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CIÊNCIA POLÍTICA E
TGE
CADERNO DE CURSO.
1º SEMESTRE DE 2010.
CURSO: Direito
DISCIPLINA: Ciência Política
PERÍODO: 1º
CARGA HORÁRIA SEMESTRAL: 72 h/a
EMENTA:
OBJETIVOS:
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO:
Unidade I: A Constituição da Ciência Política como campo do saber: a questão do poder nas
raízes do pensamento político.
1.Ciência Política: Conceitos básicos.
2. A matriz greco-romana e os principais conceitos da tradição ocidental de reflexão sobre o poder.
3.Maquiavel e a autonomia do político.
4.O pensamento contratualista: soberania e interesse racional.
4.Montesquieu, Rousseau e Hegel: historicidade da política, democracia radical e o Estado
Moderno.
6.A teoria política do marxismo: distinção entre classes sociais e o mistério do Estado.
7. Poder na sua relação com a mudança social.
Unidade II: Sociedade Civil e Sociedade Política.
1. Conceito de sociedade.
2.O fundamento da sociedade: sociedade natural; teoria contratualista do Estado.
3.Relação entre sociedade civil e sociedade política.
Unidade III: Do Estado
1.Estado: necessário ou desnecessário – teorias anarquistas
2.Estado: origem e elementos
3.Formação Histórica do Conceito de Soberania
4.Tipologias de Estado.
5.Formas de Estado.
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RECURCOS DIDÁTICOPEDAGÓGICOS:
Provas escritas e orais específicas, bem como trabalhos sobre o conteúdo programático, ou mesmo
sobre alguma obra clássica analisada, a qual se relacione diretamente com a disciplina. Promoção de
debates e seminários, que estimulem a oratória dos discentes, sobre temas atuais que encontrem
abrigo na disciplina, como forma de estimular o estudo. Exibição de vídeos.
AVALIAÇÃO:
BIBLIOGRAFICA:
Básica:
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 25.ed. São Paulo: Saraiva,
4
2002.
Complementar:
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 10ª ed.,tradução de Sérgio Bath, Brasília:
UnB, 2001.
BOBBIO, Norberto. As teorias das formas de governo.Brasilia:UNB,2001.
LOCKE, John. Dois Tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes. 2001.
WEBER, Max. Ciência e Política:duas vocações. 11.ed. São Paulo: Cultrix. 2002.
WEFFORT, Francisco C. (org.). Os classicos da politica: Maquiavel, Hobbes, Loke, Mostequieu,
Rousseau, o federalismo: volume 1. 13.ed. São Paulo: Ática, 2004.
III) Contratualismo
Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria
pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará o
seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora
no estado de natureza tenha tal direito, a fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à
invasão de terceiros porque, sendo todos reis tanto quanto ele, todos iguais a ele, e na maioria pouco observadores
da equidade e da justiça, a fruição da propriedade que possui nesse estado é muito insegura, muito arriscada. Estas
circunstâncias obrigando-no a abandonar esta condição que, embora livre, está cheia de temores e perigos
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constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outro que estão já unidos,
ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de “propriedade”.
O objetivo grande e principal, portanto, da união dos homens em comunidades, colocando-se eles sob
governo, é a preservação da propriedade. Para este objetivo, muitas condições faltam no estado de natureza.
Primeiro, falta uma lei estabelecida, firmada, conhecida, recebida e aceita mediante consentimento comum, como
padrão do justo e injusto e medida comum para resolver quaisquer controvérsias entre os homens. [...]
Em segundo lugar, no estado de natureza falta um juiz conhecido e indiferente com autoridade para
resolver quaisquer dissensões, de acordo com a lei estabelecida. [...]
Em terceiro lugar, no estado de natureza freqüentemente falta poder que apóie e sustente a sentença
quando justa, dando-lhe a devida execução.
[...]
Assim, os homens, apesar de todos os privilégios do estado de natureza, ao se verem apenas em más
condições enquanto nele permanecem, são rapidamente levados à sociedade. Daí resulta que raramente
encontramos qualquer grupo de homens vivendo dessa maneira. Os inconvenientes a que estão expostos pelo
exercício irregular e incerto do poder que todo homem tem de castigar as transgressões dos outros levam-nos a se
abrigarem sob as leis estabelecidas de governo e nele procurarem a preservação da propriedade. É isso que os leva
a abandonarem de boa vontade o poder isolado que têm de castigar, para que passe a exercê-lo um só individuo,
escolhido para isso entre eles e mediante as regras que a comunidade – ou os que com tal propósito forem por ela
autorizados – concorde em estabelecer. E nisso se contém o direito original dos poderes legislativos e executivo,
bem como dos governos e das sociedades. [...]
[...] E assim sendo, quem tiver o poder legislativo ou o poder supremo de qualquer comunidade obriga-se
a governá-la mediante leis estabelecidas, promulgadas e conhecidas pelo povo – e não por meio de decretos
extemporâneos – e mediante juízes imparciais e corretos, que terão de resolver as controvérsias conforme essas
leis. Obriga-se também a empregar a força da comunidade no seu território somente na execução de tais leis, ou
fora dele para prevenir ou remediar malefícios estrangeiros e garantir a sociedade contra incursões ou invasões. E
tudo isso tendo em vista nenhum outro objetivo senão a paz, a segurança e o bem-estar do povo.
(Do livro: Filosofia. Ed. Ática, São Paulo, ano 2000, pág. 220-223)
O conceito de estado de natureza tem a função de explicar a situação pré-social na qual os indivíduos existem
isoladamente. Duas foram as principais concepções do estado de natureza:
1. A concepção de Hobbes (no século XVII), segundo a qual, em estado de natureza, os indivíduos vivem
isolados e em luta permanente, vigorando a guerra de todos contra todos ou "o homem lobo do homem".
Nesse estado, reina o medo e, principalmente, o grande medo: o da morte violenta. Para se protegerem
uns dos outros, os humanos inventaram as armas e cercaram as terras que ocupavam. Essas duas atitudes
são inúteis, pois sempre haverá alguém mais forte que vencerá o mais fraco e ocupará as terras cercadas.
A vida não tem garantias; a posse não tem reconhecimento e, portanto, não existe; a única lei é a força do
mais forte, que pode tudo quanto tenha força para conquistar e conservar;
2. A concepção de Rousseau (no século XVIII), segundo a qual, em estado de natureza, os indivíduos vivem
isolados pelas florestas, sobrevivendo com o que a Natureza lhes dá, desconhecendo lutas e
comunicando-se pelo gesto, pelo grito e pelo canto, numa língua generosa e benevolente. Esse estado de
felicidade original, no qual os humanos existem sob a forma do bom selvagem inocente, termina quando
alguém cerca um terreno e diz: "É meu". A divisão entre o meu e o teu, isto é, a propriedade privada, dá
origem ao estado de sociedade, que corresponde, agora, ao estado de natureza hobbesiano da guerra de
todos contra todos.
O estado de natureza de Hobbes e o estado de sociedade de Rousseau evidenciam uma percepção do social como
luta entre fracos e fortes, vigorando a lei da selva ou o poder da força. Para fazer cessar esse estado de vida
ameaçador e ameaçado, os humanos decidem passar à sociedade civil, isto é, ao Estado Civil, criando o poder
político e as leis.
A passagem do estado de natureza à sociedade civil se dá por meio de um contrato social, pelo qual os indivíduos
renunciam à liberdade natural e à posse natural de bens, riquezas e armas e concordam em transferir a um terceiro
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– o soberano – o poder para criar e aplicar as leis, tornando-se autoridade política. O contrato social funda a
soberania.
Como é possível o contrato ou o pacto social? Qual sua legitimidade? Os teóricos invocarão o Direito Romano –
"Ninguém pode dar o que não tem e ninguém pode tirar o que não deu" – e a Lei Régia romana – "O poder é
conferido ao soberano pelo povo" – para legitimar a teoria do contrato ou do pacto social.
