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No meio académico, são diversos os temas que animam os estudos sobre as mulheres.
Se é certo que a reivindicação de uma legitimidade académica é uma preocupação
inacabada dos autores que se dedicam a esses estudos, um dos principais
empreendimentos analíticos dos estudos das mulheres esteve associado ao
estabelecimento da distinção entre as categorias sexo e género. A este nível o contributo
da sociologia é inegável. De acordo com Walby, a teorização das relações de género, no
interior do espaço disciplinar da sociologia, vem trazer um impulso fundamental para os
estudos feministas. Diz a autora: “ the analytic separation of sex and gender represents a
key intervention, changing language…” (Walby, 2005: 368).
Com efeito, a distinção entre sexo biológico e género, enquanto categoria socialmente
construída, abre novas possibilidades para o reconhecimento e análise das diferentes
relações de género e da variabilidade destas relações (Walby, 2005: 368). Como
consequência, as explicações de tipo biológico sobre a diferença de sexos eram
amplamente questionadas. No meio académico insiste-se na dimensão social dos papéis
sexuais e o vocábulo género é apropriado como forma de acentuar a relação social que
ele encerra. A questão da linguagem não é de somenos importância, uma vez que esta se
constitui como elemento ideológico por excelência. Sob impulso dos trabalhos
académicos, vocábulo género transpõe os limites da academia e generaliza-se na
política e em outros espaços discursivos (Walby, 2005:368). Note-se que esta mudança
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vai para além uma substituição semântica. O reconhecimento do carácter
eminentemente social das relações de género coloca em causa alguns argumentos
determinísticos associados a pressupostos de tipo naturalista. Reduz-se o espaço para
universalismos fáceis, como por exemplo a existência de “instituições” mais naturais do
que outras, designadamente da instituição familiar, e transformam-se também os modos
de pensar, sentir e valorizar outros fenómenos, tais como a cultura das mulheres. No
entanto, como refere Isabel Dias: “ A prevalência do argumento biológico permanece
considerável: Continuamos a explicar e a naturalizar a posição inferior das mulheres na
sociedade pela retórica das diferenças biológicas inultrapassáveis e universais” (Dias,
2009:169).
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Para além de se transferir a diferença para desigualdade enquanto conceito central na
abordagem das relações de género, as teorias da desigualdade recusam os pressupostos
naturalistas, rompendo com o biologismo ou o psicologismo na explicação das relações
entre sexos. A questão é agora a de saber quais os contextos e organizações, mais
igualitários, susceptíveis de favorecer a capacidade de resposta de cada um dos sexos, e
já não a simples constatação de que, ao existirem as diferenças, algumas situações de
desigualdade apresentam-se quase como inelutáveis. Ao mesmo tempo que o
pressuposto de mudança permite combater o fixismo da estrutura, é deixado um espaço
de possibilidades ao agenciamento do sujeito, o que parece ser uma das características
distintivas destas correntes.
Não obstante, e de acordo com o feminismo liberal, qualquer negação à mulher dos
direitos fundamentais dos indivíduos, ou impedimento da participação social e o não
respeito dos valores básicos do liberalismo – liberdade, igualdade e justiça – são
associados à violação da lei natural, às práticas sociais sexistas e discriminatórias ou a
ideologias que subjazem à dominação patriarcal. Este formalismo das feministas liberais
parece, no entanto, subestimar um conjunto de estruturas e relações sociais com lógicas
masculinas e as próprias singularidades históricas, que vão para além da acção moral e
racional, dos ditames das leis, ou do Estado que deve fazer respeitar essas leis.
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Mas, antes de tudo, é necessário reconhecer que o feminismo liberal encontra um maior
significado na convicção de que a situação da mulher era injusta e, por essa razão, urgia
modificá-la. De acordo com isto, o feminismo mobiliza-se e luta pelos valores
igualitários susceptíveis de contradizer ou negar os valores do patriarcado.
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na interacção destas estruturas e no modo como se reforçam umas às outras” (Dias,
2009: 199).
É importante notar que o feminismo socialista não deixa de parte a perspectiva marxista
sobre as relações de género. Na verdade, para as feministas socialistas as relações de
classe capitalistas são efectivamente um dos poderosos veículos de dominação. A
grande questão reside em saber se poderemos assumir esta variável isoladamente. De
facto, o feminismo socialista não reconhece a classe como o único elemento susceptível
de condicionar a experiência das mulheres. Preferem antes considerar um conjunto de
características sociais que estruturam a opressão das mulheres e, dentro destas
características, observam que a opressão do patriarcado pode constituir-se como
categoria independente. A par da influência do capitalismo, a opressão do patriarcado
permite realizar uma teorização global sobre o conjunto de elementos estruturais que
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constituem as forças da opressão social. E é segundo esta perspectiva que “usam o
termo patriarcado capitalista” (Dias, 2009:201).
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A um outro nível, mas naturalmente interligado à questão anterior, também os
significados das questões ideológicas sofrem reformulações nas teorias feministas
socialistas. Estas pesquisas são sensíveis a um conjunto de factores – consciência,
motivação, ideias, definições sociais das situações, conhecimentos e ideologias – que
influenciam a personalidade e acção humana (Dias, 2009:202).
