaterra em 1898, que dava ênfase ao desenvolvimento econômico e os problemas
sociais integrados ao desenho da paisagem. Estas questões serão abordadas no capítulo 1,
no qual trata a evolução do desenho urbano associado ao desenho da paisagem.
8
No Brasil, no final do século XIX, com o aumento da taxa de crescimento urbano, a intervenção estatal também
se deu por meio de concepções higienistas que não questionavam as causas da insalubridade resultando em um
autoritarismo sanitário. A intervenção do poder público no controle da produção do espaço urbano foi
desenvolvida em três direções: legislação urbanística, planos de saneamento básico e estratégias de controle
sanitário (BonduKi, 1998).
9
Os ideais de Howard são vistos hoje como um dos precursores do Ecourbanismo apesar do efeito de
suburbanização ou periferização que estes promoveram. No entanto, os princípios para a construção de
Cidades-Jardins não foram trazidos na íntegra para os países da América Latina: o que se transplantou para cá
foi o modelo de Subúrbio-Jardim, uma concepção incompleta para empreendimentos de classe média (Hardoy et
al, 1988).
10
Nos países desenvolvidos em apenas três décadas (1960 a 1990), 1/5 da cobertura florestal nativa foi perdida.
(Dias, 2002).
11
Nas últimas décadas, as áreas urbanas dos países desenvolvidos apresentaram progressos na resolução dos
seus problemas ambientais locais, no entanto em decorrência dos seus altos padrões de consumo, continuam
contribuindo para sobrecarregar os ambientes no âmbito regional e global.
12
Tais problemas urbanos existem nas cidades da América Latina, como São Paulo, desde o início do século
XX. (Bonduki, 1998)
13
Fonte: Correio Braziliense, 21 de setembro, 2003.
9
baseados nos interesses da Agenda Verde e menos na Agenda Marrom14. Na maioria das
vezes os temas ambientais urbanos são abordados por engenheiros ambientais, numa fase
posterior aos projetos urbanísticos, sendo, portanto, tratados como projetos
complementares.
Os programas abordados pelo setor de saneamento e recursos hídricos são dominados por
forças hegemônicas, enquanto a área ambiental é relegada a grupos politicamente menos
fortes, o que dificulta a aceitação de novas tecnologias ou tecnologias alternativas. Neste
sentido, as organizações governamentais e o setor privado preferem optar por tecnologias
convencionais caras, mesmo sabendo que as tecnologias alternativas bem projetadas e
implantadas bem resolveriam a demanda.
No Brasil, é comum associar ecologia à luta contra a devastação dos recursos naturais e no
âmbito do urbano recai sobre o aumento de áreas verdes ou a diminuição de cortes de
árvores. Só mais recentemente, com os alarmantes casos de enchentes, contaminação de
mananciais para o abastecimento de água e racionamento, a imprensa começou a enfatizar
questões relativas aos serviços urbanos. Torna-se necessário passar da percepção de
catástrofes e riscos eventuais à consciência dos problemas cotidianos.
Os dilemas socioambientais urbanos que afligem países como o Brasil são vistos apenas
como de curto prazo e não estão relacionados à degradação planetária. São políticas de
gestão ambiental urbana de “final de tubo15” voltadas para resolver problemas existentes
14
No Brasil a atuação do Ministério do Meio Ambiente no campo da gestão ambiental urbana – a chamada
Agenda Marrom – teve origem em 1999, com a criação da Secretaria de Qualidade Ambiental nos
Assentamentos Humanos e da Gerência de Gestão Ambiental Urbana e Regional. E no ano de 2002, com a
criação do Ministério das Cidades inicia-se o Programa de Modernização do Saneamento Ambiental.
15
Final de tubo - Terminologia utilizada para as soluções de impactos ambientais causados por industrias para
problemas imediatos, que já estão como poluentes. Não levam em consideração todo o processo, ou seja, o
ciclo de vida dos produtos.
10
ou apenas para substituir problemas, ao invés de estabelecer soluções ecológicas
alternativas à ocupação do espaço urbano.
De acordo com Fortes (2003), uma gestão ambiental urbana deve se dedicar às atividades
de gerenciamento de uma cidade na perspectiva da melhoria e da conservação de sua
qualidade ambiental. Isso implica desenvolver atividades de "Engenharia Ambiental16" e de
"Ecologia Aplicada ao Meio Urbano", além de atividades que envolvam a formulação e
aplicação da "Legislação Ambiental" e das normas complementares.
São atividades que devem ser pensadas simultaneamente, pois apesar da Legislação
Ambiental Brasileira ser bastante rigorosa em suas normas disciplinadores para o meio
ambiente ecologicamente equilibrado, não possui, em seus instrumentos, princípios ou
padrões com soluções técnicas para a reurbanização de assentamentos em áreas
ambientalmente protegidas.
Conforme analisa Ribas (2003), o grande desafio está em promover uma melhor integração
16
A Engenharia Ambiental trata das atividades dedicadas ao exame dos problemas de poluentes dispostos no
meio ambiente e os requisitos tecnológicos do manejo de contaminantes existentes na água, solo e ar. Pode-se,
também, desenvolver tecnologias sustentáveis para aplicações diretas nos projetos de arquitetura e urbanismo.
A Ecologia Aplicada ao Meio Urbano desenvolve atividades que examinam a estrutura dos ecossistemas e a
dos organismos vivos e a relação funcional existente entre estes e o meio físico. Avalia os ciclos de energia e
nutrientes, a dinâmica populacional e os fatores limitantes que influem na qualidade dos ecossistemas. É
importante para se estabelecer princípios ecológicos para outras áreas do conhecimento.
A Legislação Ambiental, por sua vez, é o conjunto de normas jurídicas produzidas pelos poderes
representativos (executivo, legislativo e judiciário), e constituem a base para a determinação do contexto legal
que permite o adequado manejo do meio ambiente e a utilização criteriosa de seus recursos (Fortes, 2004).
11
entre a política urbana e a política ambiental e, ao mesmo tempo, promover um enfoque
sistêmico na definição de princípios e instrumentos de planejamento para todos os atores
envolvidos na direção de um desenvolvimento urbano sustentável. Cabe ao projetista uma
série de estratégias ou princípios associados à morfologia para assegurar a sustentabilidade
ambiental.
Fica então a questão para os projetistas urbanos em descobrir como evitar os conflitos entre
as duas Agendas para que não seja necessário “destruir para crescer, principalmente
porque são países que não terão fundos para esta reconstrução urbana. De acordo com
Register (2002) “a construção constrói”, se não for levada em consideração a estrutura física
da cidade e a sua organização, não seremos capazes de resolver todos os problemas da
desintegração do planeta. ...”Aquilo que se constrói cria possibilidades e limites para o modo
de se viver, ao mesmo tempo educa àqueles que moram na cidade sobre os valores e as
preocupações reais”.
Segundo Bursztyn (1994), a AIA tem como funções definir os critérios relevantes ambientais,
conhecer e identificar os processos socioeconômicos, conhecer os ecossistemas, fornecer
subsídios para a tomada de decisão e viabilizar os canais de participação da sociedade. Por
meio desse instrumento, pode-se reduzir ou anular benefícios socioeconômicos previstos
num determinado projeto.
12
se intervir numa etapa anterior da decisão à realização de um determinado projeto que
acaba resultando na elaboração de um estudo de impacto ambiental (EIA-RIMA).17
Além disso, a partir da análise das informações disponíveis sobre a região, pelas diversas
áreas do conhecimento, seria possível formular um desenho urbano verdadeiramente
ecológico se houvesse um método para se projetar de acordo com princípios de
sustentabilidade ambiental que pudessem ser aplicados diretamente à morfologia urbana.
17
O Estudo de Impacto Ambiental foi introduzido no sistema normativo brasileiro, via Lei 6.803/80, no seu artigo
o
10, § 3 . , que tornou obrigatória a apresentação de “estudos especiais de alternativas e de avaliações de
impacto” para a localização de pólos petroquímicos, cloroquímicos, carboquímicos e instalações nucleares.
Posteriormente, a Resolução CONAMA 001/86 estabeleceu a exigência de elaboração de Estudo de Impacto
Ambiental – EIA e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – RIMA para o licenciamento de diversas atividades
13
Entretanto, sabe-se que ainda existe uma lacuna entre as restrições impostas pelos estudos
de impactos ambientais e as soluções urbanísticas adotadas.
Esse instrumento importante da gestão ambiental urbana deveria ser utilizado anteriormente
e durante os planos e projetos de intervenção, pois sem entender a morfologia e atividades
urbanas associadas ao meio natural, como poderemos projetar cidades ou lugares
ecologicamente saudáveis?
Não se deveria insistir no “tratamento padrão” de nossas cidades, onde se privilegia o uso
do automóvel que, por sua vez, contribui para a expansão urbana por meio de um sistema
viário monumental e grandes redes de infra-estrutura impermeabilizando grande parte das
áreas urbanas, com a canalização de grande parte dos riachos. Este modelo urbanístico
atual de pouca densidade contribui também para a perda da escala de vizinhança e o
rompimento da organização social priorizando o espaço privado.
Por que não introduzir a dimensão ecológica nos vários processos de urbanização desde o
planejamento, design e estratégias de desenvolvimento?
modificadoras do meio ambiente, bem como as diretrizes e atividades técnicas para a sua execução (ABSY et al,
IBAMA, 1995).
14
vegetação e a posição do sol, podem representar uma poderosa ferramenta, ou até mesmo,
uma economia de recursos para o planejamento e desenho do espaço urbano.
O conceito de sustentabilidade foi criado por Lester Brown da WWI (Worldwatch Institute),
no início da década de 1980. Foi definido que “uma sociedade sustentável é aquela capaz
de satisfazer suas necessidades sem comprometer as chances de sobrevivências das
gerações futuras”.
Alguns anos depois foi utilizada pela Comissão Mundial do Meio Ambiente e
Desenvolvimento, no famoso Relatório Brundtland de 1986, a mesma definição para
apresentar a noção de desenvolvimento sustentável. Afirmava-se seria “o desenvolvimento
que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações
futuras de suprir suas próprias necessidades”. No entanto, por se tratar de um documento,
essa definição não nos mostra como devemos construir uma sociedade sustentável e, muito
menos, como devemos construir cidades sustentáveis.
Foi a partir desse relatório que a idéia de que é necessário um esforço comum e planetário
para corrigir os rumos do modelo de desenvolvimento econômico se firmou no cenário
político, idéia reforçada em 1992, quando ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro.
15
sustentabilidade.
Nesse contexto, o Brasil coloca-se no mundo globalizado com uma questão fundamental: os
problemas típicos dos países do Primeiro Mundo de degradação ambiental derivados do
excesso de desenvolvimento (poluição industriais, concentração populacional nas
metrópoles, uso indevido dos recursos naturais) e da ausência de desenvolvimento
(pobreza, condições de saúde e educação precárias, carências de moradias e de serviços
de saneamento). Como equacionar tais problemas na direção do desenvolvimento
sustentável?
Distingue quatro dimensões básicas: uma dimensão ética, compromisso com as gerações
futuras; uma dimensão temporal, que planeja a longo prazo; uma dimensão social, baseada
numa sociedade menos desigual e com pluralismo político; e uma dimensão prática, na qual
se reconhece como necessária a mudança de hábitos de consumo e de comportamentos.
As dimensões complementam a dimensão econômica do Relatório Brundland, de 1987, no
18
Uma Cidade sustentável precisa atender aos nossos objetivos sociais, ambientais, políticos, culturais,
econômicos e físicos. Na visão de Rogers (2001), ela tem que ser uma cidade justa, bonita, criativa, ecológica,
fácil (mobilidade), compacta e policêntrica (maximizar a proximidade) e diversificada.
16
qual se diz que é possível crescer sem destruir.
Dentre as quinze propostas relacionadas ao item 3, no qual este estudo está inserido cabe
ressaltar: “promover mudanças nos procedimentos utilizados para lidar com assentamentos
e com projetos habitacionais, passando a levar em consideração o conforto, a qualidade
ambiental e a ecoeficiência, com o máximo aproveitamento de materiais reciclados e
apropriados.”
17
Segundo Ruano (2000), o Ecourbanismo é uma nova disciplina que articula múltiplas e
complexas variáveis e incorpora uma aproximação sistêmica ao desenho urbano com uma
visão integrada e unificada, trazendo, como conseqüência, a superação da divisão clássica
do urbanismo tradicional e seus critérios formais e estilísticos. A partir deste novo paradigma
deve-se estabelecer uma relação dialética entre o planejamento estratégico e o desenho
urbano.
Além disso, torna-se necessário investigar princípios19 aplicados à forma urbana e sua
organização que possam ser caracterizados como de sustentabilidade ambiental, a fim de
se entender como projetar assentamentos humanos em equilíbrio com a natureza,
economicamente viáveis e lugares agradáveis para se viver. Conseqüentemente por meio
deste entendimento, tornar-se-ia possível fornecer subsídios para o estabelecimento de
critérios locais para o desenho de parcelamentos urbanos, pois conforme coloca Register
(2002), “a forma que construímos lugares para viver significa o modo que devemos viver”.
3. Objeto
19
Princípios entendidos como teoria e conceito.
20
Em Brasília, o termo “invasão” é normalmente designado para caracterizar um conjunto de moradias
subnormais ou condomínios irregulares promovidos para a classe média.
18
Pode-se estimar que 70% da área total foi desmatada e vários trechos da mata de galeria do
Ribeirão do Torto estão degradadas em função da ocupação antrópica.
O Lago Paranoá é
Brasil formado por quatro
Distrito “braços” principais,
Federal equivalentes aos
quatro principais
Distrito Federal afluentes que são:
Ribeirão do Torto,
Ribeirão Bananal,
Vila Varjão Ribeirão Riacho
área - 102,37 ha Fundo e Ribeirão
do Gama.
Taquari
Centro de Atividades do Ribeirão do
Lago Norte Torto
Península
Norte (Lago Norte)
Lago
Paranoá
Região Administrativa XVIII - Lago Norte
19
4. Objetivos
Esta pesquisa tem como objetivo geral contribuir para o estudo de princípios de
sustentabilidade ambiental que sirvam de base para o processo de desenho de
assentamentos em áreas ambientalmente sensíveis a partir de dados obtidos por meio de
estudos de impactos, permitindo uma melhor adequação de implantações irregulares à
legislação ambiental vigente e evitando conflitos entre as Agendas Verde e Marrom.
4.2.2. Demonstrar o conflito entre as Agendas Verde e Marrom, explicitado nos processos
de regularização de assentamentos em Áreas de Proteção Ambiental. Será adotado como
exemplo o processo de licenciamento ambiental do assentamento da Vila Varjão,
evidenciando: os impactos ambientais de longo alcance, considerando a unidade
hidrográfica, as repercussões conflituosas entre o órgão de planejamento urbano distrital
(Secretaria de Desenvolvimento Urbano - SEDUH/GDF) e o órgão ambiental federal
(IBAMA), e a ausência de tecnologias e princípios ecológicos aplicados ao desenho urbano.
5. Hipótese
20
6. Metodologia
Esta pesquisa está dividida em duas partes. A Primeira Parte, essencialmente teórica, trata
da pesquisa histórica e a definição de conceitos. Fraciona-se em dois capítulos.
Torna-se necessário tomar emprestado conceitos da Ecologia como os utilizados por Dias
(2002) e Capra (2002) para o entendimento de princípios ecológicos. Capra21 (2002) coloca
que, a chave para se implantar comunidades humanas sustentáveis é observar os
ecossistemas naturais, ou melhor, compreender como eles se organizam a fim de maximizar
sua duração e empregar este conhecimento na construção de assentamentos humanos
duradouros. O diagnóstico para intervenções futuras deve-se basear em princípios
ecológicos de organização, comum a todos ecossistemas os quais desenvolveram para
sustentar a teia da vida - a compreensão sistêmica da vida.
É com base nesses princípios que desenvolvemos nosso trabalho, estudando estratégias de
desenho para implantar comunidades sustentáveis e entender em que medida a anatomia
de uma comunidade construída, juntamente com a identificação de princípios da ecologia
baseados em autores como Morin (2003), Pena-Vega (2003) e Capra (2002), podem
contribuir para o estabelecimento de procedimentos e métodos para o desenho de
assentamentos humanos em equilíbrio com a natureza, economicamente viáveis e
agradáveis para se viver.
21
A Segunda Parte aborda especificamente a demonstração do problema da ausência de
princípios de sustentabilidade ambiental que possam ser aplicados ao processo de desenho
de assentamentos urbanos em Áreas de Proteção Ambiental no Brasil. Isto implica conflitos
governamentais no processo de licenciamento ambiental, para que esses assentamentos
sejam regularizados pelos os atores que representam as agendas Verde e Marrom. Está
dividida em dois capítulos.
22
1a. PARTE
23
CAPÍTULO I – A EVOLUÇÃO DO ECOURBANISMO E PADRÕES URBANOS
ATUAIS.
Introdução
Uma das principais transformações ocorridas no mundo, no último século, foi o aumento da
população urbana. Atualmente, mais da metade da população mundial vive em cidades que,
por sua vez, concentram a maior parte da produção industrial.
A virada do século XIX para o século XX, na Europa, foi marcada por ações higienistas24
objetivando solucionar as carências habitacionais e de qualidade de vida existente.
Fundamentaram as ações, uma intensa reestruturação da sociedade e do espaço que
passaram a ser gerido, basicamente, pelo Estado, apoiado por livres iniciativas de grupos
econômicos. Essas intervenções, orientadas pelos princípios do movimento higienista25,
22
Deseconomias são efeitos externos negativos, ou seja, danos provocados que não são diretamente
considerados pelo mercado - constituindo-se em custo social não compensado - e são impostos à sociedade.
(Bursztyn, 1994).
23
Apesar de terem resolvido seus problemas sociais e econômicos, as políticas e iniciativas ali desenvolvidas se
basearam em modelos poluidores. Londres ainda hoje é uma das capitais européias menos sustentáveis, com o
seu famoso “smog”, a elevada contaminação do ar.
24
As intervenções estatais higienistas eram orientadas por estratégias de saúde pública, legislação urbanística e
planos de saneamento básico (Bonduki, 1998).
25
No final do século XIX, a deteriorização das condições de vida em São Paulo, por exemplo, - provocada pelo
afluxo de trabalhadores mal remunerados ou desempregados, falta de habitação popular e condições insalubres,
precariedade dos serviços de água e esgoto, e expansão descontrolada da malha urbana - obrigou o poder
público a intervir com ações higienistas para conter as epidemias. No entanto, segundo Hardoyy (1988), as
condições de moradia e de vida nas cidades industriais européias eram muito piores do que as existentes nas
24
também podem ser percebidas nas cidades dos países da América Latina, especialmente a
partir do início do século XX.
Tais problemas urbanos da época podem ser considerados atuais como os enfrentados pela
Agenda Marrom: pobreza; falta de moradia, coleta de lixo, rede de água e esgoto; ruas
estreitas impedindo a circulação de ar e do sol; moradias amontoadas; poluição e falta de
espaços para lazer; degradação do ambiente urbano e dos recursos naturais.
Londres, na segunda metade do século XIX, era um lugar inóspito, varrido por epidemias
causadas pela insalubridade das ruas sem pavimentação e ausência de sistema de esgotos,
com lixos domésticos e excrementos ali acumulados. As instalações sanitárias das
habitações praticamente não existiam e famílias inteiras, com até oito pessoas, ocupavam o
mesmo quarto. Os edifícios eram de construção precária, com habitualmente um ou dois
andares sem ventilação. (Figura 1.1)
Quando a Lei Sanitária foi aprovada na Inglaterra em 1848, após vinte anos de epidemias, a
população londrina alcançava 2,5 milhões de habitantes, com os trabalhadores vivendo em
condições tão alarmantes que sua chocante descrição foi desenvolvida por Engels no
famoso livro Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra de 1845.27
cidades brasileiras na mesma época, isto porque no ano de 1900 nenhuma cidade da América Latina chegava a
um milhão de habitantes.
26
A conurbação urbana em São Paulo ocorreu por volta de 1880 com base em atividades urbanas associadas
ao complexo cafeeiro – massa de imigrantes, comércio de produtos importados, sistema bancário, consolidando
um pequeno surto da indústria. Até meados da década de 1920 a indústria limitava-se a produzir bens de
consumo para a classe trabalhadora (basicamente têxtil e alimentos) (Bonduki, 1998).
27
Este livro pode ser considerado atual pela crise da habitação em diversos países do mundo em
desenvolvimento.
25
Fig. 1.1 - Vielas estreitas sem iluminação Fig. 1.2 - Ruas estreitas sem iluminação e
e ventilação adequadas – insalubridade ventilação adequadas – insalubridade - Favela da
– doenças – epidemias - Londres - Rocinha - Rio de Janeiro,
Inglaterra, 1900 Fonte: Revista Veja 2000.
Fonte: Revista Veja,2000
De acordo com Burstyn (2001), o final do século XX herdou do final do século XIX uma
interdependência de mercados, em prol de uma globalização excludente das regiões
desnecessárias por meio da tecnologia de informação, tendo no mercado a instância
reguladora ao invés do Estado. Além disso, de uma forte crença no papel da ciência e da
tecnologia na resolução dos problemas, passou para um desencanto e consciência da
necessidade de precaução.
Outra grande diferença entre os finais de século é o aumento populacional28 do planeta, com
metade deste crescimento ocorrendo nos centros urbanos. Grande parte do aumento se deu
em países em vias de desenvolvimento, o que contribuiu para o crescimento das diferenças
entre nações do norte e do sul, além de desigualdades sociais nos próprios países. De
acordo com as Nações Unidas, estima-se que em 2001 o número de pessoas morando em
favelas aumentou para 837 milhões, representando 26% da população na América Latina e
Caribe.
28
Em 1900, apenas 14% da população morava em cidades, já no final do século XX, passou para 50%. O Banco
Mundial prevê que, em 2025, 80% viverá nas cidades no mundo em desenvolvimento. (Gauzin-Müller, 2001)
26
Para uma melhor compreensão de como os países desenvolvidos venceram os conflitos
socioambientais refletidos no desenho das cidades ao longo da história, é importante
analisar propostas urbanísticas, desenvolvidas durante o processo de industrialização na
Europa, especialmente as que buscaram um equilíbrio entre o crescimento econômico e os
problemas sociais integrados ao desenho da paisagem.
É evidente que a análise aqui desenvolvida procura fazer uma releitura de exemplos e tirar
lições para que novas soluções sejam aplicadas no ambiente urbano, nos países em
processo de industrialização, e assim não sejam repetidos os mesmos erros do passado.
Torna-se necessário estudar tais propostas, que procuraram mesclar núcleos residenciais e
de infra-estrutura urbana com áreas verdes, criando novas formas de ocupação voltadas
também para a população de baixa renda. As propostas associam-se como os ideais de
Ebenezer Howard para o movimento das cidades-jardim na Inglaterra do final do século XIX,
que por sua vez foram inspirados em modelos pré-urbanistas da primeira metade do mesmo
século, também ingleses.
Segundo Hardoy (1988), a concepção de Howard para a Cidade-Jardim - alto grau de auto-
suficiência produtiva e cultural com estratégias urbanas que conciliasse a vida no campo e
nas cidades, interligadas a outras Cidades-Jardins similares por transporte ferroviário - não
foi trazida para a América Latina na sua totalidade. A idéia foi deturpada para o modelo de
Subúrbio-Jardim, uma concepção residencial incompleta, convertido em bairro-dormitório
desenvolvido para a classe média, sem fontes de trabalho e contando apenas com serviços
indispensáveis.
De acordo com Freitas (2001), há algumas exceções como o bairro de Realengo no Rio de
Janeiro e o Centro Industrial Jaguaré de São Paulo, executado por iniciativa do empresário
Henrique Dumont Villares na década de 40, com residências voltadas para as classes de
menor poder aquisitivo. Vilares defendia que o homem não morava apenas dentro da casa,
de sua habitação, mas, também, do ambiente constituído por características físicas,
topográficas e de elementos de vida social.
27
que utópicos. O movimento é considerado por muitos teóricos como o início da tentativa de
se criar cidades com auto-suficiência, uma adaptação para futuras cidades sustentáveis.
A seguir, será feita uma análise da evolução do desenho urbano associado a estratégias de
desenho da paisagem, iniciando pelas primeiras vilas pré-urbanistas do século XIX,
passando pelo movimento para construção de Cidades-Jardins e sua influência nos EUA no
chamado Ecourbanismo, até chegar aos padrões urbanos atuais.
New Lanark foi idealizada por Owen como uma cidade de harmonia e cooperação, uma vila
modelo para 1200 habitantes, com o objetivo de estabelecer um sentido de comunidade
auto-suficiente por meio da proximidade com a indústria e produção agrícola, da redução da
jornada de trabalho, da escolaridade obrigatória juntamente com melhorias do habitat.
(Figuras 1.3 e 1.4)
A vila de Saltaire de Titus Salt foi projetada para 3.000 habitantes e sofreu um
aburguesamento - se comparada à vila de Owen. Ali foram difundidos padrões de
comportamento, adequados à ótica capitalista do desempenho do trabalho livre, tais como
regras da moral burguesa e normas de vida. Foram criados parques, escolas, banheiros
públicos, cafés, bibliotecas e serviços de saneamento e iluminação. (Figuras 1.5 e 1.6)
29
No Brasil, somente no início do século XX, principalmente na cidade de São Paulo, foram construídas algumas
vilas operárias como alternativa ao problema da habitação, consideradas como a melhor e mais salubre solução
para a habitação operária. Elas podem ser classificadas em duas modalidades: vilas operárias promovidas por
empresa destinadas a seus operários (Vila Maria Zélia) e vilas operárias produzidas por investidores privados. As
vilas de empresas funcionavam como verdadeiras vilas-cidadelas compostas por vários equipamentos coletivos
como escolas, igrejas, enfermarias, clubes e pequenos comércios administrados e sustentados pela indústria.
Estratégia utilizada para atrair os operários para um mercado incipiente ou como forma de disciplinar seu tempo
livre . (Bonduki, 1998).
28
Fig. 1.3 e 1.4 - Desenho e foto da vila modelo de Robert Owen (1813).
Fonte: New Lanark Heritage Site – (www.newlanark.org)
De acordo com Newton (1971), o desenho de Port Sunlight foi pensado para moradias com
jardins individuais e grandes áreas de espaços públicos abertos, parques, campos de lazer
e playground com áreas de estacionamento, talvez a primeira idéia de superblocks,
identificados posteriormente em Radburn, nos EUA . (Figura 1.8)
29
Howard era, então, um estudioso das idéias de Cadbury e Lever, que posteriormente, em
1902, vieram a se juntar a ele na Associação da Cidade-Jardim com a “Companhia Pioneira
Limitada”, para a futura construção de Letchworth, primeira cidade-jardim.
Fig. 1.7 – Plano de Bournville – 1879 – Fig. 1.8 - Plano de Port Sunlight, 1887 – Willian H. Lever.
George Cadbury Fonte: www.portsunlight.org.uk
Fonte: www.birminghamuk.com/bournville
O movimento para as Cidades-Jardins sintetizou as idéias de sua época e teve como fonte
inspiradora as experiências desses empreendimentos habitacionais associados às
industrias, apesar de se distanciarem dos modelos de desenho urbano classificados por
Choay (op. cit).
A visão utópica de Howard, no final do século XIX, foi uma tentativa de resolver os
problemas de insalubridade, pobreza e poluição nas cidades por meio de desenho de novas
cidades que tivessem uma estreita relação com o campo. Ele apostava no casamento
cidade-campo como forma de assegurar uma combinação perfeita entre as vantagens de
uma vida urbana, cheia de oportunidades e entretenimento juntamente com a beleza e os
prazeres do campo “... cidade e campo devem estar casados, e dessa feliz união nascerá
uma nova esperança, uma nova vida, uma nova civilização” (Howard, 1996 - p. 108).
30
Desta união, o movimento das pessoas de cidades congestionadas se daria naturalmente
como um imã para uma cidade próxima da natureza, que ele considerava ser fonte de vida,
riqueza e felicidade. Conseqüentemente, a indústria se deslocaria para o campo, como
estratégia de desenvolvimento econômico, e, simultaneamente, a produção agrícola teria
mercados prontos da cidade próxima ao núcleo rural. (Fig. 1.9 e 1.10 )
Fig. 1.9 - Diagrama de Howard – Os três imãs: Fig. 1.10 - Diagrama de Howard – Planejamento -
cidade, campo, cidade-campo. (esquema da cidade – o local deveria ser escolhido
Fonte: Lucey, Norman – UK, 1973. antes da execução do desenho.
Fonte: Lucey, Norman – UK, 1973
Sua intenção não era criar um subúrbio jardim, mas uma entidade cidade-campo, em
combinação permanente, com dimensões controladas de 2.400 hectares para 32.000
pessoas, sendo 2.000 hectares para a área rural de 2000 habitantes e 400 hectares para a
parte urbana de 30000 habitantes, divididas em 6 partes ou bairros, com 5.000 habitantes. A
31
zona agrícola agiria como um amortecedor contra o crescimento incontrolável do centro
populacional. (Figura 1.11)
Fig. 1.11 - Diagrama de Howard - Distrito e Centro. Fig. 1.12 - Diagrama de Howard -
(a cidade dividida em 6 setores). Constelação de Cidades.
Fonte: Lucey, Norman – UK, 1973 Fonte: Lucey, Norman – UK, 1973
Para Howard, quando uma cidade atingisse a sua “capacidade de suporte”, novas cidades
deveriam ser formadas em torno de uma cidade central de 58.000 habitantes, que
funcionaria como um núcleo cultural, formando uma constelação de cidades interligadas por
meio de ferrovias e rodovias.