Parte-se do conceito de direito natural: por natureza, todo indivíduo tem direito á vida, ao que é necessário à
sobrevivência de seu corpo, e à liberdade. Por natureza, todos são livres, ainda que, por natureza, uns sejam mais
forte e outros mais fracos. Um contrato ou um pacto, dizia a teoria jurídica romana, só tem validade se as partes
contratantes foram livres e iguais e se voluntária e livremente derem seu consentimento ao que está sendo
pactuado.
A teoria do direito natural garante essas duas condições para validar o contato social ou o pacto político. Se as
partes contratantes possuem os mesmos direitos naturais e são livres, possuem o direito e o poder para transferir a
liberdade a um terceiro, e se consentem voluntária e livremente nisso, então dão ao soberano algo que possuem,
legitimando o poder da soberania. Assim, por direito natural, os indivíduos formam a vontade livre da sociedade,
voluntariamente fazem um pacto ou contrato e transferem ao soberano o poder para dirigi-los.
Para Hobbes, os homens reunidos numa multidão de indivíduos, pelo pacto, passam a constituir um corpo
político, uma pessoa artificial criada pela ação humana e que se chama Estado. Para Rousseau, os indivíduos
naturais são pessoas morais, que, pelo pacto, criam a vontade geral como corpo moral coletivo ou Estado.
A teoria do direito natural e do contrato evidencia uma inovação de grande importância: o pensamento político já
não fala em comunidade, mas em sociedade. A idéia de comunidade pressupõe um grupo humano uno,
homogêneo, indiviso, que compartilha os mesmos bens, as mesmas crenças e idéias, os mesmos costumes e que
possui um destino comum.
A idéia de sociedade, ao contrário, pressupõe a existência de indivíduos independente e isolados, dotados de
direitos naturais e individuais, que decidem, por uma ato voluntário, tornar-se sócios ou associados para vantagem
recíproca e por interesses recíprocos. A comunidade é a idéia de uma coletividade natural ou divina, a sociedade,
a de uma coletividade voluntária, histórica e humana.
A sociedade civil é o Estado propriamente dito. Trata-se da sociedade vivendo sob o direito civil, isto é, sob as
leis promulgadas e aplicadas pelo soberano. Feito o pacto ou o contrato, os contratantes transferiram o direito
natural ao soberano e com isso o autorizam a transformá-lo em direito civil ou direito positivo, garantindo a vida,
a liberdade e a propriedade privada dos governados. Estes transferiram ao soberano o direito exclusivo ao uso da
força e da violência, da vingança contra os crimes, da regulamentação dos contatos econômicos, isto é, a
instituição jurídica da propriedade privada, e de outros contratos sociais (como, por exemplo, o casamento civil, a
legislação sobre a herança, etc.).
Quem é o soberano? Hobbes e Rousseau diferem na resposta a essa pergunta.
Para Hobbes, o soberano pode ser um rei, um grupo de aristocratas ou uma assembléia democrática. O
fundamental não é o número dos governantes, mas a determinação de quem possui o poder ou a soberania. Esta
pertence de modo absoluto ao Estado, que, por meio das instituições públicas, tem o poder para promulgar e
aplicar as leis, definir e garantir a propriedade privada e exigir obediência incondicional dos governados, desde
que respeite dois direitos naturais intransferíveis: o direito à vida e à paz, pois foi por eles que o soberano foi
criado. O soberano detém a espada e a lei; os governados, a vida e a propriedade dos bens.
Para Rousseau, o soberano é o povo, entendido como vontade geral, pessoa moral, coletiva, livre e corpo político
de cidadãos. Os indivíduos, pelo contrato, criaram-se a si mesmos como povo e é a este que transferem os direitos
naturais para que sejam transformados em direitos civis. Assim sendo, o governante não é o soberano, mas o
representante da soberania popular. Os indivíduos aceitam perder a liberdade civil: aceitam perder a posse natural
para ganhar a individualidade civil, isto é, a cidadania. Enquanto criam a soberania e nela se fazem representar,
são cidadãos. Enquanto se submetem às leis e à autoridade do governante que os representa chamam-se súditos.
São, pois, cidadãos do Estado e súditos das leis.
John Locke e a teoria liberal – No pensamento político de Hobbes e de Rousseau, a propriedade privada não é
um direito natural, mas civil. Em outras palavras, mesmo que no estado de natureza (em Hobbes) e no estado de
sociedade (em Rousseau) os indivíduos se apossem de terras e bens, essa posse é o mesmo que nada, pois não
existem leis para garanti-la. A propriedade privada é, portanto, um efeito do contrato social e um decreto do
soberano. Essa teoria, porém, não era suficiente para a burguesia em ascensão.
De fato, embora o capitalismo estivesse em via de consolidação e o poderio econômico da burguesia fosse
inconteste, o regime político permanecia monárquico e o poderio político e o prestígio social da nobreza também
permaneciam. Para enfrentá-los em igualdade de condições, a burguesia precisava de uma teoria que lhe desse
uma legitimidade tão grande ou maior do que o sangue e a hereditariedade davam à realiza e à nobreza. Essa
teoria será a da propriedade privada como direito natural e sua primeira formulação coerente será feita pelo
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A) Conceito Filosófico: Segundo Hegel, o Estado é uma formação pemanente dialética entre
a família, a sociedade e o Estado. Na verdade, há 3 fases analíticas para a formação estatal:
▪ Tese - Família
▪ Antítese - Sociedade
▪ Síntese – Estado
▪ Idealismo Hegeliano: o Estado existe abstratamente
B) Conceito Sociológico: Segundo Weber, o Estado é a instituição que mopoliza a força na
sociedade.
C) Conceito Jurídico: segundo Georg Jellinek o Estado é uma mera abstração, uma ficção
jurídica. Dimensões Estatais.
- retrospectivas origem
-perspectivas: elementos
-perspectivas: futuro
E transformação do Estado
Texto de trabalho:
O Estado
Livro: Introdução à História do Pensamento Político – Antônio Carlos Wolkmer – página 313
O fenômeno estatal, para Marx, está intimamente ligado com sua filosofia da História. O conjunto das
reflexões marxianas sobre o Estado deve ser compreendido a partir de seu horizonte teórico fundamental, de sua
compreensão da história como um processo concreto, partindo de uma síntese do materialismo de Feuerbach com
a dialética hegeliana, como já referido antes. Nesta perspectiva, o Estado surge, pelo menos o Estado burguês, a
partir de uma compreensão do movimento da história, da luta interna de seus atores, para a criação e a reprodução
das suas condições materiais de existência.
Vários textos, em diversas fases da produção do pensamento marxiano, abordam a questão do Estado e,
tendo em vista os limites deste trabalho, cabe pinçar algumas noções fundamentais, sem atender, em determinados
momentos, a uma ordem diacrônica. Nesse sentido, parece relevante ressaltar que, no Prefácio para Contribuição
Crítica da Economia Política, Marx já espelhava o resultado do seu rompimento filosófico com a tradição
hegeliana, no que tange ao idealismo. No referido prefácio, afirma Marx.
Minha investigação desembocou no seguinte resultado: relações jurídicas, tais como as formas de
Estado, não podem ser compreendidas nem a partir de si mesmas, nem a partir do assim chamado
desenvolvimento geral do espírito humano, mas, pelo contrário, elas se enraízam nas relações materiais de vida,
cuja totalidade foi resumida por Hegel sob o nome de “sociedade civil”, seguindo os ingleses e os franceses do
século XVIII.
