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Resumo
Este artigo refere-se à utilização da madeira no espaço interno e a análise da apreensão deste
material pelo usuário. Foram estudadas e levantadas as propriedades desse material que
propiciam a estimulação sensorial, e realizada a análise de quatro residências contemporâneas.
Após, aplicou-se um questionário na tentativa de validar os conceitos abordados. O trabalho
procura auxiliar o designer de interiores na identificação do conjunto adequado de meios
práticos, estéticos e simbólicos relativos à percepção da madeira na configuração de efeitos
sensoriais desejados para o espaço interno construído.
Abstract
This paper refers to the use of wood in the inner space and analysis of the seizure of this
material by the user. Were studied and raised the properties of the material that provides
sensory stimulation and performed the analysis of four contemporary houses. Afterwards, a
questionnaire was applied in an attempt to validate the covered concepts. The work aims to
help the interior designer in identifying the appropriate range of practical, aesthetic and
symbolic ways for the perception of wood in the desired configuration of sensory effects in the
internal space built.
Introdução
A madeira é vista por muitos profissionais como um dos mais belos e aconchegantes
materiais utilizados na arquitetura de interiores para revestimentos de pisos, paredes e tetos.
Ela provou ser notavelmente imune a mudanças de tendências, sendo abundantemente
utilizada em praticamente todos os períodos da civilização humana e é igualmente encontrada
tanto em residências luxuosas como em modestas construções vernaculares.
Este artigo reporta-se à pesquisa sobre a madeira e suas propriedades que estimulam os
sentidos humanos. Procura examinar como se dá a apreensão do material pelo usuário, quando
utilizada como elemento de revestimento nos ambientes internos. Neste aspecto, busca
classificar as esferas em que se dá a percepção da madeira: a prática, a estética e a simbólica.
Valer-se de um material que possui séculos de história na moradia humana, que é correto
do ponto de vista ambiental, que possui uma gama praticamente infinita de formas, cores,
padrões e texturas e que pode proporcionar sensações agradáveis, conforto e bem-estar ao
usuário, configura-se em objeto essencial e de conhecimento imprescindível a qualquer
profissional de design de interiores.
Metodologia
Para realização deste artigo, fez-se inicialmente um levantamento de características da
madeira e efeitos que ela pode proporcionar ao usuário, a fim de obter dados para análise.
Através do estudo de periódicos e livros que fazem o estudo crítico de obras
arquitetônicas, pretendeu-se reunir as principais características apontadas pelos autores no uso
da madeira como um material capaz de ser funcional, de ampliar o prazer estético e ainda
trazer valores simbólicos para o usuário. Com os Estudos de Caso de quatro obras
arquitetônicas, que estabelecem um contraponto na utilização da madeira no design de
interiores - projetos que apresentam características rústicas ou modernas, naturais ou
cenográficas, entre outras - buscou-se registrar características sensoriais que ajudam a definir
o caráter do ambiente, organizadas na forma de gráficos.
A partir disso, foi realizada uma apresentação para alunos do quarto ano do curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná. Nela, foram abordados os
conceitos desenvolvidos na pesquisa, mostradas as obras analisadas no estudo de caso e
apresentadas amostras de material, com o intuito de verificar eventuais disparidades que se
estabeleçam na percepção tátil e visual da madeira como material de revestimento na
arquitetura de interiores.
Visando dar uma dimensão prática para os dados coletados, um instrumento de pesquisa
na forma de questionário foi desenvolvido, testado e posteriormente aplicado aos estudantes.
Nele foram analisados e interpretados os aspectos perceptivos que podem ser compreendidos,
pretendidos ou proporcionados pelo uso de determinado tipo de madeira.
A composição das peças também pode ressaltar a percepção tátil do conjunto. É possível
compor uma superfície com diferentes espessuras de madeira, criando texturas e sensações
através do jogo de sombras e variações da luz natural ou artificial que pode incidir no local.
A perspectiva também afeta a percepção de um padrão no ambiente interno. Assim, “um
padrão em pequena escala muitas vezes pode ser visto como uma textura fina ou um tom
misto e não como uma composição de elementos individuais de projeto” (CHING, 2006, p.