Dentro dos ideais de Howard, o direito ao espaço era o mais defendido, por influência do
cooperativismo, onde as terras agrícolas adquiridas para a implantação do assentamento
seriam registradas em nome de industriais de posição responsável e honra indubitável, que
as arrendariam para os futuros moradores. (Figura 1.12)
O lucro comumente obtido pelo empresário loteador serviria para amortizar a dívida do
empréstimo e seria revertido para a comunidade, em forma de infra-estrutura e edifícios
públicos como patrimônio coletivo. O comércio e a indústria seriam incentivados por meio de
baixas taxas e longos prazos de arrendamento para possibilitar a fixação de novos
moradores.
De acordo com Otoni (1996), Howard tinha a síntese conciliadora entre o socialismo e o
individualismo, pois não acreditava no liberalismo do Estado Inglês, nem na atuação do
Estado socialista controlador de todas as atividades. Reduzia o papel do Estado ao
município e acreditava que sua cidade-jardim poderia ser uma empresa privada. E, portanto,
obteve apoio das mais variadas posições políticas com sua postura moderadora.
32
Em 1903 a “Primeira Cidade-Jardim Ltda” foi registrada como propriedade mista, autorizada
para vender ações para levantar o capital necessário. Isto significou que nenhuma
cooperativa formal foi estabelecida e não ficou claro quando as posses de terras seriam
transferidas para a comunidade, o que apenas veio a se concretizar sessenta anos depois.
A primeira Cidade-Jardim, Letchworth, foi projetada com traçado simples, claro e informal,
diferentemente de configurações geométricas rigorosas de tradição clássica renascentista.
Um centro urbano elevado foi estabelecido, composto por árvores de porte e edifícios
municipais, próximos à estação. A cidade foi dividida em regiões de 5.000 habitantes com
suas próprias infra-estruturas. (Figuras 1.13 e 1.14)
Fig. 1.13 - Foto aérea do centro de Letchworth Fig. 1.14 - Foto do centro de Letchworth,
Fonte: Letchworth Garden City (1903-2003) Fonte: Letchworth Garden City (1903-2003)
www.letchworthgardencity.net www.letchworthgardencity.net
As habitações para as diversas classes sociais formam blocos isolados entre si, recuados
do alinhamento do terreno, com jardins fronteiriços. As ruas têm acesso secundário com “cul
de sac” e passeios gramados, arbustos e árvores, que dão continuidade ao verde dos
espaços públicos. Além dessas feições, a cidade foi pensada como auto-suficiente em
termos de indústria e terras agrícolas, diferente da idéia de subúrbio. (Figuras 1.15, 1.16 e
1.17)
33
Letchwork consistiu num assentamento onde os usuários moram perto do trabalho, com
indústria e agricultura apoiando-se mutuamente, apesar das áreas de lavoura terem sido
planejadas em menor quantidade do que desejava Howard.
Welwyn, a segunda Cidade-Jardim, projetada por Louis de Soissons em 1920, foi uma
ousadia de planejamento regional, visto que havia uma impossibilidade de se desenvolver
uma política urbana abrangente e de âmbito nacional. O assentamento foi localizado mais
perto da capital, permitindo ponderar melhor entre dependência e autonomia.30 (Figuras
1.18, 1.19 e 1.20)
Uma das características mais felizes de Soissons para Welwyn foi o cuidado com a
preservação das condições ambientais, projetando amplos espaços verdes para recreação,
principalmente na periferia da cidade central, ao longo dos limites dos cinturões agrícolas.
30
Os conceitos de autonomia e dependência para a Ecologia Complexa de Edgar Morin serão tratados no
capitulo II. Fazendo uma analogia das cidades aos ecossistemas pode-se dizer que quanto mais um sistema vivo
34
Embora o sucesso de Lethworth tenha sido concreto, a idéia de cidade-jardim se tornou
amplamente incompreendida e era comum confundi-la com os subúrbios-jardins, que se
espalharam pelos arredores de Londres, o que Howard havia tentado eliminar.
Segundo Newton (1971), posteriormente, nos EUA, foram produzidos exemplos muito
importantes e representativos baseados nos princípios de Howard. Porém, as primeiras
vozes do planejamento não foram de industriais preocupados com os trabalhadores e o
desenvolvimento socioeconômico, mas de profissionais de arquitetura da paisagem que
davam ênfase ao desenho físico e aos aspectos da vida em comunidade como Olmsted31,
Vaux e Cleveland.
Em 1928, Clarence Stein, em sintonia com as idéias de Howard, projetou Radburn com as
moradias e jardins individuais, ruas em cul-de-sac e separação de pedestres e veículos por
meio dos superblocks. Os acessos ao centro comunitário, à escola e aos playgrounds
podiam ser feitos por pedestres e eram compostos por um sistema de caminhos
interceptados pelos parques, repercutindo bem a idéia de unidades de vizinhança. A
distinção principal, entretanto, estava na ausência de indústrias e cinturão agrícola. Por isso,
a partir dessa época, os subúrbios jardins expandiram-se nos EUA de maneira unilateral,
sem conteúdo social. (Figuras 1.21 e 1.22)
é autônomo, mais é dependente do ecossistema, pois se supõe uma grande riqueza de relações, de toda a
espécie, com o meio-ambiente, ou seja depende de inter-relações.
31
Frederick Law Olmsted tornou-se um pioneiro e visionário da profissão de arquitetura da paisagem norte-
americana. Contribuiu para o movimento de planejamento e embelezamento das cidades nos EUA no início do
século XX, como no projeto do Central Park, em Nova York, no final da década de 50.
35
O efeito da suburbanização nos EUA com subdivisões residenciais, zoneamento com faixas
comerciais e parques industriais e comerciais, isolados fisicamente, causou vários impactos
ambientais: dependência do automóvel, aumento da poluição, devastação de florestas e
terras agrícolas, concentração de pobreza nas áreas centrais e altos custos de urbanização.
Além disso, resultou no enfraquecimento do espírito comunitário32.
Apesar das derivações das idéias de Ebenezer Howard e seu conceito de cidade-jardim
ficarem enfraquecidos, a partir dos anos setenta, década da Primeira Conferência das
Nações Unidas sobre meio ambiente, em Estocolmo (1972), começaram a surgir alguns
empreendimentos com preocupações ecológicas, motivados pelo movimento ambientalista.
Fig. 1.23 - Foto de Village Homes, 1973 - Fig. 1.24 - Desenho Urbano com orientação
Davis – Califórnia norte-sul para as moradias - Village Homes.
Fonte: Community Greens, 2001. Fonte: www.asu.edu
32
No Brasil, atualmente, percebe-se o enfraquecimento do espírito comunitário nos condomínios de classe
média, onde não há espaços que promovam a convivência da comunidade como clubes, praças ou parques.
33
O condomínio de Village Homes é considerado um bom exemplo de Ecovila urbana. “As Ecovilas são
assentamentos de escala humana, multifuncionais, nos quais as atividades humanas são integradas sem
danificar o mundo natural, contribuindo com o desenvolvimento humano saudável e assim podendo continuar no
futuro indefinido”. Fonte: (East e Leonardos, 2001). O tema será retomado no Capítulo II.
36
1.4 O planejamento urbano ampliado de Village Homes e as tecnologias
sustentáveis
O projeto habitacional foi idealizado pelo arquiteto ambientalista Michael Corbett e sua
esposa Judy Corbett, cujo desenho urbano tem dimensões controladas, grandes cinturões
verdes repletos de árvores frutíferas, zonas agrícolas em meio às casas, drenagem natural
da superfície, orientação solar, uma rede de caminhos para pedestres e ciclovias
interligadas na rede da cidade. Além de habitações, há outros usos como comércio e
empresas de pequeno porte.
O objetivo dos arquitetos consistia na criação de uma comunidade modelo, com o sentido de
vizinhança evidente e objetivando atender positivamente às questões ambientais como
conservação de energia, coleta seletiva de lixo, aproveitamento da compostagem para
hortas e pomares, reaproveitamento da água da chuva através dos canais de infiltração,
produção de alimentos no local e redução do uso do automóvel.
A partir do desenho urbano de uma comunidade de vizinhança foi possível criar a integração
dos moradores prevendo espaços comunitários a cada grupo de oito casas. Além dessas
áreas, a comunidade possui outras locais de convivência, como os pomares, áreas de lazer
e um centro comercial administrado localmente, com ligação interpartes por uma rede de
ciclovias e caminhos para pedestres. (Figuras 1.25 e 1.26)
Fig. 1.25 - Rede de vias e caminhos para Fig. 1.26 - Agrupamento de 8 casas - Village
pedestres e ciclovias - Village Homes. Homes
Fonte: Center of Excellence for Sustainable Fonte: Center of Excellence for Sustainable
Development – Success Stories, 2001. Development – Success Stories, 2001.
Um estudo recente, feito pela Universidade da Califórnia, revelou que, em Village Homes, os
moradores conhecem em média 42 pessoas de vizinhança, o que é bastante expressivo se
comparado ao valor de 17 para outros empreendimentos convencionais. Graças à intensa
vida na rua e ao forte senso de comunidade, os índices de criminalidade correspondem a
37
apenas um décimo dos das subdivisões adjacentes, construídas segundo o habitual
esquema dominado pelo carro.
As vias locais entram no empreendimento por direções opostas, como dedos entrelaçados,
de modo que não há cruzamentos. Assim, as crianças podem brincam tranqüilamente nas
movimentadas e bem vigiadas alamedas, a salvo do tráfego de veículo. O número médio de
automóveis por residência é 1,8, contra os 2,1 das outras partes de Davis.
As ruas são estreitas (7 metros de largura), no sentido leste-oeste, com “cul de sacs” e
compostas por um alinhamento de árvores, de forma a minimizar o uso de automóveis e
reduzir a temperatura. Assim, não só se reduz a intensidade e a velocidade do tráfego,
como também se economiza dinheiro e espaço, uma vez que se exige menos material de
pavimentação, o que melhora o microclima de verão, quando a sombra das árvores
praticamente cobre toda a rua, reduzindo a quantidade de asfalto, que absorve e irradia o
calor do sol. (Figura 1.27)
38
Os espaços residenciais são intercalados por aqueles de usos comerciais e para a
agricultura, além de áreas comuns promotoras da interação social. Os residentes cultivam
vegetais, frutas, flores e ervas para uso doméstico, com hortas e pomares orgânicos
fornecendo frutas frescas para o café da manhã e ajudando a financiar a manutenção das
suas áreas verdes com a venda de hortaliças orgânicas e amêndoas. (Figura 1.28)
O sistema de drenagem de águas pluviais foi resolvido por meio de canais de infiltração
como córregos sazonais com pedras, arbustos e árvores, ao invés dos drenos subterrâneos
de concreto, economizando-se 800 dólares de investimento, por unidade habitacional.
Tal economia pagou grande parte do paisagismo dos amplos cinturões verdes e parques e,
ao mesmo tempo, o próprio sistema de drenagem permite que essas áreas absorvam muita
água, de modo que suas necessidades de irrigação caíram para um terço ou metade.
A água, que corre das ruas, vai diretamente para estes largos canais e pode,
vagarosamente, penetrar no solo para não interromper o ciclo hidrológico. O sistema teve
dificuldades para aprovação junto ao departamento de drenagem da cidade de Davis, mas
hoje, experimentadas fortes chuvas na região, provou sua eficiência suportando uma
capacidade superior ao sistema de drenagem tradicional. (Figura 1.29)
39
Essas depressões da drenagem se integram às vias de circulação para pedestres e as
ciclovias como um foco de vida comunitária. Village Homes por ser comprovadamente um
excelente lugar de moradia, conseguindo atualmente um dos mais altos preços de revenda
por metro quadrado em Davis, apesar de, no princípio, ocupar uma posição modesta no
mercado. Atualmente as unidades são vendidas a 36 dólares por metro quadrado acima do
valor normal de mercado. (Figuras 1.30 e 1.31)
Fig. 1.30 e 1.31 - Fotos do canal de infiltração – Swale – Village Homes – época de chuva e de seca.
Fonte: Davis SA
Com o sucesso obtido, a partir dos anos 90, cresceu um movimento denominado
“Movimento Californiano para Cidades Sustentáveis”, contra a urbanização tipicamente
americana de suburbanização extensiva (sprawl), comprovadamente comprometedora das
terras para agricultura e de preservação ambiental, além do predomínio do transporte
individual e concentração de pobreza nas áreas centrais. Em Sacramento, formou-se uma
Comissão de Governos Locais, uma organização sem fins lucrativos, supervisionados por
Judy Corbett (Village Homes), para estabelecer diretrizes para os governos locais
promoverem a redução do uso do automóvel e da poluição do ar por meio de um melhor
planejamento do uso da terra.
34
Os ideais de cidade-jardim foram utópicos, da mesma forma que a realização do condomínio Village Homes foi
muito difícil em 1973 e seus idealizadores tiveram que enfrentar a rejeição em negativas para vinte tentativas de
financiamento. Além disso, à época sequer existia o conceito de desenvolvimento sustentável e,
conseqüentemente, as instituições públicas não preocupavam com a questão ambiental. A comunidade de
vizinhança de Davis não só se tornou possível, como virou modelo para o mundo inteiro.
40
Conhecidos por princípios Ahwahnee, destacam-se: o uso misto de comércio, lazer,
instituições e moradia com variedade de classes sociais, valorização dos espaços públicos e
áreas verdes com definições e proteções, uso da terra para agricultura sustentável,
drenagem natural, cultivo de espécies nativas, conservação de recursos e redução e
reciclagem de resíduos.
Foram adotadas algumas soluções para conter a expansão urbana (sprawl), como o
aumento de densidade em relação aos subúrbios, incentivo ao uso múltiplo (comércio e
residência na mesma quadra, por exemplo) e zoneamento flexível, permitindo que alguns
dos percursos sejam feitos a pé, com a intenção de diminuir a degradação ambiental local e
planetária e, ao mesmo tempo, promover mais interações de vizinhança, transporte público
eficiente e, por fim, a volta do grid de ruas, em substituição aos cul-de-sac36. (Figuras 1.32 e
1.33)
35
CNU – Congress of New Urbanism 1993, com a presença de nomes como Andrés Duany, Peter Calthorpe,
Robert Fishman, Robert Campbell , Douglas Kelbaugh e Scott Campbell, entre outros.
36
Um fato curioso que ocorreu, segundo Judy Corbett em seu livro “Designing Sustainable Communities:
Learning from Village Homes” é que Michael Corbett não participou desse movimento. Havia uma discordância
entre os arquitetos e os parceiros de Judy sobre a questão da forma urbana. Os primeiros defendiam a malha
viária e os últimos seguiam o conceito de Cidade-Jardim no qual o layout das ruas deveria obedecer às
circunstâncias locais. Em Village Homes o design de cul-de-sac foi utilizado para que o sistema de drenagem
41
Talvez a união desses arquitetos não tenha sido uma vantagem, pois acabaram por
direcionar o Novo Urbanismo para um movimento arquitetônico com estilo formal definido,
tratado como neotradicionalista, caindo num revivalismo excessivo, trazido por Andrés
Duany e Elizabeth Plater-Zyberk, como no projeto de Seaside (Flórida, 1980), apesar de
toda estratégia para se estabelecer comunidades de vizinhança. Casinhas vitorianas com
telhados de duas águas, revestimento de madeira e varanda na parte frontal dominam o
vocabulário, num resgate adequado ao historicismo dos anos 70 e 80 e ao o
conservadorismo da classe média americana. (Figuras 1.34, 1.35 e 1.36)
Para alguns críticos como SorKin (apud Lara, 2001), há que se repensar a questão da
diversidade e revisar suas propostas para alcançar uma parcela maior da população, já que
atualmente se dirige apenas à classe média branca norte-americana, que já possui várias
opções de moradia, deixando de fora os que mais sofrem os problemas urbanos (nos EUA,
os negros e imigrantes). Outra questão, na visão de Marcuse (apud Lara 2001), é que os
empreendimentos em sua maioria são planejados para áreas novas, portanto não foram
testados em regiões com problemas urbanos clássicos.
Kelbaugh (2000), um dos integrantes do grupo de novos urbanistas, defende esse modelo
como sendo utópico, no sentido que aspira para uma ética social e constrói novas
comunidades ou recupera comunidades existentes unindo pessoas de rendas, etnias, raças
natural fosse desenvolvido juntamente com as áreas comuns e os caminhos para pedestres, com menos áreas
pavimentadas e mais áreas para a produção agrícola.
42
e idades diferentes, instaurando, portanto, um ideal cívico de coerência com espaços
públicos e arquitetura pública, usos e construções diferentes.
Fig. 1.37 - Vista aérea do condomínio Jurerê Fig. 1.38 - Foto das casas do condomínio
Internacional Jurerê Internacional
37
O condomínio de Jurerê Internacional, em Florianópolis, possui uma área de 1.200 ha. Foi criado, a partir de
estratégias de planejamento e desenho urbano sustentável, incluindo programa de gestão ambiental
(considerando o monitoramento do entorno – a micro-bacia na qual está inserido e a baía de Jurerê), associação
comunitária ativa, estação de tratamento de esgotos própria com tratamento biológico, sistema viário adequado
para pedestres e bicicletas, lotes sem muros, calçadas amplas e novas técnicas construtivas. No entanto, por
estar mais distante do centro de Florianópolis, funciona como bairro de veraneio.
43
Fig.1.39, 1.40 e 1.41 - Fotos do condomínio Jurerê Internacional.
Segundo Kelbaugh (2000), além do Novo Urbanismo, há pelo menos mais duas escolas de
urbanismo predominante hoje, o que ele chama de Urbanismo do dia a dia e o Pós
Urbanismo38.
O Urbanismo do dia a dia não é utópico porque celebra e constrói no dia a dia a realidade e
a vida comum, com pouca pretensão sobre a possibilidade de construir um ambiente ideal,
organizado e perfeito. Incorpora elementos da cidade que permanecem impalpáveis:
efemeridade, multiplicidade e simultaneidade.
O profissional de desenho urbano atua como um co-participante que entra no diálogo com o
público. As relações do dia a dia são intensificadas e remontadas, ou seja, ao invés de
começar por um projeto inicial, as necessidades vão se adequando ao espaço urbano.
O Pós Urbanismo, por sua vez, é também chamado pelos profissionais de planejamento e
da academia de Urbanismo Koolhaas. São projetos de cidade genérica (Koolhaas) e
aceitam bem as edificações pós-modernas, desconectadas e um urbanismo do tipo
shopping mall, com zonas comerciais de livre consumo ou zonas isoladas de outras.
Possui uma arquitetura mais provocativa e mais extravagante porque tenta lograr êxito com
o consumidor mais sofisticado do ambiente construído, à luz da tecnologia moderna e das
telecomunicações. Não leva em consideração o contexto histórico e físico do entorno, não
38
Three Paradigms: New Ubanism, Everyday Urbanism, Post Urbanism (Kelbaugh, 2000).
44
importando qual o programa ou o local do edifício, à semelhança do que fez o modernismo
com sua linguagem abstrata.
Fig. 1.42, 1.43 e 1,44 - Projeto do arquiteto norte-americano Frank Gehry (Pós-Urbanista) -
Museu Guggenhein em Bilbao – Espanha.
Fonte: Álbum de fotos do El Correo Digital – www.elcorreodigital.com/guggenhein
O que de concreto se pode avaliar é que todas estas escolas apresentam vantagens e
desvantagens. O Novo Urbanismo seria a que mais se aproxima do caminho da
sustentabilidade. Os integrantes se vêem como especialistas em desenho urbano que levam
ao debate público e tentam conduzir o diálogo (freqüentemente por meio de “charretes” do
desenho comunitário) dentro do planejamento e desenho holístico, pois acreditam nas
comunidades tradicionais e exemplos históricos e na forma como eles interagiam com
práticas suas contemporâneas culturais, econômicas, sociais, tecnológicas e ambientais.
Contudo, se apropriaram destes conceitos, mas nem sempre estabelecem tais preceitos nas
soluções de desenho adotadas, muitas vezes preocupam-se em definir apenas estilos
arquitetônicos e de vida.
39
O Pós Urbanismo, considerado estilisticamente por Kelbaugh (2000) como pós estruturalista, promove
espaços com sistemas fora da ordem comum, como portas de entrada para a fantasia, com quebras de tabu, e
zonas comerciais de livre consumo. Tais zonas são vistas como libertadoras porque permitem “para novas
formas do conhecimento, novas possibilidades híbridas, novas formas imprevisíveis de liberdade. É
precisamente esta desconfiança de ordem que tornam os pós-estruturalistas tão contra a arquitetura e
urbanismo”. Este movimento, atualmente, é considerado de vanguarda assim como o modernismo na primeira
metade do século XX.
45
A segunda vertente, o Urbanismo do dia a dia, trabalha o contato direto com a comunidade,
superestimando o aspecto mítico do feio e do comum, mas não visa as questões
estratégicas a longo prazo como a sustentabilidade ambiental, o que em países em vias de
desenvolvimento como o Brasil acabam por trazer repercussões conflituosas entres as
agendas ambientais urbanas. O último movimento, o Pós-Urbanismo, ignora o contexto
urbano, mas trata da liberdade do indivíduo e de novas tecnologias, principalmente nos
aspectos de energia e água.
Gauzin-Müller (2001) coloca que, praticada a gestão ambiental, estas cidades podem
propiciar a transferência de tecnologias e conhecimentos para as cidades dos países em
vias de desenvolvimento, especialmente em relação à conservação dos ecossistemas,
economia de energia, gestão da água e ao controle de resíduos.
40
O capítulo 2 aborda como podem ser esses princípios que formam um conjunto de diretrizes para se projetar
assentamentos humanos sustentáveis.
46
Segundo o autor, o urbanismo sustentável na Europa trabalha com medidas para o
desenvolvimento ecológico dos bairros em três âmbitos de intervenção: na concepção
urbana e técnicas urbanas, na divulgação sobre ecologia e democracia local e na economia
e ecologia.
Para alguns estudiosos, a Holanda hoje é um dos países que estão se destacando em
matéria de desenvolvimento sustentável. Talvez, por conter uma grande concentração de
habitantes em um espaço restrito, o que causa uma pressão considerável sobre o meio
ambiente, e também por sua situação de risco, uma vez que, segundo os cientistas
ambientais, se o nível do mar for elevado, resultado do aquecimento global, várias cidades
holandesas seriam inundadas.
As ruas foram projetadas para serem espaços públicos de convivência, como nas cidades
antigas41 da Europa, e proporcionarem encontros harmônicos entre pedestres, bicicletas,
carros e lazer para as crianças. Foram desenhadas de forma a maximizar o acesso solar
nas moradias e minimizar a exposição aos ventos. Isto implica a limitação da altura das
construções e a definição dos afastamentos necessários. (Figuras 1.45, 1.46, 1.47)
Fig. 1.45, 1.46 e 1.47 – Maquete e fotos do condomínio de Ecolônia – Holanda (1991-1993)
Fonte: Sustainable Comunity Design, 1998.
47
As moradias estão agrupadas ao redor de uma lagoa de retenção42 para águas da chuva,
necessária para manter as condições do solo, bem como o nível do lençol freático e do
habitat aquático. O local no qual foi assentado o empreendimento era uma terra pantanosa
com o nível do lençol freático alto, ou seja, com condições ideais para a formação da lagoa.
O projeto, tido como modelo nos Países Baixos, apresentou um novo enfoque para o
desenvolvimento de empreendimentos de construção em grande escala, a partir da
cooperação entre autoridades locais e o setor privado. O plano incluiu três escolas
primárias, um centro comercial e social e serviços médicos junto a um parque empresarial
de 70 ha.
O projeto iniciou-se com a execução de um Estudo de Impacto Ambiental para área onde
foram propostas alternativas, avaliando os efeitos sobre o meio ambiente. Posteriormente foi
estabelecido um plano de ordenamento territorial municipal para a região, de acordo com as
diretrizes definidas no EIA-RIMA, continuado pelo setor privado e base para o plano diretor
local.
41
A estrutura das cidades antigas européias caracterizava-se por edifícios próximos, lado a lado, que
demarcavam ruas e praças públicas.
42
A drenagem natural do empreendimento será comentada no capítulo III.
48
existente de terras alagadas (solos arenosos), com um sistema eficaz de tratamento de
água e um sistema impermeável para o solo elevado formando uma “ilha”; e, por último, o
jardim urbano de Nieuwland – associando-se ao desenho propriamente dito, com ênfase em
lugares que se apropriam das qualidades do ambiente e arquitetura, a partir da utilização de
materiais menos impactantes e da reciclagem de resíduos de construção e energia,
propondo o aquecimento solar nas habitações.
Atualmente, vários bairros estão sendo executados na Europa com aplicação de princípios
de desenvolvimento sustentável. Gauzin-Müller (2001) faz um expressivo trabalho em seu
livro “Arquitectura ecológica: 29 ejemplos europeus”, descrevendo muitos deles. A intenção
neste capítulo, como se vê, é apenas destacar as preocupações e cuidados com o meio
ambiente que estão sendo aplicadas nesses bairros, uma mescla de preocupações das
Agendas Verde e Marrom, para demonstrar como que os países desenvolvidos estão
trabalhando com o urbanismo sustentável.
43
A gestão das águas da chuva será devidamente abordada no capítulo 3.
49
menos favorecidas. A implantação desses bairros tem um custo inicial ainda muito elevado
para a realidade brasileira e os custos ambientais de longo alcance não são internalizados
pelos órgãos de planejamento urbano.
No Brasil, pode se observar uma pequena evolução na aplicação direta dos princípios do
desenvolvimento sustentável para a arquitetura e urbanismo em algumas instituições
acadêmicas e organizações de assentamentos sustentáveis no âmbito rural, como as
Ecovilas44.
Existem alguns exemplos de tentativas que estão buscando alternativas menos impactantes
para as propostas tradicionais de assentamentos populares, como o Centro Experimental de
Tecnologias Habitacionais Sustentáveis – CETHS, inserido do NORIE (Núcleo Orientado
para Inovação da Edificação) da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) –
coordenado pelo professor Miguel Aloysio Sattler.
50
Além disso, uma nova área de demonstração associada às práticas agrícolas sustentáveis
será implantada, com vistas à produção ecológica de alimentos – tanto para a comunidade
do CETHS, como para a população de Nova Hartz - abrindo espaço para a educação
ambiental e criando oportunidades de empregos.
Fig. 1.51 e 1.52 – Perspectiva da gleba de 2,3 ha e da habitação projetada pelo CETHS
Fonte: CETHS - www.cpgec.ufrgs.br/norie/ceths/index2.htm
44
As questões sobre Ecovilas serão tratadas no capítulo 2.
51
Iniciativas como esta nos fazem acreditar que caminhar na direção do desenvolvimento
sustentável não só é possível como também pode ser economicamente viável para
habitações sociais no Brasil, resolvendo adequadamente as questões da Agenda Marrom.
Conclusão
As cidades dos países hoje considerados industrializados venceram seus problemas sociais
e econômicos com base em um modelo poluidor, por isso estão preocupadas em resolver os
impactos que estas causam no meio ambiente em escala planetária. Vivenciaram intensas
práticas e teorias urbanísticas, desde a fase pré-urbanista no século XIX ao final do século
XX, para conseguirem aplicar os princípios de sustentabilidade no espaço urbano,
englobando interesses das duas Agendas, Verde e Marrom.
Esses ideais e experiências urbanísticas nem sempre chegavam aos países da América
Latina em sua totalidade, como o movimento das Cidades-Jardins de Ebenezer Howard,
deturpado para o modelo de Subúrbio-Jardim, uma concepção de bairro-dormitório
especialmente desenvolvido para a classe média, contando apenas com os serviços
indispensáveis e sem preocupações com o desenvolvimento econômico. Talvez isto tenha
ocorrido pela diferença de processo de urbanização pelo qual os países do norte e do sul
estavam passando.
52
Algumas tendências nessa vertente podem ser identificadas no modelo de cidade-jardim,
tais como: tamanho controlado com acessibilidade aos espaços verdes e aos pedestres,
transporte público adequado, uso misto (de-zoneamento) e mistura de classes sociais,
reaproveitamento de resíduos sólidos em terras agrícolas e centros comerciais com
economia local. Porém, precisam ser reformuladas ou completadas.
Mesmo assim, os princípios defendidos por Howard podem ser notados em assentamentos
norte-americanos a partir dos anos setenta, década da “Primeira Conferência das Nações
Unidas sobre meio ambiente em Estocolmo (1972)”. Bom exemplo, como se atestou pela
análise, é o condomínio de Village Homes, considerado um modelo de desenho urbano
sustentável.
Todavia, o Novo Urbanismo não deixa de ser importante pelos princípios estabelecidos de
ocupação urbana, mas não é visto como solução para os problemas, principalmente porque,
geralmente, são propostas para novos espaços não consolidados, com grandes
possibilidades de intervenção e padrões estilísticos bem definidos, e não interferências em
espaços urbanizados existentes.
Os bairros que estão sendo criados na Europa, por outro lado, não são repetições de formas
ou estilos. O urbanismo sustentável europeu trabalha os aspectos sociais, urbanos,
arquitetônicos, comunitários e ambientais de forma integrada juntamente com tecnologias
53
sustentáveis. No entanto, obtém-se resultados econômicos em longo prazo, dentro de uma
visão de impactos de longo alcance, o que torna difícil a sua aplicação direta nos países em
vias de desenvolvimento.
O urbanismo sustentável no Brasil, ao que parece, tem que passar por uma adequação às
condições e recursos locais, como a iniciativa do CETHS para habitações sustentáveis. No
entanto, é necessário ainda dar continuidade a estudos que pesquisem princípios de
sustentabilidade, que possam ser aplicados em assentamentos urbanos, de forma a obter
uma melhor inserção em grandes centros urbanos.
