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Revista Eletrônica do Programa

de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero


Edição nº 1, Ano I - Dezembro 09

Ensaio
O não-lugar do Outro:
Hibridismos do Mentoring Digital
Thais Barros*

Resumo
Resumo
A cultura digital contemporânea convida à análise do fenômeno “redes sociais”, entre as quais ganha relevo o mentoring que se

desenvolve por meios e processos audiovisuais. A questão apresentada propõe a reflexão sobre as conectividades virtuais entre

empresas, escolas e organizações. Utilizando mídias digitais essas interfaces podem reduzir assimetrias de informação e criar ex-

pectativas de trabalho e vida. O objetivo é dar contribuição ao pensamento comunicacional, buscando referenciais da Educomu-

nicação, da Iconomia e da Psicanálise.

Palavras-chave
Palavras-chave
Palavras-chave: Mentoring social. Tecnologias da informação e comunicação. Educomunicação. Iconomia. Psicanálise.

Abstract
Abstract
Contemporary digital culture requires analyses of “social networks” such as mentoring programs developed on audiovisual plat-
forms. The aim of this paper is to understand conectivities among enterprises, schools and organizations. We argue that Digital

mediation can reduce information asymmetries and create new work and lifestyle expectations. Our objective is to contribute to

communicational thinking by exploring theoretical references from Educommunication, Iconomics and Psychoanalysis.

Keywords
Keywords
Social mentoring, Information and communication technologies, Educommunication, Iconomics, Psychoanalysis.

* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais, ECAUSP e Pesquisadora do Grupo de Pesquisa
Iconomia, sob orientação de Gilson Schwartz. email: thais.barros@usp.br

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Introdução: esse Outro que é só meu
Alguns termos ganham tanta força na língua inglesa, que se torna praticamente inviável
pensar em traduzi-los para outras línguas. Há inúmeros exemplos: software, hardware, marke-
1 Na psicanálise lacania-
ting, mídia,”deletar”, “scanear”, “xerocar”... na um conceito que trata
da relação do sujeito com
Na área organizacional o fenômeno tem sua notoriedade e conceitos como “mentoring” e o simbólico, a cultura, as
“coaching” são usados com frequência, discutidos a partir de inúmeros referenciais e com cons- leis e a linguagem

tantes aproximações entre ambos. 2 Grupo de pesquisa que


desenha e implementa
A tendência mais recorrente aponta coaching como ação mais direcionada ao aprimora- iniciativas de Emancipa-
ção Digital conectando
mento do desempenho profissional, com foco na tarefa, auxiliando a pessoa a maximizar suas USP e centros de pesqui-
sa, empresas, instituições
potencialidades, se auto desenvolver e tornar-se mais eficaz (Araújo, 1999; Flaberty, 1999; Peltier, públicas e organizações
da sociedade civil. O
2001; Whitmore, 2002), aprendizado que acontece na relação. Já mentoring, definitivamente incor-
projeto é associado ao
porado ao vocabulário empresarial na década de 1990, visa o desenvolvimento do indivíduo como Núcleo de Política e
Gestão Tecnológica (PGT)
um todo, numa perspectiva mais inspiradora, ajudando e facilitando a descoberta das direções que da USP e liderado no
Depto. de Cinema, Rádio
os mentorados (ou mentorees) querem tomar (Bernhoeft, 1994; Merlevede e Bridoux, 2008), proces- e TV pelo Prof. Gilson
Schwartz. http://www.
so que busca, sobretudo, ajudar a crescer profissional e pessoalmente (Bell, 1998; Johnson, 1997). cidade.usp.br
Em ambos - mentoring e coaching - predominam abordagens individuais, de intera-
3 Apresentado na Inter-
ções entre as organizações e os indivíduos, parecendo despropositado falar em mentoring gru- national Conference on
Information Society in
pal, ou mesmo social. Entretanto, é justamente este paradoxo que estimula, e até mesmo exi- the 21st Century: Emer-
ging Technologies and
ge, que se realize o aprofundamento teórico sobre os pressupostos e condições de eficácia des- New Challenges (IS2000),
Session D8 Virtual Uni-
sa prática, a qual aponta na direção de uma nova matriz de comunicação nas organizações. versities and Distance
O pano de fundo para nossa reflexão é o imperativo contemporâneo de associar o Education VI: Multimedia
Contents and Infras-
entendimento, a pesquisa e o desenvolvimento de novas mídias digitais tendo como prin- tructure for Distance
Education , The University
cipal desafio a integração aos fluxos de informação e comunicação de uma perspecti- of Aizu, Japan, November
5-8, 2000 http://www.
va emancipatória, em que a mediação cumpre não apenas “funções” no processo de comu- cddc.vt.edu/knownet/
articles/east-west.doc /
nicação, mas instaura uma alteridade - o Outro1 - fundamental na presença do ser social. http://www.u-aizu.ac.jp/
official/index_e.html

