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FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADO
DISCIPLINA DE FALENCIAS E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
Fortaleza/CE
2010
1. INTRODUÇÃO
O estudo do Direito Falimentar requer uma visão global de todos os ramos do direito,
visto que se encontra intimamente ligado à questões cíveis, constitucionais, penais,
processuais e até de certo modo tributárias, dentre outras.
Exemplo disso é a análise de questões como os Crimes Falimentares, cuja natureza
jurídica requer enlaces com o direito penal, bem como o estudo da Ação Revocatória, que
necessita de um liame processual para seu debate.
Desta forma, no presente trabalho, buscaremos analisar, em duas partes,
primeiramente as Teorias acerca da Natureza Jurídica dos delitos falenciais, que geram dentro
da doutrina civilista e penalista grandes discussões acerca do tema; após, na segunda parte,
analisaremos de forma mais ampla mas não menos salutar a ação revocatória, instrumento
processual embutido no Direito Falimentar cujo objetivo se assemelhar com o da Ação
Pauliana, como veremos.
2. DAS TEORIAS ACERCA DOS CRIMES FALIMENTARES
Antes de adentrarmos no cerne do primeiro tema deste trabalho (qual seja, a natureza
jurídica dos crimes falimentares), é de bom alvitre e de salutar importância que conheçamos o
“instituto” dos delitos falimentares, devendo para tanto tecermos alguns comentários acerca de
sua evolução histórica no ordenamento jurídico pátrio bem como delineando e analisando sua
conceituação legal e doutrinária. Senão vejamos:
1
GUERRA, Èrica, e LITRENTO, Maria Cristina Frascari. “Nova Lei de Falências. Lei 11.101 de 9/2/2005
Comentada”. EZN Editora, Campinas-SP, 2005.
Citado posicionamento vem ao longo dos anos causando certas discussões entre os
estudiosos do Direito Penal e do Direito Civil, sendo constantemente deixada de lado por
ambos os estudiosos de referidas ramificações, visto que os civilistas consideram a questão
nitidamente penal, enquanto os penalistas observam sua vinculação ao Direito Falimentar, de
domínio do direito Civil.
A questão é sem duvidas complexa e possui como meio de resolução três correntes
de pensamento que são sabiamente explicadas por SHEREDER, THIESEN, DE PAULA e
CERQUEIRA em trabalho apresentado e publicado na Universidade UNIRG nos termos que
seguem. Senão vejamos:
Deste modo fica claro que, como citado acima, o Brasil resolveu adotar, a partir do
Código Penal de 1940 e sob nítida influência do direito italiano, o sistema da autonomia
legislativa, tratando do tema dos crimes falimentares no Decreto-lei 7.661/45.
Ressalte-se que referidos institutos, por seu turno, não foram inovações do
dispositivo legal supra citado, vez que sua figura já se perfazia desde a época do Império,
quando era regulamentada pelo Código Penal do Império de 1830, que previa e punia o crime
de bancarrota nos termos da legislação comercial, sendo ainda objeto de regulamentação pelo
Código Comercial de 1850, que por sua vez previa a punibilidade da falência fraudulenta ou
culposa.
Como vimos, a partir do Código Penal de 1940, a regulamentação dos crimes
falimentares deixou de ser de responsabilidade da legislação penal passando assim a ser
2
SHEREDER, Magno; THIESEN, Renata Piovesan; DE PAULA, Silmar; e CERQUEIRA, Marcio Rodrigues.
“Crimes Falimentares”. Publicado no sítio eletrônico da Universidade de Guripi (UNIRG).
http://professores.unirg.edu.br/roveroni/dir_arq/com/com_03/sem_falencias_arq/2004_01/05_crimes_falimentare
s_2004_1.pdf
regulamentada pelo Decreto-lei 7.661/45, que limitava-se a normatizar as situações de fato
que configurariam crime em questão, sem contudo se preocupar com questões classificatórias.
Todavia, com o advento do novel dispositivo legal promulgado em 2005 (lei
11.101), com algumas modificações no corpo normativo com relação À redação do Dec.-Lei,
a secção que tratava dos crimes da falência passou a ser dividida, tendo os crimes enumerados
em sua espécie um a um, alem de conter disposições comum e procedimentais.
3
OLIVEIRA, Celso Marcelo. “Comentários à Nova Lei de Falências”. 1ª ed. São Paulo, IOB Thonson Editora.
