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COMARCA DE PORTO ALEGRE – 3ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL

Rua Márcio Veras Vidor (antiga Rua Celeste Gobato), 10


Nº de Ordem: 0302 – 2010
Processo nº: 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)
Natureza: Ordinária – Outros
Autor: CARLA DE DEUS VIEIRA SILVEIRA
Réu: CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO
ALEGRE
COMPANHIA ZAFFARI BOURBON
Juiz Prolator: MAURO CAUM GONÇALVES
Data: 28/04/2010

1.0) RELATÓRIO.
CARLA DE DEUS VIEIRA SILVEIRA, qualificada na inicial, moveu
a presente Ação em face de CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE
PORTO ALEGRE e COMPANHIA ZAFFARI BOURBON, igualmente qualificadas,
alegando que não possui qualquer restrição de crédito em seu nome, mas que, ao
tentar obter crédito perante diversas instituições, dentre as quais a segunda ré, viu o
seu pedido negado, sem maiores explicações, sendo que essa última empresa lhe
informou apenas que o crédito fora negado em função de seu “credit score”,
ferramenta disponibilizada pela primeira demandada. Aduziu que procurou a ré CDL,
tendo sido informada de que não poderia obter dados e informações sobre o seu
“credit score”, por tratar-se de cadastro confidencial. Mencionou que, através de um
órgão de defesa do consumidor, descobriu que o “credit score” se constitui em um
cadastro oculto, fornecido pela primeira demandada às empresas que pagam por
esse serviço, composto de registros e informações pessoais dos consumidores,
dentre as quais as ações judiciais por eles movidas no exercício de seus direitos.
Afirmou que a CDL nega o acesso do consumidor ao seu próprio cadastro,
impossibilitando que ele conteste ilegalidades, irregularidades e inexatidões, bem
como não lhe comunica previamente acerca da existência de tal registro, o que,
segundo sustenta, afrontaria as disposições do Código de Defesa do Consumidor.
Referiu que o “credit score” gera uma restrição de crédito de, no mínimo, seis meses.
Postulou a inversão do ônus da prova e a concessão do benefício da assistência

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judiciária gratuita. Requereu o deferimento de antecipação de tutela, a fim de que a
primeira ré excluísse todos os cadastros em seu nome relativos ao “credit score”, bem
como que ambas as requeridas apresentassem todas as informações relativas ao seu
registro dos últimos cinco anos, explicando os critérios utilizados para a realização do
cadastro. Por fim, pleiteou a procedência da demanda, com a declaração de
ilegalidade da abertura e manutenção do registro de dados, em seu nome, intitulado
de “credit score”, bem como com a condenação das demandadas a ressarcir os
danos morais que afirma ter suportado, devido a esse ato. Instruiu a petição inicial
com os documentos de fls. 08/13.
O despacho de fls. 15/16 concedeu o Benefício da Justiça
Gratuita, deferiu a antecipação de tutela de natureza cautelar e inverteu o ônus da
prova, determinando que as rés trouxessem ao processo cópia do contrato que teria
originado os apontamentos. Não consta notícia de agravo, por instrumento ou retido
nos autos, acerca dessa decisão.
Citada (fl. 25v), a demandada CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES
LOJISTAS DE PORTO ALEGRE contestou (fls. 31/41), sustentando, como matérias
preliminares, ilegitimidade passiva, ao argumento de que o contrato que mantinha
com a segunda ré foi encerrado em 11/07/2008, e a negativa de crédito à autora
ocorreu em 21/07/2009, não tendo se baseado, portanto, em informações obtidas
junto a si através do sistema “crediscore”; e a ausência de interesse processual da
requerente, em virtude de não haver qualquer documento nos autos que comprove a
existência de um registro de débito em seu nome. No mérito, afirmou que o
procedimento por si realizado consiste em análise de perfil de crédito, atitude lícita e
amplamente utilizada no mercado. Referiu que a empresa usuária do sistema não
está vinculada ao resultado do “crediscore”, decidindo por conta própria acerca da
concessão ou não de crédito ao consumidor. Mencionou que a restrição de crédito por
seis meses é um critério adotado pela ré COMPANHIA ZAFFARI BOURBON.
Argumentou que o “crediscore” não se trata de um banco de dados, mas de uma
ferramenta probabilística, que analisa o comportamento do consumidor segundo
critérios fornecidos pelas empresas que solicitam o serviço. Afirmou não ter praticado
qualquer ato ilícito, motivo pelo qual entende que não tem o dever de indenizar a
autora. Aduziu que a não-concessão de crédito é uma liberalidade das empresas,