Mentoring como Inspiração pelo Outro 4 Os projetos foram


patrocinados pela
Uma primeira aproximação entre a prática do mentoring e os desafios das novas tecno- Secretaria do Emprego
do Estado de São Paulo
logias de informação e comunicação (TICs) foi o ponto de partida para o design social do grupo e pela Cátedra UNESCO
sobre Mulher, Ciência e
de pesquisa Cidade do Conhecimento2 da USP, em 1999. A agenda foi apresentada (Schwartz e Tecnologia na América
Latina.
Lemos, 2000)3 e as primeiras práticas implementadas em projetos4 como “Meninas Cientistas”
5 Este projeto reuniu
(2001-2002)5 e “Dicionário do Trabalho Vivo” (2002) em que o foco era a experimentação com na mesma rede alunas
o “telementoring” - mobilização do que atualmente se denomina “redes sociais” numa etapa de ensino médio e tra-
balhadoras que atuam
anterior de desenvolvimento da web (a web 1.0) em que profissionais já integrados ao mercado em áreas de pesquisa e
desenvolvimento, ciência
de trabalho interagiam com estudantes do ensino médio para reconhecimento das novas fron- e tecnologia, sob a co-
ordenação da Prof. Dra.
teiras do emprego por meios digitais, abordagem que antecipava o modelo de “Wikipedia”. Regina Festa (ECA-USP).

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Por suas características de transdiciplinaridade e abertura de novas perspectivas de
desenvolvimento pessoal e profissional, a incorporação de ferramentas digitais para mediar
relações interpessoais em processos de aprendizado e desenvolvimento de indivíduos e gru-
pos é uma tendência que apenas se confirmou e ampliou desde esses primeiros experimentos,
tornou-se mesmo irreversível e vai sendo aceita como a principal característica da “web 2.0”.
O termo “mentor” vem da Grécia antiga (séc. VIII a.C),
já num contexto de formação para entrada no mundo adulto.6 6 Na obra Odisséia, de
Homero, Ulisses pede ao amigo

Em uma abordagem menos ortodoxa – o Tao mentoring – busca-se ler o processo atra- Mentor para cuidar do seu filho
Telêmaco e responsabilizar-se
vés da filosofia oriental com o desafio, e o atrativo, de uma experiência transformadora em que por sua instrução e formação,
enquanto estiver ausente.
mentor e mentorado se disponibilizam para uma relação fortemente sustentada na troca, na expe-
rimentação – uma verdadeira “dança” – destacando a fertilidade do espaço vazio, da possibilida-
de, do não pronto, relação não-linear, zen, entre mestres e discípulos. (Chungliang e Lynch, 1995)
Mentoring pode ser entendido como processo educativo, de aprimoramento, proposta
que traz em sua essência uma questão intrigante: a “crença na existência de um saber completo”
(Mrech, 2005: 24) que, fortalecida pelo incremento dos recursos tecnológicos que disponibilizam
inúmeras possibilidades de acesso permanente, intenso, ágil a todo e qualquer tipo de informa-
ção e conhecimento, leva a crer, ao menos ilusoriamente, que tudo se pode saber e aprender, rá-
pida e imediatamente. Paradigma presente tanto no ambiente profissional quanto educacional.
No mundo globalizado, em que regras não são mais únicas e aplicáveis a tudo e todos que-
rer preparar uma pessoa para uma carreira mostra-se inadequado e até mesmo inviável. Não
mais existe um caminho único, mas uma trajetória construída a cada circunstância e para cada
pessoa seja pelo cenário mutante ou pelo sujeito em busca da sua singularidade. (Forbes, 2005)
Talvez como contraponto ou antídoto à globalização pasteurizada da informação abun-
dante o mentoring vai ganhando espaço e relevância como oportunidade de personalização ou
singularização da experiência comunicacional. Mais que interagir midiaticamente com os ou-
tros, esse espaço fluido da comunicação digital parece querer com o mentoring atingir um
status de tempo vital reconstruído pela inspiração provocada no contato com o Outro.