Ainda no prefácio da crítica da economia política, há uma passagem decisiva, na qual Marx resume
aquilo que denominara como o “fio condutor” dos seus estudos político-econômicos:
(...) na produção social de sua vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e
independente de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de
desenvolvimento das forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura
econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e a qual
correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o
processo geral da vida social, política e espiritual.
Os excertos acima transcritos dão, em linhas gerais, a arquitetura geral do “Modo de Produção”, categoria
fundamental do arcabouço teórico marxiano, além de inserir o Estado no campo da “superestrutura”, arrima-se nas
condições materiais de existência de uma dada sociedade. Importante notar que os valores “paz”, “segurança” e
“propriedade”, até então concebidos como valores universais inatos a serem protegidos pelo Estado, passam a ser
encarados num processo histórico de lutas e contradições. Para Marx, o estabelecimento dessas condições reais de
produção, nas quais se erigira a “superestrutura”, parte de uma tensão fundamental entre os homens: a luta de
classes.
A noção de exploração do homem pelo próprio homem, expressa pela luta de classes, também está na
base da concepção materialista dialética de história. Esse é um ponto importante, na medida em que os
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contratualistas do século XVIII representavam, a partir do que se concebeu como estado de natureza, um
momento primeiro de tensão e insegurança na história humana. Para eles, o surgimento do Estado era o que
viabilizava a convivência e a paz de todos. Ou seja, o Estado, como instituição política, surgiria como superação
ou apaziguamento das tensões inerentes ao convívio humano do estado de natureza, no qual reinaria a liberdade
absoluta. Marx, de outro modo, pensava num momento de convívio comunal inicial, de produção e repartição
comum dos bens, cujo rompimento se daria justamente a partir da acumulação privada, por parte de um dado
segmento social.
De alguma forma, parece ser possível asseverar que Marx, ao analisar a origem e desenvolvimento do
Estado, inverte a lógica até então propalada acerca da superação do estado de natureza rumo a construção da
sociedade política. Dito de outra forma: antes do Estado, haveria uma situação comunal, livre e solidária. Nesse
sentido, pode-se afirmar que o Estado surge, na visão marxiana para quebrar essa situação de equilíbrio do
comunismo primitivo, em favor da manutenção da concentração de bens por parte de alguns. Essa imagem do
passado, de um comunismo primitivo, abala, como infere Löwy, a representação burguesa do estado de natureza,
bem como a idéia de que a propriedade privada ou o mercado seriam elementos decorrentes da natureza humana.
Ainda sobre a questão da origem do Estado, cabe destacar a célebre passagem da obra Origem do Estado,
da família e da propriedade privada, na qual Engels, partindo do estudo do etnólogo Morgan, sintetiza a função do
Estado:
Estado não é pois, de modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é
a “realização da idéia moral”, nem a “imagem e a realidade da razão”, como afirma Hegel. É antes um produto
da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que não consegue
conjurar (...). Este poder nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado.
Marx comunga com Engels a idéia de que o Estado, como manifestação social, não é uma realidade
imanente à razão. Do ponto de vista da crítica direta, a organização política a que Marx e Engels se referem, ao
longo de suas vidas, é o Estado Burguês surge sob o falso corolário de proteção do bem comum, como estrutura
de manutenção dos antagonismos de classe, da exploração manifestada pela ambivalência entre a capital e
trabalho, alienação e exploração. Desta forma, o Estado moderno, no Manifesto Comunista, é simbolicamente
retratado como “um comitê que administra os negócios comuns da classe burguesa como um todo”.
Tem-se, pois, no que diz respeito ao conceito marxiano de Estado, uma radical crítica às doutrinas que
estabeleciam uma matriz contratualista-liberal de Estado, no século XVIII. De outra forma, vê-se, também, uma
crítica à perspectiva hegeliana, que concebe o Estado como um fundamento moral, expressão de uma
racionalidade imanente do espírito absoluto de um povo.
Aula 3: Elementos do Estado
IX) Elementos do Estado
A) Povo: é o elemento humano, são as pessoas que formam a sociedade de um Estado. Em regra,
possuem uma certa uniformidade étnica, que se exarceba com o confronto com outra etnia.
B) Território: É o elemento territorial geográfico, espacial, que vincula o Estado a uma área
específica que se deseja conservar e expandir.
C) Cultura: é uma reunião de fatores, alguns prepoderantes e outros menos. Forma um passado
histórico comum daquele Estado. São subdivisões do elemento cultural a língua ou dialetos, a
religião e as festas rituais. Estes elementos formam o espírito do Estado. Comumente, qualifica-se
de “nação” o termo que une o povo com uma cultura específica. Segundo o abade Emmanuel
Sieyes, seria a nação um ente abstrato que transcende o indivíduo, forma o Direito e pertence a
diversas gerações diferentes ao longo do tempo.
D)Finalidade: É a aspiração de um Estado, que advém de um sentimento de pertencimento à
comunidade e de comunhão de um projeto de futuro.
Obs. Povo x População – observe a diferença: povo é o elemento do Direito e da Ciência Política e
população é o elemento da geografia e da demografia.
Soberania
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A soberania estatal é o poder supremo e absoluto que marca o Estado em comparação com
todos os demais poderes sociais ou instituições organizadas da sociedade. É um poder permanente,
uno e indivisível, que pode ser exercido por diferentes instituições dependendo do desenho que
possui o aparato estatal. A Doutrina da Sabedoria foi desenvolvida pelo francês Jean Bodin, no
século XVII, como um meio de se caracterizar o Estado com o fim do feudalismo e a necessidade
de consolidação/unificação dos países sob uma única proteção estatal.
A) Teorias Teocráticas (Governo de Deus): Fundamentam a titulariedade da soberania na
relação do poder secular com o poder temporal.
Subdivide-se em 3:
- Teoria do poder divino: a soberania pertence a um soberano que é uma divindade.
- Teoria da Investidura Divina: a soberania carece de aprovação divina para se legitimar.
Ex. Doutrina do Direito Divino dos Reis
- Teoria da Investidura Civil com aprovação divina: existe uma mera aprovação geral dos
Estados voltados à concretização do “bem comum”.
B) Teoria Democrática
- Teoria da soberania nacional, desenvolvida por Sieyes (cf. com definição de nação)
− Teoria da Soberania Popular (cf. com Rousseau)
Texto de trabalho:
Soberania e superação do Estado Constitucional moderno
Paulo Márcio da Cruz – .www.jusnavigandi.com.br
"Soberania é o conceito, ao mesmo tempo político e jurídico, em que confluem todos os problemas e contradições
da teoria positivista do Direito e do Estado Constitucional Moderno" Luigi Ferrajoli (1999, p. 125).
O conceito de Soberania, historicamente, esteve vinculado à racionalização jurídica do Poder, no sentido de
transformação da capacidade de coerção em Poder legítimo. Ou seja, na transformação do Poder de Fato em Poder
de Direito, configurando um dos pilares teóricos do Estado Constitucional Moderno.
Bobbio (1994, p. 1179) indica que o conceito de Soberania pode ser concebido de maneira ampla ou de maneira
estrita. Em sentido lato, indica o Poder de mando de última instância, numa Sociedade política e,
conseqüentemente, a diferença entre esta e as demais organizações humanas, nas quais não se encontra este Poder
Supremo. Este conceito está, assim, intimamente ligado ao Poder político. Já em sentido estrito, na sua
significação moderna, o termo Soberania aparece, no final do Século XVI, junto com o Estado Absoluto, para
caracterizar, de forma plena, o Poder estatal, sujeito único e exclusivo da política.
Com a superação do Estado Absoluto e o conseqüente surgimento do Estado Constitucional Moderno, a
Soberania foi transferida da pessoa do soberano para a Nação, seguindo a concepção racional e liberal defendida
por pensadores como Emanuel Joseph Sieyès, expressa em sua obra A Constituinte Burguesa e sistematizada por
meio de sua teoria do Poder Constituinte.