4
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 1.995.
nos arts. 168 a 178 da lei 11.101/05, podendo ser antes ou após a decretação da falência, da
recuperação judicial ou homologação da recuperação extrajudicial.
com efeito, se uns consideram o crime falimentar como delito contra a fé pública,
outros dele se ocupam ora como crime contra a administração da justiça, ora contra
o crédito. As dificuldades que assinalam o tema mais se evidenciam na medida em
que se verifica a divergência existente quanto a sua exata localização. Assim,
enquanto nos sistemas jurídicos há quem o inclua no âmbito das leis penais, outros
o enquadram nos domínios da Lei Falencial. Entre ambos nota-se ainda a presença
dos que cuidam da matéria conjugando as duas legislações.5.
A questão da natureza dos crimes falimentares nos parece, assim, estar intimamente
ligada aos sistemas anteriormente citados quando falamos da regulamentação dos delitos pelo
Codigo Penal ou por lei específica, como ocorre no Brasil.
PAES DE ALMEIDA, ao tratar do assunto da classificação e localização dos delitos
falenciais no ordenamento jurídico enumera as três principais teorias acerca do assunto.
Segundo referido autor cita, as principais correntes de pensamento sobre o tema enquadram os
crimes falimentares como: crimes contra o patrimônio, crimes contra a fé pública e crimes
contra a atividade comercial. Todavia, analisando outros autores, notamos a existência de
5
OLIVEIRA, Celso Marcelo. “Comentários à Nova Lei de Falências”. 1ª ed. São Paulo, IOB Thonson Editora.
outras correntes/teorias não citadas pelo ilustre autor. Exemplo destas são aqueles autores que
enquadram os delitos em comento como sendo contra a administração da justiça e outros vão
mais longe ao afirmar que possuem natureza pluriobetiva, portanto tratar-se-ia de crime de
natureza hibrida.
Passemos então a comentar cada teoria separadamente.
É sem duvidas a posição doutrinaria mais antiga. Prova disso é que os próprios
regimentos normativos antigos por todo o mundo assimilavam referidos crimes com o de
furto, punindo inclusive o praticante do delito com as mesmas penas do tipo penal citado.
Outros autores, como REQUIAO, identificam referidos delitos com o crime de estelionato, ou
uma variedade deste para tentar classificar o crime. Todavia, para que se caracterize o crime
de estelionato, requer-se o emprego de artifícios para iludir a confiança de outrem. O que não
ocorre ou é elementar de qualquer dos tipos falimentares.
Autores como Puglia, Ramella, Carvalho de Mendonça, Galdino de Siqueira, dentre
inúmeros outros defendem que os crimes falenciais se constituem como tendo natureza
patrimonial por ofenderem os bens materiais dos credores.
VALVERDE, em defesa a essa teoria afirma que
Todavia, percebe-se que o problema de tal teoria reside no caso em que o crime é
cometido pelo próprio falido, pois a diminuição do seu patrimônio não poderia identificar-se
ao tipo do crime de furto, uma vez que não se concebe a subtração de bens pelo próprio dono,
residindo ai a principal mácula, ao nosso ver, deste posicionamento.
Não obstante referida critica, a teoria que enquadra os crimes falimentares dentro
daqueles contra o patrimônio é ainda a mais difundida e predominante entre a doutrina pátria,
recebendo assim bastante respaldo e embasamento por parte de seus adeptos.
6
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Forense,
1962. v. 3.
2.3.2. Crimes contra a Fé Pública
7
STEVENSON, Oscar. Do crime falimentar. São Paulo: Livraria Acadêmica, Saraiva & Cia, 1939. p. 59.
8
TRONCOSO, José Jr..Direito Penal Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 02.
intimamente, sobreleva o interesse do comércio, manifestação específica da
economia pública9.
O prejuízo dos credores será critério subsidiário para a graduação da pena, que deve
antes proporcionar-se à desconfiança diminuída ou extinta nos comerciantes, o dano
da pública economia. Não há que reprochar nesse entendimento senão a sua
amplitude. Na economia pública se entrosam todos os interesses privados.
Mediatamente lhe constitui um gravame o crime falimentar10.
Todavia, referida doutrina tem sido refutada em razão de que seus defensores
parecem desconhecer que o processo é um instrumento dirigido a realizar garantia de
interesses substanciais.
9
STEVENSON, Oscar. Do crime falimentar. São Paulo: Livraria Acadêmica, Saraiva & Cia, 1939. p. 89.