54
56
CAPÍTULO II - PRINCÍPIOS ECOLÓGICOS: DIRETRIZES PARA A CONSTRUÇÃO
DE ASSENTAMENTOS URBANOS SUSTENTÁVEIS
Introdução
Os aglomerados urbanos contribuem para as alterações globais, o que significa dizer que
mudanças iniciadas por ações em uma parte podem afetar diretamente os eventos em
qualquer outro lugar do planeta. Considerando a situação crítica em que se encontram as
cidades do terceiro mundo, é importante que se tenha em mente a necessidade de buscar
novos instrumentos de análise para que os mesmos erros associados às cidades dos países
desenvolvidos não sejam cometidos. Os procedimentos acadêmicos fragmentados e
reducionistas, até então praticados pela maioria dos planejadores, precisam ser revistos.
Os complexos sistemas urbanos não podem ser reduzidos ao pensamento linear, ou a uma
análise particularizada dos elementos que os integram. Torna-se necessária a busca por
novos paradigmas, ou uma nova ciência, que transcenda as atuais fronteiras disciplinares e
conceituais, guiados por uma visão sistêmica da estrutura da cidade e interdependência
essencial de todos os fenômenos físicos, biológicos, culturais e sociais que ali ocorrem.
45
Estima-se que nos próximos quarenta anos será necessário construir o equivalente a 1.000 cidades de 3
milhões de habitantes. (Gauzin-Müller, 2001)
46
Um ecossistema é definido por Odum (apud Dias, 2002) como a interação entre seres vivos e seu ambiente
não-vivo, inseparavelmente inter-relacionados. A interdependência dos seus componentes físicos e vivos é
57
determinada área, junto com a teia de interações desses organismos com o ambiente físico
e desses organismos entre si. As mudanças no meio ambiente ocorridas são iniciadas pelo
ser humano tais como: remoção da vegetação natural, construção e destruição de sistemas
de drenagem, impermeabilização e compactação do solo, extinção da fauna local, alteração
da absorção da radiação solar e emanação de calor, introdução de resíduos tóxicos, gases
poluentes, esgotos e rejeitos líquidos industriais.
Pena-Vega (2003) faz uma análise das questões epistemológicas da nova ecologia baseada
na teoria da complexidade de Edgar Morin e indaga se a ecologia seria o símbolo de um
novo paradigma nas ciências capaz de integrar as ciências do homem e as ciências da
natureza ou, talvez, a transversalidade entre as ciências. Dito nas palavras de Morin (apud
Pena-Vega 2003, p. 32):
“... a nova consciência ecológica deve modificar a idéia de natureza, tanto nas
ciências biológicas48 (para as quais a natureza era somente a seleção dos sistemas
vivos e não um ecossistema integrador dos ditos sistemas) como para as ciências
humanas (para as quais a natureza era amorfa e desordenada). Por outro lado, o
que deve igualmente modificar-se é a concepção da relação ecológica entre um ser
vivo e seu meio.”
mantida por uma estrutura biofísica, fluxos de energia, ciclos materiais em equilíbrio dinâmico, no ambiente de
suas dimensões espaço-temporais.
47
As pesquisas atuais de natureza interdisciplinar sobre as mudanças ambientais globais induzidas pela
atividade humana ocorrem em dois campos: (1) alterações da superfície da terra (uso do solo) e de sua
cobertura biótica e(2) sobre o metabolismo industrial (Dias, 2002).
48
As ciências naturais, durante os últimos séculos, focalizavam as suas atenções para os sistemas naturais não
diretamente afetados pelas atividades humanas (Dias, 2002).
49
A Unesco/Unep, por meio do programa Homem e Biosfera – MaB em 1971, incorporou a Ecologia Urbana
como uma das grandes áreas para a compreensão da complexidade das cidades. O MaB foi o primeiro
empreendimento internacional que considerou as cidades como sistemas ecológicos e contribuiu para
estabelecer bases para a formulação de um paradigma ecológico aplicável aos complexos sistemas urbanos
(Dias, 2002).
58
matéria, energia e informação: uma forma de organização não–linear que integra os
componentes de um sistema sob diversos caminhos. São sistemas abertos altamente
dependentes de outros ecossistemas do seu entorno, com os quais interagem por meio de
fluxos e trocas.
Alguns autores estimam que as áreas atuais das cidades estão com ordens de magnitudes
maiores do que as áreas fisicamente ocupadas por elas. Sobrevivem de recursos e serviços
apropriados dos fluxos naturais do entorno, ou adquiridos por meio de comércio com todas
as partes do planeta, produzindo um déficit ecológico50. Sendo assim, conforme Dias (2002),
a área total de ecossistemas essencial para a existência contínua de uma cidade é a sua
pegada ecológica51.
50
Déficit ecológico constitui a área que a população se apropria, fora de suas fronteiras, para atender às suas
demandas (Dias, 2002).
51
O conceito de pegada ecológica foi criado por William Rees e Mathis Wackernagel em 1996 como um
instrumento adicional de avaliação ambiental integrada e demonstra, em termos de área territorial, o consumo
das pessoas. Permite calcular a área de terreno produtivo necessária para sustentar o nosso estilo de vida. As
categorias de terrenos são: agrícola, pastagens, oceanos, floresta, energia fóssil e construídos, enquanto as de
consumo compreendem alimentação, habitação, energia, bens de consumo, transportes, etc. Cada categoria de
consumo é convertida numa área de terreno (em princípio, de uma das categorias apresentadas) por meio de
fatores calculados para o efeito. Para fazer o cálculo para a alimentação, por exemplo, basta dividir o consumo
de dada cultura agrícola pela produtividade da terra . É ainda necessário ter em conta as importações e
exportações desse mesmo produto ou de produtos que o utilizem. No DF foi aplicada a avaliação da pegada
ecológica por Dias (2002) numa área delimitada entre Taguatinga, Ceilândia e Samambaia, considerando os
59
O autor desenvolveu uma análise da pegada ecológica de uma área de 13.6376 ha
delimitada por um polígono que engloba as cidades-satélites de Taguatinga, Ceilândia e
Samambaia (Distrito Federal) e constatou que o valor da pegada ecológica da região é 2,24
ha/pessoa, índice inferior ao do Brasil (3,1 ha/pessoa) e da Alemanha (5,3 ha/pessoa),
calculado por Wackernagel. Entretanto, se for considerado o seu déficit ecológico, a área
estudada tem um déficit de –2,22 ha/pessoa, valor que se iguala ao dos países
desenvolvidos – o da Alemanha, por exemplo, é de –3,4 ha/pessoa enquanto o Brasil tem
um superávit de 3,6ha/pessoa.
A pegada ecológica de 2,24 ha/pessoa (2,24 x 738.578 hab) significa, neste caso, que a
população requer 1.654.414,7 ha de áreas naturais para suprir suas demandas e neste caso
a área do local é de 13.637 ha, resultando em um déficit de 1.640.777,7 ha (13.637 /
738.578 = 0,02 – 2,24 = -2,22 ha/pessoa). Segundo Dias, se for considerada a área do
Distrito Federal (582.210 ha), seriam necessários 2,8 (Distritos Federais), só para atender
essa população.
Conclui-se que esses dados corroboram com a própria balança de negócios do Distrito
Federal, onde os gastos com importação são superiores que os com exportação. A título de
esclarecimento, foram considerados para análise os principais itens de consumo, em razão
da população: combustíveis fósseis, resíduos sólidos, energia elétrica, água, madeira, papel
e alimentos, como carne bovina e outros).
itens: população, combustíveis, fósseis, resíduos sólidos, energia elétrica, água, madeira, papel e alimentos
como carne bovina e outros.
60
urbana controlada, (6) respeito pelo genius loci52, (7) ecologia e economia e (8) cooperação
internacional.
Avalizado pelas premissas expostas anteriormente, tendo como base o panorama da busca
de novas formas para o uso e ocupação do solo urbano em equilíbrio com a natureza, este
capítulo apresenta estudo sobre princípios53 da ecologia complexa de Capra (2002), entre
os quais podemos citar redes, ciclos, energia solar, aliança, diversidade e equilíbrio
dinâmico. São esses os pontos de partida para o entendimento do funcionamento dos
ecossistemas e das cidades, se analisadas comparativamente como ecossistemas urbanos.
52
Genius Loci - espírito do lugar. Segundo Norberg-Shulz (1980), as ações e os acontecimentos que ocorrem
referem-se à localidade que é parte integral da existência humana. Assim, alguns fenômenos formam um
ambiente para outros e o termo concreto para denominar o ambiente é lugar. Identificar o espírito do lugar de
uma região torna-se imprescindível para alcançar a sustentabilidade nas cidades, pois além da conservação da
natureza temos também que adotar práticas locais, tradicionais e endógenas.
53
Princípios entendidos como teoria, conceito: “proposições diretoras de uma ciência, às quais todo o
desenvolvimento posterior dessa ciência deve ser subordinado”. (Dicionário Aurélio)
54
Segundo a professora Suzi Theodoro do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília,
o mecanismo mais adequado seria a Avaliação Ambiental Estratégica que funciona como um processo e não
como um instrumento temporal como o EIA-RIMA.
61
Como paradigma, escolheu-se como aplicação desses princípios, após um diagnóstico
socioambiental por meio de EIAs-RIMAs, o projeto de um condomínio localizado na área
destinada ao uso residencial no Centro de Atividades do Lago Norte de Brasília, no Distrito
Federal. Situado na Sub-bacia do Ribeirão do Torto, dentro da APA do Paranoá, este setor
foi projetado para ser um dos pontos significativos de polarização de serviços e comércio da
expansão Norte do DF, entretanto, atualmente não funciona como tal.
Nesta visão, Morin (apud Pena-Vega, 2003) afirma que quanto mais um sistema vivo é
autônomo, mais é dependente do ecossistema, pois se supõe uma grande riqueza de
relações de todas as espécies com o meio-ambiente, ou seja, depende de inter-relações,
denominadas redes. Essas relações de dependência acabam por constituir as condições da
relativa independência. Em outras palavras, quanto mais um ecossistema é complexo, mais
é diverso e rico e está apto a fornecer riqueza e diversidade de objetos e de produtos.
62
Os princípios ecológicos propostos por Capra dizem respeito diretamente à sustentação
da vida, tais como:
• Redes são todas as relações que os sistemas vivos têm uns com os outros,
partilhando seus recursos e transpondo seus limites, redes dentro de redes.
• Ciclo é a continuidade dos fluxos de matéria e energia do ambiente que alimentam
os organismos vivos e conseqüentemente produzem resíduos continuadamente. Os
resíduos de uma espécie são os alimentos de outra.
• Energia solar transformada em energia química pela fotossíntese das plantas
verdes: é o que move todos os ciclos ecológicos.
• Alianças é a cooperação generalizada que sustenta as trocas de energia e de
recursos materiais num ecossistema que é a formação de parcerias entre os seres.
• Diversidade causada pela riqueza e complexidade das teias ecológicas nos
ecossistemas, acabando por provocar resistência e capacidade de recuperação. Se
a biodiversidade é maior esta capacidade aumenta.
• Equilíbrio dinâmico mantém o ecossistema por meio da flexibilidade dos múltiplos
elos e anéis de realimentação. Nenhuma variável chega sozinha a um valor máximo;
todas as variáveis flutuam em torno do seu valor ótimo.
63
sentido de permitir estabilidade, diversidade e flexibilidade aos mesmos, à semelhança dos
ecossistemas naturais.
Alguns objetivos do princípio são: criar sistemas agrícolas de baixo consumo e alta
produtividade, obter o maior grau de auto-subsistência, integrar agricultura, floresta e
pecuária, criar uma paisagem útil, bonita, harmônica e diversificada.
Ao que se vê, constitui uma nova maneira de desenvolver padrões de vida a partir dos da
natureza, seguindo princípios derivados da aplicação da ecologia e da ética. Esses
princípios estimulam a criação de ambientes equilibradamente produtivos, ricos em
alimentos, energia, abrigos e outras necessidades materiais e não materiais, o que inclui
infra-estrutura social e econômica. São três os princípios éticos:
64
terão de atender dois conceitos importantes, a Capacidade de Suporte55 e o
Caminho Ecológico.
Nas zonas mais próximas da edificação, situam-se elementos que exigem maior atenção e
freqüência de acesso à vegetação, especialmente por conta da necessidade diária, a
exemplo, cuidados com a manutenção de floreiras de ervas culinárias e aromáticas. Nas
zonas gradativamente mais distantes das habitações, situam-se elementos do sistema que
necessitam visitação mais esporádica, como o pomar, por exemplo, em épocas de safra. E
por fim, nas zonas com distâncias bem maiores situam-se as áreas de preservação
ambiental permanente.
55
Capacidade de um ecossistema suportar organismos saudáveis e, ao mesmo tempo, manter sua
produtividade, adaptabilidade e capacidade de renovação.
65
sistemas produtivos que atendam às necessidades humanas em equilíbrio com os
processos naturais do meio.
As Ecovilas possuem, em geral, um número de membros que podem variar entre 50 a 3000
pessoas. Dentre as mais conhecidas é possível destacar a Fundação Findhorn57, localizada
ao norte da Escócia, implantada há mais de 30 anos. A fundação conta hoje conta com 300
membros, e serviu de inspiração para a criação de várias Ecovilas em diversos países,
inclusive no Brasil. (Figuras 2.3, 2.4, 2.5 e 2.6)
De acordo com Braun (2003), as Ecovilas são comunidades intencionais baseadas num
modelo ecológico que focaliza a integração das questões culturais e socioeconômicas como
parte de um processo de crescimento espiritual compartilhado. A base de sustentação das
inúmeras Ecovilas e Comunidades Sustentáveis têm sido a visão de Ecologia Profunda58
que é a busca do equilíbrio entre o que seja positivo no mundo de hoje, mas considerando
fundamentalmente as raízes naturais de nossa existência.
66
Fig. 2.5 - Ecovila Visão Futuro – São Fig. 2.6 - Ecovila Clareando – São Paulo
Paulo - Brasil - Brasil
Fonte: www.visaofuturo.org.br Fonte: www.clareando.com.br
A Ecologia Profunda considera os indivíduos como parte orgânica do todo, cuja visão vai
além da puramente materialista, englobando a questão vibracional da espiritualidade. Dentro
dessa linha, procura se conectar com os ensinamentos da natureza por meio de “insights”
intuitivos e visualização criativa para compreender melhor o funcionamento da teia da vida.
Os quatro elementos da natureza - terra, água, fogo e ar - são utilizados como elementos
estruturadores para ações e propostas. Segundo Sattler (2003), os elementos remetem a
significados e demonstram as relações harmônicas com a natureza, sendo cada um
fundamental para o equilíbrio e a sustentabilidade da vida, além de trazer um significado
próprio que pode ser aplicado nos diferentes usos e ocupações dos locais.
De um modo geral, as Ecovilas adotam alguns princípios que são comuns, detectados por
Braun (2003) em sua pesquisa:
67
• Arquitetura Ecológica – busca a eficiência no uso de materiais, conservação de
energia e circulação de ar com formas e design adequados ao meio ambiente
circundante, considerando as linhas do relevo, os aspectos climáticos e a integração
com a paisagem.
As Ecovilas têm sido implementadas por grupos espalhados pelo planeta e muitas vezes
contam com recursos limitados e mínimo apoio institucional ou governamental.
Curiosamente, a maioria dessas comunidades foi implantada em lugares degradados ou
inóspitos, com objetivo de retroajuste ou transformação do ambiente. Ou seja, é importante
se valer de lições para recuperar assentamentos urbanos em áreas ambientalmente
protegidas que já estão degradadas.
É claro que são ambientes e situações diferentes, mas são princípios que podem ser
adaptados para o contexto urbano em países diferentes com comunidades diferentes.
68
2.3 A aplicação dos princípios ecossistêmicos no espaço urbano
De acordo com Dias (2002), as cidades se diferenciam dos ecossistemas naturais por
possuírem um metabolismo muito mais intenso por unidade de área, exigindo um influxo
maior de energia concentrada (combustíveis fósseis), uma grande entrada de materiais e
energia para a manutenção da vida (estilo) e gerando uma saída maior e mais venenosa de
resíduos. Ademais, além dos requerimentos biológicos, apresenta exigências culturais.
59
LETS – Local Exchange Trade Sistem.
60
Há uma diferença bem evidente entre os ecossistemas e as organizações humanas na produção e venda de bens ou serviços,
pois os ecossistemas não fazem isso. Como então equiparar nossas organizações urbanas aos ecossitemas? De acordo com
Pauli (2001), observando-se os ecossistemas, percebe-se que estes não vendem produtos ou serviços, contudo eles produzem
algo como detritos. Esses detritos são passados adiante: o que é detrito para uma espécie é alimento para outra. Da mesa
forma em nossa sociedade desigual, o que é resíduo (ou desnecessário) para uma determinada comunidade pode ser
considerado fonte de recurso (ou vital) para outra comunidade. Assim, as nossas organizações urbanas precisam ser
estruturadas geograficamente a fim de formar uma teia de transações entre as comunidades.
69
Se considerarmos a cidade um ecossistema composto de subsistemas de redes complexas,
tais como bairros ou vilas urbanas, devemos compreender o inter-relacionamento sistêmico
como processos de desorganização e organização que estes produzem (constituição de um
organismo vivo). Essas partes da cidade são interligadas e interdependentes e uma
mudança em uma parte da cidade resulta em mudança em outra.
Rueda (2000), afirma que o modelo que mais interpreta o aproveitamento de entropia é o de
cidade-compacta62 e diversa. A proximidade dos elementos (Figura 2.7) faz com que haja
redução do consumo de materiais, energia, tempo e solo, ao mesmo tempo em que
proporciona mecanismos de regulação e controle, dando estabilidade ao sistema: equilíbrio
dinâmico. Na visão dele, compacidade e diversidade são cruciais para manter a
complexidade das trocas.
O zoneamento por atividades induz à utilização e Núcleos compactos reduzem as distâncias e permitem o
dependência do automóvel particular deslocamento a pé ou de bicicleta – criam bairros sustentáveis
61
Entropia – transferência de energia. A 1a Lei da Termodinâmica afirma“a energia não pode ser criada nem
destruída, só transformada de uma forma para outra” e a 2a. “ quando a energia é utilizada, parte dela se perde
”
inexoravelmente. Assim, a energia se dissipa no espaço e não pode ser reciclada. Trabalho
Cada organismo sofre
Moradia
tributação de energia quando realiza o trabalho no curso da manutenção de sua estrutura e metabolismo e na
reprodução, ou seja, a quantidade de energia disponível em cada nível trófico sucessivo diminui (Dias, 2002).
62
O modelo de cidade compacta é compartilhado por Richard Rogers em seu livro “Cidades para um pequeno
planeta” de 1997 Ele acredita que a criação da moderna cidade compacta exige a rejeição do modelo de
desenvolvimento mono funcional e a predominância do automóvel. ...“AsLazer cidades compactas sustentáveis
recolocam a cidade como o habitat ideal para uma sociedade baseada na comunidade. É um tipo de estrutura
urbana estabelecida que pode ser interpretada de todas as maneiras em resposta a todas as culturas. As
70
Moradia Trabalho
Lazer
Fig. 2.7 - Diferença dos deslocamentos de uma cidade com
zoneamento das atividades para os núcleos compactos de uso misto.
Fonte: Rogers (2001).
A tabela (2.1) abaixo ilustra os princípios ecológicos propostos por Capra, caso sejam
aplicados aos ecossistemas urbanos, baseando-se em autores que comparam a cidade
aos ecossistemas.
Tabela 2. 1 – Análise comparativa dos princípios dos ecossistemas estabelecidos por Capra (2002) com
os ecossistemas urbanos
cidades devem estar próximas de seus habitantes, propiciando o contato olho no olho dispostas a agirem como o
fermento da atividade humana, da geração e da expressão de uma comunidade local...”
63
Por causa de altas densidades, muitos recursos não são disponíveis dentro do ecossistema urbano e devem
ser obtidos do ambiente exterior, aumentando a pegada ecológica da cidade. Portanto, o adensamento urbano
tem que vir acompanhado de outras estratégias como agricultura urbana, reaproveitamento de água da chuva,
tratamento de esgoto e mobilidade, de forma a não causar mais impactos aos ecossistemas do entorno. Fica
difícil para muitas pessoas entender que renunciar a um terreno nos arredores da cidade, onde a densidade é
menor e a qualidade de vida melhor, optando por bairros mais densos, seja um dos passos na direção do
desenvolvimento urbano sustentável.
71
PRINCÍPIOS ECOSSISTEMAS ECOSSISTEMAS URBANOS
Redes Relações e comunicações dos sistemas vivos Interações contínuas no modo de vida com
sem limites. Redes dentro de redes - sistemas sistemas vivos tanto de humanos quanto de
abertos interdependentes. vegetais, animais e microorganismos e de
dependências educativas, culturais e técnicas.
Bairros interdependentes - subsistemas de
Todos os membros da comunidade ecológica redes complexas uns dentro de outros,
estão conectados numa ampla e complexa organizados e associados a infraestruturas.
rede de relações, a teia da vida.
Interdependência do entorno da cidade como
Compreender a interdependência ecológica um sistema aberto, um sistema cidade-entorno.
significa entender as relações, pois do ponto de
vista sistêmico, as interações entre as partes Exemplos aplicados ao desenho: Rede de
são tão ou mais importantes do que as próprias espaços públicos, de caminhos para pedestres
partes do todo. e bicicletas, de transportes públicos, de bacias
de drenagem e de captação de águas pluviais,
Complexidade – quanto maior a autonomia, de hortas urbanas, etc.
maior a dependência ou a riqueza de relações
– maior a rede de comunicações.
Ciclos Reciclagem de matéria e transferência de Metabolismo circular - transforma resíduos em
energia recursos - ciclo da água, do lixo e energias de
biomassa.
Energia Solar Transformada em energia química é o que Energia solar, aquecimento, conforto térmico e
move os ciclos ecológicos energias de fontes renováveis.
Alianças As trocas cíclicas de matéria e energia nos Nas comunidades humanas, a parceria
ecossistemas são sustentadas por uma significa a democracia e o empoderamento
cooperação difundida entre os membros da pessoal, por causa dos diferentes papéis
rede. sociais desempenhados. Pode-se estabelecer
troca de habilidades.
Diversidade Biodiversidade – diversidade em espécies, Diversidade de usos – quanto maior a
organismos, em interdependência e diversidade e a densidade urbana, menor a
informação. Um ecossistema diverso também dependência de transporte motorizado, menor
será resiliente, pois ele possui muitas espécies o impacto e maior a troca de energia, matéria e
que superpõem funções ecológicas que podem informação com o meio – Redução da pegada
ser parcialmente substituídas, caso um elo da ecológica.
rede se desfaça.
Equilíbrio A flexibilidade de um ecossistema é que o traz O equilíbrio e um bom funcionamento do
Dinâmico ao ponto de equilíbrio após um período de sistema dependem de um bom posicionamento
mudanças nas condições ambientais dos elementos a serem projetados de acordo
com as necessidades e os deslocamentos e
flexibilidade de usos.
64
Rogers (2001) coloca que a Cidade Compacta é uma rede de vizinhanças, cada uma com seus parques e
espaços públicos, acomodando uma diversidade de atividades públicas e privadas sobrepostas. Ela cresce em
volta desses centros localizados junto aos pontos nodais de transporte público, pontos focais que orientam o
desenvolvimento das vizinhanças.
72
Fig. 2.8 e 2.9 - Ilustração de uma metrópole transformada em Ecocidade
Fonte: Construtores de Ecocidades – www.ecocity.builders.org.br
As moradias têm que estar próximas aos espaços para trabalho, alimentação, educação e
lugares para sociabilização. Para este autor, é no uso da terra e na infra-estrutura urbana,
na sua anatomia65, que se encontra a chave para formular os elementos estruturadores de
uma Ecocidade, pois é na forma em que a cidade é desenhada e organizada que está a
fundamentação para todas as outras coisas e para a compreensão dos impactos causados
pela população, consumo e tecnologia numa dada região. (Figura 2.9)
Fig. 2.10, 2.11 e 2.12 - Ilustração da reconstrução de um centro de cidade para automóveis modificado
para um centro ecológico para pedestres na visão de Register.
Fonte: Construtor es de Ecocidades – www.ecocity.builders.org.br
65
Anatomia urbana é entendida como a organização urbana associada à infra-estrutura (Register, 2002).
73
Para se chegar no mapa final de zoneamento da Ecocidade, várias informações devem ser
levantadas sobre a parte física do ambiente natural como a história do ambiente natural,
plantas nativas, espécies animais, clima, temperatura, solo e a cultura do lugar. Nos mapas
antigos devem ser levantados riachos originais e sazonais (grotas intermitentes), nascentes,
rochas, cadeia de montanhas, encostas, edifícios antigos e históricos ou comunidades que
poderiam estar desaparecidas. Para uma checagem completa uma parte da área a ser
estudada, que não tenha sido degradada, deve ser analisada.
O terceiro passo compreende mudar a lista de incentivos para tornar rentável a construção
de uma sociedade em paz com a natureza e criar uma cultura de apoio. Desenvolver leis e
políticas, gabaritos e códigos de obra, impostos, contratos, empréstimos para apoiar a
comunidade baseados, também, no mapa de zoneamento da Ecocidade.
Por fim, o quarto é tentar, por meio de um planejamento estratégico, reunir as pessoas nos
lugares adequados, numa localização ecologicamente apropriada. O centro da cidade, por
exemplo, seria um lugar perfeito para a implantação de moradias sem automóveis,
instalando pessoas que não se utilizam dos mesmos, como estudantes e aposentados e
indivíduos que ali trabalham.
74
Os sistemas de infra-estrutura interrompem o ciclo natural da água, isto é, o ciclo
hidrológico, com a crescente impermeabilização dos solos e rede de drenagens artificiais
que carregam águas pluviais e detritos lançados nas ruas para rios e lagos, contribuindo
para o seu assoreamento. Além disso, em alguns casos, as redes de águas pluviais
recebem redes de esgotos clandestinos que deságuam em locais com águas limpas sem
tratamento algum.
Explorando a cidade como um organismo vivo, Register (2002) faz uma analogia da
anatomia da cidade com a anatomia humana. As ruas, redes de água, esgoto, drenagem e
gás funcionam como o sistema circulatório; a arquitetura, com seus elementos verticais,
assemelha-se ao sistema esquelético; os alimentos e os combustíveis compatibilizam-se
com o Sistema Digestivo, que transformam a energia armazenada. Os sistemas de
tratamento de água ou compostagem permitem paralelos com um Sistema de Filtragem e
Reciclagem e os lixos incineradores e as saídas de esgotos consistem no Sistema de
Excreção. Esta associação pode ser interessante para efeitos de educação ambiental da
população, mas para o urbanismo o desempenho das atividades tem que estar associado à
morfologia, no lugar ou sítio em que cada cidade está implantada.
Para Register (2002), o zoneamento de uma Ecocidade deve conter quatro idéias principais
a saber: (1) ambientes para pedestres, (2) pensamento tri-dimensional ao invés de plano, (3)
padrões do sistema como um todo e (4) cenários demonstrando resultados de longo prazo.
75
Tem como objetivos abrir áreas verdes no meio dos empreendimentos dependentes de
automóveis, recuperar a paisagem agrícola e natural, mudar a densidade em relação aos
centros para densidades mais altas com edifícios ecológicos66 (visão tridimensional),
promover maior diversidade nos usos da terra em pequenas áreas (empreendimentos com
usos mistos para evitar o deslocamento) e incentivar a implementação de tecnologias
sustentáveis para a estrutura física da cidade (arquitetura e infra-estrutura).
Register destaca que nas vilas e nas cidades tradicionais, o desenho urbano era focado nos
centros compactos e algumas vezes aqueles centros constituíam a cidade como um todo. A
estrutura de uma vila tradicional, caracterizada por edifícios próximos lado a lado,
demarcavam ruas e praças públicas. Ele acredita que a idéia de Michael Hoag de criar vilas
tradicionais como alternativa a expansão urbana pode ser suplementada com a estrutura e
tecnologias da Ecocidade. Essas vilas ou pequenas cidades seriam interligadas por redes
de transporte público67.
Na visão de alguns “Ecovileiros” uma cidade não pode ser considerada uma Ecovila,
principalmente pelo número de pessoas, mas uma cidade formada por Ecovilas pode se
tornar uma cidade sustentável. Register (2002), coloca que as ecovilas seriam importantes
66
Os edifícios são vistos por Register como de uso misto focado na síntese da ecologia e sociedade, não no individual com a
natureza. São empreendimentos equilibrados com terraços ajardinados.
67
Nota-se que essa idéia de cidade polinucleada era um dos princípios para construção de Cidades-Jardins de Ebenezer
Howard.
68
Ecovileiros são os moradores das Ecovilas.
69
Register considera a estrutura da vila tradicional uma das mais profundas invenções na história, aplicando-se às cidades,
bem como às vilas.
76
para os arredores das Ecocidades nas partes menos densas, ao invés de grandes áreas
rurais, uma vez que a hierarquia de densidades seria: densidade mais alta nos centros,
densidade média depois desta zona central, mudança mínima na próxima área, e por fim,
nos arredores, uma área de densidade reduzida, onde existiriam as Ecovilas.
Nas áreas mais afastadas do centro, naquelas estabelecidas para as Ecovilas, os espaços
precisariam ser recuperados ou modificados com estratégias de retirada da pavimentação,
remoção de edifícios cujo interesse arquitetônico não justifica a preservação, paredes, ruas,
córregos aterrados e outras estruturas de modo que a natureza ou a agricultura possam ser
re-introduzidas. É importante observar a colocação de Register “a desconstrução da cidade
para a construção da Ecocidade”.
A iniciativa, para países em vias de desenvolvimento, seria inviável, uma vez que os cofres
públicos não suportariam tais reformas. Então, se essa é a imagem para as Ecocidades,
poderíamos encurtar caminhos no processo de urbanização de assentamentos se os
princípios de sustentabilidade fossem aplicados, desde agora, para o desenho de novos
assentamentos ou recuperação de áreas degradadas nas cidades brasileiras.