284).
As madeiras variam de cor de espécie para espécie, de peça para peça. A intensidade da
coloração varia do bege claro ao marrom escuro, quase preto. Existem ainda madeiras
amarelas, avermelhadas e alaranjadas. A cor tende a alterar-se com o passar do tempo,
escurecendo devido à oxidação causada principalmente pela luz. Também pode mudar com o
tipo de acabamento dado à superfície da madeira (GIBBS, 2005).
Além de proporcionar uma infinidade de variações de tons e colorações, texturas e
densidade, ainda pode haver uma grande variedade de formas. As dimensões físicas de
comprimento, largura e profundidade da madeira utilizada determinam qual será a proporção
que o material assumirá no ambiente em que será colocado (WILHIDE, 1997).
Outra importante característica estética que o uso da madeira proporciona ao ambiente
interno é o aspecto cenográfico que o material traz, pela própria riqueza de significados que já
lhe é inerente.
A utilização da madeira na arquitetura de interiores possibilita a esta também uma vasta
gama de significados simbólicos. “A realidade que é representada por um símbolo está
presente no espírito humano pela presença deste símbolo.” (LÖBACH, 2001, p. 64).
A madeira é um material orgânico, caloroso, e sua utilização pode criar ambientes
acolhedores, que refletem o caráter de lar. Um espaço no qual predomina o uso do material
em geral é convidativo à permanência.
É através dos elementos estéticos, como forma, cor e tratamento de superfície, que a
função simbólica se manifesta. Com a aplicação da madeira em seu aspecto rústico ou até
mesmo na sua forma natural, pode-se dar um efeito simbólico ao ambiente que remete aos
valores da vida no campo, da vida de pessoas simples (BELL e RAND, 2006). Mas um
ambiente também pode remeter a valores aristocráticos, de status, de tradição, através da
exploração do caráter de material nobre que a madeira apresenta.
Assim também, peças de madeira podem alterar o caráter de um ambiente. Peças finas e
leves podem passar a sensação de uma obra efêmera, provisória, sujeita às ações do tempo. Já
peças maciças, de grandes dimensões e secções, remetem a uma condição de robustez e de
durabilidade (SEIDEL, 2008, p. 11).
Provavelmente, uma das características simbólicas mais facilmente associada ao uso da
madeira é a tentativa da aproximação do homem e da arquitetura com o ambiente natural,
mimetizando as características que são comuns ao seu universo. Já num contexto urbano, o
seu uso pode ajudar a fazer do espaço interno um contraponto ao caos da metrópole urbana
externa, criando naquele ambiente um simulacro que remete a valores naturais não comuns à
realidade cotidiana.
A percepção da madeira está sujeita a múltiplas associações, pelo simples fato de ela ter
sido fartamente utilizada pelo homem. Cabe ao designer de interiores traçar uma imagem do
estilo de vida dos futuros usuários do local para os quais irá elaborar determinado projeto e
procurar refletir os valores pessoais e sociais e representar o tipo de vida dessas pessoas.
Estudos de caso
A primeira residência analisada foi a Casa Cinza, em São Paulo, projetada pelo arquiteto
Isay Weinfeld em 2003. A orientação da aplicação da madeira nesse ambiente é claramente de
ordem estética, revelando as intenções do arquiteto de criar artifícios cenográficos que
impressionem o usuário, conduzindo-o por uma seqüência específica de experiências táteis,
visuais e espaciais.
Uma característica marcante são as sensações que a textura da madeira proporciona. O
arquiteto utilizou tábuas de madeira de tombamento para revestir o volume da cozinha
(Figuras 1 e 2). A função estética deste volume contribui para a convidativa sensação de
aconchego.
Quanto aos aspectos funcionais, o uso da madeira, auxiliado também pelo fato de não
haver insolação incidente e bastante ventilação natural, ajuda a transformar o ambiente em um
espaço agradável e convidativo à permanência, propiciando o conforto do usuário. O pé-
direito, apesar de bastante elevado, é proporcional à escala do ambiente.