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colacionando jurisprudência nesse sentido. Requereu, em acolhimento das
preliminares, a extinção do feito, ou, alternativamente, no enfrentamento do mérito, a
improcedência da demanda. Instruiu a peça contestacional com os documentos de
fls. 42/67.
A ré COMPANHIA ZAFFARI BOURBON foi citada (fls. 68v/69),
apresentando contestação (fls. 70/80), onde alegou, como matéria preliminar, sua
ilegitimidade passiva, ao argumento de que não seria responsável pela administração
do cartão de crédito que foi negado à autora, mas, sim, a BOURBON
ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO, COMÉRCIO E PARTICIPAÇÕES
LTDA.. No mérito, afirmou que a referida administradora de cartão de crédito é uma
empresa privada, que tem o direito de conceder crédito apenas para quem preencher
determinados requisitos, optando por não concedê-lo à autora porque essa já possuiu
cartão de crédito junto àquela empresa, mas deixou de pagar, no vencimento, duas
faturas. Referiu que o “credit score” constante na correspondência encaminhada à
requerente nada tem a ver com o serviço disponibilizado pela ré CDL, cuidando-se de
uma análise interna realizada pela empresa a fim de decidir se concede ou não
crédito ao cliente. Mencionou que a restrição de crédito perante a empresa, por seis
meses, é um critério seu, não obstando que a autora consiga crédito perante outras
instituições. Afirmou que jamais divulgou qualquer informação desabonatória em
relação à demandante, não havendo que se falar em danos morais, os quais,
outrossim, não restaram comprovados. Pleiteou, em acolhimento da preliminar, a
extinção do feito, em face de sua ilegitimidade passiva, ou, no caso de enfrentamento
do mérito, a improcedência da demanda. Instruiu a defesa com os documentos de fls.
81/92.
Sobreveio réplica (fls. 94/104), tendo a demandante alegado que
diversas instituições lhe negaram a concessão de crédito; todavia, não forneceram
qualquer documento nesse sentido. Referiu que o contrato de 'SPC CREDISCORE'
evidencia que o cadastro do consumidor deve ser mantido oculto dele e da sociedade,
o que fere o disposto no art. 43, § 2º, do CDC. Afirmou que o sistema 'SPC
CREDISCORE' não utiliza critérios pré-estabelecidos, claros, objetivos e não
discriminatórios, mas, sim, critérios ocultos e subjetivos, desconhecidos pelo
consumidor e, inclusive, pela empresa usuária do serviço. Reiterou os argumentos

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esposados na exordial. Juntou os documentos de fls. 105/126.
Encerrada a instrução, determinou-se a conclusão dos autos para
sentença (fl. 127).
Foi o relatório.
Passo a motivar a decisão.

2.0) FUNDAMENTAÇÃO.
A matéria a ser analisada é de fato e de direito, mas não há
necessidade de se produzirem outras provas em audiência, devendo-se proceder ao
julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, inc. I, do Código de Processo
Civil, consoante faço ver adiante.

2.1) Das preliminares.


As requeridas CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE
PORTO ALEGRE e COMPANHIA ZAFFARI BOURBON suscitaram, em suas
contestações, que seriam ilegítimas para figurar no polo passivo da presente
demanda. Ademais, a ré CDL sustentou a ausência de interesse processual da
requerente, em face da inexistência de qualquer cadastro restritivo de crédito em seu
nome.
Dessa forma, antes de adentrar no mérito da causa, passo ao
exame das aludidas preliminares de ilegitimidade passiva e falta de interesse
processual, as quais ensejariam a inépcia da petição inicial, de acordo com o art. 301,
inc. III, combinado com o art. 267, inc. VI, ambos do CPC.

2.1.1) Da legitimidade passiva da ré COMPANHIA ZAFFARI


BOURBON.
A ré COMPANHIA ZAFFARI BOURBON alega ser ilegítima para
figurar no polo passivo da lide, uma vez que apenas aceitaria o cartão de crédito
objeto da presente controvérsia em sua rede de supermercados, mas a
administração, aceitação e manutenção do referido cartão de crédito seriam
efetuadas pela empresa BOURBON ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE

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CRÉDITO, COMÉRCIO E PARTICIPAÇÕES LTDA.
Todavia, ambas as pessoas jurídicas supramencionadas fazem
parte do mesmo conglomerado econômico, ou seja, são empresas coligadas, não
havendo independência de gerências.
Tanto é assim que, nas propagandas veiculadas aos
consumidores, fato público e notório que dispensa prova, a aludida rede de
supermercados se autodenomina ZAFFARI BOURBON, o que demonstra,
claramente, sem deixar qualquer dúvida, de que ambas as empresas atuam de
maneira conjunta. Ou seja, não se tratam de pessoas jurídicas completamente
distintas e sem qualquer vínculo, mas, sim, pelo contrário, duas empresas que, na
prática, constituem uma só, em virtude da ligação entre elas estabelecida.
Gize-se que, no documento de fl. 12 (comunicação de negativa de
crédito à autora), consta, no cabeçalho, as inscrições “Zaffari Card” e “Bourbon Card”,
a indicar a ligação entre as empresas.
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já manifestou-se no
sentido da existência de legitimidade passiva, quando ambas as empresas integram o
mesmo conglomerado econômico, consoante se vê da seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA. INDENIZAÇÃO. DANO


MORAL. BANCO. ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. IDÊNTICO
CONGLOMERADO ECONÔMICO.
I – Pertencendo a empresa administradora de cartão de crédito ao mesmo
conglomerado econômico do banco réu, tem este legitimidade passiva ad
causam para responder por dano causado à contratante.
II – Recurso especial conhecido e provido. (Recurso Especial nº 299725/RJ,
Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma, Relator: Ministro Aldir Passarinho
Júnior, Julgado em 22/03/2001) [Grifei]

Dessa forma, não há que se falar em ilegitimidade passiva da ré


COMPANHIA ZAFFARI BOURBON, uma vez que, havendo estreito vínculo com a
empresa BOURBON ADMINISTRADORA DE CARTÕES DE CRÉDITO, COMÉRCIO
E PARTICIPAÇÕES LTDA., a primeira responde pelos danos que a segunda, no
exercício de suas atribuições, eventualmente causar a consumidores.