Sieyès (1986, p. 113) estabeleceu a doutrina da Soberania da Nação, dizendo que "em toda Nação livre – e toda
Nação deve ser livre – só há uma forma de acabar com as diferenças que se produzem com respeito à
Constituição. Não é aos notáveis que se deve recorrer, é à própria Nação" Foi com essa posição que Sieyès
concebeu, racionalmente, o princípio da Soberania da Nação como instrumento de legitimação para a instituição
do Estado Constitucional Moderno.
Assim, a proclamação da Soberania como independência ante qualquer poder externo tornou-se uma
manifestação característica e essencial do Estado Constitucional Moderno desde seu início. A consolidação do
princípio democrático supôs a reafirmação da Soberania com relação ao exterior, passando a ser proibida qualquer
interferência nas decisões internas da comunidade, adotadas livremente por esta. Em muitos casos, como nos
movimentos pela independência colonial, estavam unidas aspirações pelo estabelecimento do sistema democrático
e a consecução da independência nacional.
A Soberania Nacional, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, passou a debater-se para conciliar-se com
um fato inegável: que as comunidades políticas – os Estados – passaram a fazer parte de uma sociedade
internacional, regida por normas próprias. O Estado Constitucional Moderno Soberano encontrou-se,
forçosamente, vinculado a obrigações externas, obrigações estas que tiveram origens muito diversas. Podem ter
sido resultado de tratados bilaterais, de convenções multilaterais ou podem ter sido resultado da existência,
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reconhecida e consolidada, de uma prática costumeira no âmbito internacional (CRUZ, 2001, p. 247).
Hodiernamente, o descumprimento de obrigações internacionais pode acarretar sanções importantes por parte
dos outros Estados, normalmente representados por um organismo específico. Progressivamente, o
ordenamento internacional passou a dispor de mais armas, jurídicas e econômicas, destinadas a assegurar o
cumprimento dessas sanções, sempre numa perspectiva de conflito.
A existência de uma Sociedade internacional e, conseqüentemente, de obrigações vinculantes para o Estado
Constitucional Moderno, não é incompatível, em princípio, com a Soberania deste. Tal compatibilidade é
resultado do princípio de que os compromissos internacionais do Estado derivam do consentimento deste mesmo
Estado.
Hans Kelsen (1969, p. 421), referindo-se à vinculação do Estado Constitucional Moderno por meio de tratados,
escreveu que "em regra geral, pode-se dizer que o tratado não prejudica a soberania, já que, definitivamente, esta
limitação se baseia na própria vontade do Estado limitado; mais ainda: em virtude desta limitação, fica assegurada
a soberania estatal". Conforme essa construção histórica, o Estado Constitucional Moderno assume
voluntariamente suas obrigações internacionais, ficando, dessa forma, submetido ao Direito Internacional por sua
própria vontade soberana.
Como reflexo desta concepção, as Constituições passaram a prever que o Estado Constitucional Moderno
"soberano" poderia assumir voluntariamente obrigações internacionais. Dessa forma, ficaria ressalvada a doutrina
da Soberania. Acrescente-se que essas obrigações dependeriam, pelo menos as mais importantes, da aprovação
dos respectivos parlamentos representantes do povo. Mesmo que seja o Poder Executivo o encarregado de gerir as
relações internacionais, passou a ser exigido que os tratados fossem aprovados pelos parlamentos.
Até pouco tempo, essa construção teórica bastava para a discussão sobre a inserção do Estado do âmbito
internacional, porém sabe-se que a realidade atual não corresponde a ela. Com a crescente inter-relação e
interdependência entre Estados e a consolidação de princípios norteadores do comportamento entre eles foi sendo
provocada, de maneira evidente, a consolidação de uma ordem jurídica internacional, cuja força vinculante é
difícil de explicar em virtude da "aceitação" de cada Estado.
Antônio Celso Alves Pereira (2004, p. 631), no mesmo sentido, comenta que a Sociedade internacional, em seu
atual estágio, por um lado definido pela interação cultural decorrente das facilidades de comunicação e transportes
e, por outro, explicado pela globalização interdependente em vigor no planeta, não pode mais considerar o
conceito de Soberania absoluta.
Soberania e Globalização
A mundialização atua restritivamente sobre as "senhas" da Soberania. Um enfoque geral pode não ser
suficiente, na medida em que possa marginalizar uma parte muito importante dos dados. Efetivamente, ainda que
seja característico do atual processo de superação do Estado Constitucional Moderno, a cessão (ou
desaparecimento) de algumas de suas funções tradicionais, seja a favor de órgãos supranacionais, seja em favor
dos poderes privados, existe uma área na qual o processo parece haver se invertido. Trata-se dos controles de
fronteiras e, em geral, dos processos migratórios.
Em todo caso, não parece existir teoria capaz de integrar adequadamente o processo de liquefação do Estado
Constitucional Moderno como resultado da mundialização e o simultâneo reforço dos controles de imigração.
Sem dúvidas, até agora as teorias sobre a mundialização ignoraram esses fatos e ativeram-se, principalmente, à
crise da Soberania Moderna (DEL CABO, 2000, p.20). Opera-se aqui a discussão da terceira hipótese de pesquisa
nesse artigo.
As piores conseqüências nesse sentido, como observa Michel Albert (1993, p. 292) e como tem sido ao longo
da história do Estado do Estado Constitucional Moderno, estão se manifestando em países pobres ou em
desenvolvimento. Como diz Albert, atualmente estão os ricos ainda mais ricos e pobres cada vez mais lisos (sem
recursos), iletrados e excluídos.
Dessa maneira, o Estado Constitucional Moderno acaba subordinado a um tipo de constitucionalismo mercantil
global, não dirigido a controlar os poderes, mas sim a liberá-los, elevando a uma série de interesses corporativos
as normas do ordenamento jurídico internacional. A dependência das sociedades nacionais às empresas e
financeiras transnacionais é de tal ordem, que qualquer pronunciamento de agências privadas internacionais de
avaliação de crédito e risco acabam provocando instabilidade política, provocando crises monetárias, enfim,
criando dificuldades de toda ordem para o Estado Constitucional Moderno (PEREIRA, 2004, p. 631).
Esse fenômeno, por sua vez, se traduz numa degradação do Direito do Estado Constitucional Moderno, que tem
que co-existir com um Direito, não oficial, ditado por múltiplos centros criadores de normas jurídicas. Estes
centros, por seu poder econômico, acabam transformando seus interesses em normas jurídicas, disputando com o
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abandonar sua Soberania e nem consentir que fosse restringida (MARITAIN, 1983. p. 216). Enquanto o corpo
político, que não é soberano, mas tem direito à plena autonomia, pode livremente abandonar esse direito – à
autonomia – se reconhece que já não é uma Sociedade perfeita e decide entrar numa Sociedade mais vasta,
verdadeiramente dotada dos pressupostos de uma Sociedade justa, transnacional, pautada por solidariedade e
cooperação.
O futuro do Estado Constitucional Moderno é certamente voltado ao seu esgotamento Deve-se ter em conta que
os atuais estados constitucionais modernos constituíram, em seu momento, uma resposta institucional necessária
diante de novas formas de organização social surgidas depois da Idade Média. Está-se numa situação semelhante,
atualmente. Tudo dependerá da capacidade para teorizar outro tipo de Estado, fora dos paradigmas teóricos do
Estado Constitucional Moderno.
Resta saber quem serão os substitutos de Descartes, Bodin, Hobbes, Rousseau, Adam Smith, Mill, Locke,
Constant, Kant e Sieyès, para citar apenas alguns dos "construtores teóricos" daquilo que seria uma inevitabilidade
histórica, como afirmou Francis Fukuyama [05].
