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A atmosfera que aqui se respira evoca anos saudosos e fecundos de minha vida, os
tempos já distantes em que cursava o Colégio S. Luiz, de São Paulo. Passando
quase todo o meu curso secundário em convívio com a Companhia de Jesus, meu
espírito se voltou desde cedo para a consideração dos valores espirituais que Santo
Inácio legou à sua milícia, minhas primeiras lutas espirituais foram travadas sob a
influência dos Exercícios, abriu-se na Congregação a minha alma para a piedade
mariana, entusiasmou-se meu coração no estudo do que pela Igreja fizeram os
Santos que na Companhia floresceram, e alentou-se se minha vontade na devoção
ao Sagrado Coração de Jesus, que Jesuítas eminentes haviam propagado por todo
o Brasil. Posso dizer com sinceridade que quanto mais vivo, tanto mais se radica
em mim a veneração a todos estes valores. Compreendereis pois facilmente,
quanto me sinto tocado num ambiente como este, em que me é fácil discernir nos
mestres, nos alunos, por assim dizer no ar e nos próprios muros aquela influência
formativa que modelou em seus albores e em suas camadas mais internas o meu
próprio espírito.
Ademais, estou aqui num Seminário, e considerando-vos, a vós, jovens, que por
vocação divina ireis servir a Santa Igreja nas fileiras sagradas do Clero, chamados
alguns para a vida religiosa em Institutos beneméritos, e a grande maioria para as
nobres lides do Clero secular, não posso deixar de me sentir empolgado. Como bem
acentuou o Revmo. Pe. Reitor, em vossas fileiras está representado quase todo o
Brasil, desde as margens do Amazonas até as cochilhas gloriosas deste Rio Grande,
passando pelo indômito Pernambuco, terra de meus maiores, e pelo São Paulo
invicto, minha terra natal. Deixastes lares, esperanças terrenas, prazeres, riquezas
talvez, para vos preparardes para o serviço de Deus. Vosso sacrifício é grande por
certo, mas vossa missão ainda maior. Nosso país vive em circunstâncias que
colocam nas mãos do Clero - muito mais nitidamente do que em outras épocas -
não só o destino eterno de nossos contemporâneos, mas de certo modo o de
muitas e muitas gerações vindouras, e ipso facto a grandeza da pátria brasileira
nos séculos que estão por vir. Não é preciso dizer mais, para vos manifestar com
quanta simpatia vos vejo aqui reunidos, ávidos de ouvir uma palavra para a qual a
generosidade do Pe. Reitor suscitou uma expectativa imerecida. Acabo de me
referir à grandeza de vossa vocação, excelsa em todos os tempos mas tão
particularmente grande nos dias que correm. Isto me conduz naturalmente ao tema
que foi proposto para minha palestra, a cultura católica. Comecemos pois a
considerá-lo.
O que é a cultura? A esta pergunta, têm sido dadas respostas bem diversas,
inspiradas umas na filologia, outras em sistemas filosóficos ou sociais de toda sorte.
Tal é o cipoal de contradições que em torno deste vocábulo, e outro conexo, que é
"civilização", se estabeleceu, que congressos internacionais de sábios e professores
se têm especialmente reunido para lhes definir o conteúdo. Como sói acontecer, de
tanta discussão não nasceu a luz...
Cultura e Instrução
Em outros termos, em tese a leitura pode fazer homens instruídos: tomamos aqui a
palavra instrução no sentido de mera informação. Mas uma pessoa muito lida,
muito instruída, ou seja, informada de muitos fatos ou noções de interesse
científico, histórico ou artístico, pode ser bem menos culta do que outra de cabedal
informativo menor.
Bem entendido, a reflexão é o primeiro dos meios desta ação positiva. Mais, muito
e muito mais do que um rato de biblioteca, um repositório vivo de fatos e datas,
nomes e textos, o homem de cultura deve ser um pensador. E para o pensador o
livro principal é a realidade que ele tem diante dos olhos; o autor mais consultado,
ele próprio, e os demais autores e livros, elementos preciosos mas nitidamente
subsidiários.
Contudo a mera reflexão não basta. O homem não é puro espírito. Por uma
afinidade que não é apenas convencional, existe um nexo entre as realidades
superiores que ele considera com a inteligência, e as cores, os sons, as formas, os
perfumes que atinge pelos sentidos. O esforço cultural só é completo quando o
homem embebe todo o seu ser, por estas vias sensíveis, dos valores que sua
inteligência considerou. O canto, a poesia, a arte têm exatamente este fim. E é por
um acurado e superior convívio com o belo ( retamente entendida a palavra, é claro
) que a alma se embebe inteiramente da verdade e do bem.