2.1.2) Da ilegitimidade passiva da ré CDL – CÂMARA DE


DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE.

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De fato, em relação ao pleito específico da autora que diz respeito
à negativa de crédito pela requerida COMPANHIA ZAFFARI BOURBON, a
demandada CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE não
possui legitimidade passiva, uma vez que não teve qualquer participação na decisão
tomada por aquela demandada.
Isso porque ambas as empresas firmaram um contrato em que a
CDL se comprometeu a fornecer à ZAFFARI BOURBON informações sobre os
potenciais clientes de seu cartão de crédito, a fim de que essa última empresa
avaliasse se deveria ou não conceder o crédito solicitado (fls. 63/66).
Contudo, esse contrato vigorou de 28/11/2007 a 11/07/2008 (fl.
67), e a ré ZAFFARI BOURBON negou o fornecimento do cartão de crédito à autora
em 21/07/2009 (fl. 12), portanto, mais de um ano após o encerramento do acordo.
Assim, a negativa de crédito se deu por motivos que, embora
atribuídos à CDL, em verdade partiram de deliberação exclusiva e única da ré
ZAFFARI BOURBON, uma vez que não mantinha mais a avença com a demandada
CDL, pela qual essa lhe prestava informações sobre os consumidores que desejavam
obter crédito.
De modo que a CDL não pode responder, no caso concreto, pelo
ato de negativa de crédito levado a efeito exclusivamente pela ZAFFARI BOURBON,
porque não influenciou na decisão.
Ressalte-se que a empresa ZAFFARI BOURBON é a responsável
pelo equívoco em que incorreu a autora ao também acionar judicialmente a CDL,
porque, na correspondência em que comunica a negativa de crédito, deixa claro que
tomou essa decisão em face da pontuação que o perfil da consumidora obteve,
quando analisado através do sistema “credit score” (fl. 12), mantido por essa.
É bem verdade que o sistema CREDISCORE propriamente dito é
operado com exclusividade pela ré CDL, conforme explicado por ela própria e
veiculado em diversos meios de comunicação (fls.105/122).
No caso concreto, resta evidenciado que o que levou a requerente
a pensar que a ZAFFARI BOURBON não lhe fornecera o cartão de crédito com base
em seu “credit score”, teria sido por haver alguma ingerência da CDL, empresa que
opera e disponibiliza esse sistema.

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Contudo, analisando atentamente a peça portal, verifica-se que a
insurgência da autora não se restringe à negativa de crédito pela ZAFFARI
BOURBON, mas, também, quanto à existência de um cadastro com dados pessoais
seus, junto à CDL, que vem sendo disponibilizado para diversas empresas e
impedindo que obtenha crédito perante essas instituições.
Segundo a demandante, esse registro não teria sido comunicado
à ela, conforme preceitua o CDC, bem como conteria informações sigilosas, às quais
não consegue ter acesso para averiguar sua veracidade, o que lhe gerou dano moral.
Desse modo, em relação a esse pedido, é, sim, legítima a CDL –
CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE para responder a
demanda no polo passivo, por ato próprio, pois é a responsável pela manutenção do
banco de dados intitulado 'CREDISCORE', que, segundo a autora, vem fornecendo
informações desabonatórias a seu respeito para diversas outras empresas,
impossibilitando-a, assim, de obter crédito no comércio em geral, e cuja licitude e
moralidade será objeto de análise no enfrentamento do mérito.
A questão, nesse ponto, então, se confunde com o próprio mérito
da ação, que será analisado logo adiante, confirmando a legitimidade passiva da CDL
relativamente aos pedidos da autora que guardam relação com o cadastro
CREDISCORE.

2.1.3) Da existência de interesse processual.


Argumenta a requerida CDL que a autora não trouxe aos autos
qualquer documento comprobatório da existência de algum registro de débito em seu
nome, razão pela qual não havia que se discutir eventual ausência de notificação
prévia acerca do cadastro. Consequentemente, não se vislumbraria interesse
processual.
Não merece prosperar a alegação da ré.
A demandante em nenhum momento afirma que a CDL possui um
registro formal em seu nome, destinado à restrição de crédito, mas que detém dados
pessoais, os quais insere em um programa – o CREDISCORE – que avalia se o
consumidor “merece” o crédito que solicita perante a empresa usuária do sistema.
A irresignação da autora diz respeito à manutenção desse sistema

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CREDISCORE, disponibilizado pela ré CDL a inúmeras empresas que desejam saber
se o futuro cliente tem chances ou não de se tornar inadimplente, empregando dados
e informações dos consumidores.
A autora afirma que a requerida CDL se nega a lhe dizer quais
dados foram utilizados para a elaboração de seu perfil e por que motivo o
CREDISCORE vem fazendo uma avaliação negativa de sua pessoa.
Como se observa, a controvérsia será melhor elucidada no
decorrer desta decisão, mas, de plano, já se pode concluir que há interesse
processual da requerente em discutir a operacionalidade do sistema CREDISCORE.