10
STEVENSON, Op. Cit., p 88.
11
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. São Paulo: Saraiva, 1992.
Autores mais cautelosos vêem os crimes falimentares como pluriobjetivos, ou seja,
possuidores de não apenas um único bem jurídico tutelado, mas sim vários, o que acarretaria
na sua natureza jurídica híbrida através da fusão dos interesses tutelados, vez que não se
poderia elevar um determinado bem em detrimento de outros tantos. Todavia, não há consenso
entre os defensores desta teoria acerca dos bens tutelados que formariam essa natureza hibrida
dos crimes falenciais.
MIGLIARI JUNIOR defende que tais delitos são de natureza híbrida por ferirem a
economia pública e o crédito, acarretando assim em uma total instabilidade na atividade
comercial e suas relações, acabando de vez com a rede comercial.
Por fim, a posição tomada pelo Professor Sady Cardoso de Gusmão possui opinião
eclética, caracterizando-se o delito como pluriobjetivo, pois não há como definir a
objetividade do crime falimentar. Os próprios artigos 168 a 178 da Lei de Falências mesclam
delitos contra a fé pública, contra o comércio e a economia, contra a administração da justiça e
contra a propriedade.
O crime, entretanto, não se pode classificar nesta ou naquela forma, no concernente à
sua objetividade, por isso que tal objetividade se apresenta complexa e daí a separação desse
tipo de delito, com feição ou caráter profissional (expressão que se não deve tomar sob a
significação constante do direito penal), dos demais. Donde a admitir-se não só o caráter
patrimonial do delito, como também o que vem argüindo, em relação ao crédito, ao comércio
e à economia.
Assim, após analisarmos as teorias existentes acerca da natureza jurídica dos crimes
falimentares, quais sejam, as que classificam referidos delitos como sendo contra o
patrimônio, contra a fé pública, contra a atividade comercial, contra a administração da
justiça e crimes de natureza híbrida/pluriobjetivos, nos parece salutar afirmar que aquela que,
12
MIGLIARI JR., Arthur. Crimes Falimentares. São Paulo: CS Edições Ltda., 2002. p. 15.
apesar de não ser a mais defendida, se nos apresenta como sendo a mais correta dentre todas,
ao nosso ponto de vista, é a que enquadra o delito falencial como sendo crime contra a
atividade comercial, cabendo assim, por fim, trazer o entendimento definitivo do ilustre autos
STEVENSON, que defende o tema com maestria ao afirmar que
3. DA AÇÃO REVOCATÓRIA
13
STEVENSON, Oscar. Do crime falimentar. São Paulo: Livraria Acadêmica, Saraiva. 1999. p. 103.
Remonta (a revocatória) ao direito romano, o qual, coação pauliana e o interdito
restituitório, fornecia a possibilidade de recuperação dos bens saídos do patrimônio
do devedor, quando não houvesse outras atividades perseguíeis ou suficientes para a
satisfação do credor, quando na alienação o devedor tivesse tido a intenção de
prejudicar os credores e o outro contraente tivesse tido consciência de tal intenção,
consciência que para impugnação dos atos a título gratuito sequer era requerida. No
direito medieval, a revocatória assume natureza de remédio complementar na
execução coletiva.14
Deste modo, a Ação Revocatória surgiu para resguardar os interesses dos credores
frente ao propósito escuso de se forjar um estado de insolvência, ou agravar um já existente,
em busca do não adimplemento da obrigação resguardada.
Assim, entendemos que a ação Revocatória nasce da necessidade que possuem os
credores diante de uma situação onde seu devedor teve seu estado de insolvência caracterizado
ou agravado pela saída fraudulenta de algum bem de seu próprio patrimônio com o animus de
realmente frustrar a quitação do débito dos credores. Assim nos ensino OLIVEIRA ao afirmar
que
A nosso ver, não há conceituação mais clara do que a que nos é fornecida por
PONTES DE MIRANDA, citado por OLIVEIRA, ao firmar que
14
PROVINCIALE, Renzo. Manuale de Direito Falimentare.
15
OLIVEIRA, Celso Marcelo. “Comentários à Nova Lei de Falências”. 1ª ed. São Paulo, IOB Thonson Editora.
ação revocatória falencial é a ação constitutiva negativa, pela qual o sindico, ou
algum credor falencial, se não a propôs antes da decretação de falência, o sindico,
no prazo legal, revoga o ato fraudulento do devedor e do terceiro, se houve intenção
de prejudicar credores16.