O poder, isto é, a possibilidade de encontrar obediência a uma ordem determinada, pode assentar em
diferentes motivos de acatamento: pode ser condicionado apenas pela situação de interesses, portanto, por
considerações teleológico-racionais das vantagens e desvantagens por parte de quem obedece. Ou, além disso,
mediante o simples “costume”, pela habituação monótona à ação tornada familiar; ou pode ser justificado pela
tendência puramente afetiva, simplesmente pessoal do governado. Um poder que se baseasse apenas em
semelhantes fundamentos seria relativamente lábil. Nos governantes e nos governados, o poder costuma antes
assentar internamente em razões jurídicas, razões da “sua legitimidade”, e o abalo desta fé legitimadora costuma
ter consequências de vasto alcance.
Nas “razões de legitimidade” do poder há, numa forma de todo pura, apenas três, das quais – no tipo puro
– cada uma está ligada a uma estrutura sociológica radicalmente diversa do corpo administrativo e dos meios da
administração.
Poder legal
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I. O poder legal em virtude de estatuto. O tipo mais puro é o poder burocrático. A idéia fundamental é
que, através de um estatuto arbitrário formalmente correto, se podia criar qualquer direito e alterar [opcionalmente
o existente]. A associação de poder é ou escolhida ou imposta; ela própria e todas as suas partes são empresas.
Uma empresa (parcial) heterônoma e heterocéfala devem ter o nome de autoridades. O corpo administrativo
consiste em funcionários nomeados pelo senhor, os súbditos são membros da associação (“cidadãos”,
“camaradas”).
Não se obedece à pessoa, em virtude do seu direito próprio, mas da regra estatutária que determina a
quem e enquanto se lhe deve obedecer. Quem ordena obedece também, ao promulgar uma ordem, a uma regra: à
lei ou ao “regulamento”, a uma norma formalmente abstrata.
O tipo daquele que ordena é o “superior”, cujo direito governativo é legitimado pela regra estatutária,
dentro de uma “competência” objetiva, cuja limitação se funda na especialização segundo a teleologia objetiva e
segundo as pretensões profissionais de desempenho do ofício.
O tipo do funcionário é o funcionário especializado instruído, cuja situação de serviço assenta no
contrato, com salário fixo, gradual de acordo com a categoria do ofício, não segundo a medida do trabalho, e com
o direito a reforma segundo regras fixas da promoção. A sua administração é trabalho profissional em virtude da
obrigação oficial objetiva; o seu ideal é ordenar, “sine ira et studio”, sem qualquer influência de motivos pessoais
ou interferências emocionais, sem arbítrio e imprevisibilidade, sobretudo “sem acepção da pessoa”, de um modo
rigorosamente formalista, segundo regras racionais e – onde estas falham – segundo pontos de vista de
praticabilidade “objetivos”. A obrigação de obedecer é gradual numa hierarquia de ofícios com a submissão dos
inferiores aos superiores e com processos de recurso regulamentados.
1. No tipo do poder “legal” inclui-se, naturalmente, não só a estrutura moderna do Estado e da comunidade, mas
também a relação de domínio na empresa capitalista privada, numa associação de fins ou união de qualquer
espécie, que dispõe de um numeroso corpo administrativo e hierarquicamente articulado. As modernas
associações políticas são apenas os representantes mais proeminentes do tipo. O poder na empresa capitalista
privada é, sem dúvida, parcialmente heterônomo: o ordenamento é, em parte, estatalmente prescrito - e, em
relação ao corpo coercivo, inteiramente heterocéfalo: o corpo judicial estatal e o corpo policial cumprem
(normalmente) estas funções – mas são autocéfalos na sua organização administrativa cada vez mais burocrática.
Que a entrada na associação de poder se siga formalmente de um modo livre em nada altera o caráter do
poder, pois a notificação é também formalmente “livre”, e isto sujeita normalmente os governados às normas
empresariais, devido às condições do mercado de trabalho; a afinidade sociológica do caráter do poder com o
moderno poder estatal tornará ainda mais saliente a discussão dos fundamentos econômicos da dominação. A
validade do “contrato” como base inscreve a empresa capitalista num tipo proeminente da relação de poder
“legal”.
Mas nenhum poder é só burocrático, isto é, gerido apenas mediante funcionários contratualmente
recrutados e nomeados. Tal não é possível. As cúpulas mais altas das associações políticas são ou “monarcas”
(governantes carismáticos por herança, cf. adiante) ou “presidentes” eleitos pelo povo (portanto, senhores
carismáticos plebiscitários, cf. adiante) ou eleitos por uma corporação parlamentar, onde, em seguida, os seus
membros ou, melhor, os líderes, mais carismáticos ou mais notáveis (cf. adiante), dos seus partidos
predominantes, são os senhores efetivos. Também quase em nenhum lado é, de fato, o corpo administrativo
puramente burocrático, mas nas mais variadas formas, em parte os notáveis, em parte os representantes de
interesses costumam participar na administração (sobretudo, na chamada auto-administração).
Decisivo é, porém, que o trabalho contínuo assente de modo preponderante e crescente nas forças
burocráticas. Toda a história da evolução do Estado moderno se identifica, em especial, com a história do
funcionalismo moderno e da empresa burocrática (cf. adiante), tal como toda a evolução do moderno capitalismo
avançado se identifica com a crescente burocratização da empresa econômica. A participação das formas
burocráticas do governo aumenta em toda a parte.
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O funcionalismo por turnos, por sorte e por escolha, a administração parlamentar e por comissões e todas
as espécies de corpos colegiais de governo e administração aqui se inscrevem, na suposição de que a sua
competência se baseia em regras estatutárias e o exercício do direito governativo corresponde ao tipo da
administração legal. Na época da emergência do Estado moderno, as corporações colegiais contribuíram de modo
muito essencial para o desenvolvimento da forma legal de poder, e a elas deve o seu aparecimento, sobretudo o
conceito de “autoridade”. Por outro lado, o funcionalismo por eleição desempenha um grande papel na pré-
história da moderna administração por funcionários (e também hoje nas democracias).
Poder tradicional
II. Poder tradicional, em virtude da fé na santidade dos ordenamentos e dos poderes senhoriais desde sempre
presentes. O tipo mais puro é a dominação patriarcal. A associação de poder é a agremiação, o tipo de quem
manda é o “senhor”, o corpo administrativo são “servidores”, os que obedecem são os “súbditos”. Obedece-se à
pessoa por força da sua dignidade própria, santificada pela tradição: por piedade. O conteúdo das ordens é
vinculado pela tradição, cuja violação inconsiderada por parte do senhor poria em perigo a legitimidade do seu
próprio poder, que assenta apenas na sua santidade. Criar um novo direito em face das normas tradicionais surge,
em princípio, como impossível. Na realidade, tem ele lugar mediante o “conhecimento” de uma proposição como
“valendo desde sempre” (através da “profecia”). Pelo contrário, fora das normas de tradição, a vontade do senhor
está vinculada apenas por limites que o sentimento de equidade traça no caso singular, portanto, de modo
extremamente elástico: o seu poder divide-se, pois, numa região estritamente cimentada pela tradição e noutra da
livre graça e arbítrio, em que ele governa segundo o agrado, a afeição, a aversão, e, sobretudo também mediante
favores pessoais a pontos de vista influentes. Mas na medida em que à administração e à arbitragem de conflitos
estão subjacentes princípios, são eles os da sensatez ética material, da justiça ou da praticabilidade utilitarista, não
os de natureza formal, como no poder legal. De igual modo procede ao seu corpo administrativo. Consiste este em
dependentes pessoais (elementos ou funcionários domésticos) ou em parentes ou amigos pessoais (favoritos) ou
naqueles que estão obrigados pelo vínculo pessoal de fidelidade (vassalos príncipes tributários). É inexistente o
conceito burocrático da “competência” enquanto esfera de responsabilidade objetivamente delimitada. O âmbito
do “legítimo” poder de mando dos servidores individuais rege-se segundo o bel-prazer singular do senhor, ao qual
eles estão de todo sujeitos relativamente à sua aplicação nos papéis mais importantes ou de categoria mais
elevada. Na realidade, rege-se em grande parte por aquilo que os domésticos se podem permitir em face da
obediência dos súbditos. Não é a obrigação nem a disciplina oficiais efetivas que regulam as relações do corpo
administrativo, mas a fidelidade pessoal dos servidores. Entretanto, há que atender, no tipo da sua posição, a duas
formas caracteristicamente diferentes:
1. A estrutura puramente patriarcal da administração: os servidores estão na total dependência pessoal do senhor,
ou são recrutados de modo puramente patrimonial – escravos, servos, eunucos – ou extra patrimonial a partir de
estratos não de todo desprovidos de direitos: favoritos, plebeus. A sua administração é inteiramente heterônoma e
heterocéfala; no seu ofício, não há nenhum direito próprio dos que administram, mas também não qualquer
seleção especializada e nenhuma honram do funcionário em virtude da sua condição social; os meios
administrativos objetivos são inteiramente controlados para o senhor na sua própria gestão. Na dependência plena
do corpo administrativo em relação ao senhor falta toda a garantia contra o arbítrio senhorial, cuja extensão
possível é, aqui, máxima. O tipo mais puro é o poder sultânico. Todos os verdadeiros regimes “despóticos” têm
este caráter, no qual o domínio é tratado como um vulgar direito de propriedade do senhor.