Afastadas, assim, as preliminares, passo ao enfrentamento do


mérito.

2.2) Do mérito.
Examinando com cuidado os presentes autos, como não poderia
deixar de ser, verifico que há duas postulações distintas, que devem ser apreciadas
separadamente, a fim de conferir clareza e exatidão a este decisum.
Uma delas diz respeito ao ato da ré COMPANHIA ZAFFARI
BOURBON, que negou a concessão de cartão de crédito à autora com base em
critérios subjetivos. A outra diz respeito ao sistema CREDISCORE, mantido pela ré
CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE, o qual também
empregaria parâmetros obscuros para recomendar ou não um cliente às empresas
usuárias do serviço.
Assim, passo, adiante, a examinar, de maneira separada, as
postulações da autora, uma vez que entendo que a responsabilidade de ambas as
empresas rés não é integralmente solidária, devendo ser considerado de modo
distinto e autônomo o agir de cada uma.

2.2.1) Da responsabilidade da ré COMPANHIA ZAFFARI


BOURBON.
Conforme se depreende do documento de fl. 12, a requerida
COMPANHIA ZAFFARI BOURBON optou por não fornecer seu cartão de crédito à

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autora; todavia, não especificou os motivos que levaram a essa decisão.
A correspondência informa que um “sistema de análise” verifica
diversas informações do consumidor, obtidas perante vários órgãos, e conclui, ao
final, se o crédito deve ou não ser concedido ao potencial cliente.
Atente-se para os seguintes trechos da referida correspondência:

O cartão é emitido para o(a) proponente que satisfaça uma série de requisitos
do sistema de análise. Para exemplificar, a apresentação de documentos e
comprovantes, o tempo e local de residência, estabilidade de emprego ou da
renda, tempo de movimentação de conta corrente bancária, experiência com
cartões de crédito, posse de telefone residencial e de veículo, são apenas
alguns destes requisitos.
A partir das informações fornecidas, dos documentos apresentados e das
pesquisas junto a vários órgãos, tais como: Bancos, Administradoras de
Cartões de Crédito, Foro entre outros, o sistema de análise informatizado
efetua o processamento dos dados e através de uma pontuação (credit score)
informa o perfil do proponente ao crédito. [Grifei]

Entretanto, a demandada não especificou quais critérios foram


levados em consideração para que o crédito fosse negado especificamente à
autora. Apesar de enumerar alguns dos elementos apreciados pelo “sistema de
análise”, a ré não informou, em relação à requerente, quais critérios obtiveram
avaliação negativo, e por quê.
Isso impossibilitou totalmente a autora de se defender,
apresentando argumentos que pudessem fazer com que a requerida mudasse de
ideia, uma vez que não teve acesso aos motivos que levaram à negativa de crédito.
Assim, não houve transparência e boa vontade por parte da demandada, que se
limitou a enviar à autora uma correspondência padrão, informando a negativa.
A requerida afirma que, como empresa privada, tem o direito de
conceder crédito apenas a quem quiser, o que é verdade, tendo em vista a
liberalidade da contratação.
Entretanto, a negativa de crédito somente pode ser operada com
base em critérios específicos, objetivos, concretos e não discriminatórios, como
aduz a própria jurisprudência trazida pela outra requerida, CDL, em sede de
contestação (fls. 38/41), o que não foi observado pela demandada ZAFFARI
BOURBON.

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Essa, aliás, é a orientação consolidada pelo Poder Judiciário do
Estado do Rio Grande do Sul, segundo se observa das ementas abaixo transcritas:

EMENTA: CONSUMIDOR. NEGATIVA JUSTIFICADA DE CRÉDITO. MERA


LIBERALIDADE. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. A concessão de crédito
é uma liberalidade do comerciante. Todavia, essa faculdade deve ser
exercida de modo criterioso. Caso dos autos em que a concessão do
crédito esteve condicionada a critérios objetivos e não discriminatórios,
não havendo que se falar em abalo de crédito. Dano moral não configurado.
Recurso desprovido. Unânime. (Recurso Cível Nº 71002043974, Segunda
Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: João Pedro Cavalli Junior,
Julgado em 24/02/2010) [Grifei]

EMENTA: CONSUMIDOR. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. NEGATIVA DE


CONCESSÃO DE CRÉDITO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE DANOS MORAIS.
LIBERALIDADE DO COMERCIANTE, DESDE QUE FUNDADA EM
CRITÉRIOS OBJETIVOS, NÃO DISCRIMINATÓRIOS, AUSENTE CONDUTA
VEXATÓRIA. Em se tratando de concessão de crédito, à financeira é dado
estipular condições e limites, desde que embasados em critérios objetivos
e pré-estabelecidos. A relação que se estabelece no momento da concessão
do crédito, embora regida pelas regras protetivas do CDC, ocorre à similitude
de qualquer contrato sinalagmático, sendo a vontade das partes requisito
indispensável para a sua concretização. Assim, não estando preenchidos os
requisitos objetivamente estabelecidos pela ré para a concessão de crédito,
tem-se como regular e não abusiva a recusa havida. RECURSO
DESPROVIDO. (Recurso Cível Nº 71002301521, Terceira Turma Recursal
Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em
18/12/2009) [Grifei]