O Fim do Emprego e a Educação pelo Outro


Ao longo da história mudam as relações entre educação e trabalho a depender do cená-
rio político, econômico e sócio-cultural. Na instauração do capitalismo industrial no século 19
o trabalhador - antes inserido no contexto em que a família era o núcleo da economia - com a
implantação das primeiras fábricas se defronta com a ruptura de espaços (moradia / traba-
lho) e com a emergência de uma nova ordem em que a produção - e demanda de maior produ-
tividade - passa a ser orientada por rotinas, organização, controle do tempo. (Sennett, 2008),
O desenvolvimento tecnológico, até aqui lento, se acelera e exige novas abordagens na ges-

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tão da força de trabalho. Nos Estados Unidos, na transição para o século 20, destacam-se estudos e
propostas voltados aos processos de trabalho, com destaque para H. Ford e a “divisão do trabalho
em bases tecnológicas” e F. W. Taylor e a “administração do tempo-movimento” (ibid.: 45). Não só
surge um novo entendimento do papel do trabalhador e sua relação com o capital como as em-
presas passam a desempenhar uma função reguladora das relações econômicas e interpessoais.
O trabalho ganha novo estatuto e inserção no tempo e no espaço (com o fortalecimento do te-
letrabalho e dos modelos de educação a distância). No pós-guerra incrementam-se os estudos e apli-
cações das teorias motivacionais e a preocupação com fatores humanos nas organizações. A partir,
especialmente, da década de 1970 muitas ações voltaram-se para o treinamento buscando a adapta-
ção e qualificação dos empregados. Mas será apenas na década de 1990 que virá uma participação
mais estratégica das áreas chamadas de “recursos humanos”, principalmente em função do grande
aumento da competitividade no mercado e da integração do conhecimento como ativo essencial no
processo de inovação tecnológica que regula a acumulação de capital e a sobrevivência da empresa.
Reich (2002) ressalta as mudanças que aproximam as pessoas de novas oportunidades e pos-
sibilidades de escolhas: uma idéia de independência no sentido de poder escolher o que deseja fa-
zer, mas também a obrigatoriedade de ser produtivo. Essa tendência do trabalho como fator cons-
tituinte de identidade - já presente no século 19 (Lippmann, cit Sennett, 2008) - se fortalece durante
a primeira metade do século 20: ter uma carreira sólida é sinal de status e estabilidade e também,
algo que se acreditava possível de realizar. O novo modelo que se afirma no capitalismo do conhe-
cimento é mais imediatista e mutante - o “capitalismo flexível” (ibid) cria dificuldades para que
as pessoas construam relações mais consistentes e uma trajetória de vida mais linear e integrada.
No século 21, o trabalhador tem mais autonomia e responsabilidade por suas ações - e re-
sultados - mas nos momentos críticos, muitas vezes, é responsabilizado pelo fracasso. (Enriquez,
2006) Este modelo apóia-se nos recursos virtuais que permitem agilidade e mobilidade a custos re-
duzidos, aumentando a competitividade e reorganizando os modos de trabalho e de remuneração.
Essas mudanças nas relações virtualizadas de trabalho impõem alterações análogas nos
processos educacionais. O acesso à educação - agora um diferencial e fator de mobilidade, que
altera o poder de negociação sindical (Reich, 2002) - possibilita a criação e desenvolvimento de
novos projetos, produtos e estratégias que permitam a inserção do trabalhador no mercado.
Esta convergência entre aprendizado e novas tecnologias durante longo perío-
do esteve mais restrita aos programas formais de educação a distância (EaD), cujo ob-
jetivo inicial era proporcionar canais de acesso ao conhecimento institucional às ca-
madas da população menos privilegiadas ou fisicamente isoladas dos grande centros.
As mudanças sócio-culturais ocorridas no século 20, fortemente impactadas pela globaliza-
ção, dão novo sentido a esta dinâmica; são criados canais de comunicação voltados ao fomento de ex-
perimentações que ampliam esta ação, proporcionando desenvolvimento individual e coletivo. Este