2. A estrutura segundo ordens [estamentos]: os servidores não são servidores pessoais do senhor, mas pessoas
independentes, de valor e proeminência social em virtude da sua própria posição; são agraciados (realmente ou
segundo uma ficção de legitimidade) com o seu ofício por privilégio ou concessão do senhor, ou têm mediante
uma transação legal (compra, penhor, renda) um direito seu, não arbitrariamente dirimível, ao cargo por eles
apropriado [adquirido], a sua administração é correlativa, embora limitada, autocéfala e autônoma, os meios
objetivos de administração encontram-se sob o seu controlo, não do senhor: domínio de ordens. – A concorrência
dos detentores do cargo em torno da esfera do poder dos seus ofícios (e das suas receitas) condiciona, em seguida,
a delimitação recíproca, quanto ao conteúdo, das suas esferas administrativas e está no lugar da “competência”. A
articulação hierárquica é, muitíssimas vezes, furada pelo privilégio (de non evocando, non apellando). Falta a
categoria da “disciplina”. A tradição, o privilégio, as relações feudais ou patrimoniais de fidelidade, a honra ligada
à ordem e a “boa vontade” regem as relações globais.
O poder dos senhores está, portanto, dividido entre o senhor e o corpo administrativo por apropriação e
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privilégio, e esta divisão do poder por ordens estereotipa em grau elevado a natureza da administração. O domínio
patriarcal (do pai-de-famílias, do chefe de clã, do “pai do povo”) é apenas o tipo mais puro do poder tradicional.
Todo o tipo de “governo” que reclama com êxito uma autoridade legítima, unicamente em virtude do costume
implantado, pertence à mesma categoria e só não apresenta um cunho tão claro. A piedade instilada pela educação
e pelo costume na relação da criança ao chefe de família é o mais típico contraste, por um lado, com a situação de
um trabalhador contratualmente assalariado numa empresa, por outro, com a relação emocional de fé de um
membro da comunidade a um profeta. E a associação doméstica é também, de fato, uma célula nuclear das
relações tradicionais de poder. Os “funcionários” típicos do Estado patrimonial e feudal são funcionários
domésticos com tarefas ligadas apenas à manutenção da casa (mordomo-mor, camareiro, marechal, copeiro,
senescal, regente).
A coexistência das esferas fortemente ligadas pela tradição e das esferas livres da ação é comum a todas
as formas tradicionais de poder. No seio destas esferas livres, a ação do senhor, ou do seu corpo administrativo,
deve ser comprada ou alcançada através de relações pessoais. (O sistema de taxas tem aqui uma das suas origens.)
A ausência decisivamente importante do direito formal e, em vez dele, o domínio de princípios materiais na
administração e na arbitragem dos litígios é, de igual modo, comum a todas as formas tradicionais de poder e tem,
em especial, consequências de longo alcance para a relação com a economia.
O patriarca, tal como o soberano patrimonial, governa e decide segundo os princípios da “justiça do
cádi”: por um lado, ligada fortemente à tradição, mas na medida em que esta vinculação permite uma liberdade,
segundo pontos de vista informais e irracionais de equidade e de justiça do caso singular, e decerto também “em
consideração da pessoa”. Todas as codificações e leis do soberano patrimonial respiram o espírito do chamado
“Estado de benefícios”: uma combinação de princípios ético-sociais e de princípios utilitarístico-sociais domina e
imbui toda robustez formal do direito.
A separação entre a estrutura patriarcal e a estrutura por ordens de poder tradicional é fundamental para
toda a sociologia do Estado da época pré-burocrática. (No seu âmbito total, o contraste só se torna compreensível
em conexão com a sua ulterior vertente econômica, ainda a discutir: separação do corpo administrativo dos meios
materiais de administração ou apropriação dos meios objetivos de administração pelo corpo administrativo.) A
questão plena de se e que “ordens” houve como portador dos bens culturais ideais está assim, em primeira linha,
historicamente condicionado. A administração por meio de dependentes patrimoniais (escravos, servos), como se
encontra no Próximo Oriente e no Egito até ao tempo dos Mamelucos, é o tipo mais extremo e, aparentemente
(nem sempre de fato), o mais consequente do domínio puramente patriarcal, sem quaisquer ordens. A
administração por meio de plebeus livres encontra-se relativamente perto do funcionalismo racional. A
administração por letrados pode, quanto ao seu cunho, ter um caráter muito diferente (contraste típico: os
brâmanes frente aos mandarins e, por seu turno, ambas as frente aos clérigos budistas e cristãos). Mas aproxima-se
sempre mais do tipo de ordens [estamentos]. Este é representado, com toda a clareza, pela administração
aristocrata, na forma mais pura pelo feudalismo, que põe a relação de fidelidade inteiramente pessoal e o apelo do
cavaleiro agraciado com o ofício à honra da sua ordem no lugar da obrigação oficial objetivamente racional.
Todos os tipos de domínio das ordens, baseada na apropriação mais ou menos fixa do poder
administrativo, se encontram numa situação mais próxima do patriarcalismo e do domínio legal do que aqueles
que, em virtude de garantias, rodeiam os poderes dos privilegiados, têm o caráter de um “título legal” muito
particular (consequência da “divisão do poder” das ordens), ausente nas formas patriarcais com as suas
administrações inteiramente sujeitas ao arbítrio do senhor. Por outro lado, a apertada disciplina e o inexistente
direito próprio do corpo administrativo no patriarcalismo acercam-se mais, tecnicamente, da disciplina oficial da
dominação legal do que a administração das formas das ordens, repartida e, portanto, estereotipada mediante a
apropriação, e a utilização de plebeus (juristas) no serviço dos senhores na Europa tornou-se justamente o
predecessor do Estado moderno.
Poder carismático
III. Poder carismático, mediante a dedicação afetiva à pessoa do senhor e aos seus dons gratuitos (carisma), em
especial: capacidades mágicas, revelações ou heroísmo, poder do espírito e do discurso. O eternamente novo, o
fora do quotidiano, o nunca acontecido e a sujeição emocional são aqui as fontes da rendição pessoal. Os tipos
mais puros são a autoridade do profeta, do herói guerreiro, do grande demagogo.