Frise-se que a própria demandada ZAFFARI BOURBON admite


expressamente, na contestação, que utiliza critérios subjetivos para decidir se um
cliente merece receber o cartão de crédito da empresa ou não (fl. 73, 2º e 4º
parágrafos).
Ao ser acionada judicialmente, a ré por fim indicou a razão que
levou à negativa de crédito. A decisão da empresa se baseou no fato de que a autora
já possuíra, anteriormente, seu cartão de crédito, ocasião em que deixou de pagar, no
vencimento, duas faturas (fls. 83 e 85/86). Assim, por julgar que a requerente é uma
“má pagadora”, resolveu não fornecer de novo o seu cartão.
Caso tivesse informado à autora, no momento oportuno, o real
motivo da negativa de crédito, talvez a presente ação nem teria sido proposta. Isso
porque oportunizaria à demandante condições de, ao menos, oferecer uma defesa ou
argumento, a fim de tentar fazer com que a empresa ré mudasse de posição e lhe
concedesse o crédito. Todavia, a requerida não foi honesta com a autora, uma vez

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que não explicou o porquê da negativa de crédito, preferindo utilizar-se de
subterfúgios como a correspondência modelo e genérica de fl. 12, inviabilizando,
assim, qualquer manifestação por parte da demandante. Não agiu, para com o
consumidor, com o dever de transparência.
A atitude da COMPANHIA ZAFFARI BOURBON causou surpresa
e perplexidade à autora, que viu o seu pedido de crédito negado, sem qualquer
justificativa consistente, já que não possuía nenhum cadastro negativo junto aos
órgãos de proteção ao crédito.
Além disso, o fato de não informar claramente os motivos pelos
quais o crédito fora negado, com certeza gerou um sentimento de impotência e
humilhação, uma vez que a autora, mesmo não contando com qualquer restrição
creditícia, teve a sua solicitação sumariamente rechaçada, com base em critérios que
lhe eram totalmente desconhecidos.
Desse modo, a requerida faltou com os deveres de informação e
transparência, aos quais precisam estar atentos os fornecedores de produtos e
serviços, na esteira do que preceitua a legislação consumerista, impossibilitando,
ainda, que a requerente exercesse seu direito constitucional ao contraditório e à
ampla defesa, e acarretando-lhe danos morais.
Presentes o ato ilícito, o nexo de causalidade e os efetivos danos
extrapatrimoniais causados à autora, resta evidente a obrigação da ré de indenizar.
A indenização por dano moral visa a compensar a sensação de
sofrimento, humilhação, abalo, vexame e constrangimento. Tem, portanto, caráter
compensatório.
Não se pode perder de vista, porém, que, à satisfação
compensatória, soma-se o sentido punitivo e pedagógico da indenização, de maneira
que assume especial relevo, na fixação do valor indenizatório, as condições sócio–
econômicas das partes.
Assim, tem relevância não apenas a análise da intensidade do
sofrimento causado, para se estimar o valor a se indenizar, mas, também, a
capacidade financeira da infratora, para que se arbitre uma quantia suficientemente
capaz de prevenir a ocorrência de nova conduta idêntica.
Então, em outras palavras, em relação ao valor indenizável, pesa

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certificar que há de ser fixado em consonância com o poderio econômico da
requerida, para que não perca o seu caráter de sanção, vez que a pena deve sempre
trazer uma desvantagem maior que a vantagem auferida pelo crime/ilícito, a fim de
que exerça a prevenção sobre o ato danoso (Teoria da Prevenção).
Portanto, se é certo que o dano é irreparável, é justo que haja ao
menos uma compensação em virtude da conduta da ré, que fixo no valor de R$
10.000,00. Saliente-se que, nos termos do art. 1º da Lei nº 6.899/81, é devida a
atualização monetária, desde a data de prolação da sentença, pelo IGP-M, índice
oficial e amplamente aceito pela jurisprudência pátria. Igualmente cabível a incidência
de juros legais de 1% ao mês, desde a data do ato ilícito, cometido em 21/07/2009,
quando a autora foi comunicada pela COMPANHIA ZAFFARI BOURBON de que o
seu pedido de crédito havia sido negado, sem que fosse apresentada, no entanto,
qualquer explicação a justificar a decisão (fl. 12), consoante o disposto nos arts. 406
do Código Civil e 161, § 1º, do Código Tributário Nacional.