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processo se fortalece na passagem para o século 21, em particular na transição da “web 1.0” para a
“web 2.0”; informação deixa de ser o centro das atenções dando lugar aos meios de acesso e produ-
ção de conhecimento e desenvolvimento, com destaque para os recursos audiovisuais, instaurando
uma nova economia e inúmeras conexões entre culturas, saberes e “fazeres.” Nas empresas e nas es-
colas crescem iniciativas voltadas à formação de gestores, aprimoramento profissional, incentivo e
apoio nos momentos de escolha de carreira. As práticas de mentoring se enquadram neste contexto.
Os recursos tecnológicos são incorporados a este processo, ampliando-se também o po-
tencial de pesquisa sobre esse agir, sobretudo nos EUA e Europa7; no Brasil a pesquisa tem 7 Disponível em :<http://
www.tnellen.com/ted/
sido mais pontual e as ações de implementação de tais programas ainda são restritas, faltan- telebook.html>

do modelos e indicadores que propiciem um maior entendimento dos impactos e resultados.

Inteligência Conectiva: Emergência e Limites


As redes digitais, os mundos virtuais e os inúmeros hibridismos da cultura global recolo-
cam sobre nova tela a real responsabilidade do indivíduo, não como alguém que se crê autônomo
e se transforma em “bode expiatório”, mas como alguém que se compromete com seu desejo e usa
a interface para reconhecê-lo no Outro, que não é fixo, mas vive como objeto sem objetividade.
São tempos de fragilidade do vínculo social, o que leva as pessoas a buscarem espaços nos
quais possam ser reconhecidas e acolhidas ou, em contrapartida, fecharem-se em si, nas próprias
necessidades e interesses. (Enriquez, 2006) Há o risco de estar na rede sem lastro nem rastro, iso-
lar-se no oceano informacional sem evoluir como navegador comunicacional, vivenciando pato-
logicamente essa tensão individual-coletivo, eventualmente multiplicando-se digital-esquizofreni-
8 O conceito é desen-
camente em avatares que habitam as chamadas “redes sociais”. Mas também, se configuram novas volvido por Derrick de
Kerckhove, que discute
possibilidades de conexão à inteligência coletiva, com a emergência de uma inteligência conectiva8. e estuda a condição
Observa-se, portanto, um novo desafio de se construir uma sociabilidade onde a ma- psicológica das pessoas
agora sob a ampla
nifestação do “individual” seja validada coletiva e colaborativamente, o que coloca uma ne- e forte influência de
inovações tecnológicas
cessidade de compartilhamento, de conexão e comunicação. Resta saber como, diante dis- (“tecnopsicologia”),
criando um novo modo
so, indivíduos e grupos configuram seus próprios mapas para navegação nas combinações re- de aquisição, e também
de aproximação, de co-
ais e virtuais de espaço, tempo e símbolos, em especial em grupos e organizações virtuais. nhecimento. Vem sendo
Na ordem capitalista, o desenvolvimento das pessoas e o que elas produzem é mediado discutido em diversas
publicações do autor e
pela representação simbólica da riqueza sob a forma de economia monetária assalariada onde o foi apresentado no Ciclo
Era Digital, organizado
conhecimento certificado pelo Estado faz da escola uma instituição essencial para a sustentação pelo centro de pesquisa
ATOPOS da ECA-USP,
de vínculos subordinados à representação formal do valor: o dinheiro é a instituição que preside a realizado em São Paulo
(01/09/09). Após o
mercantilização do conhecimento. evento, o pesquisador
O trabalho assalariado é delimitado e orientado pelo currículo escolar, que se torna uma concedeu uma entrevista
(02/09/09), registara-
condição de profissionalização. A escola se organiza em duas linhas: a educação formal e a criação da no Youtube http://
www.youtube.com/
de cursos profissionalizantes; paralelamente, empresas começam a incorporar atividades de quali- watch?v=btK8dvf-ypY