Por este conceito podemos retirar tanto a natureza jurídica da sentença que julga a
Ação Revocatória quanto os elementos específicos para caracterização da circunstancia que dá
ensejo à necessidade de prestação jurisdicional ora comentada.
Segundo o mesmo autor, a ação revocatória pode ser movida com o ensejo de se
desconstituir qualquer ato jurídico que tenha retirado patrimônio do devedor, sejam eles
negócios jurídicos, como compra e venda, trocas, assunção de dividas, ou atos jurídicos
processuais, como renuncias, desistências inclusive de recursos; atos jurídicos strictu sensu,
como quitação, restituição de penhor, por exemplo.
Outra definição bastante explicativo nos é dada por NELSON ABRAO, também
citado por OLIVEIRA, que define ação revocatória como
No que tange à natureza jurídica deste tipo de ação, Pontes de Miranda defende ser
ela constitutiva negativa, indo de encontro a alguns autores que defendem o entendimento de
que são meramente declaratórias. Todavia, os ensinamentos do autor já citado em conjunto
com a doutrina trazida por FERREIRA nos dá força suficiente para afirmar ser a ação
revocatória de natureza constitutiva e não declaratória meramente.
16
OLIVEIRA, op.cit., p. 507.
17
OLIVEIRA, Celso Marcelo. Op. Cit., p. 509.
Para enquadramento do ato como sendo passível de revogação pela ação em estudo,
deve ele ser fraudulento, requerendo para tanto a concorrência de dois elementos: o objetivo,
conhecido como eventus damni, e o subjetivo, que é chamado de consilium fraudes.
O elemento objetivo diz respeito ao resultado danoso caracterizado pelo resultado
prejudicial oriundo do negocio jurídico cuja ineficácia é pretendida. Corresponde basicamente
à insolvência do devedor causada ou agravada pelo ato impugnado. Desta forma, deve o ato de
alguma forma trazer prejuízo ao credor de modo subseqüente, vez que a insolvência
decorrente da situação afasta a pretensão de adimplemento imediato da obrigação pretendida.
Segundo Trajano de Miranda Valverde, citado por OLIVEIRA “o eventus damni existe
quando o ato praticado pelo devedor concorre para diminuir as garantias que seu patrimônio
oferecia aos credores e, de tal forma, que o que lhe sobra não basta para a satisfação completa
deles18”.
Ocorre que a insolvência pode não decorrer diretamente do ato, mas de uma
sequencia de atos praticados pelo devedor ou terceiros, o que torna o aferimento do elemento
objetivo bastante difícil e complexo.
No que diz respeito ao elemento subjetivo, ou seja, o consilium fraudis, temos que
este é a consciência de estar causando um dano no processo falimentar. É, a grosso modo, o
liame psicológico, o animus de prejudicar o andamento do processo de execução coletiva,
embaraçando assim o adimplemento das obrigações a que os credores fazem jus.
Todavia, deve-se ressaltar que o conhecimento do estado de insolvência do devedor
pelo terceiro que com ele contrata é chamado de scientia damni, devendo-se destacar ainda
que a fraude que dá ensejo ao ajuizamento da ação revocatória não prescinde da presença do
animus nocendi. Basta a intenção especifica de prejudicar e a consciência de que o ato
praticado acarretará em danos aos credores.
Deste modo, verificamos que para o ajuizamento da demanda em questão faz-se
necessário que o promovente comprove a existência dos elementos objetivos e subjetivos do
18
OLIVEIRA, Celso Marcelo. Op. Cit., p. 506.
19
OLIVEIRA, Celso Marcelo. Op. Cit., p. 506
ato que busca revogar, sob pena de indeferimento de seu pedido. Assim, torna-se importante a
analise minuciosa dos fatos, com provas documentais ou até mesmo testemunhais para
comprovar a existência do consilium fraudis e do eventus damni.
O próprio regulamento falencial determina que a ação deve ser conhecida e julgada
pelo juiz falimentar que conhece da Ação de Falência propriamente dita, devendo correr em
apenso aos autos principais de Falência, reconhecendo-se assim a competência universal do
juízo falimentar para conhecer das ações referentes à causa principal.