Cultura Católica
Para que uma cultura esteja alicerçada sobre bases verdadeiras, é pois necessário
que contenha noções exatas sobre a perfeição do homem - quer nas potências da
alma, quer nas relações desta com o corpo - sobre os meios pelos quais ele deve
alcançar esta perfeição, os obstáculos que encontra; etc..
É bem de ver que a cultura, assim conceituada, deve ser toda ela nutrida pela seiva
doutrinária da Religião verdadeira. Pois é à Religião que compete ensinar-nos no
que consiste a perfeição do homem, a via para alcança-la, e os obstáculos que se
lhe opõem. E Nosso Senhor Jesus Cristo, personificação inefável de toda a
perfeição, é assim a personificação, o modelo sublime, o foco, a seiva, a vida, a
glória, a norma, e o encanto da verdadeira cultura. O que equivale a dizer que a
cultura verdadeira só pode ser baseada na verdadeira Religião, e que só da
atmosfera espiritual criada pelo convívio de almas profundamente católicas pode
nascer a cultura perfeita, como o orvalho se forma naturalmente da atmosfera
sadia e viva da madrugada.
Dizíamos pouco antes que tudo quanto o homem vê com os olhos do corpo ou os
da alma é susceptível de o influenciar. Todas as maravilhas naturais de que Deus
encheu o universo são feitas para que ao considerá-las a alma humana se
aprimore. Mas as realidades que transcendem os sentidos são intrinsecamente mais
admiráveis do que as sensíveis. E se a contemplação de uma flor, uma estrela ou
uma gota de água pode aprimorar o homem, quanto mais o pode fazer a
contemplação do que a Igreja nos ensina sobre Deus, seus Anjos, seus Santos, o
Paraíso, a graça, a eternidade, a Providência, o inferno, o mal, o demônio, e tantas
outras verdades. A imagem do Céu na terra é a Santa Igreja, a obra prima de
Deus. A consideração da Igreja, seus dogmas, seus Sacramentos, suas instituições,
é por isto mesmo um supremo elemento de aprimoramento humano. Um homem
que, nascido nos subterrâneos de alguma exploração de minério, nunca tivesse
visto a luz do dia, perderia com isto um elemento de enriquecimento cultural
precioso, e quiçá capital. Muito mais perde, culturalmente, quem não conhece a
Igreja, da qual o sol não é senão uma figura pálida no sentido mais literal deste
adjetivo.
Entretanto há mais. A Igreja é o Corpo Místico de Cristo. Circula nela a graça, que
nos vem da Redenção infinitamente preciosa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pela
graça, o homem é elevado à participação da própria vida da Santíssima Trindade.
Basta dizer isto, para afirmar o incomparável elemento de cultura que a Igreja nos
dá abrindo-nos as portas da ordem sobrenatural.
O mais alto ideal de cultura está pois contido na Santa Igreja de Deus.
S. Tomás ensina que a inteligência humana pode, de per si, conhecer os princípios
da lei moral, mas que em conseqüência do pecado original os homens facilmente se
desviam do conhecimento desta lei, pelo que se tornou necessário que Deus
revelasse os Dez Mandamentos. Ademais, sem o auxílio da graça ninguém pode
praticar duravelmente na sua íntegra a Lei. E se bem que a graça seja dada a todos
os homens, sabemos que os povos católicos, com a superabundância de graças que
recebem na Igreja, são os que conseguem praticar todos os Mandamentos.
De outro lado, uma sociedade humana só está em seu estado normal quando a
generalidade de seus membros observa a lei natural. E daí se segue que, se bem
que povos não católicos possam ter produções culturais admiráveis, são sempre
gravemente falhos em alguns pontos capitais, o que tira à sua cultura a integridade
e plena regularidade, pressuposto necessário de tudo quanto é exímio ou mesmo
simplesmente normal.
Ireis, meus caros Seminaristas, plasmar para a Religião verdadeira e pois para a
plenitude da cultura, este nosso povo jovem, de imensos recursos inaproveitados, a
quem tocará a liderança do mundo futuro, por alguns séculos certamente. Estes
séculos, esta influência mundial serão de Cristo, Senhor Nosso, se fordes Padres
segundo o Coração de Jesus, inteiramente formados na escola de Maria.
Tudo quanto vos acabo de dizer redunda em afirmar quanto reverencio vossa
esplêndida missão, o muito que de vós espera meu coração de católico, o muito
que vos amo por terdes deixado tudo para seguir esta gloriosa vocação.
Melhores votos não vos poderia apresentar como católico, como brasileiro, como
amigo!
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"Sr. Redator