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ficação contínua para seus empregados. A EaD torna-se mais complexa e sofisticada e estende sua
área de atuação (Litto, 2009).
Amplia-se o ponto de contato entre mentoring (ou tutoria - por vezes usado em ambientes
virtuais de aprendizado) e educação a distância: o interesse em criar condições facilitadoras para o
aprimoramento profissional e a construção de novos conhecimentos de maneira mais criativa, não se
atendo a padrões formais e a restrições de tempo / espaço, facilitando a sinergia entre dinheiro e saber.
Pierre Lévy (1999), notável pela sua profissão de fé numa inteligência coletiva, destaca o
“saber-fluxo”, o saber-transação de conhecimento, as novas tecnologias da inteligência individual
e coletiva. Trata das questões dos novos paradigmas da formação e da educação a partir de novos
modelos de criação de espaços de conhecimento não lineares, o que denomina “aprendizado aber-
to e a distância (AAD)”, refletindo sobre possibilidades de organização entre empresas, universi-
dades, recursos de aprendizado com clara interferência em uma nova economia do conhecimento.
A implementação de iniciativas com esta configuração, em uma primeira leitura, apon-
ta para uma avaliação positiva e estimuladora, uma vez que amplia a criação de novos canais de
acesso à informação e ao conhecimento.
Há que se considerar, contudo, que aí se instala um forte desafio, tanto prático quanto
conceitual: o de se estabelecer analítica e criticamente as estratégias individuais e coletivas de pro-
dução e difusão de saberes conectivos, que não estão armazenados como ativos sólidos neste ou
naquele “lugar”, pois são fluxos que desenham trajetórias instáveis e arriscadas, “não-lugares” de
conexão entre saberes, espaços líquidos (Santaella, 2005), que além do hardware e do software ins-
tauram um knowware:

A ideia de knowware, ou design de sistemas de informação com base em comunidades


habilitadas e habituadas ao compartilhamento e à diversificação de práticas de
aprendizagem, envolve a pesquisa atual sobre a antropologia dessas redes em que o
trabalho, a aprendizagem e inovação co-existem em estado de fluxo. (Schwartz e Lemos,
2000:10)

É uma proposta que considera a necessidade e valorização do investimento na relação social,


no compartilhamento de conhecimentos tácitos, um caminho não-canônico de busca de um contínuo
desenvolvimento de novas interpretações do mundo, o “aprender-fazendo-redes” (ou “netweaving”).

O campo da conexão:
tensões entre hiperindividualismo e a (inter)face do Outro
No mundo contemporâneo o ser humano se vê inserido em ambientes cada vez mais
configurados por complexos e sofisticados recursos tecnológicos. Novas subjetividades esta-
rão emergindo nesses fluxos? Que relações se estabelecem em um mundo no qual a comunica-

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ção interpessoal vai sendo substituída em inúmeras situações por uma comunicação irradiada, à
distância, tecnologicamente intermediada? As respostas não podem ser dadas conclusivamente.
No ciberespaço há o risco do mergulho alienante no imaginário, na ficção, mas
abrem-se possibilidades de outras experimentações para se lidar com a nova ordem social,
que vem se destituindo de regras únicas e de padrões verticalizados, não mais pai-orienta-
do (Miller, 2005). Tempo de novas relações, de avatares que podem levar à alienação ou a des-
cobertas de si que conduzem a uma nova maneira de estabelecer vínculos interpessoais.
A digitalização da realidade é um movimento que se delineia como irreversível e vai sen-
do progressivamente integrado as diversas formas de interação entre pessoas, grupos, sistemas
de educação, empresas, mercado em não-lugares móveis, flexíveis.