Conforme já foi citado, existem autores que estabeleceram alguns princípios ecológicos que
podem ser aplicados ao desenho de assentamentos humanos como os da Permacultura de
Bill Mollisson e das Ecovilas.
70
Ecopolis Architects & Principal Architect Paul F. Downton é um escritório de especialistas em arquitetura ecológica e
ecologia urbana, trabalhando há 25 anos com desenho ampliado de moradias para centros urbanos. Estabeleceram 12
princípios para o desenho que denominaram princípios para empreendimentos de Ecópolis.
77
Fig. 2.13 e 2.14– Desenho e Foto do Empreendimento Christie Walk, em Adelaide – Austrália -
desenvolvido por Ecópolis
Fonte: Ecópolis Archtects, 2002 /Urban Ecology Australian – www.ecopolis.com.au/www.urban
Na Europa, desde a última década do século XX, os princípios que estão sendo adotados
nas políticas urbanas de ordenamento territorial e planejamento urbano são: (1) equilíbrio
entre desenvolvimento urbano e conservação do solo dedicado à atividade agrícola e
florestal, assim como às zonas verdes destinadas ao ócio; (2) conservação do solo, dos
ecossistemas e dos entornos naturais; (3) mescla de funções urbanas e equilíbrio entre
habitação e trabalho; (4) diversidade social nos bairros e nos próprios edifícios; (5) controle
dos deslocamentos e do tráfego rodado; (6) proteção da qualidade do ar e da água; (7)
redução das moléstias causadas pelo ruído; (8) gestão dos resíduos; e (9) preservação dos
conjuntos urbanos de interesse e do patrimônio imobiliário.
78
• Revitalização urbana – recuperar áreas urbanas, para reaproveitar uma infra-
estrutura existente (sustentabilidade). Além disso, a iniciativa celebra a cidade viva,
trazendo novos moradores, comércio e atividades para a vizinhança em áreas
abandonadas.
79
para as casas (zona de raízes)71 ou para o empreendimento como um todo
(wetlands)72.
Na verdade esses princípios podem não ser relevantes para todo empreendimento local,
mas formam uma estrutura sistêmica e integrada que nos ajuda a entender o potencial para
implantar assentamentos urbanos sustentáveis. A forma e as necessidades de cada local
dependerão dos seus aspectos físicos, culturais, sociais e econômicos.
71
Zona de raízes – é um sistema físico–biológico, idealizado segundo a lógica do biofiltro utilizando de mais um
filtro plantado com macrófitas para o tratamento de esgotos como alternativa eficiente e de baixo custo,
principalmente, em regiões de pequena densidade populacional. Pode ser empregado como tratamento
secundário e terciário para remoção biológica de matéria orgânica em esgotos domésticos e industriais. O
processo consiste na passagem do despejo por uma zona preenchida com determinado substrato por meio de
uma rede de tubulações perfuradas instalada logo abaixo, da área plantada (Kaick, 2002).
72
Segundo Lima (1998), os wetlands significam áreas de solo permanente ou periodicamente inundado,
onde se desenvolvem campos herbáceos ou macrófitas. Os wetlands construídos são tecnologias
desenhadas para imitar os processos que ocorrem nos wetlands naturais com plantas e solos nativos.
Desta maneira, os construídos reciclam as águas negras em forma natural e, ao mesmo tempo, permitem
o estabelecimento de um habitat úmido com grande benefício para a vida silvestre e múltiplas
oportunidades recreativas para as pessoas.
80
naturais. De acordo com Dauncey e Peck (2002), existem três níveis ou escalas nas quais
os princípios de sustentabilidade devem ocorrer de forma sistêmica:
Por último, na escala regional são propostas ações ampliadas que vão desde as
dimensões de governabilidade e gestão às dimensões ecológicas – proteção de mananciais,
81
preservação do cinturão verde natural, suporte à agricultura local, interação entre espaços
livres e urbanizados e a adoção de estratégias para o transporte público.
Segundo Romero (2002), para cada escala é possível se identificar diferentes tipos de
estrutura ambiental, por meio de sua vulnerabilidade e alternativas de uso, bem como os
níveis de degradação ambiental, os aspectos de diversidade ambiental, de socioeconomia,
de estética e de cultura. Para a autora, são quatro as escalas de análise: a grande dimensão
das estruturas urbanas, a escala intermediária da área, as dimensões específicas do lugar
e, por fim, o edifício.
O bairro constitui o marco de vida da maioria das pessoas e sua escala se adapta a
estratégia de um projeto urbano ambiental que permite abordar os problemas causados pela
exclusão social em zonas críticas e resolver localmente a gestão da água e da energia, a
seleção dos resíduos e a seleção dos ruídos. Existem na Europa vários bairros sendo
implantados ou recuperados segundo os princípios de sustentabilidade, mesmo que a forma
urbana, a arquitetura e a ecologia sejam bastante diferentes.
A escala específica do lugar é onde se identifica o caráter do lugar por meio dos atributos
do espaço, tais como identidade, rede de relações sociais, especificidades das funções,
caracterização estética, segurança e relação afetiva.
82
É na escala do bairro ou do assentamento que os princípios de sustentabilidade aplicáveis
ao desenho urbano são mais percebidos e onde as tecnologias sustentáveis de infra-
estruturas são detalhadas. Conforme foi visto no capítulo 1, na Europa estão sendo
executados vários bairros seguindo os princípios do desenvolvimento sustentável.
Taquari
Vila Varjão
CA CA
SHIN
Asa Norte
Lago
Paranoá
Fig. 2.15 e 2.16 - Mapa de localização do Centro de Atividades (CA)
Fonte: SICAD, SEDUH, 2003
83
duas comunidades de rendas diferentes, a Vila Varjão73 e o Lago Norte (SHIN), por meio de
troca de serviços e habilidades. (Figuras 2.17 e 2.18)
O objetivo desta intervenção urbanística foi criar um condomínio sustentável que atuasse
como um espaço de propagação de pressupostos do desenvolvimento urbano sustentável
para suas áreas de influência, podendo exercer papel relevante nos processos de
integração sócio-espacial da região. Propôs-se incentivar o sentido de vizinhança e alianças
comunitárias, por meio de espaços que propiciassem a interação social. Ainda que se
reconheça que a configuração espacial não é determinante das relações sociais, entende-se
que o espaço não é uma instância passiva e neutra.
Vila Varjão
Ribeirão do
Torto
CA-6
Num primeiro momento, foram coletados todos os dados sobre a área por meio de estudos
de impactos ambientais para os espaços adjacentes ao loteamento (EIA-RIMA do Setor
73
É importante observar a localização do assentamento da Vila Varjão, a ser analisada no capítulo IV.
Fig. 2.19 - Mapa da topografia do Centro de Atividades do Lago Norte
Fonte: Valério Medeiros - Disciplina Ateliê de Desenho Urbano PPG – FAU/UnB, 2003 - Princípios
84
Taquari de 1991, RIVI da Vila Varjão 1997 e Diagnóstico Ambiental Integrado da Vila Varjão
de 2000) e para o próprio Centro de Atividades (EIA-RIMA do Centro de Atividades de 1997,
quando foi criado). (Figura 2.19)
74
Esta etapa resultou na elaboração de um artigo científico aprovado para apresentação X Encontro Nacional da
ANPUR de 2003 “Encruzilhadas do Planejamento”, sob o título “Princípios de Sustentabilidade aplicados às
diferentes escalas territoriais da Sub-Bacia do Ribeirão do Torto”. As informações podem ser obtidas nos anais
do congresso.
85
2.6.2 Segunda etapa: estratégias ecológicas
86
Tabela 2.3 – Princípios de sustentabilidade utilizados na aplicação do parcelamento urbano
Fonte: Liza Andrade e Rejane Jung Viana , 2002
Estratégias:
Princípios de Sustentabilidade
Concepção Urbana Técnicas Urbanas
Mobilidade Sustentável 1. Propiciar aos moradores Ciclovias
locais de trabalho e lazer Apenas vias locais de 6 m para
próximos às moradias para automóveis separadas da rede de
reduzir necessidades de ciclovias e de caminhos para
deslocamentos. pedestres, com 2,5 m de
largura.Vias iluminadas e
sinalizadas.
87
Proteção Ecológica 1. Corredor Ecológico – Zoneamento Permacultural:
Parque. Zona 1 – hortas familiares: pátios
2. Agricultura Urbana com e coberturas;
Paisagismo Produtivo. Zona 2 – paisagismo produtivo:
3. Implantar a Estação de arborização das ruas,
Esgoto Alternativo, próxima ao estacionamentos, praças;
corredor ecológico para atrair Zona 3 – abastecimento
animais silvestres. condominial: área para produção
4. Locar a zona 3 na agrícola intercalada com espaços
proximidade da favela para de lazer e pequenos canais de
aproveitar a mão de obra. escoamento;
Zona 4 – Parque Ecológico:
repovoamento da flora e da fauna,
viveiro, lazer.
88
Tratamento de Esgoto 1. Evitar que a capacidade da Tratamento de Esgoto
ETE Norte chegue ao limite Alternativo - Tratamento de
para não ocorrer o fenômeno esgoto com Reator Anaeróbio de
de eutrofização do Lago Fluxo Ascendente associado a
Paranoá. leito cultivado de fluxo superficial
2. Incorporar a estação ao (wetlands). A estação de
desenho da paisagem. tratamento será localizada nas
proximidades do corredor
ecológico incorporado ao desenho
paisagístico.
O projeto teve como foco instaurar um sentido de vizinhança, por meio de espaços
comunitários e pela mobilidade das pessoas em seu interior e para as demais áreas do
Centro de Atividades. Foram incentivados os deslocamentos a pé e de bicicleta de modo a
reduzir uso do automóvel particular. O parcelamento urbano proposto apresentou
dimensões controladas e diversidade tipológica. Habitações – unifamiliares e geminadas –
economicamente mais viáveis, com o máximo de auto-suficiência possível, particularmente
nos aspectos de energia, água, reciclagem e alimentação. (Figura 2.20)
O estudo propôs uma intervenção sobre a parcela do Centro de Atividades que ainda se
encontra desocupada. A quadra CA-6 (aproximadamente 20 ha), conforme análise na
Fig. 2.20 - Planta do Condomínio Sustentável do Centro de Atividades do Lago Norte
Fonte: Andrade Liza e Vianna Rejane, 2002 - Desenho: Rejane Jung
89
primeira fase do trabalho, destina-se ao uso residencial. O loteamento atual prevê a criação
de 92 lotes de unidades autônomas e 4 lotes sob o regime de condomínios para 450
pessoas, o que resulta numa densidade de 22,5 hab/ha. O novo projeto aqui proposto adota
densidades mais elevadas (51 hab/ha), apropriadas à urbanidade, que devem contribuir
para imprimir vitalidade naquele centro de bairro. (Figuras 2.21, 2.22 e 2.23)
Ribeirão do Torto
Fig. 2.23 - Modelagem do alto da Chapada de Contagem da Quadra CA com a proposta de intervenção
Fonte: Andrade, Liza e Vianna Rejane, 2002 – modelagem: Valério Medeiros
Além disso, comporta um pequeno Centro Comercial Local, que traz para o centro da
comunidade usos diferenciados, com o intuito de incentivar a economia local e de aproximar
o local de trabalho da residência. Esse edifício comercial deverá proporcionar aos novos
moradores, lojas e salas para profissionais autônomos e, pequenas unidades habitacionais.
Outro edifício, na área central, abrigará um Centro Comunitário. Juntos, configuram uma
praça que deverá estimular os contatos sociais. (Figura 2.24)
90
Fig. 2.24 - Desenho do Condomínio Sustentável - Quadra CA-6
Fonte: Andrade, Liza e Vianna, Rejane – modelagem: Valério Medeiros
Fig. 2.25 e 2.26 - Localização da Estação de Tratamento do Condomínio Sustentável e Croqui esquemático
Fonte: Andrade, Liza e Vianna, Rejane, 2002 – modelagem: Valério Medeiros
91
Após analisar alguns estudos de impactos ambientais para a região analisada, observou-se
no exercício do projeto que eles se resumiam em dados do local a ser implantado e
soluções mitigadoras, distantes de soluções aplicadas ao desenho urbano. Era de se
esperar que, da interface de informações do meio físico, biótico e antrópico surgissem
soluções alternativas para os projetos urbanísticos propostos para a região. Como os
projetos urbanísticos foram desenvolvidos antes da avaliação de impactos, há uma
tendência em manter as formas tradicionais de desenho, muitas vezes pela falta de
conhecimento de soluções ecológicas ou, mesmo, pela opção de se adequar soluções,
visando acelerar a aprovação do processo para o empreendedor - o que muitas vezes se
mostra sem sentido dada a morosidade dos processos de aprovação.
CA
Fig. 2.27 - Modelagem da Chapada de Contagem e da Fig. 2.28 - Sistema de Drenagem com bacia
Sub-bacia do Ribeirão do Torto de retenção de águas pluviais
Fonte: Andrade et al , 2003 - modelagem :Valério Fonte: Andrade, Liza e Vianna, Rejane, 2002 –
Medeiros modelagem: Valério Medeiros
92
Conclusão
Os aglomerados urbanos são indutores de alterações globais, onde mudanças iniciadas por
ações em uma parte podem afetar diretamente os eventos em qualquer outra parte do
planeta. A pegada ecológica surgiu como instrumento adicional de avaliação ambiental
integrada que permite estabelecer um diagnóstico dos resultados dos elementos de uma
cidade e do padrão de consumo de uma dada população.
Neste sentido, a forma como vem sendo desenvolvida a maioria das aglomerações urbanas
acarretará a instabilidade do habitat humano. São locais de pouca produção de alimentos e
reciclagem de água e materiais inorgânicos mínimos, com poluição do ar, ao mesmo tempo,
funcionam como centro de oportunidades atrativo às pessoas. Portanto, tendem a crescer
de forma insustentável, principalmente nos países em vias de desenvolvimento.
93
econômica. É uma nova forma de desenvolver padrões de vida, a partir dos padrões da
natureza, sendo utilizados por comunidades que vivem de maneira sustentável, as Ecovilas.
94
em zonas críticas e resolver localmente a gestão da água e da energia, a seleção dos
resíduos e a seleção dos ruídos.
95
96
2a PARTE
97
98
CAPÍTULO III – A IMPORTÃNCIA DAS ÁREAS AMBIENTALMENTE PROTEGIDAS
NO BRASIL PARA DESENHO URBANO SUSTENTÁVEL.
Introdução
Na maioria das cidades brasileiras, as bordas dos rios são ocupadas por populações de
baixa renda em assentamentos informais75, resultado de sua exclusão das áreas
urbanizadas. Já em Brasília, tanto as invasões promovidas pela classe menos favorecida
quanto pelas de classe média e média alta deram curso à lógica de ocupação do solo.
Primeiramente ocorre uma ocupação irregular e, em seguida, a regularização, seja no
mesmo local ou então com transferência para outro sítio (Fonseca, 2001).
Isto ocorre não por falta de normas ou critérios que disciplinem o meio ambiente
ecologicamente equilibrado, pois a Legislação Ambiental brasileira é bastante rigorosa em
suas normas. Entretanto, na maioria dos casos permanece inaplicável por conta da
capacidade precária de fiscalização dos agentes públicos; pela omissão desses agentes, às
vezes por atitudes corruptíveis; e pela inviabilidade de ações diante de situações sociais
incontroláveis como grandes invasões em áreas de sensibilidade ambiental significativa.
99
normas da legislação vigente.
No âmbito da gestão ambiental urbana, as leis federais que disciplinam a proteção e o uso
do meio ambiente que interessam diretamente aos planejadores e desenhistas urbanos são
várias: Código Florestal (Lei 4771/65), Lei de Parcelamento Territorial Urbano (Lei 6766/79),
Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA (Lei 6938/81), Lei da Política Nacional
dos Recursos Hídricos (Lei 9433/97), Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
– SNUC (Lei 9985/2000) e Estatuto das Cidades (Lei 10257/01). Contudo, todas essas leis
estão hierarquicamente disciplinadas pela Constituição Federal (CF), que funciona como
base para todas as normas.
75
Em Brasília, conforme anteriormente se apresentou, os assentamentos informais são chamados de “invasões”
e as ocupações urbanas em forma de condomínios horizontais “condomínios irregulares”.
100
para tornar esse direito realidade. Determina que uma vez definido os espaços territoriais
especialmente protegidos, a alteração e a supressão só serão permitidas por meio de lei,
sendo vetada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que
justifiquem sua proteção. Além disso, o artigo exige o Estudo Prévio de Impacto Ambiental
para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente.
De acordo com Santos et al (2004), a Lei 6938/81 que representa a Política Nacional do
Meio Ambiente funciona como a espinha dorsal do art. 225 da CF, estabelecendo o que
fazer, quem vai fazer e quais os instrumentos utilizados para fazê-lo. Tem por objetivo: “a
preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando
assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico aos interesses da
segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.”
A lei também fixa as diretrizes e as bases e institui o CONAMA (Conselho Nacional do Meio
Ambiente) e o SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente). Por meio do SISNAMA
define a forma como os Poderes Executivos devem atuar e cooperar, uns com os outros, na
proteção do meio ambiente, estabelecendo as competências e hierarquias.
Por meio dessas normas, é possível estabelecer os limites e a legitimidade das ações de
proteção e conservação ambiental e a avaliação dos impactos provocados pelas atividades
humanas, aplicando os instrumentos destinados ao seu controle.
No artigo 9o são definidos os instrumentos que terão de ser utilizados pelo Poder Público e
pela sociedade para a realização prática da PNMA: Zoneamento Ambiental ou Ecológico-
Econômico, Plano de Manejo, AIA (EIA-RIMA), Licenciamento Ambiental, Monitoramento
Ambiental, Auditoria Ambiental e a criação de espaços territoriais especialmente protegidos
pelo Poder Público Federal, Estadual e Municipal.
Para esta pesquisa interessa os quatro primeiros instrumentos que tratam especificamente
do planejamento e desenho urbano e seus impactos no meio ambiente: o Zoneamento
(Ambiental, Urbanístico e Hídrico), o Plano (de Manejo, de Ordenamento Territorial e de
Bacias), os Estudos de Impactos Ambientais (EIA-RIMA) e o Licenciamento Ambiental.
101
Segundo Santos et al (2004, p.18), existem vários tipos de Zoneamento conforme a área
que se pretende gerir que poderão ser combinados de acordo com as necessidades práticas
e as exigências legais. Entretanto, devem respeitar as diretrizes gerais mínimas que são
metodologias compatíveis, participação democrática e observância das leis ambientais. O
autor define o zoneamento na legislação ambiental como:
Tem como função definir os usos possíveis de zonas territoriais específicas, nas esferas
urbanas, rurais e especialmente protegidas, do ponto de vista ambiental, artístico, cultural e
paisagístico, a partir de critérios técnicos e legais e da participação ativa e organizada da
comunidade que habita o espaço a que ele se destina. Portanto, é um instrumento
“norteador” para os planos, ou ao menos deveria ser.
Para o autor, a política de ocupação urbana funciona como um tripé formado pelo
Zoneamento que integrará um Plano de Uso do Espaço, que por sua vez será gerido por um
Conselho formado por membros da sociedade civil, Poder Público e empreendedores com
fins econômicos ou não. (Figura 3.1)
CONSELHO OU COMITÊ GESTOR
No âmbito da gestão ambiental urbana deve-se atentar para três tipos de zoneamentos:
urbano (incluindo o industrial), ambiental ou ecológico-econômico e hídrico (diagnóstico do
regime hídrico das bacias).
O zoneamento urbano76 tem como finalidade estipular regras quanto à ordenação do espaço
territorial urbano, incluindo o zoneamento industrial, priorizando a segurança sanitária de
suas populações (como os planos higienistas após a Revolução Industrial), mas que hoje
102
podem ser utilizados para disciplinar outras atuações humanas no desenvolvimento urbano.
Uma vez mapeado o zoneamento urbano, este integrará o Plano Diretor77. Este, por sua
vez, reproduz as potencialidades e as restrições ao uso de ocupação do solo e não se
vincula necessariamente aos condicionantes ambientais do território. (Figura 3.2)
Ocorre que esses planos ou zoneamento são desenvolvidos posteriormente aos projetos
urbanísticos, ou seja, após a intervenção urbana, não funcionando, portanto, como um
instrumento norteador para o desenho urbano.
76
O zoneamento e o plano, definido pelo urbanismo moderno na Carta de Atenas de 1933, estabelece quatro
categorias de uso: trabalho, residencial, lazer e circulação.
77
No caso do Distrito Federal trata-se do Plano Diretor de Ordenamento Territorial, em vigor desde 1997.
78
O DF é formado 23 Regiões Administrativas (2004).
79
A Lei 9985/2000 institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC - que disciplina as
Unidades de Conservação (UC) em seu artigo 2o como sendo: “espaço territorial e seus recursos ambientais,
incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo poder
público, com objetivos de conservação e seus limites definidos sob regime especial de administração, ao qual se
aplicam garantias especiais de proteção”. O SNUC as agrupou em duas classes cada uma com categorias
79
específicas: a primeira, as Unidades de Proteção Integral e a segunda, as de Uso Sustentável. Para fins desta
pesquisa interessa a segunda que admite o uso direto dos seus recursos e visa: “...compatibilizar a conservação
da natureza com o uso sustentável de parcela de seus recursos naturais”.
103
zonas com objetivos de manejo e normas específicas para proporcionar o equilíbrio
harmônico de seus objetivos. Por meio de um diagnóstico, extraem-se potencialidades e
fragilidades, tanto físico-bióticas quanto socioeconômicas, servindo de base para discussão
com os vários agentes sociais envolvidos e para a definição do Plano de Manejo. (Figura
3.3)
ZONEAMENTO
AMBIENTAL PLANO DE MANEJO
De acordo com Santos (2004), o Plano de Manejo é a lei interna do espaço a ser gerido que
engloba tanto a unidade a ser especialmente protegida, como também seus corredores
ecológicos80, zonas de amortecimento81 e áreas urbanas e rurais influentes nessa unidade,
além de determinar a forma de participação decisória e a normatização das ações.
80
Corredores Ecológicos – “porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de
conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de
espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para
sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais”. Ver Lei do SNUC -
9985/2000.
81
Zonas de Amortecimento ou Zona Tampão – “o entorno de uma unidade de conservação, onde as
atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos
negativos sobre a unidade.” Ver Lei do SNUC - 9985/2000.
82
Uma APA é definida pelo SNUC (Lei 9985/2000) como: “... uma área em geral extensa, com um certo grau de
ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para
a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a
diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos
naturais”.
83
A ARIE é definida como “... uma área em geral de pequena extensão, com pouca ou nenhuma ocupação
humana, com características naturais extraordinárias ou que abriga exemplares raros da biota regional, e tem
como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível
dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza.” Embora seja de uso
sustentável, esse uso fica restrito à pesquisa científica e as ARIES criadas antes do SNUC têm a função de
especial e emergencial proteção de espécies da biota nativa da região em perigo ou rara. Portanto, as limitações
de uso em propriedades particulares situadas em ÁRIEs, depois do SNUC, são mais severas, em face da função
da ARIE.
104
condições ecológicas locais. Pode ser criada em níveis federal, estadual ou municipal. Não
impede o desenvolvimento econômico da região que é abrangida pela APA, mas disciplina o
uso racional dos recursos naturais. Para a implantação desse tipo de unidade de
conservação, não são necessárias desapropriações de terras. Os proprietários, ali
estabelecidos, terão seus patrimônios respeitados e garantidos.
A APA será administrada por um Conselho Gestor composto pelos órgãos ambientais
competentes (IBAMA ou SEMARH), outros órgãos e instituições oficiais de pesquisa
responsáveis ou com projetos nas áreas, por membros representantes da comunidade que
vivam na APA, e por representantes de organizações da sociedade civil com objeto
estatutário e experiência na gestão ou pesquisas ambientais.
Por fim, o terceiro tipo de zoneamento trata de um espaço ainda pouco utilizado pelos
arquitetos e urbanistas: o de uma unidade hidrográfica. Aqui o diagnóstico será integrado ao
Plano de Bacia e será gerido pelo Comitê de Bacia Hidrográfica. (Figura 3.4)
COMITÊ DE BACIAS
A Lei no. 9433/97 instituiu a Política Nacional dos Recursos Hídricos e trouxe princípios que
devem nortear a atuação dos entes da Federação em termos de recursos hídricos: o da
105
adoção da bacia hidrográfica84 como unidade de planejamento com o Plano de Recursos
Hídricos; o dos usos múltiplos da água, segundo o qual põe todas as categorias que usam
água em igualdade de acesso; o reconhecimento do valor econômico da água e o da gestão
descentralizada e participativa.
Os Planos de Recursos Hídricos nada mais são que planos diretores. Visam fundamentar e
orientar a implementação da PNRH e o gerenciamento dos recursos hídricos a partir de um
diagnóstico da situação atual desses recursos, da análise de alternativas de crescimento
demográfico, de evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de uso e
ocupação do solo.
Além disso, também faz um balanço entre disponibilidade futura dos recursos hídricos em
quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais. Na visão de Tucci (2003),
os Planos de Recursos Hídricos deveriam estabelecer metas às cidades para que os cursos
d’água de uma bacia atinjam níveis ambientalmente adequados.
Esta nova Política dos Recursos Hídricos necessita ainda ser discutida pela sociedade e
centros de pesquisa, pois a lei em muitos pontos ainda é obscura no que se refere
principalmente à sua compatibilização com o zoneamento urbano, pois em um plano diretor
a ênfase ainda é dada ao tipo de uso do espaço e suas malhas viárias e não na capacidade
de suporte do regime hídrico de cada região. Além disso, as ações de saneamento
ambiental têm sido realizadas de forma não integrada, atuando sempre sobre problemas
pontuais e nunca desenvolvendo um planejamento preventivo ou sugestões de mudanças.
A Política Nacional de Drenagem Urbana teria como principais princípios promover: (1) a
visão integrada das ações de esgotamento sanitário, drenagem urbana e gestão de resíduos
sólidos no ambiente urbano, (2) maior participação no pagamento dos custos das soluções
84
Bacia Hidrográfica é entendida como a unidade natural geográfica e hidrológica de um rio. “É definida pela
área de captação da água de precipitação, demarcada por divisores topográficos onde toda água captada
converge para um único ponto de saída, a foz” (ANA, 2004).
106
de drenagem por parte dos responsáveis pelos impactos, (3) a participação da sociedade no
controle da gestão da drenagem urbana, e (4) adoção de critérios ambientais na definição
das soluções de drenagem.
Existe um instrumento da gestão ambiental urbana que, de certo modo, consiste numa
tentativa de integrar os diagnósticos ambientais, dos recursos hídricos e de uso e ocupação
do solo (zoneamentos e planos existentes). Os Estudos de Impactos Ambientais - EIA-RIMA
- funcionam como um elo entre o componente político social de execução das políticas
ambientais e o componente técnico, científico e legal desses instrumentos.
Segundo Luiz Beltrão, do Ministério Público do DF, o EIA-RIMA tem como finalidade expor
uma abordagem prévia e preventiva dos impactos ambientais, apresentar e analisar
alternativas, ter fidelidade ao Termo de Referência (termo adquirido pelo empreendedor no
órgão ambiental com os itens necessários a serem diagnosticados no EIA) e aos conteúdos
da Resolução CONAMA 001/8686 e, por fim, obter a participação social.
O Termo de Referência tem como roteiro básico para EIA/RIMA e outros documentos
técnicos exigidos para o licenciamento ambiental os seguintes itens: identificação do
empreendedor, caracterização do empreendimento (sob o ponto de vista tecnológico e
locacional), métodos e técnicas utilizados para a realização dos estudos ambientais (EIA-
RIMA no caso), delimitação da área de influência87 (direta e indireta), espacialização da
85
Abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, gestão do resíduo sólido, drenagem urbana,
controle de inundação ribeirinha, transporte e conservação ambiental com a ocupação e aproveitamento do solo
urbano.
86
A Resolução CONAMA 001/86 fornece orientação básica para a elaboração do EIA-RIMA, estabelecendo
definições, responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de
Impacto Ambiental como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. (Absy et al, 1995)
87
A delimitação da área de influência deverá ser feita para cada fator natural - solos, águas superficiais, águas
subterrâneas, atmosfera, vegetação/flora - e para os componentes culturais, econômicos e sócio-políticos da
intervenção proposta. Delimitação direta: abrangência dos recursos naturais diretamente afetados pelo
empreendimento e considerando a bacia hidrográfica onde se localiza. Delimitação Indireta: área que sofrerá
impactos indiretos decorrentes e associados, sob a forma de interferências nas suas inter-relações ecológicas,
sociais e econômicas, anteriores ao empreendimento (Absy et al, 1995).
107
análise e da apresentação dos resultados, diagnóstico ambiental da área de influência,
prognóstico dos impactos ambientais do projeto, plano ou programa proposto e de suas
alternativas, e por fim, controle ambiental (alternativas econômicas e tecnológicas para a
mitigação dos danos potenciais sobre o ambiente). (Figura 3.5)
De acordo com Absy et al (1995), o processo de elaboração dos EIA-RIMAs não tem
atendido à Resolução CONAMA 001/86. Os métodos utilizados não têm possibilitado a
execução de estudos com objetividade e coerência entre suas diversas fases – do
dimensionamento do problema a ser estudado à proposição de medidas de controle e
mitigação de impactos.
Em primeiro lugar, ocorre uma inserção tardia da variável ambiental no processo decisório e
quando existe possibilidade de prevenir danos, há uma carência de propostas alternativas,
passando por justificador do empreendimento proposto por meio de um rol de medidas
compensatórias, ao invés de medidas que evitem ou minimizem os impactos. Isso evidencia
um comprometimento da equipe multidisciplinar com a proposta do contratante.