Ademais, no que tange ao rito que deve ser observado, a própria lei de Falências, em
seu art. 134 afirma que “a ação revocatória correrá perante o juízo da falência e obedecerá ao
procedimento ordinário previsto na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de
Processo Civil”.
Deste modo, além dos pressupostos específicos referentes a ação revocatória em si, o
procedimento em questão deverá também obedecer os quesitos listados nos arts. 282 e 283 do
Código de Ritos pátrios.
Os elementos específicos são aqueles já enumerados acima, a saber, os elementos
objetivos e subjetivos conhecidos como Consilium Fraudis e Eventus Damni,
respectivamente. Tais quesitos são retirados pela doutrina a partir da leitura do art. 130 da lei
11.101/05 que afirma serem “revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar
credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar
e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida”. Análise mais pormenorizada já foi feita em
tópico anterior, motivo pelo qual nos resguardamos a apenas citar tais requisitos.
Passando a diante, temos que a legitimidade ativa e passiva da ação em questão
também já se encontra delineada pela própria legislação falimentar.
No que atine à legitimidade ativa o art. 132 aduz que “a ação revocatória, de que
trata o art. 130 desta Lei, deverá ser proposta pelo administrador judicial, por qualquer credor
ou pelo Ministério Público no prazo de 3 (três) anos contado da decretação da falência”.
A atribuição da propositura pelo Administrador Judicial da Massa Falida é inerente à
sua função, vez que é seu dever resguardar, administrar e organizar os bens da Massa para que
futuramente possam prover as obrigações da empresa falida junto aos credores, sendo seu
dever diligenciar a proteção dos interesses destes credores.
Para a doutrina, em sua maioria, a legitimidade do credor ou do Ministério Público
seriam subsidiária a do Administrador, só podendo, em decorrência deste entendimento,
referidas pessoas ajuizarem a ação revocatória após a inércia do “legitimado geral”, por assim
dizer. Todavia, esse não nos parecer ser o entendimento mais correto, visto que não se poder
esperar que os credores, maiores interessados na resolução da falência, ou o próprio parquet,
na sua função de fiscal da lei, aguardem por certo prazo a inércia do Administrado Judicial da
Massa para agirem. Seria, no mínimo, irrazoavél.
Deve-se ainda ter em mente que o principal interesse defendido na ação é o interesse
da massa falida, e não do devedor, avalistas ou fiadores, mesmo por que esses não podem se
beneficiar da ineficácia.
No que diz respeito à legitimidade passiva, o art. 133 da Lei 11.101/2005 (Lei de
Falência e Recuperação de Empresas) é clara ao afirmar que
Pontes de Miranda, citado por OLIVEIRA, afirma que a” ação revocatória falencial
dirige-se contra o receptor da prestação a respeito da qual se pede a retirada da vox do devedor
ou sicessor. Porem, não se pode negar a posição passiva do devedor, também ele há de ser
citado.20”
Assim, não nos parece restar qualquer dúvida quanto a legitimidade passiva daqueles
que afiguram no negocio que se deseja revogar, seja como garantidor ou garantido, ou como
beneficiário, ou contra qualquer de seus herdeiros ou legatários em caso de morto.
20
OLIVEIRA, Celso Marcelo. Op. Cit., p. 512.
3.4.3. Do prazo para ajuizamento da Ação Revocatória
Novamente o próprio dispositivo de lei nos traz a rsposta de maneira clara a questão
processual ao afirmar no final do art. 132 que o prazo será de 3 (três) anos a contar da data de
decretação de falência, e não do cometimento ou da ciência do ato que se busca revogar.
Resta saber se se trata de prazo decadencial ou prescricional.
Neste sentido, Trajano de Miranda Valverde cita de forma límpida que “a prescrição
pressupõe um direito já adquirido e que se perde com o não exercício; a decadência pressupõe
um direito que se pode adquirir, agindo em certo tempo, que transcorrido inteiramente,
impede a aquisição do direito21”.
Assim entendemos que o prazo de que fala o artigo supracitado não pode ser visto
como prescricional, mas sim, decadencial. Assevera nesse sentido PONTES DE MIRANDA,
enumerando ainda os efeitos práticos de tal conceituação, afirmando que “a regra jurídica, que
firmou ‘é o da preclusão’. Mao há suspensão nem interrupção do prazo. É de decadência o
prazo, por isso mesmo, insuspensível.22”
É a sentença que julga referida ação, como visto alhures, de natureza Constitutiva
Negativa. O art. 135 da Lei 11.101/2005 aduz que a “sentença que julgar procedente a ação
revocatória determinará o retorno dos bens à massa falida em espécie, com todos os
acessórios, ou o valor de mercado, acrescidos das perdas e danos”, servindo assim a seu
objetivo precípuo, qual seja, restituir à Massa Falida o bem usurpado por meio de ato
fraudulento que visou impedir o processamento devido da Falência.