Em um novo EspaçoTempo 9 Em abril de 2009,


participamos de uma
A aproximação cada vez mais fortemente estreitada entre educação, trabalho, tecnologia traz experiência realizada em
parceria entre a IBM e a
para a cena os processos de mentoring desenvolvidos por empresas e organizações que adotam pro- Cidade do Conhecimento,
envolvendo a residência
gramas em que funcionários se comprometem a atuar como mentores de jovens com o objetivo, entre de funcionários da
outros, de tornar viáveis ações que permitam reduzir as assimetrias de informação entre os agentes, empresa em ONGs no
Brasil e em outros países.
gerando oportunidades de inserção no mercado de trabalho - o mentoring social9. A utilização das Cf. http://www-03.
ibm.com/press/br/pt/
TICs, incorporando plataformas digitais do tipo “redes sociais” surge como recurso indispensável pressrelease/27286.wss
O primeiro projeto-piloto
para criar espaços de mediação virtual - telementoring - que integram culturas e experiências diversas. na área de mentoring da
IBM no Brasil foi realizado
O potencial e os limites do emprego dessas tecnologias requerem que se considere esta também na Cidade do
nova atmosfera que se estabelece entre as pessoas. A apreensão do espaço e do tempo vai sen- Conhecimento, em 2001,
ano de fundação do gru-
do transformada pela tecnologia: “o longe é aqui, o tempo é abolido”. (Cauquelin 2008: 153) po de pesquisa Cidade do
Conhecimento. Cf. http://
A força dos encontros virtuais em muito se dá por conta de favorecer a projeção e expo- www.cidade.usp.br/
projetos/e-voluntarios/
sição do desejo e por trazer a quase certeza de encontrar um Outro que pode ir sendo moldado, e ainda http://www7.rio.
rj.gov.br/iplanrio/sala/
escolhido, trocado até que, imaginariamente, atenda ao desejo. A idéia ilusória da completude. textos/01.pdf (pag. 66).
É uma realidade híbrida de digital e analógico que demanda do pensamento co- 10 Expressão cunhada
municacional uma perspectiva emancipatória, na qual os direitos e limites da humanida- pelo economista ame-
ricano Michael Kaplan,
de sejam reconhecidos não como desvios ou bloqueios imaginários e sim como ícones cria- conceito pesquisado
e desenvolvido por
dos livremente pela atividade coletiva de simbolização criativa dessa mesma e realidade. Schwartz (2008, O Valor
do Invisível, http://www.
abopbrasil.org.br/arqs/
Iconomia10 Caleidoscópica Documento84.pdf)
11 O autor, de inspiração
As mudanças sociais, econômicas, tecnológicas, ambientais e culturais contemporâneas de- keynesiana, questiona
o formalismo da teoria
mandam de modo permanente e intenso que os indivíduos acompanhem o ritmo frenético de recons- econômica tradicional,
em que o mecanismo do
trução de cenários sem jamais superar as incertezas e a instabilidade. É preciso buscar cada vez mais valor é determinístico e,
informação, que por si só nunca basta, pois a cada novo dado os padrões existentes são alterados, portanto, incompatível
com a incerteza, a inova-
como num caleidoscópio no qual, na visão de Shackle11 (1992) a informação se constrói cognitiva ção e a surpresa.

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e socialmente, através de eventos reais e imaginários que se mesclam e se complementam. Uma


visão na qual a “Economia é apenas uma das cores no espectro das questões constituintes do ser
humano” (tradução nossa - ibid.: 05), ou seja, há que se considerar os fatores tangíveis e intangíveis,
a diversidade das situações e as escolhas das outras pessoas, bem como o conhecimento tácito.
O fenômeno do valor, ou seja, a teoria do valor passa a ancorar-se numa relação dinâmica
entre o real, o simbólico e o imaginário. Para Shackle, dar valor é sinônimo de ter expectativas:
“Valuation is expectation, and expectation is imagination” (ibid.: 8 ).
A informação faz sentido apenas na medida em que somos capazes de compartilhar, integrar,
decodificar, modificar e, no limite, traduzir o novo arranjo ou “montagem” de dados e estímulos sob a
forma de ícones: representações projetadas em suportes de uma identificação singular que dê sentido
à “troca simbólica mediada”, ou seja, a esses processos que Thompson define como “compartilha-
mento de saberes locais e globais proporcionando novas reflexões, outras simbolizações”. (2008: 20)
Instala-se um desafio que o mecanismo de preços do mercado não contempla nem resolve:
enfrentar os paradoxos de uma sociedade que se de um lado amplia o potencial de valorização de
ativos por meio do acesso digital a conhecimento e à representação audiovisual em rede, ao mes-
mo tempo reitera e em muitos casos radicaliza processos de massificação e globalização indiferen-
ciada, que desvalorizam e desarmam o talento individual, a singularidade cultural e a diversida-
de do gozo imaginável, fazendo do ator-rede uma nova máquina neurótica de exploração social.
Espaços de visibilidade são criados e modificados no “aqui - agora” interferindo nas
questões de propriedade da informação e nas relações de poder. Valoriza-se, e exigem-se, pessoas
mais e mais preparadas, informadas, mas ao mesmo tempo são mantidos mecanismos de obstru-
ção ao acesso, à troca e à liberdade.
Instaura-se uma nova maneira de mediar relações interpessoais, movimento que se de-
lineia como irreversível e vai sendo progressivamente integrado às diversas formas de in-
teração entre empresas, mercado e sistemas de educação continuada em não-lugares mó-
veis, flexíveis e líquidos. É uma realidade híbrida de digital e analógico que demanda do pen-
samento comunicacional uma perspectiva emancipatória, na qual os direitos e limites da
humanidade sejam reconhecidos não como desvios ou bloqueios imaginários e sim como íco-
nes criados livremente pela atividade coletiva de simbolização criativa dessa mesma e realidade.