Em segundo lugar são trabalhadas escalas que são incapazes de diagnosticar com precisão
o meio e há uma carência de dados primários. As equipes multidisciplinares encontram
dificuldades em delimitar áreas de influência, direta e indiretamente, com base nos efeitos
ambientais potenciais do projeto e de suas alternativas.
108
ETAPAS NO PROCESSO DE ESTUDOS DE IMPACTOS AMBIENTAIS
Caracterização do empreendimento
Espacialização da análise e da
apresentação dos resultados
Descrição e análise do meio natural e
socioeconômico da área de influência direta e
indireta e de suas interações.
Programa de acompanhamento e
monitoramento dos impactos
Fig. 3.5 - Adaptação do diagrama de Bursztyn para as etapas no processo de estudos de impactos ambientais
Fonte: Gestão Ambiental, instrumentos e práticas – Bursztyn, 1994.
Os projetos urbanísticos, por sua vez, não se apropriam das informações obtidas nos EIAs
para a formulação do desenho dos assentamentos, pois usualmente os estudos de impactos
são feitos posteriormente ao estudo urbanístico preliminar.
109
Quando o projeto urbanístico tem a chance de ser desenvolvido em regiões que já foram
estudadas por meio de EIA-RIMA, ou qualquer outro estudo similar, a semelhança do RIVI88,
não são levadas em consideração as informações obtidas por justamente existir uma lacuna
na análise desses dados.
De acordo com Santos (2004), a licença ambiental também é um ato administrativo com a
finalidade específica de permitir - sob certas regras legais e acordos entre comunidade,
governo, comunidade científica e empreendedor - o exercício de atividades que de algum
modo modifiquem ou alterem o meio ambiente nos termos do art. 225 da CF, entre outros.
88
Lei Distrital nº. 1869/98 que disciplina os instrumentos de avaliação de impacto ambiental do DF. Esta norma
cria o RIVI - Relatório de Impacto de Vizinhança como um outro estudo de avaliação de impactos alternativo ao
EIA/RIMA, quando este não é expressamente exigido, seja pela legislação federal ou distrital.
89
O Decreto 99.274/90, em seu art. 19, cria as licenças ambientais, mas é impreciso quanto às circunstâncias e
objetivos de sua emissão.
110
dos diferentes atores envolvidos e dos diferentes zoneamentos desenvolvidos em áreas
ambientalmente protegidas no espaço urbano.
A LO, por sua vez, tem por finalidade autorizar o início da atividade licenciada e não se
aplica à dinâmica urbana, conforme analisada por Ribas (2003), uma vez que ao implantar o
loteamento (desmatamento, abertura de vias, implantação de infra-estrutura) já está se
iniciando sua operação.
O regime de proteção das APPs é bastante rígido tendo como regra a intocabilidade,
admitindo-se excepcionalmente a retirada da vegetação apenas nos casos de utilidade
pública ou interesse social legalmente previstos (Medida Provisória nº. 2166-67/2001). Estas
áreas tiveram seus parâmetros e limites definidos pela Resolução CONAMA nº. 303/2002
nos artigos 2o e 3o, como o caso das faixas de proteção ao longo dos cursos d’água.
As larguras predeterminadas dependem das dimensões dos cursos d’água que prevêem o
mínimo de 30 m para aqueles até 10 m de largura e o máximo de 500 m para aqueles com
mais de 600 m. Ao redor de nascentes ou olhos d’água, ainda que intermitentes, a lei prevê
um raio mínimo de 50 m para a proteção da bacia hidrográfica contribuinte.
Faz-se necessário sua não ocupação para fins edilícios, de forma a se obter um bom
manejo do impacto da urbanização. No entanto, os empreendedores urbanos ocupam as
111
APPs, com quadras urbanas ou áreas públicas diversas como uso institucional, sistemas de
recreação e vias públicas. Uma visão imediatista argumentada usando o aspecto de na
cidade não existirem mais florestas o que justificaria, portanto, a não aplicação da
regulamentação.
De acordo com Araújo (2002), alguns autores afirmam que nas normas que regulam as
APPs estão as interfaces mais mal trabalhadas entre a legislação ambiental federal e a
questão urbana, visto que as falhas presentes na legislação são apontadas como um dos
fatores que mais contribuem para o descumprimento dessas normas em áreas urbanas.
A lei tem gerado algumas controvérsias para APPs em áreas urbanas em relação ao termo
limites, pois se os limites são definidos por leis municipais dos respectivos planos diretores e
leis de uso do solo, não poderiam conter as mesmas quantidades numéricas contidas da lei
federal, o quê seria redundante. Há quem sustente que os limites são máximos e na
verdade são os mínimos.
Essa controvérsia se estende pelo entendimento da Lei 6766 de 1979, que disciplina a
maneira possível e como deve se dar o parcelamento do solo urbano, desde que
respeitados os limites e princípios estabelecidos pelo Código Florestal. Ou seja, pode-se
ampliar os limites, mas não reduzi-los.
O grande problema se encontra no artigo 4o desta Lei que prevê uma faixa non edificante de
15 metros ao longo dos cursos d’água correntes e dormentes, enquanto no Código Florestal,
conforme já foi descrito, há a previsão de 30 metros. É importante ressaltar que a Lei
6766/79 diz “salvo maiores exigências” (tais exigências devem ser estabelecidas sobre
legislação específica que é o caso da legislação das APPs – o Código Florestal).90
É curiosa esta discussão para áreas urbanas, pois se as cidades nascem e crescem a partir
dos rios que dão suporte aos serviços essenciais, que incluem o abastecimento de água
potável e a eliminação dos efluentes sanitários e industriais, era de se esperar que ao longo
desses rios ou lagos todas essas normas devessem ser observadas e os limites das APPs
devessem ser ainda mais importantes, mesmo existindo a dificuldade de aplicação das
dimensões estabelecidas. (Figuras 3.6 e 3.7)
De acordo com Francisco e Carvalho (2003) as APPs para curso d’água são fronteiras
d’água que “são espaços dinâmicos de terra e água demarcados hidro-
geomorfologicamente e ricos em vegetação, com concentração arbórea quase sempre
90
Para Register (2002), as distâncias entre as áreas edificadas e os córregos deveriam ser mais largas em áreas
distantes do centro e mais estreitas nos centros, onde o custo da terra é de maior valor econômico. Quem sabe
assim, os córregos deixassem de ser enterrados e canalizados?
112
significativa, configurando lugares notáveis com rica configuração paisagística”. As APPs
são verdadeiros ecossistemas urbanos.
Fig. 3.6 e 3.7 - Fotos da ocupação urbana nas proximidades da Represa Billings –
São Paulo, manancial crucial para o abastecimento da maior cidade da América do Sul
Fonte: Roberto Bandeira – WWF, 2004.
As matas ciliares, por exemplo, têm como função, entre outras, manter o equilíbrio
hidrológico a partir da estabilização das ribanceiras do rio por meio da manutenção do
emaranhado de raízes, filtragem para o ecossistema aquático, impede o carreamento de
sedimentos para os cursos d’água, evitando o assoreamento das micro-bacias hidrográficas,
além de proporcionar cobertura e alimentação para os peixes e outros organismos vivos
aquáticos.
Fig. 3.8 - Foto do azul do Rio São Francisco Fig. 3.9 - Foto de exemplo de erosão por falta de
na saída da represa de Três Marias - MG. mata ciliar na represa de Furnas, MG.
Fonte: Moss, 2004 Fonte: Moss, 2004
No entanto, têm sido ignoradas e, caso a legislação não seja cumprida, a retirada da
vegetação nesses limites comprometerá os corpos d’água, o que implica graves prejuízos
ambientais como o assoreamento, resultando em tragédias para as populações humanas a
partir da ocorrência de enchentes e deslizamentos de encostas. (Figuras 3.10 e 3.11)
113
Fig. 3.10 - Foto do rio assoreado no Fig. 3.11 - Foto do rio Araguaia perto da nascente,
Portal do Paranapanema. com o detalhe da terra erodida por uma voçoroca,
Fonte: Moss, 2004. que será levada pelo rio nas próximas chuvas.
Fonte: Moss, 2004.
91
Atualmente um terço da população mundial sofre com a carência de água; dois terços da população terão
dificuldades em obter água no ano 2025 (PNUMA apud Braun, 2003).
114
Existe uma interdependência entre os três maiores desafios ambientais apontados pela
ONU que são obstáculos às metas de realização de um mundo mais sustentável: mudanças
climáticas, perda da biodiversidade e deterioração dos recursos hídricos.
115
Esse ciclo é interrompido drasticamente pela impermeabilização dos solos, aumentando o
escoamento da água superficial, a poluição e o assoreamento dos rios e lagos causados
pelo carreamento de detritos lançados nas ruas e ainda encurtando o seu tempo de
concentração com graves reflexos nos cursos de drenagem natural. Conseqüentemente, há
uma redução nos aqüíferos que acentuam o contraste dos períodos chuvosos e os de
estiagem. Convive-se, ao mesmo tempo, com enchentes e estiagem, abundância e
racionamento de água.
Por outro lado, o modelo de cidade dispersa (expansão urbana de baixas densidades)
impermeabiliza uma parte significativa da unidade hidrográfica na qual está inserida,
causando as distorções no movimento dos fluxos de água da bacia e a construção massiva
de habitações unifamiliares com muito jardins e piscinas, o que caracteriza um consumo
maior do que as habitações coletivas.
No Brasil, ainda temos que considerar a ocupação urbana desordenada em APPs como
fundos de vale, que implica o confinamento dos rios e aterros que, por sua vez, aumentam o
desmatamento causando erosão das margens e redução do espaço natural destinado ao
escoamento de vazões de enchentes92.
92
Segundo os dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB – IBGE, 2000), 1.235 municípios ou
28% daqueles com rede de drenagem sofreram enchentes durante o período de 1998 a 2000. A pesquisa
mostrou que 60,5% dos municípios apresentam problemas de assoreamento e 70,5% possuem mais de 60% de
ruas pavimentadas.
116
Fig. 3.13 - Destino das águas: precipitação nas diversas densidades urbanas.
Fonte: NORIE – UFRGS, 1998, apud Mano e Schmitt, 2004
A cada período de chuvas, os eventos críticos causados pela ocupação em áreas de risco
se sucedem, com vales inundáveis e encostas erodíveis, com o reinício de novos processos
de ocupação e adensamento nessas mesmas áreas, agravando ainda mais o problema.
(Figura 3.14)
117
Ciclo do Processo
Urbanização desordenada
93
No controle preventivo da drenagem urbana, a relação entre o planejamento não-estrutural dos controles com
relação às obras estruturais futuras de contenção é de 1 para 500. (Tucci et al, 2003)
118
Continuando na visão de Tucci (op. cit.), há uma tendência da urbanização no sentido de
jusante (foz) para montante (nascentes). Nos loteamentos projetados exige-se apenas que o
sistema de drenagem pluvial seja apenas eficiente no sentido de escoamento e não visa a
ampliação da capacidade da macrodrenagem a jusante. A solução adotada, geralmente, de
“canalização dos trechos críticos” é uma visão segmentada de um trecho da bacia, sem se
levar em conta as conseqüências para o restante da bacia, ou seja, transfere-se a
inundação de um lugar para outro.
Abastecimento de
água -
mananciais
Drenagem Esgotamento
urbana sanitário
Gestão da Água
Uso do solo - Resíduos sólidos
Plano Diretor/
Desenho Urbano
Legislação Ambiental –
ocupações em APPs e
APAs - inundações
ribeirinhas
Fig. 3.15 – Associação entre os serviços que se relacionam com a água
(adaptado do esquema de Tucci, 2003).
Fonte: Ministério das Cidades, 2003
94
Dos 5.507 municípios levantados na PNSB, IBGE 2000, 67% dispõe de sistema subterrâneo de drenagem e
apenas 4,7 % apresentam um plano diretor de drenagem urbana – PDDU.
95
No esquema de Tucci (2003), apesar de denominar a gestão da água como Gestão Municipal da Água, a
gestão de uma bacia nem sempre pode ser considerada municipal, pois há impactos que extrapolam o espaço
do município, com a ampliação das enchentes e a contaminação à jusante, atingindo o restante dos sistemas
hídricos da bacia como rios, lagos e reservatórios Neste sentido, os Planos de Recursos Hídricos teriam que
estabelecer padrões e metas para as várias cidades envolvidas.
119
Entretanto, infelizmente, no que tange a legislação ambiental para áreas urbanas, esta ainda
é vista como um entrave ao desenvolvimento urbano. O Código Florestal é tido como um
limitador na produção imobiliária nas incorporações do parcelamento do solo pelos
empresários e políticos ligados ao ramo da construção civil.
As áreas verdes urbanas, dentro dos limites das APPs, são áreas permeáveis que
apresentam potenciais capazes de proporcionar um microclima no ambiente urbano em
relação à temperatura, luminosidade, manutenção de mananciais e outros parâmetros
positivos ao bem estar humano. Além disso, desempenha um papel ecológico importante
como a estabilidade geomorfológica, a amenização da poluição e a manutenção das
espécies nativas e da fauna existente como verdadeiros corredores ecológicos. A cobertura
vegetal funciona como suporte para as cadeias tróficas e inúmeras interações entre os
organismos vivos.
Não se leva em consideração que o está em jogo não é apenas a proteção das florestas,
mas a manutenção da qualidade ambiental e da vida da população no meio urbano,
principalmente quando se trata da proteção de mananciais de abastecimento público.97
A grande questão para a polêmica em torno dos conflitos das ações da Agenda Marrom e
da Agenda Verde no Brasil compreende o fato de que o saneamento ambiental é uma
tecnologia desconhecida para os arquitetos e urbanistas e não é incorporada nas
estratégias de desenho urbano.
96
Em função dos prejuízos concretos que a revogação do Código Florestal traria à qualidade de vida nas
cidades e da pressão cidadã exercida pela sociedade brasileira, o Presidente da República Luis Inácio Lula da
Silva vetou o citado artigo dia 02/08/04.
97
Dentro dessa visão, de acordo Suzana Alipaz, Assessora Técnica da Superintendência de Conservação da
Água e Solo da ANA em trabalho apresentado no FOREST 2004, O Papel das Florestas na Conservação das
Águas, as regiões do Brasil mais propensas a falta de água estão em locais onde a cobertura vegetal foi quase
totalmente destruída, como a região Sudeste, por exemplo, resultado da extinção da Mata Atlântica.
120
qualidade da água. Não temos indicadores no Brasil que meçam os impactos da
urbanização no ciclo da água em uma bacia hidrográfica ou que indiquem a quantidade de
recurso para manter um bom funcionamento do ciclo dentro da unidade, ponderando as
demandas de água para o consumo humano, as atividades econômicas e os efeitos para os
ecossistemas após a impermeabilização do solo.
A gestão ecológica do ciclo da água nas escalas urbanas requer um equilíbrio entre os
espaços pavimentados e os espaços ajardinados. Nas cidades, onde as superfícies
pavimentadas ocupam a maior parte do solo, é indispensável favorecer a evaporação das
águas pluviais e sua infiltração natural. (Figura 3.16)
Fig. 3.16 - Croqui de Hynes de diferentes tipos de drenagem urbana para Virginia Park
Fonte: EAST ST. LOUIS ACTION PROJECT, 2004
121
Nesta nova visão, o projeto dos espaços públicos (ruas, praças ou parques) deveria fazer
parte de uma estratégia abrangente para melhorar a qualidade do ar, reaproveitar a água
das chuvas, e, conseqüentemente, aumentar, o conforto térmico de toda a cidade. De
acordo com Spirn (1995), significa tentar compreender as várias maneiras de como a água
se move no espaço urbano, ou seja, entender seu ciclo hidrológico.
Existem cidades que já trabalham com esta estratégia, como Woodlands, no Texas (EUA),
onde bosques, lagoas e parques recreativos transformaram por completo a técnica de
sistemas de drenagem tradicionais e abriram perspectivas de drenagem natural a partir de
várzeas florestadas. Os ecossistemas foram estudados e agenciados por investigadores
ecologistas que permitiram a purificação das águas dos rios e a recarga de águas
subterrâneas.
Sistemas alternativos, como drenagem natural, nada mais são do que uma forma de
restabelecer o elo no ciclo hidrológico, retendo as águas pluviais e permitindo a infiltração no
solo. A drenagem da água na terra é um processo intrínseco e uma parte integral do
ecossistema e, em comunidades ecológicas, está relacionada ao princípio de convivência
entre pessoas, além de melhorar o microclima local.
Este sistema permite, ainda, que sejam implantados condomínios com densidades maiores
que o sistema tradicional, uma vez que os espaços públicos são valorizados. Além disso, os
empreendimentos com moradias agrupadas reduzem a quantidade de pavimentos e lugares
antropizados, comparados a empreendimentos com planejamento tradicional, em termos de
área absoluta. (Figuras 3.17, 3.18 e 3.19)
Fig. 3.17 - Drenagem Tradicional – Córregos canalizados e casas situadas nas várzeas.
Fonte: Sykes, 2004.
122
Fig. 3.18 - Drenagem Natural – Córregos preservados e casas fora dos fluxos de água com
pequenos canais de infiltração
Fonte: Sykes, 2004.
Fig. 3.19 - Comparação entre o sistema tradicional de loteamentos urbanos e o sistema agrupado (clusters)
em relação à densidade e à drenagem – 12 moradias com 2 hectares e 1 hectare respectivamente.
Fonte: Sykes , 2004.
Fig. 3.20 e 3.21 - Exemplos de drenagem natural nos EUA: Village Homes ( Davis, Califórnia)
Fonte: Community Greens, 2001 e Davis CA ,2001.
123
Em alguns países do Norte que já trabalham nesta direção, como na Alemanha, a gestão
ecológica do ciclo da água é assegurada por leis e normas locais e federais, a saber: uso
econômico da água potável, reservando-a para o estritamente necessário; gestão
descentralizada da água da chuva; construção de poços e instalações que favoreçam a
infiltração da água por meio de projetos de ocupação do solo nos municípios/ e
reaproveitamento das águas pluviais, em algumas normas para edificações.
Um bom exemplo da aplicação direta dessas normas, ou dos princípios da gestão da água
no espaço urbano, é o projeto de revitalização de Potsdamer Platz98, em Berlim, autoria de
Renzo Piano, onde é adotado um sistema de aproveitamento de águas da chuva para os
espaços públicos desenvolvido por Herbert Dreiseitl. A proposta de Piano considera a “água
em movimento”, uma metáfora do processo de cura entre o leste e o oeste, como uma ponte
que se deita sobre uma brecha, além de estreitar a relação de Berlim com a natureza,
conectando o verde de Tiergarten ao Norte com a água de Landwehrkanal. (Figuras 3.22,
3.23 e 3.24)
Fig. 3.22, 3.23 e 3.24 - Maquete do projeto de Renzo Piano e foto da Potsdamer Platz, em Berlim.
Fonte: The Architecture Review – www.arplus.com/archive/piano/piano2.html
98
A Potsdamer Platz está situada no centro de Berlim unificado, ocupando uma porção de terra vazia. O local
era estratégico para unir uma zona cultural e histórica da cidade com o novo centro comercial proposto.
124
De acordo com Holden (2003), o sistema de manejo de água contém 5 cisternas
subterrâneas, que funcionam como tanque de controle. No total, podem armazenar 2.600 m³
de água dos quais 900 ficam disponíveis caso haja chuvas torrenciais.
O sistema de manejo integrado de Potsdamer Platz tem como funções: armazenar a água
com o objetivo de proteção contra inundações, reduzir os poluentes no canal circunvizinho
(Landwehrkanal), regular a temperatura e, ao mesmo tempo, funcionar como uma fonte de
deleite urbano. O acesso livre a água é um dos princípios fundamentais do projeto, o que
implica a manutenção da água deve sempre limpa e acessível. (Figura 3.26)
125
Outro bom exemplo de drenagem natural é aquele do bairro de Ecolônia, investigado no
capítulo I, onde o foco principal de desenho urbano centrou-se em uma lagoa para retenção
das águas pluviais, ligada diretamente à uma rede de drenagem de ruas onde o convívio da
comunidade se apresenta fortemente. (Figura 3.27)
Fig. 3.27 - Lagoa de retenção das águas pluviais – Ecolônia – Holanda (1991-1993)
Fonte: Sustainable Comunity Design, 2004
A água é conduzida para a lagoa através de drenos e é purificada por uma variedade de
espécies. Estes filtros de vegetação ajudam a quebrar os poluentes transportados pelas
superfícies das ruas, bem como os resíduos químicos de alguns jardins. (Figuras 3.28, 3.29
e 3.30)
126
No Brasil, o Ministério das Cidades, a partir da nova Política Nacional de Drenagem Urbana,
estabelece alguns critérios para a proposição de medidas estruturais para os Planos
Diretores de Drenagem Urbana – PDDUs – tais como:
Quadro 3.3 - Critérios ambientais para os PDDUS (Ministério das Cidades, 2003):
Analisar levantamentos planialtimétricos e dados geotécnicos das diversas bacias
e sub-bacias, além de cadastros da ocupação por quadras e lotes e tipos de
pavimentos das calçadas e ruas;
Aferir o desempenho existente de todo o sistema de drenagem;
Priorizar a instalação de pavimentos drenantes e de pequenas estruturas
hidráulicas para o retardamento do escoamento ou infiltração, que permitam
regularizar o escoamento superficial nas cabeceiras;
Priorizar a condução das águas pluviais em sistemas de escoamento a céu
aberto – separando dos sistemas de esgotos;
Priorizar a construção de bacias de retenção distribuídas em toda a extensão
do sistema de drenagem – associar a outros usos urbanos,
Formular metas para o desempenho dos sistemas – evitar problemas crônicos
de situações de risco;
Discutir o PDDU em audiências públicas para futuramente obter a aprovação no
Legislativo Municipal.
Dentro da visão integrada para a gestão ecológica do ciclo da água, pode-se destacar,
também, as soluções para os sistemas alternativos de tratamento anaeróbio para esgotos
acompanhados de leito cultivado (wetland), com plantas aquáticas como pós-tratamento,
muito utilizados nos países desenvolvidos. Além de serem mais baratos em sua
manutenção e operação, podem ser incorporados ao desenho da paisagem, pois permitem
o estabelecimento de um habitat úmido com grande benefício para a vida silvestre, além de
viabilizar múltiplas oportunidades recreativas para as pessoas.
Esse tipo de solução, que leva em conta a natureza, representa boas perspectivas para
áreas de preservação, piscicultura e agricultura. Exige pouca superfície e não produz odores
desagradáveis. No Brasil, um bom exemplo do tratamento com biodigestores e leito
cultivado é a Estação de Tratamento de Esgotos com Biossólidos da Comunidade de Sertão
do Carangola, em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro. (Figuras 3.31 e 3.32)
127
Além disso, a solução pode ser gerida pela própria comunidade, sem necessidade do poder
público ou de qualquer empresa, pois são tecnologias de custo mais baixo que podem ser
financiadas por instituições brasileiras.
Os sistemas alternativos exigem pouca superfície, não são caros e não produzem odores
desagradáveis como o sistema tradicional. Em vários países da Europa são encontrados
alguns exemplos de tratamento de águas residuais, mediante o uso de plantas aquáticas,
em cidades de porte médio, aeroportos, hotéis, matadouros, saídas de autopistas, etc. São
soluções de saneamento ambiental que levam em conta a natureza e representam boas
perspectivas para florestas, campos, bosques, piscicultura, ostreicultura e agricultura.
Há que se considerar também que as águas pluviais devem se consideradas como fonte de
contaminação da natureza, uma vez que concentram produtos contaminantes atmosféricos
como resíduos de óleos, hidrocarburetos e materiais em suspensão conduzidos por
canalizações. Portando, volumes consideráveis de água não tratada pelas estações de
tratamento caem direto sobre os cursos d’água produzindo uma contaminação a longo
prazo.
128
Conclusão
O Código Florestal é peça fundamental na política dos recursos hídricos, uma vez que
define a APP como várias áreas próximas a fontes aqüíferas, rios, lagos, lagoas e a sua
supressão ou alteração fica a cargo da autorização do órgão ambiental competente.
Cada zoneamento tem função e planos específicos coordenados por Conselhos Gestores
ou Comitês, com informações desconectadas e escalas diferenciadas. No que se refere à
gestão dos recursos hídricos, as ações de saneamento ambiental, por sua vez, têm sido
realizadas de forma pouco integradora, com um foco muito limitado sobre o conjunto da
cidade. Torna-se importante estabelecer princípios que possam tangenciar os diferentes
tipos de zoneamento de forma sistêmica.
129
Urbana para que cada município brasileiro tenha seu Plano de Drenagem Urbana – PDDU
com ações integradas para drenagem, abastecimento de água, esgotamento sanitário,
limpeza urbana, gestão de resíduos sólidos, transporte e legislação ambiental.
O novo paradigma para a concepção de sistema de drenagem, como se tem feito nos
países desenvolvidos como a Alemanha, é tentar reter o maior tempo possível a água, onde
ocorre a precipitação, retardando a liberação para as áreas mais baixas ou favorecendo a
infiltração no solo das águas da chuva, por meio da criação de bacias de captação e
espaços verdes e da limitação de superfícies impermeabilizadas.
Fig. 3.33 - Modificação no centro de Berkeley com áreas verdes para infiltração – Califórnia
Fonte:.Ecocity Builders, 2004
130
Caso contrário, os atributos das ações da Agenda Marrom e da Agenda Verde continuarão
existindo nos processos de licenciamento ambiental para a regularização dos projetos
urbanísticos situados em áreas ambientalmente protegidas.
131
132
CAPÍTULO IV – “HIGIENIZAR OU ECOLOGIZAR” ASSENTAMENTOS EM
ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
Introdução
A falta de uma política habitacional de efetiva inclusão que contemple as populações mais
carentes no Distrito Federal vem desde a época de sua fundação, quando os operários que
construíram Brasília não foram beneficiados pelo planejamento regional, com
assentamentos decentes, o que promoveu a disseminação das invasões99. Causou a
ocupação de áreas de risco ou de proteção ambiental, resultado da exclusão das áreas
legalmente urbanizadas.
99
Em Brasília, o termo “invasão” é normalmente designado para caracterizar um conjunto de moradias
subnormais. O conceito de subnormalidade habitacional pode ser utilizado para moradias individuais ou para um
conjunto de moradias com características semelhantes. Segundo a SEDUH, pelo menos 30% das moradias do
DF são inadequadas em relação às necessidades como fundo de lotes, loteamentos irregulares de baixa renda e
invasões. Em 2000, o número de moradias localizadas em invasões chegava a 17.505, com 77.400 pessoas
(3,5% da população do DF). Computou-se, na mesma época, 5.650 domicílios instalados em áreas de risco ou
ainda em locais impróprios, como nas proximidades de córregos, lagoas de oxidação, margens de rodovias,
interior das faixas de rede de alta tensão ou ainda em áreas insalubres e de proteção dos mananciais. (Fonte:
RIVI de 1997 e Diagnóstico integrado - Projeto Integrado da Vila Varjão – Programa Habitar Brasil/BID - SEDUH
2001).
100
Em 1989 o DF apresentava 62 favelas e invasões. Entre 1990 e 1994, procurando resolver o problema, o
governo do DF lançou o Programa de Assentamentos das Populações de Baixa Renda, no qual foram
distribuídos mais de 100.000 lotes, o que acabou estimulando o fenômeno migratório contínuo, agravando a
situação presente. De todo modo, o programa propiciou a criação de novas localidades urbanas e fixou
moradores em seu próprio local, a exemplo da Vila Varjão. (Diagnóstico Integrado da Vila Varjão – Programa
Habitar Brasil/BID – SEDUH, 2001).
101
Criada por meio da Lei Complementar n.º 94, sancionada pelo Presidente da República em 19 de fevereiro de
1998. Compõem a RIDE, além do Distrito Federal, 22 municípios (19 em Goiás e 3 em Minas Gerais, com uma
população total estimada em 2,7 milhões de habitantes, com 70% da população economicamente ativa
trabalhando no Distrito Federal. Fonte: www.seduh.df.gov.br.
133
Preto (afluente do rio São Francisco), e os rios São Bartolomeu e Descoberto (tributários do
rio Paraná102, que forma a bacia do Prata).
Também por este motivo o Distrito Federal hoje é a única unidade da Federação que tem
toda sua área (e mais alguns trechos da RIDE) incluída numa Unidade de Conservação
Federal - a APA do Planalto Central, cujo decreto de criação nº 9468 foi assinado no
governo de Fernando Henrique Cardoso, em 9/1/2002. Anteriormente, o DF já apresentava
outras APAs - como a do Paranoá, que engloba toda a região da Bacia do Lago Paranoá em
torno do qual foi construída Brasília (Plano Piloto e bairros dos lagos Sul e Norte,
basicamente). (Figura 4.1)
Estação Ecológica de Águas
Emendadas
Parque
Nacional
de
Brasília
Vila Varjão
Bacia
Hidrográfica
do Lago
Paranoá
Entretanto, como ilustrado no capítulo III, as Áreas de Proteção Ambiental – APAs, não
possuem em seus Planos de Manejo padrões urbanísticos ecológicos para ocupação
urbana desses espaços, trazendo, conseqüentemente, repercussões conflituosas de níveis
locais entre as Agendas Marrom e Verde. Os conflitos são evidenciados nas iniciativas de
regularização urbanística pelos órgãos públicos, representados por atores envolvidos com o
102
A bacia do Paraná é responsável pela maior área drenada do Distrito Federal, ocupando,
aproximadamente, uma área de 3.658 km², com uma descarga média de 64 m³/s. É constituída pelas bacias
hidrográficas do Lago Paranoá e dos rios São Bartolomeu, Descoberto, Corumbá e São Marcos. Por ter a
maior área de drenagem, cerca de 64% de toda porção territorial do DF, a região hidrográfica do Paraná é de
suma importância para a região, pois nela estão localizadas todas as grandes áreas urbanas e todas as
captações de água para o abastecimento público (Fonseca, 2001).