2.2.2) Da responsabilidade da ré CDL – CÂMARA DE


DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE.
Conforme já foi fundamentado no item 2.1.2, a demandada CDL
não tem qualquer responsabilidade sobre a negativa de crédito especificamente à
autora, no caso levada a efeito pela ré ZAFFARI BOURBON, uma vez que esse ato
ocorreu em 21/07/2009 (fl. 12), quando já não estava mais em vigor o contrato
celebrado entre a ZAFFARI BOURBON e a CDL (fl. 67), segundo o qual esta empresa
se comprometia a fornecer àquela informações sobre os potenciais clientes, indicando
a quais era recomendável conceder crédito e a quais não era.
Não obstante isso, cabe analisar a responsabilidade da requerida
CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE no que concerne
à manutenção e utilização do sistema denominado CREDISCORE, uma vez que, de
acordo com a autora, as informações desabonatórias fornecidas por esse programa a
inúmeros estabelecimentos comerciais estaria dificultando a sua obtenção de crédito
no mercado de consumo.
Compulsando os autos, infere-se que o intitulado CREDISCORE
trata-se de um programa, elaborado e operado pela CDL, que analisa uma série de

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dados e informações do consumidor, apresentando um escore final (em uma tradução
livre, crediscore poderia ser definido como escore para [concessão de] crédito), que
indica se é recomendável ou não 'recomendável' a concessão de crédito àquela
pessoa, em face da probabilidade – menor ou maior – de ela vir a se tornar
inadimplente.
O resultado obtido através do cálculo é fornecido pela demandada
às empresas que tenham contratado previamente o serviço, as quais, com base na
conclusão oferecida pelo sistema, decidem se irão conceder ou não o crédito ao
potencial cliente. Não importa se o consumidor já tenha 'limpado seu nome', pagando
tudo e a todos.
Em sua contestação, a ré esforça-se, a todo o momento, para
demonstrar que o CREDISCORE não consiste em registro do consumidor, mas em
mera análise de seus dados, a fim de constatar se a pessoa é “confiável” ou não.
No entanto, independentemente da denominação que a CDL
pretenda dar ao serviço que oferece, o CREDISCORE apresenta, efetivamente, um
banco de dados, com diversas informações do consumidor, a partir das quais é
realizado um cálculo, chegando-se à pontuação final da pessoa. Caso a requerida
não dispusesse de tais dados acerca dos consumidores, seria impossível que o
programa CREDISCORE compilasse as informações e fornecesse o resultado final da
análise.
Dessa forma, nos termos do art. 43 do Código de Proteção e
Defesa do Consumidor, a demandada precisaria ter notificado à autora sobre a
existência desse registro em seu nome. Não o fazendo, deveria, no mínimo, ter
atendido à solicitação extrajudicial da demandante no sentido de que informasse os
dados de que dispunha, a pontuação atribuída à autora e o porquê desse escore,
tendo em vista que o dispositivo supramencionado determina o seguinte:

Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às
informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e
de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas
fontes.
§ 1º. Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros,
verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter
informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
§ 2º. A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de

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consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não
solicitada por ele.
§ 3º. O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e
cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo
de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das
informações incorretas.
§ 4º. Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os
serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades
de caráter público.
§ 5º. Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor,
não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito,
quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito
junto aos fornecedores. [Grifei]

Violando a norma acima colacionada, a ré CDL não esclareceu,


nem extrajudicialmente, nem em juízo, as informações da autora (ou de todo e
qualquer outro ser vivo deste país que tenha CPF ou CGC), de que dispõe e utiliza no
sistema CREDISCORE.
A demandada não explicitou o conteúdo do banco de dados da
requerente – e por certos de outros consumidores - que dá suporte ao 'prognóstico'
feito pelo CREDISCORE, tornando inviável que ela se manifestasse acerca da
correção dos dados, apontando eventuais irregularidades e incorreções.
A CDL não nega o fato de que mantem dados da autora e que,
inserindo-os no programa CREDISCORE, chega ao seu escore, o qual é
disponibilizado reservadamente às empresas solicitantes. Dessa forma, tem-se um
fato incontroverso, pois não foi impugnado, o qual, segundo o disposto no art.
302, “caput”, do CPC, presume-se verdadeiro.
Mesmo dispondo de informações a respeito da demandante, a
requerida CDL não as trouxe aos autos, nem mencionou o 'prognóstico' da autora e
com base em quê o sistema CREDISCORE gera tal resultado. Observa-se, com isso,
que a ré fere os direitos da consumidora à informação e à transparência,
consagrados pela legislação especial, como já referido anteriormente.
Ilegal, portanto, o cadastro da demandante nos moldes em
que é mantido pela ré CDL. O banco de dados seria legítimo somente se todas as
informações sobre os consumidores fossem livremente disponibilizadas, de modo
global, a eles e, inclusive, às empresas contratantes, uma vez que há notícia, nos
autos, de que nem mesmo os estabelecimentos comerciais que solicitam a realização

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da pesquisa são informados acerca dos critérios utilizados e do porquê de o cliente ter
recebido determinado escore.
A mensagem de fl. 123, postada em uma página da internet,
embora não possua elevado valor probante, representa mais um indício da prática
obscura e ilegalmente sigilosa promovida pela CDL. Cuida-se do depoimento de um
ex-funcionário do setor de crediário das Lojas Renner, o qual afirma que a empresa
apenas insere os dados fornecidos pelo cliente no programa CREDISCORE e a
pontuação é gerada sem qualquer explicação, não havendo como saber os motivos
pelos quais os consumidores apresentam escores elevados ou baixos. Confira-se o
aludido depoimento:

Fui funcionario do Crediario das Lojas Renner, na vdd não puxamos nenhum
dado, acontece que o sistema e baseado no credit score, ou seja um
sistema de pontuação que varia de acordo com a inadimplência da loja,
incluimos a proposta e ela vem negada ou aprovada para
nós...infelizmente não temos dominio, e nem controle, mais contrangedor
e informar o cliente que sem motivo solido a proposta foi
negada...Horrivel contrangimento total! (sic) [Grifei]