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Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero

SHACKLE, G. L. S.  Epistemics & Economics: A Critique of Economic Doctrines. Transaction


Pub, 1992.

THOMPSON, John B. “A nova visibilidade”. In: MATRIZes, revista do Programa de Pós-Graduação


em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo. Ano 1, n.2 (jan-jun 2008) – São Paulo:
ECA/USP: 2008.

WHITMORE, John. Coaching for Performance. Nicholas Brealey Publishing, 2002.

Comtempo – Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero – Edição nº 1, Ano I - Dezembro 09
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Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero

Expediente
CoMtempo
Revista Eletrônica do Programa de Pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero
São Paulo, v.1, n.1, dez.2009/maio 2010

A revista CoMtempo é uma publicação científica semestral em formato eletrônico do Programa de Pós-graduação em Comuni-
cação Social da Faculdade Cásper Líbero. Lançada em novembro de 2009, tem como principal finalidade divulgar a produção
acadêmica inédita dos mestrandos e recém mestres de todos os Programas de Pós-graduação em Comunicação do Brasil.

Presidente da Fundação Cásper Líbero


Paulo Camarda

Diretora da Faculdade Cásper Líbero


Tereza Cristina Vitali

Vice-Diretor da Faculdade Cásper Líbero


Welington Andrade

Coordenador da Pós-Graduação
Dimas Antônio Künsch

Editor
Walter Teixeira Lima Junior

Comissão Editorial
Ângela Cristina Salgueiro Marques (Faculdade Cásper Líbero) * Carlos Costa (Faculdade Cásper Líbero)
Luis Mauro de Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero) * Maria Goreti Frizzarini (Faculdade Cásper Líbero)
Liráucio Girardi Junior (Faculdade Cásper Líbero) * Walter Teixeira Lima Júnior (Faculdade Cásper Líbero)

Conselho Editorial
Adalton Franciozo Diniz (Faculdade Cásper Líbero) * Ângela Cristina Salgueiro Marques (Faculdade Cásper Líbero)
Carlos Roberto da Costa (Faculdade Cásper Líbero) * Cláudio Novaes Pinto Coelho (Faculdade Cásper Líbero)
Dulcília Schroeder Buitoni (Faculdade Cásper Líbero) * Eliany Salvatierra (Faculdade Cásper Líbero)
José Augusto Dias Júnior (Faculdade Cásper Líbero) * José Eugenio de Oliveira Menezes (Faculdade Cásper Líbero)
Liráucio Girardi Junior (Faculdade Cásper Líbero) * Luis Mauro Sá Martino (Faculdade Cásper Líbero)
Maria Goretti Frizzarini (Faculdade Cásper Líbero) * Maria Ivoneti Ramadan (Faculdade Cásper Líbero)
Pedro Ortiz (Faculdade Cásper Líbero) * Silvio Henrique Viera Barbosa (Faculdade Cásper Líbero)
Sônia Castino (Faculdade Cásper Líbero) * Walter Teixeira Lima Junior (Faculdade Cásper Líbero)

Assistente Editorial
Paulo Lutero * Tel. (11) 3170-5969 | 3170-5841 * comtempo@facasper.com.br

Projeto Gráfico e Logotipo


Danilo Braga * Marcelo Rodrigues

Revisão de textos
Ângela Cristina Salgueiro Marques * Walter Teixeira Lima Junior

Editoração eletrônica
Walter Teixeira Lima Junior

Correspondência
Faculdade Cásper Líbero – Pós-graduação
Av. Paulista, 900 – 5º andar
01310-940 – São Paulo (SP) – Brasil
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