134
planejamento urbano no nível municipal e os atores que fiscalizam o meio ambiente no nível
distrital ou federal.
103
Dados obtidos no Diagnóstico Ambiental do Projeto Integrado da Vila Varjão, desenvolvido em 2001 pelo
Programa Habitar Brasil/BID.
104
Em Brasília Revisitada, de 1985, Lúcio Costa prevê a expansão da Asa Nova Norte também para Quadras
Econômicas “... ocupação deve prever Quadras Econômicas ou conjuntos geminados para atender à população
de menor renda, e considerar a eventual possibilidade de fixação, em termos adequados, da atual Vila Paranoá.
Os demais núcleos de edifícios residenciais devem ser soltos do chão, tendo, no máximo, 4 pavimentos e com
gabarito, de preferência, uniforme para que se mantenha, apesar da ocupação, a serenidade da linha do
horizonte, sendo cada conjunto, — desta vez de fato e de saída — emoldurado por farta arborização. Os centros
de bairro, mais densamente ocupados, devem sempre ter gabaritos mais baixos.[...] E convém insistir no
atendimento à necessidade de habitação popular, através da implantação, em grande escala, de Quadras
Econômicas [...]. Se computado o custo verdadeiro de cada unidade residencial — incluindo terreno,
infraestrutura urbana e construção dos blocos de apartamentos e dos "complementos da moradia", cai por terra a
idéia da casa isolada ser a solução economicamente mais viável para o problema da habitação popular. Tanto
assim que em países com Cuba e China, onde o caixa é único e o dinheiro pouco, não se cogita de
assentamentos residenciais rasteiros, até mesmo em áreas rurais. Além do que, o lote mínimo, com janelas
confrontando e seu quintal inexistente porque em geral ocupado por outra família, nada tem a ver com a imagem
romântica que se propaga da ‘casa própria’...”
135
Encosta do Taquari Vila Varjão
Lago Norte
Desenvolvido em 2001, pelo Programa Habitar Brasil/BID, o projeto consistiu numa tentativa
de se caminhar em direção a um planejamento ambiental, subsidiado em um diagnóstico
integrado da Vila e em propostas visando à capacidade de suporte. Contudo, não foi
projetado, de acordo com princípios de sustentabilidade ambiental, aplicados
sistêmicamente ao desenho urbano, conforme explorado no capítulo II.
Segundo o órgão federal, por meio do Parecer Técnico desenvolvido pela empresa
contratada TOPOCART, em outubro de 2003, são necessárias algumas alterações no
projeto, uma vez que existem lotes previstos em áreas consideradas de preservação
permanente ou “ambientalmente inadequadas”. Esse conflito será discutido adiante em item
correspondente.
136
evidenciando: os impactos ambientais de longo alcance, considerando a unidade
hidrográfica, as repercussões conflituosas entre o órgão de planejamento urbano estadual
(Secretaria de Desenvolvimento Urbano - SEDUH/GDF) e o órgão ambiental federal
(IBAMA) e a ausência de tecnologias e princípios ecológicos aplicados ao desenho urbano.
O problema será analisado a partir do processo de licenciamento ambiental do Projeto
Integrado da Vila Varjão do Distrito Federal, do PROGRAMA HABITAR BRASIL/BID.
Os itens seguintes abordam uma visão ampliada da Vila Varjão na Sub-bacia do Ribeirão do
Torto, contemplando: a caracterização da unidade hidrográfica, o histórico da ocupação, os
conflitos entre os órgãos governamentais, um resumo das características ambientais (clima,
geomorfologia, vegetação, fauna e biodiversidade), a situação atual e seus impactos
ambientais e uma análise resumida do último projeto para a área, considerando os preceitos
da sustentabilidade ambiental.
A implantação da capital se deu por meio do processo de terra arrasada: toda a cobertura
vegetal do terreno era removida e a topografia modificada criando vales artificiais. Trouxe
como conseqüências erosões, falta de sombra e gigantescos redemoinhos.
105
São localizadas em fundos de vale (canais de drenagem) e têm como característica a formação de uma
floresta úmida, mesmo em ambientes notoriamente relacionados a baixas taxas de umidade. Apesar de
ocuparem apenas 5% da região do Cerrado, abrigam 80% das espécies, 50% dos endemismos e 24% dos
mamíferos ameaçados de extinção – o que atesta a biodiversidade dessas formações (Marinho Filho et al, 2001).
106
PEOT (Plano Estrutural de Ocupação Territorial – 1977), POT (Plano de Ocupação Territorial do DF - 1982),
POUSO (Plano de Ocupação e Uso do Solo - 1986), BRASÍLIA REVISITADA (Lúcio Costa – 1987) e PDOT
(Plano Diretor de Ordenamento Territorial – 1992, revisado em 1997).
137
conseqüências diretas temos a diminuição da biodiversidade local e dos recursos hídricos107
, o que contribui para a degradação de uma área que acumula e distribui parte dos recursos
hídricos do continente sul americano.
As áreas de chapadas atuam como um limite natural da ocupação urbana e são elementos
de destacado papel para a regularização do regime hídrico da região do Distrito Federal –
com implicações diretas na capacidade hídrica dos córregos, riachos e lagos. Entretanto, é
justamente em alguns destes trechos que se instalaram as invasões, colocando em risco os
mananciais e o meio ambiente.
Um traço da bacia é o fato de todas as nascentes que deságuam no lago estarem situadas
dentro do quadrilátero do Distrito Federal (Figura 4.5), o que, em tese, deveria facilitar um
monitoramento das águas lacustres por meio de seus rios afluentes. No entanto, o que se
percebe é o crescimento da ocupação urbana no entorno do lago, inclusive, em áreas de
proteção ambiental, a despeito da legislação.
107
A retirada das matas de galeria, por exemplo, relaciona-se ao acentuado escoamento da água da chuva na
superfície do solo, conforme visto no Capítulo III, o que acarreta alterações nas características físico-químicas da
água, tornando–a imprópria para o consumo humano e contribui para a formação de erosões no solo.
108
A Bacia do Lago Paranoá está sub-dividida em cinco unidades hidrográficas menores, denominadas sub-
bacias: Torto/Santa Maria, Bananal, Riacho Fundo, Ribeirão do Gama e Lago Paranoá, propriamente dita.
138
Bacia do
Lago
Paranoá
Desde a década de 80, o Lago Paranoá tem sido objeto de estudo de um programa de
despoluição que possibilitou a implantação de todo o sistema de esgotos, incluindo redes,
interceptores, elevatórias e ETE’s, com tecnologia de alto custo para a remoção de
nutrientes. Assim, o excesso de vazão nas ETE’s e o lançamento de esgotos in natura pode
provocar um impacto ambiental relevante no corpo receptor final, não só em termos de
capacidade de eutrofização, mas também com risco epidemiológico, uma vez que o lago é
utilizado para fins de recreação. (Figuras 4.6 e 4.7)
139
Portanto, a pressão da ocupação urbana e a crescente impermeabilização do solo
contribuem para o assoreamento do Lago Paranoá por meio dos cursos d’água de seus
tributários e para a interrupção da recarga de aqüíferos, além de contaminar o lençol freático
e degradar as matas de galeria.
De acordo com Braga Netto (Fonseca, 2001), passados quarenta anos do represamento do
Lago Paranoá, calcula-se que o espelho d’água perdeu 2,3 km2 de superfície, área
equivalente a 213 campos oficiais de futebol. A análise comparativa das aerofotos de 1964 e
de 1991 revelam que uma área ainda maior, com cerca de 12,7 km2 ao longo dos tributários
do lago, encontra-se assoreada.109 (Figuras 4.8, 4.9, 4.10, 4.11 e 4.12)
Fig. 4.8 e 4.9 Fotos de satélite demonstrando o Fig. 4.10 - Foto do assoreamento do
assoreamento - em vermelho - do Lago Paranoá no braço trecho Riacho Fundo do Lago Paranoá.
Riacho Fundo – SPOT 1995 e LANDSAT 1997 Fonte: Sergio Armelin - Fonseca , 2001
Fonte: Fonseca , 2001
Fig. 4.11 Foto da saída da drenagem das Fig. 4.12 - Foto da saída da drenagem das águas
águas pluviais do Lago Paranoá pluviais do Lago Paranoá
Fonte: João Batista Ferreira - Fonseca, 2001 Fonte: Johnson Gonçalves Rodrigues – Fonseca, 2001
109
“...O crescente processo de impermeabilização do solo, inevitável com a ocupação urbana, requer medidas
de engenharia ambiental para coletar e reciclar o volume de águas pluviais e de águas servidas, mediante a
aplicação de processos de infiltração para perenização de mananciais e recarga de aqüíferos. As redes e
galerias de águas pluviais, com lançamentos finais no lago, independentemente do uso de dissipadores de
energia, contribuem significativamente para o assoreamento do Lago Paranoá. As bocas-de-lobo, espalhadas
ao longo das vias urbanas, funcionam como captadores, não só das águas pluviais mas também de parte do
lixo e demais detritos lançados nas ruas, conduzindo-os diretamente ao lago. Nesse sentido, a limpeza
urbana, a varredura das ruas, a limpeza e desobstrução das redes e galerias de águas pluviais, e a educação
da população são fundamentais para o controle do processo de assoreamento do lago”. (Braga Netto, 2001)
140
A APA do Paranoá110 foi criada pelo Decreto Distrital nº 12.053, de 14 de dezembro de 1989,
visando, especialmente, a proteção da bacia do Lago Paranoá, dos pequenos mananciais e
matas ciliares que garantem a qualidade das águas que o abastecem. Contudo, não foi
desenvolvido, durante sua criação, o Zoneamento Ambiental111 e, muito menos, criado e
ativado o seu Conselho Gestor (iniciado apenas a partir de 2002) ou o Comitê de Bacia
Hidrográfica112, facilitando a ocupação nesta Unidade de Conservação.
Sub-bacia do
Ribeirão do
Torto Vila Varjão
110
A APA do Lago Paranoá abrange uma área de 16.000 ha contendo as seguintes Regiões Administrativas:
RA-I - Brasília, RA-Il - Paranoá, RA-XVI - Lago Sul, RA-XVIII - Lago Norte e a RA-XXIII - Vila Varjão,
caracterizadas como áreas de adensamento populacional. É supervisionada pela Secretaria de Meio Ambiente e
Recursos Hídricos do Distrito Federal – SEMARH. Dentre os objetivos expressos no art. 3o. do decreto distrital
pode-se destacar: “...IV- promover a proteção e recuperação qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos
existentes na bacia, contribuindo para a redução do assoreamento e poluição do Lago Paranoá...”
111
No que se refere à Unidade de Conservação, o zoneamento determina os setores ou zonas com
objetivos de manejo e normas específicas para proporcionar o equilíbrio harmônico. Por meio de um
diagnóstico extraem-se a potencialidade e a fragilidade, tanto físico-bióticas quanto sócio-econômicas,
que servem de base para a discussão com os vários agentes sociais envolvidos e para a definição do
Plano de Manejo.
112
O processo de criação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Lago Paranoá iniciou-se em junho de 2000 e até o
presente momento, dezembro de 2004, não existe ainda um plano de bacia ou um zoneamento do regime hídrico
para a região.
113
A rede hidrográfica da área estudada pode ser subdividida em dois conjuntos, um representado pelos
córregos intermitentes, de baixas vazões, com comprimento total dos canais individuais inferior a 1000 metros e
o Ribeirão do Torto, que corresponde ao receptor do conjunto anterior. A sub-bacia do Ribeirão do Torto está
inserida em área predominantemente rural, cruzando áreas urbanas de uso controlado como os assentamentos
141
contaminação do lençol freático e a diminuição da biodiversidade nas proximidades do
Parque Nacional de Brasília.114 (Figura 4.15)
Estima–se que 70% da área total foi desmatada e vários trechos da mata de galeria do
Ribeirão do Torto estão degradada em função da ocupação antrópica: dois terços de ambas
as margens estão ocupados por chácaras.
Estas chácaras deveriam atuar como tampão protetor para evitar o acesso público à mata e
ao Ribeirão do Torto. Entretanto, seus proprietários têm desmatado suas terras até a beira
do curso d’água, prejudicando a fauna existente. O trecho é estratégico para a recuperação
do corredor ecológico115 entre o Parque Nacional de Brasília e o Lago Paranoá e está
da Granja do Torto e da Vila Varjão, os de maior densidade populacional. As proximidades da Península Norte
vêm recebendo uma crescente pressão das ocupações das QLs, bem como dos parcelamentos irregulares no
Setor de Mansões do Lago Norte (Braga Neto apud Fonseca, 2001).
114
O Parque Nacional de Brasília é uma Unidade de Conservação Federal criada no início de Brasília pelo
Decreto nº. 241 de 29 de novembro de 1961. Tem 30.000 ha totalmente cercados e está sob a administração do
IBAMA.
115
Os Corredores Ecológicos são definidos pela Lei do SNUC como: “porções de ecossistemas naturais ou
seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da
biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de
142
incluído na zona de amortecimento116 de uma Unidade de Conservação de Proteção
Integral. (Figura 4.16)
Parque Nacional de
ad
o To
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Ribeirão do
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Brasília
Torto
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1:2 9000
2 0 2 Kilom eters
Fig. 4.16 - Mapa do Corredor Ecológico – Torto/Paranoá – Faixa de degradação ambiental - Área com maior nível
de degradação em vermelho (Varjão) e menor nível de degradação dentro do Parque Nacional de Brasília (em verde)
Fonte: Andrade et al, 2003, mapa: Valério Medeiros.
É cortada por uma drenagem natural ortogonal em cinco vezes (Figura 4.17), ou seja, são
cinco grotas principais que possuem características distintas em termos de declividade,
vazão, profundidade e ocupação, apresentando vertentes com amplitude superior a 50
metros e nascentes em torno da cota 1100 m. A declividade do vale do Ribeirão do Torto
varia entre 3% e 12% em direção ao canal do ribeirão , com cotas entre 1200 a 1005 m,
chegando a 43% na escarpa.
populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades
individuais”.
116
Zonas de Amortecimento ou Zona Tampão – “o entorno de uma unidade de conservação, onde as
atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos
negativos sobre a unidade.” Ver Lei do SNUC - 9985/2000. No caso da Unidade do Parque Nacional de Brasília
foi definida por um raio de 10 km.
143
acordo com a classificação de Köppen, caracteriza-se pelo clima Tropical de Altitude Cwa117,
sendo identificadas no topo da chapada, próxima ao Varjão, o tipo Cwb. É marcado pela
forte sazonalidade, com dois períodos distintos bem caracterizados: o seco (entre maio e
setembro) e o chuvoso (outubro e abril).
CHAPADA DE TAQUARI
Grota 5 CONTAGEM
Grota 4
Grota 3
VILA
VARJÃO
Grota 2
Ribeirão do
Torto
Quadra
Ca- 06 Grota 1
CA -CENTRO DE
ATIVIDADES DO
LAGO NORTE
117
Cwa – temperatura do mês mais frio inferior a 18oC e mês mais quente com média superior a 22oC, nas
áreas entre as cotas de 1000 e 1200 m (Depressão do Paranoá). Cwb – temperatura do mês mais frio inferior a
18o.C e mês mais quente com média inferior a 22o.C, nas áreas acima da cota de 1200 m. (Chapada da
Contagem). Fonte: Relatório de Impacto de Vizinhança – RIVI, 1997.
144
De acordo com o Diagnóstico Integrado da Vila Varjão (2001), cerca de 90% de toda a área
da Vila está como a cobertura vegetal nativa degradada, incluindo a fitofisionomias originais
do local (cerradão, cerrado sensu stricto, campo cerrado, campo sujo e campo limpo, e mata
de galeria).
A Vila Varjão se encontra com administração própria no DF desde maio de 2003118 - Região
Administrativa do Varjão – RA XXIII – e tem como áreas circundantes os setores Península
Norte, Mansões e Setor Taquari119. Possui uma área de aproximadamente 102,37 ha.
A invasão teve início nos anos 60, quando a pessoa que detinha a posse da área para fins
agrícolas resolveu dividi-la entre seus empregados (embora as terras fossem de
propriedade da TERRACAP - Companhia Imobiliária de Brasília), que, por sua vez, passam
a subdividir a área para parentes e amigos de forma irregular e desordenada.
O núcleo original da ocupação organizou-se ao longo de uma via principal, onde hoje se
concentra a maior parte do comércio e dos equipamentos. O primeiro estudo para
manutenção da população no local foi realizado em 1984 pela GEPAFI (Grupo Executivo
para Assentamento de Favelas e Invasões). Em 1988, a Vila Varjão contava com uma
população estimada de 3.200 pessoas, com aproximadamente 555 famílias habitando 378
residências edificadas, chegando, em 1990, a 3.600 habitantes em 400 moradias120.
118
Até o ano de 2003, a vila Varjão pertencia à Região Administrativa do Lago Norte.
119
Convém salientar que a expansão urbana para o Setor Taquari foi prevista por Lúcio Costa em Brasília
Revisitada de 1985 como Asa Nova Norte, destinando parte desta área a parcelamento em lotes individuais, “
aproveitando os caprichos da topografia, respeitada a proteção arborizada dos córregos e nascentes.” As "Asas
Novas" — Asa Nova Sul e Asa Nova Norte: “...visam abrir perspectiva futura de maior oferta habitacional
multifamiliar em áreas que, embora afastadas, vinculam-se ao núcleo original, tanto através da presença do lago
como pelas duas pontes que se pretende construir.
120
Dados obtidos no relatório de avaliação de impacto ambiental do Projeto Integrado da Vila Varjão Programa
Habitar Brasil/BID de 2001.
145
O primeiro projeto URB 108/91121, apresentado em 1991 e parcialmente implantado, tomou
por base a ocupação original, aproveitando a configuração física existente e as atividades
urbanas já consolidadas, preservando as características iniciais da vila, com uma poligonal
de 75 ha (dentro dos 102,37 ha) (Figura 4.18). O projeto previa a criação de 684 lotes,
incluindo os existentes, para uma população de 3.500 habitantes, assinalados abaixo na
Tabela 4.1 :
Habitação/Comércio 205
Comércio 10
Institucional 38
Áreas especiais 03
TOTAL 684
Este projeto teve como diretrizes básicas, entre outras: implantar o núcleo urbano no sítio de
menor declividade, recuperar áreas degradadas, combinar ocupação urbana mais densa
com áreas verdes dispersas (densidade líquida de 130 a 250 hab/ha e bruta de 40 hab/ha);
definir dimensões das residências e de uso misto compatíveis com um assentamento de
baixa renda; compatibilizar uso residencial com uso misto, conforme costumes já existentes;
criar faixas de preservação ao longo das grotas, encostas e margens do Ribeirão do
Torto, manter o traçado viário existente e explorar diferentes tipologias urbanas (uso misto).
121
O Governo do Distrito Federal assinou o Decreto nº 13.132 de 19/01/91 que fixou a população no local,
caracterizando um controle do crescimento da Vila Varjão e determinando a elaboração de um projeto
urbanístico para implantação definitiva. A Norma de Edificação, Uso e Gabarito – NGB – do projeto 108/91 do
antigo IPDF (Instituto de Planejamento Territorial e Urbano do DF) regulamentou a ocupação da área para as
suas quadras residenciais da Vila Varjão com os seguintes parâmetros: taxa máxima de ocupação do lote – 70%,
taxa máxima de construção 140%, 2 pavimentos no máximo, taxa mínima de área verde – 15%, com
o
afastamentos de 2 m de fundo e 1,5 na lateral esquerda. O Decreto n 16220, de 27 de dezembro de 1994,
aprova o Projeto de Parcelamento da Vila Varjão, consubstanciado no Memorial Descritivo MDE 108/91, Projetos
Geométricos Planimétricos PLN 108/91 e Normas de Edificação Uso e Gabarito NGB 108/91, NGB 127/91, NGB
121/91 e NGB 130/91.
146
Grota 5
A
PI
-E
03
DF
0
Grota 4
Grota 3
Grota 2
Grota 1
DF 005 - EPPR
147
Após a implantação de parte do projeto122, a Vila Varjão teve seu crescimento relativamente
controlado, em função das recomendações do Estudo de Impacto Ambiental do Taquari e,
principalmente, pela colaboração da comunidade, que procurava impedir novas invasões.
122
Dos 633 lotes residenciais criados, 508 foram distribuídos. Os 125 restantes foram invadidos com a
interrupção da implantação do projeto.
148
Considerando as exigências, restrições e condicionantes expressos no parecer do RIVI, foi
elaborada em 2001 uma nova proposta de ocupação (Projeto Integrado da Vila Varjão –
Programa Habitar Brasil/BID), com total de lotes estimados em 1150 para a primeira etapa123
(508 existentes do projeto de 1991 e 642 a serem criados) discriminados na Tabela 4.3:
O Plano Diretor Local apenas começou a ser elaborado em 2004, após a emancipação em
região administrativa e bem depois do desenvolvimento do projeto urbanístico – Projeto
Integrado da Vila Varjão, de 2001.
123
Nesta etapa deverá ser complementada a infra-estrutura urbana já instalada e efetuadas obras de melhorias
urbanas, recuperação e proteção ambiental. Parte das unidades residenciais unifamiliares seriam criadas por
meio da implantação de lotes unifamiliares nos vazios urbanos da área parcelada em 1991, e parte através da
expansão urbana prevista em área a oeste do parcelamento. Algumas unidades residenciais unifamiliares
2
seriam entregues edificadas, com área de 32 m ampliáveis.
149
são constituídas por paredes de madeira, 94,8% possuem cobertura de telhas de amianto e
zinco e 80,1% apresentam piso de cimento. Os banheiros, em alguns casos, permanecem
desagregados da moradia.
Em algumas áreas da vila, onde não há atendimento pela rede pública, o abastecimento é
feito por chafariz. Nas áreas irregulares observam-se inúmeras ligações clandestinas, feitas
com materiais impróprios e instaladas de forma precária sobre o solo, apresentando
vazamentos e provocando a contaminação da água potável, pois o fluxo de esgotos a céu
aberto e as constantes variações de pressão da rede permitem a entrada da água
contaminada no sistema de mangueiras.
124
Conforme analisado no Diagnóstico Integrado da Vila Varjão, em 2000 havia 300 desempregados inscritos
para trabalhar nas frentes de trabalho, programa governamental que emprega mão-de-obra por seis meses em
serviços gerais e, paralelamente, promove cursos profissionalizantes. É provável que o número de
desempregados seja bem superior ao apresentado pela Sub-administração do Varjão na época, situação
agravada principalmente pela baixa escolaridade e qualificação profissional que reduzem ainda mais o quadro de
empregabilidade da população local. A demanda do entorno imediato por profissionais prestadores de serviços
como jardinagem, agricultura, carpintaria, marcenaria ou para execução de obras e serviços de melhoria e
recuperação ambiental poderia ser um indicador para o desenvolvimento de ações de geração de emprego e
renda. O Projeto Integrado da Vila Varjão prevê uma ligação entre a Vila Varjão e o Centro de Atividades do
Lago Norte para facilitar a mobilidade dos moradores por meio de uma ponte sobre o corredor ecológico do
Ribeirão do Torto, portanto, sujeito a novos Estudos de Impactos Ambientais (Programa Habitar Brasil/BID,
2001).
125
Na área regularizada em 1991, 75,15% das moradias têm esgotamento sanitário, 82,62% têm abastecimento
de água, 63% das vias são pavimentadas e quase 100% da área é dotada de iluminação pública. As áreas até
2004 ocupadas irregularmente não possuem infra-estrutura (Programa Habitar Brasil/BID, 2001).
150
gravidade à Estação Elevatória de Vila Varjão – EE Vila Varjão, que os lança no sistema de
esgotos do Lago Norte, e daí encaminhados a ETB - Norte para tratamento em nível
terciário e lançamento no Lago Paranoá. No entanto, esta estação pode ficar comprometida,
pois está com uma vazão de 633 l/s (sem considerar a expansão urbana norte) e tem
capacidade máxima para 920 l/s.
Vale a pena ressaltar que existia uma pequena Estação de Tratamento de Esgoto
alternativa (Reator Anaeróbio de Fluxo Ascendente e Leito Cultivado)126 na própria vila, com
ótima qualidade de tratamento da água, mas desativada pela CAESB. Optou-se, portanto,
por gastar mais energia, atravessando o Lago e mandando os efluentes para a ETEB –
Norte, ao invés de manter a estação funcionando. (Figuras 4.19 e 4.20)
O acesso à vila é feito por meio de uma única entrada e saída para veículos automotores, a
Avenida Principal, com o assentamento no sentido Noroeste/Sudoeste, tendo se verificado
uma tendência à verticalização de até dois pavimentos, conforme previsto no projeto de
1991.
126
O tratamento anaeróbio consiste no tratamento de resíduos com baixa concentração de matéria
orgânica que opera à temperatura ambiente, com tempo de detenção próxima ou menor em relação
àquele utilizado pelos processos aeróbios convencionais. Essa tecnologia é adequada, principalmente
no Brasil, devido às nossas favoráveis condições ambientais de temperatura. Segundo Lima (1998), as
vantagens do tratamento anaeróbio são custos menores de implantação e operação, além da
possibilidade de obtenção do gás metano, com alta concentração de biomassa como o reator anaeróbio
de fluxo ascendente e manta de lodo (UASB). O leito cultivado de fluxo superficial tem como mecanismo
a passagem horizontal do esgoto por uma zona de raízes cultivadas em tanque escavado no solo, sendo
posteriormente impermeabilizado, tendo brita como suporte das macrófitas. Durante a passagem, o
esgoto é clarificado por degradação microbiológica e por processos físico-químicos.
151
na segunda, os lotes se organizam ao longo das drenagens naturais, utilizando-as como
depósito de lixo e esgotamento doméstico.
Fig. 4.21 e 4.22 – Grotas existentes – (APP - curso d´água intermitente com lixões a céu aberto)
Fonte: Programa Habitar Brasil/BID – SEDUH - Ribas & Casseb Estudos e Projetos Ltda, 2001.
Segundo a SEDUH, o novo Plano de Ocupação para a Vila Varjão, elaborado em 2001 pelo
atual Governo do Distrito Federal, considerou as exigências, restrições e condicionantes
expressos no parecer do RIVI de 1997 e objetivou promover de forma integrada um conjunto
de melhorias urbanas, ambientais e sociais para a comunidade da Vila Varjão.
O Projeto Integrado da Vila Varjão elaborado pelo escritório Ribas & Casseb127, foi
estruturado em duas partes. A primeira, de cunho analítico, apresenta os levantamentos,
pesquisas, diagnósticos e relatórios de avaliação de impactos ambientais. A segunda, de
cunho propositivo, realiza os anteprojetos de urbanismo e infra-estruturas, assim como os
127
É importante ressaltar que houve uma preocupação dos planejadores com o levantamento e diagnóstico
ambiental do local, anterior ao desenvolvimento do projeto urbanístico, considerado um avanço na política
habitacional do DF. Além do reordenamento do uso e ocupação do solo, foram apresentados, também, projetos
específicos de participação comunitária, geração de emprego e renda, educação sanitária e ambiental, e
estratégias de assentamento da população (Programa Habitar Brasil/BID, 2001).
152
programas e planos de trabalhos necessários ao ingresso no Subprograma de Urbanização
de Assentmentos Subnormais (UAS), do Programa Habitar Brasil 128.
Foi sugerida a Área de Interesse Ecológico do Ribeirão do Torto (ARIE do Torto)130 com
uma gleba de 147 hectares, envolvendo o Parque Ecológico e Vivencial da Vila Varjão e
estendendo seus limites pela margem direita do Ribeirão do Torto, de forma a abranger as
chácaras ali existentes e evitar que no futuro houvesse reparcelamento. (Figura 4.23)
Na visão dos autores do Projeto Integrado da Vila Varjão, a ocupação do Parque deverá
respeitar um zoneamento e plano de manejo específicos que considerem os seguintes
aspectos: definição de uma área específica para o lazer da população e implantação de uma
via de ligação da Vila com o Centro de Atividades do Lago Norte.
128
Programa empreendido pela antiga Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da
República, hoje, Ministério das Cidades, com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID.
129
Foi criado por meio da Lei nº 1.053, de 22/04/96, considerando a necessidade de proteção de áreas
adjacentes ao Ribeirão do Torto e da sua vegetação nativa remanescente, que se estende até a
desembocadura no Lago Paranoá. A margem esquerda do Ribeirão do Torto abrange mata ciliar e campo
brejoso. Existem muitas árvores frutíferas, provenientes de ação antrópica (Fonseca, 2001).
130
Embora seja de uso sustentável, esse fica restrito à pesquisa científica e as ARIES criadas antes da Lei do
SNUC têm a função de especial e emergencial proteção de espécimes da biota nativa da região em perigo ou
raras. Portanto, as limitações de uso em propriedades particulares situadas em Áries, depois do SNUC, são mais
severas.
153
PR
A ÇA
PR
A ÇA
ÇA
PRA
PRA ÇA
Parque
PRA
ÇA
Ecológico
Vivencial do PRAÇ
PRA ÇA
Varjão
PRA
A ÇA
AL
MIN
TER PR
A ÇA
PRA ÇA
PRAÇA
PRAÇ
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A
PRA
PRA
ÇA
Área
PRAÇA
Vivencial do PRA ÇA
Parque
PRA ÇA
PRA ÇA
PR
A ÇA
PR
A ÇA
EPPR
Ribeirão do Torto -
faixa de preservação
154
Por questões ambientais e exigência do EIA/RIMA do Setor Habitacional Taquari – SHTQ e
o RIVI, a Vila Varjão teve sua população limitada a 1.150 famílias131 (ver tabela 4.3). Para
este cálculo, considerando uma família média com 4,2 pessoas, foram computados lotes
existentes e propostos, além das 208 unidades residenciais, na porção nordeste da Vila, em
forma de habitação sobreposta132. Os lotes residenciais propostos dão continuidade ao
traçado inicial da vila, tanto nos eixos de drenagem, quanto na criação de novos quarteirões.