Assim, devem as partes retornarem ao status quo ante diante da sentença de
procedência da ação em comento, resguardando-se ao contratante de boa-fé o direito à
restituição dos bens ou valores entregues ao devedor, nos termos do art. 136 e seus parágrafos.
Como ocorre em qualquer processo, a ação revocatória também se encontra
prejudicada por um problema que se faz presente em todo o Judiciário, qual seja, o da
morosidade processual. Assim, visando resguardar a eficácia da medida requestada, para que
21
VALVERDE, op. cit., p. 78.
22
MIRANDA, op. cit., p. 69.
após o possível grande lapso temporal que possa decorrer entre a propositura da ação e seu
julgamento, a lei de Falência, em seu art. 137, prevê a possibilidade de o juiz, a requerimento
da parte, e observando os pressupostos do CPC, conceder medida preventiva (cautelar) de
seqüestro dos bens retirados do patrimônio do devedor que estejam em posse de terceiro.
Assim, por fim, cabe destacar ainda que da sentença que julgar referida ação caberá
apelação nos termos do Código de Ritos pátrio.
Por fim, mas não menos importante, cabe trazer a baila no presente estudo a questão
da revogação de ato mesmo que praticado com base em decisão judicial transitada em julgado.
Tal situação nos é trazida através do art. 138 da lei 11.101/2005, que afirma que “o ato
(fraudulento) pode ser declarado ineficaz ou revogado, ainda que praticado com base em
decisão judicial.”
À primeira vista, pode parecer que se trata de uma espécie de usurpação da
“competência” delegada à Ação Rescisória insculpida no CPC, cujo prazo decadencial é de 2
anos da sentença impugnada. Todavia, uma analise pormenorizada retira esta idéia. Vejamos.
Explica OLIVEIRA
Assim vemos que o objeto da ação em comento não pode se confundir com o da ação
rescisória, posto que visa unicamente a declaração de ineficácia do ato fraudulento, e não a
impugnação da sentença em sua totalidade e formalidade, permanecendo validos os atos não
maculados pelo ato revogado.
O próprio autor acima citado afirma ainda e de maneira sábia que não se admitindo a
ineficácia da sentença para com os atos inerentes a massa falida, teríamos inúmeros casos de
processos simulados, o que macularia todo o ordenamento jurídico do país.
23
OLIVEIRA, Celso Marcelo. Op. Cit., p. 512.
Por fim e de maneira conclusiva e elucidativa, cabe trazer o ensinamento de
PACHECO que afirma de maneira sábia que mesmo estando o ato fraudulento resguardado
por uma sentença judicial transitada em julgado, seja por que o juiz da causa não percebeu a
simulação, seja por qualquer outro motivo, “nem por isso, tais atos fraudulentos, praticados
com a intenção de prejudicar credores, podem deixar de ser revogados, desde que se prove a
fraude do devedor e do terceiro.24”
24
PACHECO, Jose da Silva. Processo de Falência e Concordatas: comentários à lei de Falências: Doutrina,
prática e Jurisprudência. Rio de Janeiro.
4. CONCLUSÃO
1. GUERRA, Èrica, e LITRENTO, Maria Cristina Frascari. “Nova Lei de Falências. Lei
11.101 de 9/2/2005 Comentada”. EZN Editora, Campinas-SP, 2005;
3. OLIVEIRA, Celso Marcelo. “Comentários à Nova Lei de Falências”. 1ª ed. São Paulo,
IOB Thonson Editora;
4. REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 1.995;
7. TRONCOSO, José Jr..Direito Penal Falimentar. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 02.
8. MIGLIARI JR., Arthur. Crimes Falimentares. São Paulo: CS Edições Ltda., 2002. p.
15
11. http://www.heraclito.com.br/Acao_Revocatoria.pdf
12. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6631
13. http://professores.unirg.edu.br/roveroni/dir_arq/com/com_03/sem_falencias_arq/2004_
01/05_crimes_falimentares_2004_1.pdf