Ademais, o contrato para o fornecimento do serviço


CREDISCORE deixa bem claro que o sistema é altamente secreto (fls. 64/65):

CLÁUSULA SEXTA – DA RESPONSABILIDADE


6.4 Por tratar-se de um serviço em fase de teste, a CONTRATANTE não
poderá, em hipótese alguma, fornecer, seja qual for a forma, ao próprio
consumidor ou a terceiros as informações obtidas através de consulta ao
SPC CREDISCORE.
6.5 Também é TOTALMENTE vedado à CONTRATANTE informar, seja qual
for a forma e a quem quer que seja, a existência, o resultado da consulta e
a utilização do SPC CREDISCORE, bem como a celebração do presente
instrumento.
6.7 Os documentos e formulários relativos ao SPC CREDISCORE e as
suas cópias que a CONTRATANTE tiver acesso em razão deste
instrumento não poderão ser entregues a terceiros ou ao próprio
consumidor consultado. [Grifei]

Na realidade, o programa CREDISCORE, para poder operar,


necessita de informações dos clientes, que se encontram em um banco de dados
mantido pela ré CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE.
Os prognósticos gerados a partir dessas informações são

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divulgados para as empresas que contratam o serviço. E, embora o resultado não
vincule diretamente a posição a ser tomada pelo estabelecimento comercial, certo é
que, diante de uma pontuação negativa, fornecida por uma instituição tida pelo
comerciante por confiável como a CDL, dificilmente a empresa irá se aventurar
concedendo crédito a tal consumidor.
O resultado do CREDISCORE influencia, sim, o
comportamento das empresas, gerando, dessa forma, uma restrição de crédito
aos consumidores que apresentem escores desfavoráveis.
Assim, mais um motivo a embasar a aplicação do art. 43 do
CPDC, que obriga as entidades que mantém bancos de dados a fornecer aos
consumidores suas informações pessoais, pois os cadastros da ré CDL, ainda que
indiretamente, cerceiam o direito ao crédito.
Na prática, os prognósticos feitos pelo CREDISCORE equivalem a
cadastros dos consumidores, ainda que a demandada tente mascarar a verdadeira
natureza do sistema. Os efeitos dos resultados do CREDISCORE são os mesmos
provocados pelos registros formais de dados dos consumidores.
O direito às informações constantes em bancos de dados reveste-
se de tamanha importância que é considerado garantia fundamental do cidadão pela
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, podendo ser reivindicado
através do instituto do habeas data:

Art. 5º. (...)


XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da
fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de
seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas
cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
LXXII – conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do
impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades
governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo
sigiloso, judicial ou administrativo; (...) [Grifei]

Saliente-se que os dispositivos da Magna Carta transcritos acima


são plenamente aplicáveis à CDL, já que, nos termos do art. 43, § 4º, do CDC, os

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bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao
crédito a congêneres são considerados entidades de caráter público (grifei).
Ao analisar os dados do potencial cliente e fornecer uma
determinada pontuação, como fez com a autora, a ré CDL age com flagrante
arbitrariedade, pois não especifica as causas que motivam a estatística no sentido de
que o crédito deve ser negado.
Assim, esse método representa ainda uma violação clara aos
direitos constitucionais ao contraditório e à ampla defesa, igualmente consagrados
como garantias fundamentais do indivíduo:

Art. 5º. (...)


LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes; [Grifei]

Por derradeiro, gize-se que o contrato de prestação do serviço


CREDISCORE acaba por não atender à sua real função, qual seja, a de fornecer
informações claras e precisas sobre os consumidores para as empresas solicitantes,
a fim de que elas avaliem se é ou não vantajoso conceder crédito a tais clientes.
Utilizando critérios não divulgados, informações acerca dos
consumidores que igualmente não podem ser acessadas, e limitando-se a fornecer
uma pontuação do consumidor, sem qualquer explicação plausível, o sistema
CREDISCORE está sujeito a cometer graves erros, inclusive em virtude do emprego
de dados incorretos ou desatualizados.
A ré CDL anuncia que o programa “analisa simultaneamente mais
de 400 variáveis” (fls. 106, 115 e 116), entretanto, não foi capaz de indicar, no
presente processo, sequer uma dessas variáveis utilizadas pelo programa.
Portanto, resta evidente o ato ilícito – inclusive inconstitucional –
levado a cabo pela requerida CDL, que culminou por provocar prejuízos de ordem
extrapatrimonial à requerente.
A autora vem sofrendo sucessivas negativas de crédito perante
diversas empresas, enumeradas em sua réplica (fl. 94), as quais afirmam que a
restrição é fundamentada no resultado fornecido pelo CREDISCORE, embora se