A área desses lotes, em sua maioria, varia entre 112,5 m2 e 160 m2. (Figura 4.24)
Lotes
existentes
Lotes
propostos
131
Em decorrência do número limite de 1.150 domicílios, estabelecido no projeto de 2001, em cumprimento às
exigências do RIVI, foi necessária a definição de critérios para pontuação dos candidatos para identificar aqueles
1.150 que permanecerão na Vila Varjão e os demais que cumprem os critérios mínimos da política habitacional,
serão reassentados em outra área. Este programa tem como objetivo retirar todos os barracos que estão em
áreas de risco (grotas, encostas de morros, nascentes e outras áreas proibidas pela legislação ambiental e
sujeitas a desastres ecológicos como desabamentos, erosões, poluição do Lago Paranoá e problemas sanitários
- proliferação de doenças, contaminação da água, infecções). No entanto, segundo alguns moradores, os
critérios utilizados pelo Governo do Distrito Federal são duvidosos.
34
A idéia de casas sobrepostas foi condicionada pelas restrições ambientais do sítio que impossibilita,
diferentemente de outros assentamentos do DF, uma expansão generalizada da malha urbana. As habitações
2
unifamiliares com área de 32,00 m são organizadas em conjuntos do tipo pavilhão, de forma sobreposta em dois
pavimentos. A construção de habitações atenderá prioritariamente aos inquilinos residentes nos fundos dos
lotes. São apresentadas nesta fase do Programa três diferentes soluções para o mesmo programa de unidade
habitacional comunitária.
155
A proposta de infra-estrutura procurou minimizar interferências com as unidades existentes
dos sistemas de água, esgotos, águas pluviais e energia elétrica e, segundo os autores, é
capaz de possibilitar a melhoria das condições ambientais da área.
O projeto adotou a manutenção da estrutura espacial típica da vila (Figuras 4.25 e 4.26), já
apropriada por seus habitantes e a canalização das linhas de drenagem natural. Ainda,
segundo seus autores, a canalização das drenagens naturais ou grotas, nos trechos que
atravessam o assentamento, possibilitou o ordenamento da ocupação por meio de áreas
que passarão a ter destinação, usos e funções definidos, delimitando claramente espaços
públicos e privados com o melhor aproveitamento da área urbana. (Figuras 4.27, 4.28, 4.29
e 4.30)
156
A justificativa para essa intervenção foi o avançado estado de degradação em que se
encontravam as grotas que cortam a Vila Varjão, com pouca ou nenhuma vegetação nativa
e grande acúmulo de lixo e entulho. Além de estar atuando como receptáculo dos
lançamentos clandestinos de esgotos, o fato induz à ocupação e à urbanização desses
espaços.
Fig. 4.30 – Mapa de drenagem com a canalização das grotas da Vila Varjão
Fonte: Programa Habitar Brasil/BID - SEDUH/ Ribas & Casseb, 2001
157
Ao que parece, neste ponto reside o cerne do problema da questão da drenagem urbana no
Brasil, conforme visto no capítulo III, pois ainda é adotado o princípio do escoamento da
água precipitada, o mais rápido possível, da área em que ocorre a chuva, aumentando a
vazão máxima de escoamento. A “canalização dos trechos críticos” é uma visão
segmentada de um trecho, sem se levar em conta as conseqüências para o restante da
bacia, no caso a do Lago Paranoá. Inversamente, o novo paradigma para a concepção de
sistema de drenagem é tentar reter o maior tempo possível a água onde ocorre a
precipitação, retardando a liberação para as áreas mais baixas ou favorecendo a infiltração
no solo.
Neste sentido, a preservação dos limites para ocupações próximas aos cursos d’água torna-
se imprescindível, mesmo que se tenha que promover, num primeiro momento, uma
mobilização da comunidade a respeito da gestão ecológica do ciclo da água e, num
segundo, fazer o projeto urbanístico.
A proposta de canalização das grotas é uma das questões técnicas que ficaram pendentes
para o avanço do licenciamento ambiental para o reordenamento urbanístico da Vila Varjão,
segundo o engenheiro agrônomo Manoel Alessandro de Araújo, do IBAMA.
Entretanto, por estar incluída em Áreas Especiais de Proteção com restrição físico–
133
ambiental em Zona de Consolidação134 - do Plano Diretor de Ordenamento Urbano do
133
Segundo o PDOT, ...“são aquelas cujas características ou proximidades com Zonas de Conservação
Ambiental justificam cuidados especiais quanto ao seu uso e ocupação, pois compreendem as faixas de
tamponamento no entorno de uma Unidade de Conservação, bem como áreas com restrições físicas e bióticas,
nas imediações de zonas urbanas.”
134
Macrozoneamento – Capítulo I das disposições gerais - Art. 13. A Zona Urbana de Consolidação, a Zona
Urbana de Uso Controlado e a Zona Rural de Uso Controlado devem respeitar, dentre outras, as diretrizes de
ocupação territorial estabelecidas por Zoneamento ou Rezoneamento para as Unidades de Conservação que as
englobam. Art. 20. Zona Urbana de Consolidação é aquela na qual a ocupação deve considerar as restrições
do estabelecido para as áreas de preservação do conjunto urbanístico do Plano Piloto de Brasília, tombado como
Patrimônio Histórico Nacional e Cultural da Humanidade; das peculiaridades ambientais das Áreas de Proteção
158
DF – PDOT DE 1997, a Vila Varjão está incluída na poligonal da APA do Planalto Central135,
desde o seu decreto de janeiro de 2002. Cabe, portanto, ao IBAMA, por intermédio da sua
Gerência Executiva no Distrito Federal, e não mais à Secretaria de Meio Ambiente e
Recursos Hídricos do DF (SEMARH), a emissão da Licença de Instalação – LI.
Em 29 de janeiro de 2003, o IBAMA alegou que a Licença Prévia136 emitida pela SEMARH
era irregular: ”...tendo em vista que foi criada pelo Decreto de 10 de janeiro de 2002, A APA
do Planalto Central, solicitamos que a SEMARH adote os procedimentos necessários para
cancelar a Licença Prévia nº. 010/2002, considerando o estabelecido no Art. 5o., parágrafo
único, do referido decreto, que todas as atividades previstas no art. 2o, da Resolução
CONAMA no. 001/86, serão licenciadas e supervisionadas por esta Gerência Executiva do
IBAMA no Distrito Federal.
Sob o ponto de vista da SEDUH, o fato era inadmissível ao passo que o Projeto Integrado
da Vila Varjão teria proposto “soluções que compatibilizam os aspectos ambientais” -
apontados pelos EIA-RIMA do Taquari e RIVI - com aspectos urbanísticos e sociais e foi
elaborado por empresas de competência (Ribas e Casseb e TCBR), conseqüentemente
supondo que todos os aspectos técnicos haviam sido observados.
Em junho de 2003 ocorreu uma primeira reunião formal entre o GDF e o IBAMA. Para os
técnicos do IBAMA, os pontos necessários de serem analisados seriam as questões
relativas à canalização das grotas de drenagem pluvial e à ocupação de locais com
declividades superiores a 10%137 (de acordo com a Resolução CONAMA 010/88), que já
eram imposições previstas pelo fato da área estar inserida na APA do Paranoá, antes de
estar na APA do Planalto Central.
Ambiental do Lago Paranoá e das Bacias Gama e Cabeça de Veado; e de saneamento para as áreas de
Sobradinho, Planaltina e as circunscritas na Bacia do Lago Paranoá. § 2º Na Zona Urbana de Consolidação
será:”....III - respeitada a capacidade de suporte dos corpos hídricos, especialmente do Lago Paranoá, como
corpos receptores de efluentes...”
135
O decreto presidencial da APA do Planalto Central permite também a revisão de qualquer licenciamento
ambiental emitido anteriormente pela SEMARH, mesmo que o empreendimento já esteja implantado. Com isto,
segundo a gerente do IBAMA/DF Eulália Machado, podem ser embargados novos loteamentos, parcelamentos
em criação de setores industriais, mesmo que contando com a aprovação de lei da Câmara Legislativa e a
concessão da Licença ambiental pelo GDF.
136
Ver em anexo no final.
137
Pela Lei de Parcelamento do Solo 6766/79, há o estabelecimento de uma declividade máxima de 30% e
reserva de uma faixa “non aedificandi” de 15 (quinze) metros de cada lado, ao longo das águas correntes e
dormentes de cursos d`água para parcelamentos urbanos. A Resolução CONAMA 010/88 estabelece
declividade máxima de 10% para Áreas de Proteção Ambiental, enquanto o Código Florestal determina uma
faixa mínima de 30 metros ao longo dos cursos d´águas mesmo intermitentes (o caso das grotas), conforme
descrito no capítulo III.
159
O Ministério das Cidades contratou em julho de 2003 o consultor ambiental José Gabriel
Monteiro, para elaborar um laudo técnico138 sobre o Projeto Integrado Vila Varjão. A
controvérsia entre os órgãos girou em torno da canalização total ou parcial das grotas dos
cursos d’água - APPs (impactos de curto prazo com rápido controle das doenças
hidricamente transmissíveis) ou a recuperação, total ou parcial, retificada das linhas de
drenagem (recuperação da qualidade de vida em longo prazo para um contingente
populacional maior no âmbito do DF).
Sobre a canalização das grotas, o consultor afirma ser apropriada, pois resolveria o
problema de depósito de lixo, e retiraria a possibilidade de serem depósito do esgotamento
a céu aberto. Na visão apresentada em outro laudo técnico (TOPOCART, 2003), a
afirmação de Monteiro contradiz as propostas do próprio projeto. Se por um lado, elabora
soluções higienistas como feitura de estudos para implantação dos sistemas de coleta de
lixo e de infra-estrutura de esgotamento sanitário, para reverter o processo de degradação
ambiental, por outro, propõe programas de educação ambiental e sanitária como requisito à
regularização da situação em pauta.
Sendo assim, então, por que não se pensou em fazer primeiro um trabalho de mobilização
na comunidade visando a educação ambiental para somente depois apresentar um projeto
com soluções mais ecológicas, que pudessem ser aceitas e executadas com sucesso?
Sobre a questão da ocupação das áreas com mais de 10% de declividade, o consultor
comete um equívoco ao declarar que tal exigência é dispensável, porque o Projeto Integrado
da Vila Varjão antecede em um ano a declaração da APA do Planalto Central.
138
É importante salientar que este laudo apenas reforça as soluções propostas pelo Projeto Integrado da Vila
Varjão. Não faz uma análise detalhada dos impactos ambientais de longo alcance, como o fez a empresa
TOPOCART.
160
de lotes previstos em áreas consideradas de preservação permanente139 – APP, ou
“ambientalmente inadequadas”.
Cabe ressaltar que antes de ser inserida nas duas APAs, a Vila Varjão já se encontrava
dentro dos limites da zona de amortecimento de uma Unidade de Conservação (dentro do
raio de 10 Km do Parque Nacional de Brasília)141. Outro aspecto importante a ser
considerado é o fato dos estudos de impactos ambientais para a região já apontarem a
necessidade de se reabilitar ecologicamente, a qualquer custo, as áreas degradadas para o
estabelecimento de corredores ecológicos, considerando que os microssistemas vegetais
existentes se recomporiam por meio da regeneração de todos os trechos hídricos, dentro
das possibilidades. Sendo assim, as grotas de drenagem natural e os pequenos córregos
são importantes corredores ecológicos, além do próprio Ribeirão do Torto. Portanto, fica
evidente a necessidade de se projetar de uma maneira mais ecológica e não de forma
higienista tradicional, pois assim talvez pudesse ser evitado o longo processo de
licenciamento ambiental (3 anos) que, na verdade, apenas foi resolvido pela pressão do
Governo do Distrito Federal em face ao limite imposto pelo Programa Habitar Brasil/BID.
O embate de negociações entre o IBAMA e a SEDUH durou até abril de 2004. O processo
envolveu o envio de várias correspondências, complementações de informações técnicas e
reuniões com os dirigentes e técnicos do IBAMA/DF, do Ministério das Cidades142, CAIXA e
139
O Código Florestal e a Resolução CONAMA 303/2002 definem o que são Áreas de Preservação Permanente
– APP, dispondo sobre parâmetros, definições e limites dessas áreas. As larguras predeterminadas dependem
das dimensões dos cursos d’água que prevêem o mínimo de 30 m de limite para a ocupação para aqueles com a
calha até 10 m de largura e o máximo de 500 m para aqueles com mais de 600 m de calha. Ao redor de
nascentes ou olhos d’água, ainda que intermitentes, a lei prevê um raio mínimo de 50 m de limite para ocupação
urbana, para a proteção da bacia hidrográfica contribuinte.
140
Em relação à proposta original, na segunda análise da TOPOCART, o déficit seria de 150 lotes, pois dos 265
que terão que ser destituídos, 100 lotes poderiam ser recompostos para habitação sobreposta e o restante
reparcelado com lotes para unidades unifamiliares.
141
Conforme a Resolução CONAMA 13/90:...“O Órgão responsável por cada Unidade de Conservação,
juntamente com os órgãos licenciadores e de meio ambiente, definirá as atividades que possam afetar a biota da
Unidade de Conservação.(...) O licenciamento a que se refere o caput deste artigo só será concedido mediante
autorização do órgão responsável pela administração da Unidade de Conservação.” Paradoxalmente, neste caso
específico, trata-se do próprio IBAMA.
142
O coordenador Geral do Programa Habitar Brasil/BID do Ministério das Cidades, Sr. Ambrosino de Serpa
Coutinho, alerta a SEDUH/DF que, nos termos do Regulamento Operacional do Programa Habitar Brasil/BID, a
não obtenção das Licenças Prévias e de Instalação implicam a inelegibilidade do projeto e, conseqüente, a perda
dos recursos disponibilizados pela União.
161
Ministério Público, além de reuniões freqüentes com a TERRACAP (Companhia Imobiliária
de Brasília) e Procuradoria Jurídica do DF.
Enquanto esse conflito não se resolvia, a população da vila sofria com a falta de obras de
infra-estrutura, implicando o agravamento dos problemas sócios ambientais pelo acúmulo
das fortes chuvas do verão de 2004, o que fez com que dezenas de famílias ficassem
desabrigadas ou em condições de risco. (Figuras 4.31 a 4.36)
Fig. 4.31, 4.32, 4.33, 4.34, 4.35 e 4.36 - Fotos da situação crítica das grotas e das ruas
após as últimas chuvas – (Fevereiro de 2004)
143
A liberação da licença de instalação foi publicada no Correio Braziliense no dia 30 de março de 2004.
144
Com a emissão da LI, o Ministério das Cidades lançou, em de junho de 2004, o início das obras de
urbanização do Projeto Integrado Vila Varjão, beneficiando diretamente 1,4 mil famílias. O Governo Federal
162
urbanístico e emitiu a Licença de Instalação, desde que se retirassem as 540 famílias145 que
se encontravam em zonas irregulares, além de acertos finais elaborados de acordo com o
laudo da TOPOCART.
repassa R$ 9,5 milhões, enquanto o DF, em contrapartida, investe R$ 1,6 milhões. Dentro deste orçamento está
previsto regularização fundiária do local, drenagem e pavimentação, e abastecimento de água e esgoto sanitário,
com suas respectivas ligações domiciliares. Também, inclui a construção de 258 casas para atender famílias
remanejadas áreas ambientalmente sensíveis, além de áreas de lazer e esporte, um centro de convivência de
idosos e trabalho social.
145
Número de famílias obtido no Correio Braziliense de 30 de março de 2004. Na LI não consta esta informação.
No anexo 1 constam os lotes a serem excluídos e no anexo 2 aqueles a serem reformulados .
163
CONAMA nº. 10/88) e as áreas com mais de 100% de declividade (em função de se
constituir um indicador da existência de bordas de ruptura de chapada146)
100 metros
4.37 - Croqui da borda de ruptura das chapadas e o limite, em projeção horizontal, imposto pelo
Código Florestal e pela Resolução CONAMA nº. 303
Fonte: TOPOCART, 2003
No entanto, para as situações de áreas com declividade acima de 10%, na faixa de 100
metros de reverso da borda de ruptura das chapadas e junto de cursos d’água, o laudo
adotou o critério de custo/benefício, em situações específicas e pontuais, para que possam
ser aceitos lotes e ruas em trechos levemente fora dos requisitos formalizados, desde que
tomadas as devidas providências tecnológicas e de compensação ambiental.
146
Cota de diferenciação da estrutura litológica, fenômeno que se encontra por trás da estratificação pedológica
e da geomorfologia. Mudanças bruscas de declividade de um pedediplano formado por latossolos para uma
situação de encosta, formada por cambissolos assinala uma mudança brusca de estrutura litológica. O início das
linhas de drenagem é um indicador que pouco acima deve se encontrar a mudança da estratificação litológica e
correspondente borda de ruptura. Se as linhas de drenagem ocorrerem em áreas de cambissolos, se trataria de
grotas com escoamento intermitente de águas pluviais, ao passo que se ocorrerem em solos hidromórficos, é
provável que sejam leitos de cursos d’água mais ou menos permanentes (TOPOCART, 2003, p.26).
147
O Art. 3º da Resolução CONAMA nº. 303 define que a Área de Preservação Permanente situada em faixa
marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima, de: ... “VII - em encosta
ou parte desta, com declividade superior a cem por cento ou quarenta e cinco graus na linha de maior declive;
VIII - nas escarpas e nas bordas dos tabuleiros e chapadas, a partir da linha de ruptura, em faixa nunca inferior
a cem metros, em projeção horizontal, no sentido do reverso da escarpa...”
164
mais de 10% de declividade com superfícies relativamente contínuas, com predominância
de áreas acima de 10% de declividade. (Figura 4.38 e 4.39)
4.38 - Detalhe das curvas de nível com ruas 4.39 - Detalhe das curvas de nível com mais de
não perpendiculares às curvas de nível 10% de declividade para superfícies contínuas.
Fonte: TOPOCART, 2003 Fonte: TOPOCART, 2003
4.40 - Detalhe da situação em que a linha de mudança brusca de 4.41 - Detalhe da linha que indica
declividade não coincide com as linhas de início de escarpa mudança de unidades
Fonte: TOPOCART, 2003. geomorfológicas
Fonte: TOPOCART, 2003.
165
Além dessa situação, existem outras como as encostas (mais ou menos íngremes com
declividades oscilantes entre 10 e 100%) e encosta escarpada (declividade acima de 100%)
não definida na Resolução CONAMA148 nº. 303. Sendo assim, o laudo optou por usar o
critério de custo/benefício para a ocupação urbana na encosta (com mais de 10%), já que
do ponto de vista técnico, é possível lançar um sistema viário diagonalmente às curvas de
nível (com a declividade destas ruas, portanto, podendo ser menor que 10%) e a própria
terraplanagem e demais obras civis serviriam como garantia de que os lotes lindeiros,
alguns deles com mais de 10% de declividade, não seriam originários de erosões ou outros
fenômenos de degradação ambiental. (Figuras 4.42 e 4.43)
148
A Resolução CONAMA 303 - Art 2o. - define: ... “XI - tabuleiro ou chapada: paisagem de topografia plana,
com declividade média inferior a dez por cento, aproximadamente seis graus e superfície superior a dez
hectares, terminada de forma abrupta em escarpa, caracterizando-se a chapada por grandes superfícies a mais
de seiscentos metros de altitude; XII - escarpa: rampa de terrenos com inclinação igual ou superior a quarenta e
cinco graus, que delimitam relevos de tabuleiros, chapadas e planalto, estando limitada no topo pela ruptura
positiva de declividade (linha de escarpa) e no sopé por ruptura negativa de declividade, englobando os
depósitos de colúvio que se localizam próximo ao sopé da escarpa...”
166
Fig. 4.42 – Mapa com as linhas de transição entre áreas com média abaixo de 10% de declividade e média acima
de 10% de declividade, superposto aos limites determinados pelo Código Florestal para os cursos d’água.
Fonte: TOPOCART, 2003
167
Fig. 4.43 – Mapa com as linhas de transição entre áreas com média abaixo de 10% de declividade e média
acima de 10% - análise caso a caso pelo custo-benefício.
Fonte: TOPOCART, 2003
168
Por fim, sobre as ocupações junto aos cursos d’água, o laudo defende que as grotas ou
linhas de drenagem não poderiam ser consideradas um curso d’água permanente ou
intermitente desde que fosse detectada uma correspondente existência de uma nascente149
(identificados a partir de dados do meio fisiográfico e do meio biótico ou do afloramento da
água). Consideram-se os limites definidos pelo Código Florestal, mas mesmo assim, usou-
se o critério de custo/benefício, com análise caso a caso das grotas existentes. (Figura
4.44)
Grota 5 Grota 4 Grota 3 Taquari
Grota 2
Varjão
Grota 1
Ribeirão do
Torto
Grota1
CA - Centro de
Atividades do
Lago Norte
Fig. 4.44 – Mapa das grotas e nascentes – APPs (curso d´água intermitente – grotas – faixa de 30m e
nascentes – raio de 50m) superposto ao Projeto Integrado da Vila Varjão.
Fonte: TOPOCART, 2003
149
A lei é clara sobre cursos d’água, perenes ou intermitentes, para as APPs, entretanto, o laudo levantou a
questão sobre a aplicabilidade mecanicista da legislação, onde se argumenta que a própria lei abre exceção:
“....A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização
do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de
utilidade pública ou interesse social.” (Código Florestal – Art 3o.§ 1)
169
4.3.2 Alterações exigidas pelo Ibama para a emissão da Licença de Implantação – LI
Em 29 de abril de 2004, o IBAMA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei da Política
Nacional do Meio Ambiente, resolveu expedir a Licença de Instalação150 à Companhia
Imobiliária de Brasília – TERRACAP. A validade da licença emitida para o Reordenamento
Urbanístico da Vila Varjão está condicionada ao cumprimento de alguns condicionantes.
Entre os que interessam a esta pesquisa estão:
150
Ver em anexo no final.
170
• A empreendedora deverá prever, na readequação do Projeto Integrado da Vila
Varjão, área verde que corresponda a 20% da área total do projeto urbanístico, no
intuito de atender o que dispõe a Resolução CONAMA nº. 10/88;
151
A Avenida do Contorno é a rua que separa o assentamento proposto da encosta. Foi adotada no projeto com
o objetivo de limitar a expansão urbana.
171
4.4 “Higienizar” ou “Ecologizar” assentamentos em Áreas de Proteção
Ambiental?
Fica claro que implementar uma legislação ambiental restritiva e impositiva para a região
não é o suficiente para assegurar que novas áreas não sejam ocupadas, pois o local está
protegido legalmente por várias Unidades de Conservação (APA do Paranoá –1989, entorno
do Parque Nacional de Brasília - Lei do SNUC de 2000 e APA do Planalto Central – 2002).
O próprio PDOT já previa restrições ao seu uso e ocupação, pois compreendem as faixas de
tamponamento no entorno de uma Unidade de Conservação, bem como áreas com
restrições físicas e bióticas, nas imediações de zonas urbanas.
A população, independentemente do nível de renda, sem uma capacitação técnica, não tem
condições de enxergar os impactos de longo alcance, principalmente no que se refere aos
recursos hídricos. Para as famílias de baixa renda, a ordem de prioridades por parte do
governo ainda é outra: assegurar, em primeiro lugar, a sobrevivência, visando
principalmente as questões políticas.
172
Paradoxalmente, se há uma posição a favor da aceleração do processo de urbanização por
meio de canalização das grotas por parte do governo do DF, objetivando não perder os
recursos de financiamento externo, o gasto para a reconstrução da Vila Varjão pode ser
ainda maior, visto que o local, atualmente, considerando a redução de áreas verdes, parece
mais um campo sem vida, pedindo urgência em sua recuperação. Se a população soubesse
que determinadas soluções causariam o retardamento da emissão do licenciamento
ambiental ou a não permissão para o reordenamento urbanístico e as respectivas obras,
optariam, ainda assim, por soluções imediatistas?
Numa conversa informal com alguns moradores mais antigos da Vila Varjão, constatou-se
que os canais de drenagem, cursos d’água intermitentes ou não, quando ainda não eram
degradados e continham a vegetação nativa, eram palcos de banhos prazerosos. Mesmo
hoje, o começo das grotas na encosta ainda é desfrutado pelos meninos do Varjão para se
refrescarem. (Figuras 4.46 e 4.47)
Fig. 4.46 e 4.47 - Fotos da encosta e do início de uma grota (fevereiro de 2004)
Neste sentido, nota-se que a memória ambiental dos moradores não foi valorizada, no
sentido de servir como ponto de partida para se trabalhar uma educação ambiental, antes
de se iniciar o projeto urbanístico.
Será que a única maneira de recuperar ambientes degradados no Brasil, ainda é usar
tecnologias ou estratégias para a higienização da área (Figuras 4.48 a 4.55), como foi feito
na Europa há mais de um século e no Brasil na primeira metade do século passado?
173
Fig. 4.48, 4.49, 4.50, 451, 4.52, 4.53, 4.54 e 4.55 - Fotos das obras de higienização do
assentamento – aterro das grotas e corte de árvores (outubro de 2004)
174
gestão ecológica do ciclo da água152, aqui no Brasil quando há a oportunidade de
manutenção dos canais de drenagem natural, a solução mais adotada ainda é a
canalização.
Como fica evidente no caso analisado, o que falta para os profissionais que trabalham com
o espaço urbano é não incorporar o fato de que, conforme coloca Ribeiro (2000), temos que
“ecologizar” as soluções urbanísticas, ou melhor, introduzir a dimensão ecológica nos
vários processos de urbanização desde o planejamento, design, até as estratégias de
desenvolvimento.
No caso do Projeto Integrado da Vila Varjão, não houve a aplicação total dos princípios de
sustentabilidade ambiental153 no planejamento e desenho do assentamento, incorporados
de forma sistêmica. Da análise há a constatação que alguns foram contemplados, mas não
conseguem alcançar o equilíbrio das várias dimensões da sustentabilidade.
Ao se tentar resolver a dimensão social no Projeto Integrado da Vila Varjão para uma
sociedade menos desigual, esqueceu-se da possibilidade de reconhecer a dimensão
prática na mudança de hábitos de consumo e de comportamentos e, principalmente,
incorporar a dimensão ética. É aqui, pois, que reside o compromisso com as gerações
futuras ao acesso às boas condições das águas do Lago Paranoá e aos corredores
ecológicos formado pelos cursos d’água que contribuem para manter a biodiversidade na
zona de amortecimento do Parque Nacional de Brasília.
As margens das grotas recuperadas na Vila Varjão poderiam se tornar espaços de encontro
social, requalificação ambiental e valorização da vida, uma vez que, seriam espaços
152
Apresentadas no capítulo III.
153
Proteção ecológica (biodiversidade), adensamento urbano, revitalização urbana, implantação de centros de
bairro, desenvolvimento da economia local, implementação de transporte sustentável, moradias economicamente
viáveis, comunidades com sentido de vizinhança (habitáveis), tratamento de esgoto alternativo e drenagem
natural, gestão integrada da água, energias alternativas, políticas baseadas nos 3R’s (reduzir, reusar e reciclar)
(Dauncey e Peck, 2002).
154
Conforme já previa Lucio Costa, Quadras Econômicas ou conjuntos geminados de quatro pavimentos, para
atender à população de menor renda, e dois pavimentos para os comércios locais.
175
propícios à educação ambiental. O caminho das águas permite intervenção urbana capaz de
alcançar máximo resultado, integrando questões de saneamento, habitação, controle de
cheias, contenção de erosões, esporte, cultura, lazer e segurança em torno do eixo
simbólico das águas limpas. Conforme foi discutido no capítulo 3, a implantação dos futuros
Planos Diretores de Drenagem Urbana, proposto pelo Ministério das Cidades, terá como
objetivo fazer a interface necessária dos serviços que se relacionam com a água155.
O desenho urbano no córrego São Francisco de Belo Horizonte teve como princípio a
humanização da cidade por meio da valorização do encontro social em torno da água. A
finalidade do projeto induzia a mudanças no comportamento e possibilitava a educação
ambiental por meio da inclusão da mobilização social e ampliação da acessibilidade aos
serviços urbanos, a partir da reestruturação sistema viário.
Fig. 4.56 e 4.4.57 - Projeto de Revitalização das margens do Córrego São Francisco – Belo Horizonte – MG -
Prêmio Caixa Econômica Federal/IAB
Fonte: Orbis – Cidade E Meio Ambiente
155
Ações integradas dos serviços que se relacionam com a água: drenagem, abastecimento de água,
esgotamento sanitário, limpeza urbana, gestão integrada dos resíduos sólidos, transporte e legislação ambiental.
176
melhoria da qualidade ambiental, mas na perpetuação da degradação ecológica, sanitária e
social, conforme se pode observar ao longo dos anos em projetos inconclusos.
Segundo um dos autores do projeto do Córrego São Francisco, arquiteto Paulo Dimas de
Menezes, da Orbis Cidade e Meio Ambiente156, para assegurar que os vazios urbanos não
sejam ocupados, deve-se projetar de “trás para frente”, ou melhor, começar o projeto pela
mobilização da comunidade, o que Capra (2002) chama de alfabetização ecológica, para
depois fazer o desenho de intervenção.
Para possibilitar a transformação, a população da área tem que ser engajada antes, durante
e após o processo de planejamento e execução das obras para autogestão complementar e
manutenção das áreas.