Quanto ao aspecto simbólico, nota-se na construção desse espaço a valorização do
abrigo. A combinação de objetos, formas, volumes e texturas parece remeter ao caráter de
exclusividade.
A função estética parece prevalecer na análise desta residência.
recurso natural existente na região, o que facilitou o transporte de material. A madeira clara
também maximiza a iluminação natural no interior da casa.
Quanto à estética, a evidência dos nós da madeira revela um aspecto heterogêneo e
natural, marcado pelo ciclo de vida dá árvore que originou o material. O conjunto cria uma
interessante textura visual, capaz de transmitir aos ambientes uma sensação de conforto e
aconchego.
A função simbólica é representada pelo diálogo com o ambiente circundante, já que o
material utilizado para erigir a obra é proveniente das mesmas árvores que compõem o seu
entorno. Assim, cria-se a sensação da edificação como elemento pertencente ao local, em
harmonia com o espaço natural. Outra característica simbólica é o aspecto rústico, que remete
aos valores de um estilo de vida mais simples.
Na análise desta residência a função prática parece prevalecer.
O projeto possui uma volumetria complexa, o que dificulta sua legibilidade para o
usuário. Porém o arquiteto revela grande controle de formas e riqueza de elementos,
combinando uma série de componentes da arquitetura moderna com elementos presentes na
arquitetura tradicional.
A função simbólica parece se destacar nesta residência.
Pesquisa de campo
Para investigar a percepção da madeira no espaço interno, analisou-se a percepção visual
e tátil percebida por uma amostra de trinta e seis estudantes de arquitetura. Para tanto, foi
elaborado um instrumento de pesquisa.
Num primeiro momento foram apresentados aos participantes os estudos de casos, por
meio fotográfico. Solicitou-se, ao término da exposição de cada estudo, o preenchimento de
uma matriz de avaliação de diferencial semântico (tabela 1) com o objetivo indicar
características da madeira que possuem maior peso para a determinação do caráter de cada
residência. A matriz trabalha com dicotomias claras, na tentativa de atingir de forma direta a
memória visual de cada respondente, e os descritores foram formulados com base nas
informações levantadas pela pesquisa bibliográfica
01: madeira serrada 02: lixada com selador 03: semi brilho
colocadas duas opções referentes às qualidades táteis que o material possui, duas para a
aparência que ele poderá assumir no espaço interno e outras duas relacionadas com o próprio
caráter que representa (tabela 2).
homogênea. Isto pode indicar que, apesar das peças do material isoladamente serem bastante
distintas, a composição geral é homogênea. Prevaleceu a função prática, com 2,33 pontos,
seguida pela simbólica, com 2,08 e pela estética, com 1,78 de média. A triangulação das
respostas assumiu o valor de 5,5 pontos de estimulação sensorial (Figura 13).
Na quarta residência, destaca-se o caráter natural, totalizando 80,55% das respostas. A
madeira foi percebida no espaço interno como um material quente, de superfície áspera e
rugosa e aparência rústica. A homogeneidade leva pequena vantagem sobre a característica
oposta. A função prática obteve a média de 1,92 pontos. Os participantes apontaram o
predomínio da função estética, com 2,56 pontos. A função simbólica também se destaca (2,39
pontos). O resultado parece indicar que as referências e experiências do usuário facilitam a
identificação naquele material das semelhanças com o ambiente natural. A resultante foi a
melhor média geral, com 6,76 pontos (Figura 14).
Quando sua superfície se apresenta áspera e rugosa, a madeira é também citada como um
material rústico. Entretanto, na amostra 4, a característica “moderno” aparece mais vezes,
assim como “contemporâneo”, provavelmente em virtude de seu acabamento. Esta amostra
também foi descrita mais vezes pelos estudantes como “bela”.
Nas amostras de número 3 e 6, a “artificialidade” citada por mais da metade dos
participantes parece indicar a influência do acabamento do material. Nessas amostras, o
aspecto natural da madeira não foi comentado. Na amostra 3, os descritores de superfície
“lisa” e “brilhante” foram bastante citados. A amostra 6 também é a madeira considerada mais
cenográfica dentre todas as apresentadas.