A associação de domínio é a agremiação na comunidade ou o séquito. O tipo daquele que ordena é o
chefe. O tipo de quem obedece é o “discípulo”. Obedece-se, com toda a exclusão, de modo puramente pessoal ao
chefe por mor das suas qualidades pessoais, fora do habitual, não por causa da posição estatutária ou da dignidade
tradicional. Portanto, também só enquanto estas qualidades lhe são atribuídas: o seu carisma preserva-se mediante
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a sua demonstração. Quando ele é “abandonado” pelo seu deus, ou despojado da sua da força heróica e da fé das
massas na sua qualidade de chefia, desvanece-se o seu poder. O corpo administrativo é escolhido segundo o
carisma e a dedicação pessoal: não, por contraste, segundo a qualificação profissional (como o funcionário), nem
segundo a ordem (como o corpo administrativo estamental), nem segundo a dependência doméstica ou outra
dependência pessoal (como, por contraste, o corpo administrativo patriarcal). Está ausente o conceito racional da
“competência” e também o conceito de “privilégio”, peculiar às ordens. Para o âmbito da legitimação do seguidor
ou discípulo indigitado é determinante apenas a missão do senhor e a sua qualificação carismática pessoal. À
administração – na medida em que este nome é adequado – falta toda a orientação por regras, quer estatutárias,
quer tradicionais. Caracteriza-a revelação imediata ou a criação imediata, ação e o exemplo, a decisão de caso a
caso, portanto – avaliada segundo o critério dos ordenamentos estatutários – irracional.
Não está ligada à tradição: para os profetas vale o “está escrito, mas eu digo-vos”; para os heróis
guerreiros esbatem-se os ordenamentos legítimos frente à nova criação em virtude do poder da espada; para o
demagogo, graças ao “direito natural” revolucionário por ele proclamado e sugerido. A forma genuína da
carismática norma jurídica e da arbitragem dos conflitos é a proclamação da sentença pelo senhor ou pelos
“sábios” e o seu reconhecimento pela comunidade (de armas ou de fé), que é obrigatório, no caso de não surgir
uma norma concorrente de outro com a pretensão à validade carismática. Neste caso, ocorre uma luta de chefes a
decidir, em última análise, só mediante a confiança da comunidade; nela o direito só pode existir num lado, e no
outro, a injustiça sujeita à reparação.
a) O tipo do poder carismático foi desenvolvido, de modo brilhante, primeiro, por R. Sohm no seu direito
eclesiástico para a comunidade cristã primitiva - ainda sem saber que se tratava de um tipo puro a expressão foi,
desde então, utilizada de muitos modos, sem o conhecimento do alcance. - O passado mais antigo, além de
enunciados menores de poder “estatutário” que, sem dúvida, de nenhum modo estão de todo ausentes, conhece a
divisão do conjunto de todas as relações de domínio em tradição e carisma. Ao lado do “chefe econômico”
(Sachem) dos índios, uma figura essencialmente tradicional, encontra-se o chefe guerreiro carismático (que
corresponde ao alemão “Herzog”) com o seu séquito. As expedições de caça e de guerra, que exigem um chefe
munido pessoalmente de qualidades fora do habitual, são os lugares da chefia mundana, a magia é o lugar
“espiritual” da chefia carismática. Desde então, o poder carismático sobre os homens atravessa os séculos com os
profetas e os chefes guerreiros de todas as épocas. O político carismático –“demagogo”– é o produto da cidade-
estado ocidental. Na cidade-estado de Jerusalém emergiu ele apenas na indumentária religiosa, como profeta; a
constituição de Atenas, pelo contrário, foi, desde as inovações de Péricles e Efialtes, inteiramente talhada para a
sua existência, e sem ela a máquina estatal não funcionaria um só instante.
b) O poder carismático assenta na “fé” no profeta, no “reconhecimento” que o herói guerreiro carismático, o herói
da rua ou o demagogo pessoalmente encontra e que com ele se desvanece. De igual modo, não deriva a sua
autoridade, por exemplo, deste reconhecimento pelos governados. Mas, ao invés, a fé e o reconhecimento surgem
como obrigação, cujo cumprimento o carismaticamente legitimado para si exige, e cuja infração ele vinga. O
poder carismático é, decerto, um dos grandes poderes revolucionários da história, mas, na sua forma mai pura, é
de caráter plenamente autoritário, dominador.
c). É evidente que a expressão “carisma” se usa aqui num sentido de todo axiologicamente neutro. O acesso de
raiva do “berserker” nórdico, os milagres e as revelações de qualquer profecia evasiva, os dons demagógicos de
Cléon são, para a sociologia, um “carisma” tão bom como as qualidades de Napoleão, Jesus, Péricles. Pois, para
nós, é apenas decisivo se eles apareceram e agiram como carisma, isto é, se encontraram reconhecimento. Para tal,
o pressuposto fundamental é a “comprovação”: pelo milagre, pelo êxito, pela prosperidade do séquito ou dos
súbditos deve o senhor carismático comprovar-se como “por graça de Deus”. Só surge como tal enquanto pode.
Se o êxito lhe é recusado, vacila o seu domínio. O conceito carismático da “graça de Deus” teve, onde ele existiu,
consequências decisivas. O monarca chinês estava ameaçado na sua posição logo que a seca, a inundação, o
insucesso no campo de batalha ou outras desgraças deixavam transparecer como incerto se ele estava na graça do
céu. Auto-acusação e penitência públicas, em desgraças persistentes: ameaçavam-no a deposição e,
eventualmente, a imolação. A abonação pelo milagre é exigida a cada profeta (ainda a Lutero pelos habitantes de
Zwickau). Também a existência da maior parte das relações de poder, legais segundo o seu caráter básico, assenta,
tanto quanto na sua estabilidade se expressa à fé legitimadora, em fundamentos mistos. O costume tradicional e o
“prestígio” (carisma) coadunam-se com a fé - em última análise, também implantada - no significado da
legalidade formal: o abalo de um deles por exigências inabituais, em face da tradição, feitas aos governados, por
um infortúnio extraordinário que aniquila o prestígio, ou pela infração da correção legal formal habitual, faz
vacilar em igual medida a fé legitimadora. Mas em todas as relações de pode é decisivo, para a consistência
incessante da obediência efetiva dos governados, sobretudo o fato da existência do corpo administrativo e da sua
ação incessante, dirigida à execução dos regulamentos e à coação (direta ou indireta) da sujeição à autoridade. A
garantia desta ação, que leva a cabo o domínio, é o que se pretende dizer com a expressão “organização”. Por seu
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turno, para a lealdade ao senhor, tão importante em toda a parte, do corpo administrativo é decisiva a sua
solidariedade de interesses com o senhor - tanto do ponto de vista ideal como material. Às relações do senhor com
o corpo administrativo aplica-se, comumente, esta proposição: que, em geral, em virtude do isolamento dos
membros desse corpo e da solidariedade de cada membro com ele, o senhor é o mais forte frente a todo o
indivíduo que se
Opõe, mas é, em seguida, o mais fraco em face de todos no seu conjunto, quando eles - como por vezes fizeram
numerosas categorias de pessoal do passado e do presente - se associam. Mas necessita-se de uma aliança
planeada dos membros do corpo administrativo para, graças à obstrução ou à medida oposta consciente, se
paralisar a influência do senhor sobre o agir associativo e, deste modo, o seu domínio. E igualmente se necessita
da criação de um corpo administrativo próprio.