A comunidade precisa ser envolvida nos problemas que os impactos causarão e nas
dificuldades de aprovação do assentamento diante dos órgãos ambientais, além de ser
conscientizada de que a falta do licenciamento implicará a retirada da moradia do local.
Infelizmente, quando os problemas ambientais são pensados em longo prazo, muitas vezes
não se pode negociar o lugar da própria moradia.
Entretanto, no caso da Vila Varjão, um aspecto importante a ser mencionado é que já existe
um grande número de organizações governamentais e não-governamentais157
desenvolvendo projetos para assentamento, sem uma interface adequada - daí a
necessidade dos projetos serem incorporados ao desenho urbano.
Um dos princípios básicos, desenvolvido pelos ecossistemas, como o de aliança, citado por
Capra (2002), é formação de parcerias entre os seres. O aspecto poderia ser melhor
explorado, entre as parcerias da iniciativa privada e o GDF, a exemplo, bem como entre
156
A proposta para o Córrego São Francisco foi ganhadora do PRÊMIO CAIXA ECONÔMICA FEDERAL/IAB, em
2002.
157
Hoje a Vila Varjão conta com inúmeros projetos desenvolvidos por organizações governamentais e não–
governamentais, entre eles pode-se destacar o Projeto de Agricultura Urbana para o Varjão para o Programa
Fome Zero, desenvolvido pela EMATER/DF – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural. Outra iniciativa
de interesse foi o Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH, da Caixa Econômica Federal e
Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação – SEDHU/DF, com apoio da Universidade de Brasília –
UnB/CEPLAN, que elaborou o projeto arquitetônico para 13 casas, em sistema de mutirão, adotando a
tecnologia em solo-cimento (posteriormente, em 2004, o escopo foi ampliado para mais 28 casas).
177
outras instituições governamentais e não governamentais para a construção civil,
reciclagem, agricultura, educação, etc.
O sistema agroecológico proposto pela EMATER/DF tem como foco a implantação de uma
horta comunitária (9.000 m2) para o atendimento de 25 famílias com a implantação de
sistema de separação de lixo nas residências para a produção do composto orgânico e uma
horta demonstrativa da EMATER (2.000 m²). Por meio da implantação dessas hortas
(verticais e horizontais), pretende-se capacitar tecnicamente tanto as famílias beneficiadas
diretamente quanto trabalhadores e estudantes para a produção de mudas de plantas
ornamentais nativas e exóticas, bem como para a manutenção de jardins.
Se o princípio da proteção ecológica para conter a expansão urbana sobre áreas agrícolas
fosse incorporado ao Projeto Integrado da Vila Varjão, juntamente com os princípios da
permacultura (manutenção da qualidade ambiental por meio da agricultura natural, da
composição paisagística e do design) para a morfologia urbana, certamente as hortas
seriam distribuídas ao longo do assentamento, de acordo com as necessidades e
deslocamentos entre as residências e os elementos a serem projetados, consumindo o
mínimo necessário de energia e trabalho. Assim, automaticamente os outros princípios
158
O Projeto Petrobrás Fome Zero faz parte das comemorações dos 50 anos da Petrobrás e visa iniciativas à
cidadania e à responsabilidade social por meio da seleção e patrocínio de propostas de desenvolvimento de
competência e habilidades em comunidades carentes. (Projeto Petrobrás no Varjão: Semeando Qualificações
para colher segurança alimentar, emprego e renda - maio de 2004)
159
Em 2004 há um grupo de artesãs do Varjão, que desenvolve bonecas de pano, bem representativas da
cultura local.
178
seriam incorporados: a política dos 3R’s para a compostagem, a gestão integrada da água,
a drenagem natural e o tratamento de esgoto alternativo.
Outro princípio que poderia ser incorporado seria o tratamento alternativo de esgotos, com o
desenvolvimento de tecnologias descentralizadas de saneamento básico para reduzir a
demanda de recursos, sem prejudicar a qualidade dos serviços como a ETE do Varjão, que
funcionava com tratamento alternativo (sistema anaeróbio e leito cultivado com plantas).160
Essas tecnologias podem minimizar custos na questão habitacional de tal forma que podem
estar desvinculadas de grandes financiamentos externos, trabalhando em escalas pontuais
na cidade, paralelamente às estratégias de recuperação de assentamentos ou re-
assentamentos, conforme a experiência vivida pela comunidade do Sertão do Carangola,
em Petrópolis, descrita no capítulo 3. Ali o custo com a infra-estrutura de saneamento foi
reduzido com a implantação da Estação de Tratamento de Esgoto com biossólido. O projeto,
financiado pelo Banco do Brasil, custou em 1994 por volta de R$ 26,5 mil. Além disso, os
jovens da comunidade plantam os legumes e verduras que alimentam as famílias da favela
e ainda criam as mudas que são vendidas para sítios da região.
160
Lima, 1998.
179
Evitar a residência isolada para a Implantação, em grande escala, de Quadras
Adensamento Urbano habitação popular devido ao custo do Econômicas, com até 4 pavimentos, propostas
em áreas centrais terreno, infraestrutura urbana e por Lúcio Costa para o problema da habitação
construção dos blocos de popular – (1985).
apartamentos e dos "complementos
da moradia". Adensar apenas as áreas mais centrais e
próximas à via principal.
Projeto de tipologias superpostas (208) previstas
no Projeto Integrado da Vila Varjão (2001).
Manter os limites das APPs para os Propor uma educação ambiental para promover
Drenagem Natural cursos d’água intermitentes. a recuperação das grotas. Existe uma ONG
atuando no Varjão: Associação Olhos da Água
Criar bacias de contenção, próximas Proteção Ambiental – AOPA.
ao Ribeirão do Torto, no Parque
Vivencial do Varjão. Desenvolver um Plano Diretor de Drenagem
Urbana, integrado com os serviços que se
relacionam com a água.
Coleta Seletiva para o Lago Norte e Projeto de Reciclagem Solidária (Cooperativa
Política dos 3R’s Varjão. Nacional dos Trabalhadores em
Empreendimentos Educacionais e Comunitários
Criar uma Usina de Reciclagem e – 2001).
Compostagem. Projeto de Usina de Reciclagem e
Compostagem - estudo desenvolvido na
disciplina de Ateliê de Desenho Urbano do
Programa de Pós-graduação da Faculdade de
Arquitetura e urbanismo da UnB (2003)
Explorar o potencial do artesanato Grupo de artesãs do Varjão do Torto - A via
Economia local. Explorar atividades econômicas, principal poderia ser melhor explorada como um
Local/Centros de Bairro com áreas para o estabelecimento de grande centro de artesanato do DF.
pequenas empresas próximas às
moradias, cuja criação deve ser
apoiada por programas de geração de
emprego e renda, na via principal.
180
Moradias Tecnologias Alternativas. A Universidade de Brasília – UnB/CEPLAN
economicamente viáveis desenvolveu o projeto arquitetônico para 13
casas, em sistema de mutirão com tecnologia
em solo-cimento e no final de 2004 estão
previstas mais 28 casas.
Energias Alternativas Explorar tecnologias como Os biodigestores precisam ser instalados na
biodigestores na Estação de Esgoto entrada da estação para que seja mais prático o
Alternativa (ETE-Varjão) depósito de resíduos orgânicos, a fim de
acelerar a formação de biogás.
Conclusão
O assoreamento de rios, ribeirões, córregos, lagos, lagoas e nascentes está relacionado
aos desmatamentos tanto das matas ciliares quanto das demais coberturas vegetais que,
naturalmente, protegem os solos. As ocupações urbanas, em geral acompanhadas pela
movimentação de terra e impermeabilização do solo, abrem caminho para os processos
erosivos e o transporte de materiais orgânicos e inorgânicos, que são drenados até o
depósito final, nos leitos dos cursos d’água e dos lagos.
No caso da Bacia do Lago Paranoá, esta ação antrópica tem-se mostrado crescente,
desde a chegada dos primeiros brasilienses para a construção de Brasília, em 1957. O fato
ocorre principalmente pela falta de uma política habitacional efetiva, fazendo com que
populações se instalem em áreas de proteção ambiental, mesmo a despeito de planos de
ordenamento territorial e da legislação ambiental vigente.
181
Em resumo, neste estudo de caso a controvérsia entre os atores envolvidos para a emissão
do licenciamento ambiental girou em torno da canalização das grotas de drenagem pluvial e
a ocupação de locais com declividades superiores a 10%, que já eram imposições previstas
pelo fato da área estar inserida na APA do Paranoá ainda antes da criação da APA do
Planalto Central. Esses aspectos foram esclarecidos com o laudo da empresa contratada
pelo IBAMA e serviram como exigência para a emissão da Licença de Implantação. No
entanto, para a decisão final dentro do laudo, prevaleceu a questão do custo/benefício,
menos radical, como uma forma mediadora para os técnicos envolvidos entre as duas
Agendas.
Os impactos ambientais urbanos ainda são tratados como de curto prazo visando um rápido
controle das doenças hidricamente transmissíveis, ao invés de serem considerados
juntamente com os de longo alcance. Se assim fosse a abordagem haveria uma
recuperação da qualidade de vida para um contingente populacional maior no âmbito da
Bacia como um todo ou para a qualidade ambiental das futuras gerações, a partir da
manutenção do ciclo hidrológico.
182
Portanto, parece ser essencial o rompimento com a tradição urbanística que prioriza o
estabelecimento de relações de densidades e morfologias, associadas ao traçado viário e à
rede de infra-estrutura, e se adote a unidade hidrográfica como unidade de planejamento,
estabelecendo padrões e princípios de sustentabilidade sistêmicamente para o desenho de
assentamentos em áreas protegidas ambientalmente.
183
184
CONCLUSÃO
Conforme proposto, o objetivo geral deste trabalho consistiu em contribuir para o estudo de
princípios de sustentabilidade ambiental que auxiliassem o processo de desenho para
assentamentos em áreas ambientalmente sensíveis. Após o desenvolvimento da
argumentação, tais princípios foram elaborados a partir da análise de padrões urbanos
existentes no âmbito mundial, da análise de conceitos (princípios) já estabelecidos na
direção do desenho urbano sustentável, juntamente com estudo da legislação ambiental
brasileira visando permitir uma melhor adequação de implantações irregulares à legislação
vigente, evitando conflitos entre os atributos das agendas Verde e Marrom.
Verificou-se que, o confronto entre as agendas já não acontece nos países desenvolvidos,
devido, principalmente, aos momentos diferenciados em seus processos de industrialização,
uma vez que suas cidades trataram seus problemas urbanos locais com intensas práticas e
teorias urbanísticas ao longo do século XX, ainda que desenvolvidos com base em um
modelo poluidor no âmbito global.
Por meio de avaliações de impactos, como o da pegada ecológica, foi constatado que a
forma como vêm sendo desenvolvidas as aglomerações urbanas acarretará na instabilidade
do planeta. Portanto, tais países estão preocupados em resolver os impactos causados ao
meio ambiente na escala global no viés da Agenda Verde - uma vez que devastaram suas
florestas - como a preservação de florestas e biodiversidade, além de evitar mudanças
climáticas.
Por este enfoque, a pesquisa foi dividida em duas partes. A primeira, essencialmente
teórica, aborda a pesquisa histórica e a definição de conceitos. A segunda lida,
especificamente com a demonstração do problema da inexistência de princípios de
sustentabilidade ambiental que possam ser aplicados ao processo de desenho de
assentamentos urbanos em Áreas de Proteção Ambiental no Brasil.
185
Foram apresentados exemplos atuais bem sucedidos de desenho urbano sustentável e seus
conceitos subjacentes.
O resultado da análise foi a constatação de que muitas propostas urbanísticas que estão
sendo desenvolvidas buscam um equilíbrio entre o crescimento econômico e os problemas
sociais integrados ao desenho da paisagem, baseando-se em práticas urbanísticas do
passado. Associam-se, por exemplo, aos ideais de Ebenezer Howard para o movimento
para Cidades-Jardins na Inglaterra do final do século XIX que, por sua vez, foram inspirados
em modelos pré-urbanistas da primeira metade do mesmo século na Inglaterra.
Nos exemplos estudados, constatou-se uma evolução dos princípios das Cidades-Jardins
no condomínio de Village Homes, situado na Califórnia e implantado na década de 70,
referido como um exemplo de desenvolvimento sustentável aplicado ao desenho urbano.
O assentamento teve como premissas: dimensões controladas por grandes cinturões verdes
repletos de árvores frutíferas, zonas agrícolas em meio às casas, drenagem natural da
superfície, orientação solar para o uso de energia solar, rede de caminhos para pedestres e
ciclovias interligado na rede urbana, desenvolvimento de comércio e empresas locais e
desenvolvimento cooperativista. Já se percebe a preocupação com o uso dos recursos não
renováveis basicamente nos aspectos de energia e água.
186
Entre os exemplos bem sucedidos de desenho urbano sustentável na Europa, foi destacado
o condomínio de Ecolônia, implantado na Holanda na década de 90, que serviu de
referência para outros empreendimentos no país, nos quais os aspectos sociais, urbanos,
arquitetônicos, comunitários e ambientais foram tratados de forma integrada, juntamente
com as tecnologias sustentáveis. Percebe-se claramente a aplicação de princípios de
sustentabilidade refletidos no desenho urbano, especialmente a drenagem urbana, a política
dos 3R’s, a gestão integrada da água, a mobilidade sustentável e o sentido de vizinhança,
expressos no desenho das ruas estreitas para carros e pedestres e para maximizar o
acesso solar nas moradias, minimizando, por outro lado, a exposição aos ventos.
Para uma melhor compreensão de como essa comparação se aplicaria ao ambiente urbano
foi feita uma análise comparativa entre os ecossistemas naturais e os ecossistemas urbanos
(tabela 2.1). Constatou-se que no natural, quanto maior a complexidade, maior a diversidade
187
e riqueza de produtos e, conseqüentemente, maior a troca de fluxos com o meio, isto é,
melhor o ciclo.
Alguns autores trabalham com princípios associados à morfologia urbana que podem
orientar diretamente a implantação e a recuperação de comunidades urbanas, trazendo
impactos significantes e de longo alcance no seu desenvolvimento econômico e na saúde
social e ambiental.
Eles formam uma estrutura sistêmica e integrada que possibilita uma compreensão dos
impactos e potencializam a implantação de assentamentos urbanos sustentáveis. Tais
princípios são: proteção ecológica (biodiversidade), adensamento urbano, revitalização
urbana, implantação de centros de bairro e desenvolvimento da economia local,
implementação de transporte sustentável e moradias economicamente viáveis,
comunidades com sentido de vizinhança, tratamento de esgoto alternativo, drenagem
natural, gestão integrada da água, energias alternativas e, finalmente, as políticas baseadas
nos 3R’s (reduzir, reusar e reciclar).
188
Políticas dos 3R’s (reduzir,
reusar e reciclar).
Proteção ecológica
Adensamento urbano
Mobilidade sustentável
Revitalização urbana
Tratamento de esgoto
alternativo
189
Para conseguir montar a estrutura é necessário fazer um diagnóstico ambiental a partir de
estudos de impactos ambientais já desenvolvidos para o local, visando identificar a
capacidade de suporte de cada micro-bacia: levantar os dados, qualificá-los, levantar os
impactos e conflitos socioambientais possíveis (tabela 2.2) e, só então, partir para as
diretrizes propositivas que se transformarão em estratégias e técnicas de desenho (tabela
2.3).
190
impostos pelo Código Florestal para a ocupação urbana nas margens de rios ou lagos – as
Áreas de Proteção Permanente (APPs) - que funcionam como mananciais de abastecimento
de água e drenagem natural.
Pode-se observar que a sustentabilidade hídrica nas cidades brasileiras está comprometida
pela interrupção do ciclo hidrológico e pela implementação de projetos de drenagem urbana
inadequados, o que implica a poluição dos corpos d’água, o confinamento e assoreamento
dos rios com a retirada das matas ciliares e, conseqüentemente, a redução do escoamento
para as vazões de enchentes. Ao mesmo tempo, as ações de saneamento ambiental têm
sido realizadas de forma pouco integradora, com um foco muito limitado sobre o conjunto da
cidade.
Deste modo, com base nos critérios ambientais de um estudo dos princípios da gestão
ecológica do ciclo da água (um dos princípios de sustentabilidade ambiental descritos no
quadro 2 do capítulo 3), torna-se possível integrar ações para drenagem, abastecimento de
água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, gestão de resíduos sólidos, uso do solo e
legislação ambiental. Neste sentido, podem tangenciar os diferentes tipos de zoneamento
de forma sistêmica.
Conclui-se que a interface dos zoneamentos e integração dos serviços que se relacionam
com a água se faz necessária no âmbito do desenho urbano, ou melhor, das proposições
urbanísticas, para se evitar conflitos entre os atores envolvidos na regularização urbanística.
Como foi observado no caso da Vila Varjão, mesmo estando inserida na APA do Paranoá,
circunscrita na APA do Planalto Central e dentro da zona de amortecimento do Parque
Nacional de Brasília, não foi o suficiente para se evitar procedimentos urbanísticos que
comprometessem os corpos hídricos, gerando conflito entre os atores envolvidos do órgão
de planejamento urbano SEDUH (atributos da Agenda Marrom) e o órgão ambiental IBAMA
(atributos da Agenda Verde).
191
10%, que já eram imposições previstas, pelo fato da área estar inserida na APA do Paranoá
antes de estar na APA do Planalto Central.
Esses aspectos foram esclarecidos com o laudo da empresa contratada pelo IBAMA e
serviram como exigências para a emissão da Licença de Implantação. No entanto, para a
decisão final dentro do laudo, prevaleceu a questão do custo/benefício como uma forma
mediadora para os técnicos envolvidos entre as duas agendas.
O estudo demonstrou ainda que a solução para resolver os problemas locais de curto prazo
para o saneamento ambiental, como a canalização das grotas de drenagem pluvial ou
córregos, ainda é a mais adotada ao invés de se pensar juntamente os impactos de longo
alcance, como a aceleração do processo de assoreamento do Lago Paranoá - atingindo um
contingente populacional maior no âmbito da Bacia como um todo ou para a qualidade
ambiental das futuras gerações com a manutenção do ciclo hidrológico.
A partir dessa análise, constatou-se a necessidade de uma aproximação ecológica por parte
das áreas de arquitetura e urbanismo no Brasil. Torna-se necessário, dentro do campo
disciplinar do desenho urbano, romper com tradição predominante de estabelecer relações
de densidades e morfologias, associadas ao traçado viário e à rede de infra-estruturas, e
adotar a unidade hidrográfica como unidade de planejamento. Deve-se considerar o
saneamento ambiental, juntamente com outros aspectos.
192
de longo alcance, contribuir com a proteção ecológica das matas ciliares, melhorar o clima
urbano e recuperar o sentido de vizinhança explorando o desenho paisagístico.
Diretrizes Finais
Observou-se no capítulo III, na análise dos instrumentos de gestão ambiental, que há uma
falta de integração entre os vários tipos de zoneamento. Para que o zoneamento ecológico-
econômico atualmente adotado na escala de planejamento regional possa ser implementado
na escala de desenho, é necessário que haja uma sobreposição dos vários tipos de
zoneamento (urbano, ambiental e do regime hídrico).
193
pensados juntamente com distâncias caminháveis para pedestres, além da restauração do
habitat natural e das áreas agrícolas.
A escala das grandes estruturas urbanas – envolve o bairro e seu entorno, ou seja, a
capacidade de suporte do meio no qual o assentamento está inserido. Entre as técnicas
utilizadas se encontram: a sobreposição dos zoneamentos, a densidade e a continuidade da
massa edificada, o macro sistema de transporte com integração da área escolhida com
outras circundantes, a economia direcionada para o local, proteção de mananciais.
A escala específica do edifício - incorpora princípios para técnicas que envolvam o uso de
recursos renováveis, melhoria da eficiência energética e do conforto ambiental e da
saudabilidade das habitações, facilitando a implementação dos 3R’s, com o aproveitamento
de águas da chuva, de materiais de construção reciclados ou ecológicos e habitações
econômicas.
194
TÉCNICAS URBANAS
PRINCÍPIOS DE ESTRATÉGIAS
(RECOMENDAÇÕES
SUSTENTABILIDADE (PLANEJAMENTO)
ESPECÍFICAS)
AMBIENTAL
Proteção Ecológica Fazer um diagnóstico ambiental da região e Diagnóstico ambiental – (EIA-RIMA) -
implantar medidas de proteção ambiental recuperação de nascentes e corredores
para áreas sensíveis, promovendo o uso ecológicos.
sustentável de áreas verdes existentes.
Compromisso com a Legislação Ambiental Agricultura urbana com arquitetura da
vigente. paisagem – zoneamento permacultural
para escala do setor.
Sobreposição de zoneamentos -
zoneamento urbano + zoneamento ambiental zonas mais próximas às edificações:
+ zoneamento hídrico. paisagismo produtivo (hortas domésticas
e de espécies medicinais e ornamentais),
Evitar a expansão urbana sobre áreas
agrícolas e de proteção permanente. Ocupar zonas destinadas às praças: além de
terras não-utilizadas com áreas verdes e espécies ornamentais, espécies frutíferas,
paisagismo produtivo: terrenos baldios, nativas, aclimatadas e diversificadas,
parques, áreas industriais, canteiro de zonas destinadas à produção agrícola:
estradas e faixas de domínios laterais, pequenas chácaras para produção de
esquinas, gramados, áreas em frente e atrás aves e outros produtos que exigem
das casas, varandas, telhados de concreto. maiores espaços.
Adensamento Urbano Evitar a suburbanização por meio de altas Na escala das grandes estruturas
densidades nas áreas centrais para urbanas a densidade deve ser mais alta
maximizar os investimentos públicos e nos centros, densidade média logo após
permitir a utilização eficiente da terra esta zona, mudança mínima na próxima
disponível. É preciso encontrar a capacidade área e, em seguida, uma área de
de suporte de cada região. densidade reduzida.
Sugerir mudanças nas leis de uso e Nas áreas mais afastadas do centro,
ocupação do solo para a implantação de observar áreas que podem ser
pequenos centros comerciais e praças como modificadas para regenerar córregos
lugares atrativos para a convivência. aterrados e outras estruturas para que a
natureza ou a agricultura possam ser
reintroduzidas.
Nas áreas mais densas, malha urbana
com ruas estreitas, calçadas e
afastamentos menores entre as
habitações, por meio de agrupamentos de
casas em torno de uma área comum para
reduzir as redes de infra-estrutura e
encorajar o deslocamento para pedestres
e bicicletas.
Evitar bairros-dormitórios com a implantação Na escala das grandes estruturas urbanas
Economia de centros comerciais, ou seja, um local – posição estratégica em relação a outros
Local/Centros de Bairro onde seja possível aos moradores bairros.
exercerem algumas atividades profissionais,
como trabalhos autônomos, trabalhos em Na escala do setor – o ponto focal para a
lojas, restaurantes, cafés etc. e atividades implantação do comércio deve estar
comunitárias. localizado na parte central, onde há
interseção de caminhos, além da
volumetria, que se destaca no conjunto.
195
oportunidades de fazer as atividades diárias urbano, por meio de pequenos largos,
ou semanais organizadas dentro da própria passagem para pedestres e ciclovias.
vizinhança.
Projetar em parceria com a comunidade para
incorporar seus ideais e superar a resistência
dos proprietários locais.
Identificar o caráter de uma região além da
conservação da natureza, adotar práticas
locais, tradicionais e endógenas.
Mobilidade Sustentável Reordenamento dos espaços e das Na escala do setor - caminhos
atividades urbanas de forma a reduzir as arborizados, com conexão de vias para
necessidades de deslocamento motorizado e pedestres e ciclovias. As ruas estreitas
seus custos. reduzem as áreas pavimentadas e
reduzem custos de construção, mas para
Incentivar a caminhada e o uso da bicicleta tal o empreendimento tem que ser servido
como lazer e para trabalhar. A bicicleta pode com transporte público adequado.
ser também mais rápida em trajetos urbanos
menores que 5 Km. Redutores de velocidade para a travessia
de pedestres e faixas para bicicletas em
Priorizar os Centros de Bairros por meio de rodovias mais movimentadas, devem ser
integração de usos como moradia, trabalho e instalados com iluminação e planejamento
lazer. próprio.
Drenagem Natural Restabelecer o elo neste ciclo hidrológico Na escala do setor - revitalização de
retendo as águas pluviais e permitindo a espaços públicos com utilização de
infiltração no solo. Aplicar os critérios elementos ambientais, através da
ambientais para os PDDUs. drenagem natural e desenho da
paisagem. Utilizar córregos sazonais e
Manter os limites das APPs, para os cursos bacias de captação para as águas
d’água perenes e intermitentes, e recuperar pluviais.
córregos.
Este sistema ainda permite que sejam
Decidir quais os melhores locais de implantados condomínios com
corredores ecológicos para a restauração de densidades maiores que o sistema
córregos e as áreas agricultáveis e desenhá- tradicional, uma vez que os espaços
las. Os círculos concêntricos, ao redor dos públicos são valorizados.
centros da cidade, centros principais e
centros de vizinhança irão se sobrepor As distâncias entre as áreas edificadas e
cortando conexões potenciais entre as áreas os córregos deveriam ser mais largas em
de restauração. Os córregos se tornariam áreas distantes do centro, e mais
corredores que poderiam penetrar direto estreitas, nos centros, onde o custo da
dentro de um centro. terra é de maior valor econômico,
chamado de córrego revés. Os córregos
não deveriam ser enterrados e
canalizados.
Evitar o comprometimento das estações de A abordagem sustentável caminha em
Tratamento de Esgoto tratamento existentes ou o não tratamento duas escalas: sistemas de tratamentos de
das águas negras. águas residuais com plantas para as
casas (zona de raízes), ou sistema
anaeróbio e leito cultivado (wetlands) para
o assentamento.
Gestão Integrada da Aplicar princípios da gestão ecológica da Na escala do edifício - as águas servidas
Água água. devem ir para um tanque especial no qual
poderá ser tratada, ou com plantas
No contexto de uma casa ou edifício, o aquáticas, ou com filtros de areia.
reaproveitamento das águas servidas
consiste em usar a água do chuveiro, das Os coletores não precisam ser
pias, de tanques e máquinas de lavar roupa construídos, pois já estão são os
para o reaproveitamento em descargas de próprios telhados, lajes de cobertura e
banheiros, lavar roupas e irrigação de jardins os pátios cimentados. Além disto, pode
de plantas não comestíveis. passar por um processo de filtragem a
partir de filtro de brita, areia e carvão
A coleta de água da chuva é outro método ativado e correção do PH Se a
196
usado desde a antiguidade por gregos e ativado, e correção do PH. Se a
romanos, e que anda esquecido atualmente. cisterna for de concreto, já ocorre a
Calhas para captar água e reservatórios. A neutralização da acidez da água.
água coletada pode ter diversos fins, tais
como lavar calçadas, carros, descargas de
sanitários e recarga do lençol freático.
Energias Alternativas A implantação das tipologias deve ser Na escala do edifício - como orientação
projetada visando uma boa insolação, se a adequada, ventilação natural, isolamento
energia alternativa adotada for a energia adequado, painéis solares fotovoltáicos,
solar. dispositivos de sombreamento, geradores
de propulsão eólica e elementos de
Pode-se aproveitar o uso de energia de gás armazenamento técnico.
metano proveniente do processo de
tratamento de esgoto, com sistema O biodigestor precisa ser instalado na
anaeróbio. entrada da estação para que seja mais
prático o depósito de resíduos orgânicos,
a fim de acelerar a formação de biogás.
Política dos 3R’s A redução é o primeiro estágio na redução Na escala do edifício as construções
de impactos ambientais. É incalculável, bioclimáticas evitam gastos de energia
ecologicamente, economicamente e e a redução de água potável por meio
educacionalmente. do reaproveitamento das águas
servidas evita preocupações futuras
No estágio do reuso, as construções ou com escassez.
espaços existentes ganham novos usos,
Esse estágio alcança uma distância maior Na escala do setor as ruas podem se
do que o estágio de redução, por não só tornar calçadões ou ruas de trafego
cortar o consumo, mas também melhorar lento, as paisagens ornamentais
a qualidade de vida. podem se tornar pomares.
A coleta seletiva e a reciclagem de resíduos Na escala das grandes estruturas
– O fundamento deste processo é a urbanas a construção de uma Usina de
separação, pela população, dos materiais Reciclagem e Compostagem, dentro da
recicláveis (papéis, vidros, plásticos e Micro-bacia, evita que o aterro sanitário
metais) do restante do lixo, que é destinado existente seja saturado.
a aterros ou usinas de compostagem. O
reaproveitamento deste lixo, sobretudo dos
resíduos orgânicos no caso da
compostagem, pode significar um importante
ganho para a sociedade.
Uma comunidade sustentável necessita de Na escala do edifício – o uso de
Moradias diversidade e mistura de classes com tecnologias apropriadas pode enfatizar a
Economicamente variedade de moradias e preços diferentes. diminuição do custo de produção da
Viáveis habitação, a tecnologia construtiva, o
design apropriado, o conforto térmico, a
saudablidade e a qualidade dos materiais
a serem empregados na construção,
levando em conta espaços para jardins e
hortas.
197
No entanto, cabe ao poder público também contribuir com a renovação de profissionais com
competência analítica nas equipes técnicas, levar em conta as inter-relações dos processos
ambientais e o sinergismo dos efeitos das atividades humanas sobre o ambiente para que
haja acordos necessários entre a comunidade, instituição de pesquisa, governo,
empreendedor e as determinações dos estudos de impactos ambientais (EIA-RIMA).
Cabe, também, aos profissionais que irão propor as soluções de desenho que atendam às
necessidades da população e se preocupem com educação da comunidade antes de
finalizar o projeto. As soluções técnicas somente serão bem sucedidas se houver um
trabalho intenso com a comunidade no entendimento de que os danos ao meio ambiente do
qual fazemos parte são, também, danos à própria sociedade.
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