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recusem a fornecer qualquer documento que contenha essa assertiva.
Apesar da ausência de prova documental, a afirmativa da
demandante reveste-se de verossimilhança, uma vez que é de conhecimento geral
que, atualmente, os estabelecimentos comerciais se cercam, cada vez mais, de
cuidados a fim de evitar o ingresso, em suas cartas de clientes, de “maus pagadores”.
E, além disso, há o documento fornecido pela outra requerida.
Outrossim, a ampla divulgação do novo sistema CREDISCORE,
comprovada pelos documentos de fls. 105/122, os quais ressaltam a tecnologia
avançada do programa e as vantagens auferidas com o seu emprego, levam à
conclusão de que inúmeras empresas, ou, pelo menos, as mais importantes,
certamente já aderiram ou ainda irão aderir ao serviço.
Além disso, o cadastro “oculto” mantido pela ré CDL, e o resultado
genérico do CREDISCORE, impedem que a autora exerça o seu direito constitucional
à defesa, verificando, inclusive, se os seus dados efetivamente correspondem à
realidade.
Toda essa situação acarreta, a qualquer ser humano, sentimentos
como surpresa, perplexidade, indignação, dor, sofrimento, abalo, vexame,
humilhação, constrangimento e sobretudo impotência, ou seja, danos morais
passíveis de compensação.
Assim, fazendo uso dos critérios referidos no item 2.2.1 desta
sentença para o estabelecimento do quantum indenizatório, os quais me
abstenho de reproduzir, a fim de evitar tautologia, fixo a compensação pelos danos
morais ocasionados pela conduta da ré CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS
DE PORTO ALEGRE no valor de R$ 20.000,00, atualizado monetariamente pelo IGP-
M, desde a data de prolação da sentença, e com a incidência de juros legais de 1%
ao mês, desde a data do ato ilícito, cometido em 28/11/2007, quando, em virtude de
contrato, a CDL passou a fornecer à ZAFFARI BOURBON o serviço denominado
CREDISCORE (fl. 67), já que esse é o único parâmetro constante nos autos para
determinar desde quando a CDL mantém um banco de dados em nome da autora e
realiza prognósticos com base nele, disponibilizando essa pontuação às empresas
solicitantes.

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3.0) DISPOSITIVO.
ISSO POSTO, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS
FORMULADOS por CARLA DE DEUS VIEIRA SILVEIRA, nos autos da Ação movida
contra CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE PORTO ALEGRE e
COMPANHIA ZAFFARI BOURBON, para o fim de:
a) declarar a ilegalidade da abertura, manutenção e utilização do
banco de dados sobre a autora pela demandada CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES
LOJISTAS DE PORTO ALEGRE, nos moldes em que esse registro vem sendo
empregado pelo sistema CREDISCORE, na forma do estipulado na
fundamentação;
b) cominar à ré CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE
PORTO ALEGRE a obrigação de fazer, consistente na disponibilização, à autora, de
todos os dados e informações sobre ela, constantes em seus registros e cadastros,
bem como de explicações claras e precisas acerca dos critérios levados em
consideração pelo programa CREDISCORE para efetuar a pontuação do consumidor
e dos motivos que levaram o sistema a avaliar negativamente a demandante, no
prazo de 10(dez) dias, contados da data em que não couber mais recurso com efeito
suspensivo desta decisão, sob pena de passar a pagar multa a ser oportunamente
fixada em caso de descumprimento;
c) cominar à ré CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS DE
PORTO ALEGRE a obrigação de fazer, consistente na exclusão dos registros e
cadastros mantidos em nome da autora, bem como na proibição de prestar quaisquer
informações desabonatórias a respeito da demandante, tornando, assim, definitiva
a tutela antecipada (fls. 15/16);
d) condenar a ré CDL – CÂMARA DE DIRIGENTES LOJISTAS
DE PORTO ALEGRE ao pagamento da quantia de R$ 20.000,00, a título de
indenização pelos danos morais causados à autora, atualizada monetariamente,
desde a data de prolação da sentença, pelo IGP-M, com a incidência de juros legais
de 1% ao mês, desde a data do ato ilícito, ocorrido em 28/11/2007 (fl. 67), na forma
do estipulado no item 2.2.2 da fundamentação; e
e) condenar a ré COMPANHIA ZAFFARI BOURBON ao
pagamento da quantia de R$ 10.000,00, a título de indenização pelos danos morais

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64-1-001/2010/1382779 001/1.09.0233781-9 (CNJ:.2337811-10.2009.8.21.0001)
causados à autora, atualizada monetariamente, desde a data de prolação da
sentença, pelo IGP-M, com a incidência de juros legais de 1% ao mês, desde a data
do ato ilícito, ocorrido em 21/07/2009 (fl. 12), na forma do estipulado no item 2.2.1
da fundamentação.
Sucumbentes, vão as rés condenadas ao pagamento das custas
processuais e honorários advocatícios devidos em favor do patrono da autora, fixados
estes em 20% sobre o valor total e atualizado da soma da condenação pecuniária,
conforme previsão do art. 20, § 3º, do CPC.
Determino seja oficiado ao órgão do Ministério Público de Defesa
do Consumidor, remetendo-se cópia integral do processo, inclusive da capa e desta
sentença, independentemente de qualquer recurso, para as providências que aquele
Digno Órgão entender como as pertinentes.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Porto Alegre, 28 de abril de 2010.
MAURO CAUM GONÇALVES.
Juiz de Direito – 3ª Vara Cível/1º Juizado – Foro Central.

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