De acordo com as respostas dadas, a percepção da madeira como um material natural
diminui de acordo com o aumento do acabamento superfícial.
A amostra 6 apresentou o maior número de características negativas, descrita como um
material desagradável, irregular, sujo, feio, cansativo, confuso, esquisito, estranho, falso,
incômodo e pobre.
Na questão 4 (Tabela 3), a amostra 1 novamente desperta a percepção da aparência
rústica e o caráter natural do material, abrangendo quase a totalidade dos participantes. Na
amostra 2, mais de 80% dos respondentes escolheram características que remetem a função
prática. Na amostra 3, os votos ficaram divididos entre as características práticas e a aparência
moderna do material.
Nenhuma característica se sobressaiu nas amostras 4 e 5. Na última amostra, grande
parcela do grupo optou pelo caráter cenográfico do material, reforçando o que já havia sido
apontado pela tabela de descritores sensoriais da madeira.
Em linhas gerais, verificou-se que a percepção tátil das amostras de madeira relaciona-se
à percepção visual dos exemplos arquitetônicos apresentados aos entrevistados. Constatou-se
que a madeira é tida como um material agradável e quente, propriedades que se traduzem no
gosto por este insumo e em sua grande aplicação na história da construção.
Percebeu-se que quanto maior o grau de acabamento dado à sua superfície, maior é a
percepção de artificialidade que ela recebe. Assim, uma mesma espécie de madeira pode
apresentar qualidades distintas, de acordo com o tipo de acabamento das peças.
Considerações Finais
Entende-se que a tarefa do designer de interiores é criar espaços de vivência,
propiciando conforto e harmonia para o ser humano. O designer deve compreender quais são
as necessidades do cliente, seu estilo de vida, costumes e valores, o que demanda que cada
trabalho seja de alguma forma único.
O bom projeto deve atender a preceitos funcionais. Deve também ter anseios estéticos
que contribuam no surgimento das emoções através do que é considerado belo. E são aqueles
que alcançam a dimensão do simbólico que realmente se destacam, propiciando uma
experimentação única.
Dessa forma, examinar a percepção sensorial da madeira no espaço interno mostrou-se
uma experiência tanto útil quanto gratificante. É um material belo por natureza, agradável,
que propicia conforto térmico, acústico, visual, físico e psicológico. O acabamento em
madeira é praticamente atemporal. Se bem empregada, pode ser destinada a uma grande
diversidade de tipologias de projetos e clientes.
É relevante observar que a percepção do espaço é sinestésica e que a análise por meio de
imagens é limitada. Deve-se também registrar que a experimentação tátil do material através
de amostras pequenas não reflete as sensações que seriam vivenciadas no espaço arquitetônico
construído. Porém, considerou-se que o prazer sensorial dialoga sensivelmente com a
memória do usuário, e realizar a pesquisa com um material já assimilado, assim como com
um público com conhecimento prévio sobre o assunto pode ter contribuído para que os
resultados não se afastassem demasiadamente dos obtidos em ambiente real.
Apesar das limitações apontadas, a análise das entrevistas realizadas sob a luz da base
teórica indicou a possibilidade de se ampliar o prazer sensorial através de intenções projetuais
corretas, aumentando a relação afetiva do usuário com o espaço interno.
Referências
BAUER, L.A. Falcão. Materiais de construção: novos materiais para a construção civil
Vol.2. 5. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 2001.
BAXTER, Mike. Projeto de produto: guia prático para o design de novos produtos. 2. ed.
Tradução: Itiro Iida. São Paulo: Edgard Blücher, 1998.
BELL, Victoria Ballard; RAND, Patrick. Materials: for architectural design. London:
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GIBBS, Nick. Guia essencial da madeira: um manual ilustrado de 100 madeiras decorativas
e suas aplicações. Lisboa: LISMA – Edição e Distribuição de Livros Lda, 2005.
LÖBACH, Bernd. Design industrial: bases para a configuração dos produtos industriais.
Tradução: Freddy Van Camp. Rio de Janeiro: Edgar Blücher Ltda, 2001.
WILHIDE, Elizabeth. Floors: a design source book. Londres: Ryland Peters & Small, 1997.