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Por seu lado, o materialismo cultural situa-se ao nível das análises das ideologias,
mensagens, políticas e das representações que se constroem socialmente, afectando de
um modo particular e parcial a subjectividade humana.
Finalmente, cabe referir uma outra corrente integrada nas teorias de opressão estrutural,
denominada como teoria feminista da intersectorialidade. Estas perspectivas
distinguem-se das demais teorias por considerarem que as mulheres não são todas
sujeitas à mesma forma e ao mesmo grau de opressão. Por essa razão, torna-se
necessário explicitar quais os dispositivos de desigualdade social. Para estas feministas,
esses dispositivos - baseados no sexo, mas também na idade, na classe social, na raça,
situação geográfica e preferência sexual – são considerados como “vectores de opressão
e privilégio” (Dias, 2009:204).
Nesta linha teórica, é importante ter em conta a ideologia de quem define e o poder
dessa definição. Assim, parece que a representação das diferenças –de género e outras –
são construídas e legitimadas por quem domina. A diferença pode ser apropriada para
definir posições de poder – de inferioridade ou superioridade. Para além disso, Dias
observa o fenómeno de « “alterização”enquanto acto de definição de um grupo
subordinado para estabelecer que o membro de um grupo não é aceitável de acordo com
certos critérios» (2009:204) que não só estende o fenómeno de discriminação e
segregação a um vasto campo social, como “oculta os processos de opressão”
(2009:204). A variação do processo de opressão articula-se, desta forma, com a
diversidade de posições, situações, geografias e identidades incorporada pelas mulheres
nas sociedades. Pretendendo ser uma perspectiva inclusiva pode ser também percebida
como uma teoria mais fragmentária e, correndo assim o risco de fragilizar a acção
colectiva dos movimentos feministas. De qualquer modo, não é de subestimar os
contributos desta corrente para o pensamento sociológico, sobretudo, no que se refere
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ao conceito de “alterização”. Porque, num sentido divergente ao denunciado pelas
feministas, é importante na análise das estruturas sociais essa relação do eu o outro,
enquanto relação de instersubjectividade.
(Amâncio, 2003:687)
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A expressão de “relações de género”, generalizada nas ciências sociais associa-se a uma
vertente analítica de pendor culturalista onde as distinções sexuais não são mais
percebidas como associadas a uma natureza masculina ou feminina. É assim posto em
causa o carácter abstracto e universalista das diferenças. A categoria género teve de
procurar os significados sociais e culturais do “ser homem” ou “ser mulher”,
convocando, para tal, um conjunto diversificado de teorias sociais. A importância destas
definições conceptuais parece bem ilustrada pelas palavras de Schiebinger (2000). Diz a
autora:
. (Schiebinger, 2000:1173)
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investigated as a tenacious feature of the gendered labour forms” (Walby,
2005:372).Com efeito, a incorporação das mulheres no mundo do trabalho vai revelar-
se um fenómeno com uma complexidade social acrescida para a análise. Não só se torna
necessário questionar a identidade da mulher no mundo do trabalho, como se levantam
novas problemáticas dentro da sociologia do trabalho, da sociologia da família e do
género, entre outras áreas de especialização da sociologia.
Por outro lado, não há como negar a participação das teorias feministas num movimento
mais amplo, quer na sociologia, quer no interior dos estudos culturais e literários, a
favor da democratização da produção do conhecimento a partir de um outro olhar sobre
o mundo.
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Na realidade, e num contexto mundial de crescentes desigualdades sociais, a questão do
género não é apenas uma questão de justiça social, nem de se observar os efeitos
combinados das desigualdades de género, raça e classe (Anderson, 2005). Como mostra
Shiebinger há todo um percurso histórico, político e social que é necessário fazer-se a
partir de uma perspectiva crítica. Os estudos feministas propuseram fazê-lo mas este é
um processo inacabado. Esta crítica deve, segundo Anderson (2005:452-53), distanciar-
se das instituições dominantes, para não ser por elas limitada.
São teorias que com um maior enfoque epistemológico do que propriamente teórico e
cujos pressupostos se baseiam na ideia de que as sociedades vivem, hoje, sob condições
da pós-modernidade.
A rejeição de dos dualismos, a recusa da razão moderna como o única estratégia capaz
de alcançar o conhecimento objectivo, a subalternização da mulher enquanto sujeito da
narrativa, a invisibilidade, a importância de dar voz aqueles que foram historicamente
oprimidos são alguns dos tópicos que este feminismo resgata , em primeiro lugar, das
teorias pós-modernas e, depois, das teorias pós-coloniais. A ideia de que a história
integra processos de ocultação e apagamento de outras lógicas e outras racionalidades e
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a denúncia dos processos de poder implícitos em categorias e conceitos formulados nas
teorias, faz desta crítica um importante ponto de partida para a reflexão epistemológica.
Tal como as restantes perspectivas, o feminismo pós-moderno tem chamado críticos e
adeptos.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- SCHIEBINGER, L. (2000). Has Feminism Changed Science? Signs, Vol. 25, No. 4,
Feminisms at a Millennium, pp. 1171-1175.
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