d) O poder carismático é uma relação especificamente inabitual, uma relação social puramente pessoal. Na
existência contínua, mas não mais tarde do que com a remoção do portador pessoal do carisma, a relação de
domínio - no último caso, então, se ela se não extingue de imediato, mas de qualquer modo persiste e, portanto, a
autoridade do senhor passa para os sucessores – tem a tendência para se banalizar:
1. Mediante a tradicionalização dos ordenamentos. Em vez da nova criação carismática incessante no direito e nos
decretos administrativos pelo portador do carisma ou pelo corpo administrativo carismaticamente qualificado
surge a autoridade dos preconceitos e das precedências, que eles criaram ou que lhes foram atribuídos;
2. Mediante a transição do corpo administrativo carismático, o discipulado ou o séquito, para um corpo legal ou
de ordens, pela aceitação de direitos governativos internos ou apropriados por privilégio (feudos,
Prebendas);
3. Através da remodelação do sentido do próprio carisma. Para tal é decisivo o tipo de solução da questão
candente do problema da sucessão a partir de razões ideais e (muitas vezes, sobretudo) materiais. Esta é possível
de modos diferentes: a simples espera passiva da emergência de um novo senhor carismaticamente acreditado ou
qualificado costuma ser substituída pelo procedimento ativo em vista da sua obtenção, sobretudo quando o seu
aparecimento se faz esperar e fortes interesses, seja qual for a sua natureza, estão ligados à persistência da
associação de domínio.
a) Pela demanda de características da qualificação carismática. Um tipo razoavelmente puro: a busca do novo
Dalai Lama. O caráter fortemente pessoal, inabitual, do carisma converte-se numa qualidade determinável
segundo regras.
b) Pelo oráculo, pela sorte ou por outras técnicas da designação. A fé na pessoa do carismaticamente qualificado
transforma-se assim em fé na técnica em causa.
c) Pela designação do carismaticamente qualificado:
1. Pelo próprio portador do carisma: designação dos seguidores, uma forma muito frequente, tanto nos profetas
como nos chefes guerreiros. A fé na legitimidade própria do carisma muda-se assim em fé na herança legítima do
poder, em virtude da designação jurídica e divina.
2. Pelo discipulado ou séquito carismaticamente qualificado sob a adição do reconhecimento por parte da
comunidade religiosa e/ou militar. A concepção como direito de “escolha” ou de “eleição preliminar” para este
procedimento é secundária. Este conceito moderno deve de todo evitar-se. Segundo a idéia originária, não se trata
de uma “votação” acerca dos candidatos à eleição, entre os quais existe uma escolha livre, mas de um
estabelecimento e reconhecimento do senhor “genuíno”, do senhor chamado à sucessão enquanto
carismaticamente qualificado. Uma “falsa” escolha era, portanto, uma injustiça a expiar. Eis o postulado essencial:
deveria ser possível intentar a unanimidade, o contrário seria um erro e uma fraqueza. Vigorava então, em cada
caso, a fé, não já na pessoa só enquanto tal, mas na pessoa do senhor “genuína” e “validamente” designada e
(eventualmente entronizada) ou, aliás, indigitada para o poder, à maneira de um objeto de posse.
3. Pelo “carisma hereditário” na concepção de que a qualificação carismática residia no sangue. O pensamento,
óbvio em si, é sobretudo o de um “direito hereditário” ao poder. Esta idéia só se tornou predominante no
Ocidente, na Idade Média. Muitíssimas vezes, o carisma é inerente apenas ao clã e somente o novo portador
imediato deve ser estabelecido de modo particular: segundo uma das regras e dos métodos mencionados em a)-c).
Onde, relativamente à pessoa, existem regras fixas, estas não são uniformes. Só no Ocidente medieval e no Japão
é que se impôs de um modo inteiramente unívoco o “direito de primogenitura” na coroa, em grande parte para o
aumento da estabilidade do domínio local, pois todas as outras formas levam a conflitos internos. A fé já se não
põe então só na pessoa enquanto tal, mas no “legítimo” herdeiro da dinastia: o caráter só imediato e extraordinário
do carisma é transformado de um modo muito fortemente tradicionalizante e altera-se também de todo, no seu
sentido, o conceito da “graça de Deus” (= senhor por pleno direito próprio, não em virtude do carisma pessoal
reconhecido pelos governados). A pretensão dos senhores é, em seguida, totalmente independente das qualidades
pessoais.
4. Por meio da banalização ritual do carisma: a fé de que existe uma qualidade mágica transferível ou gerável por
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uma espécie determinada de hierurgia: unção, imposição das mãos ou outros atos sacramentais. A fé já se não põe,
então, na pessoa do portador do carisma – pelo contrário, a pretensão de domínio (como se levou a cabo de modo
especialmente claro mediante o princípio católico do caráter indelével do sacerdote) é de todo independente das
suas qualidades– mas põe-se na eficácia do respectivo ato sacramental.
5. O princípio carismático da legitimidade interpretado autoritariamente segundo o seu sentido primário pode
reinterpretar-se de modo anti-autoritário. A validade efetiva do poder carismático assenta no reconhecimento da
pessoa concreta enquanto carismaticamente qualificada e comprovada pelos governados. Segundo a concepção
genuína do carisma, este reconhecimento é devido ao pretendente legítimo, porque qualificado. Esta situação
pode, entretanto, ser facilmente reinterpretada de maneira que o livre reconhecimento pelos governados seja, por
seu lado, o pressuposto da legitimidade e o seu fundamento (legitimidade democrática). Em seguida, o
reconhecimento torna-se “escolha” e o senhor, legitimado em virtude do carisma próprio, torna-se um detentor do
poder pela graça dos governados e por força do mandato.
Tanto a nomeação pelo séquito como a aclamação pela comunidade (militar ou religiosa), como o
plebiscito, assumiram muitas vezes, historicamente, o caráter de uma seleção levada a cabo por votação e fez
assim do senhor, escolhido segundo as suas pretensões carismáticas, um funcionário escolhido pelos governados
somente segundo o seu bel-prazer.
Desenvolve-se igualmente o princípio carismático de que uma norma jurídica carismática da comunidade
(comunidade de armas ou comunidade religiosa) deve ser promulgada e por ela reconhecida; e, portanto, a
possibilidade existente de normas diferentes e antagônicas entrarem em competição e de, em seguida, se chegar à
decisão por meios carismáticos, em última análise, pelo acolhimento que a comunidade faz da norma correta,
facilmente se converte na concepção - legal - de que os governados decidem livremente, através da manifestação
voluntária, sobre o direito que deve vigorar, e que o número dos votos seja para tal o meio legítimo (princípio da
maioria).
A diferença entre um chefe eleito e um funcionário eleito fica a ser, então, simplesmente a do sentido que
o próprio eleito dá e – segundo as suas qualidades pessoais – pode dar, frente ao pessoal e aos governados, à sua
conduta; o funcionário comporta-se inteiramente como mandatário do seu senhor, aqui, portanto, dos eleitores, o
chefe comporta-se como exclusivamente atido à responsabilidade própria; este, portanto, enquanto reivindica com
êxito a sua confiança, agirá inteiramente segundo a discrição própria (democracia de líderes) e não, como o
funcionário, de harmonia com a vontade expressa ou presumida (num “mandato imperativo”) dos eleitores.
A definição contemporânea de federalismo o apresenta como um sistema de governo no qual o poder é dividido
entre o governo central (a União) e os governos regionais. O federalismo é definido, em sua acepção positiva,
como um meio-termo entre um governo unitário, com os poderes exclusivamente concentrados na União, e uma
confederação, na qual o poder central seria nulo ou fraco. Por sua vez, a confederação é caracterizada como uma
aliança entre Estados independentes. O governo central não poderia aplicar as leis sobre os cidadãos sem a
aprovação dos Estados, que seriam, em última instância, a fonte da soberania. A diferença essencial entre
federação e confederação é que, na primeira, o governo central possui poder sobre os cidadãos dos Estados ou
províncias que compõem a União sem que essa ação tenha de ser acordada pelos Estados 3. A experiência
histórica que gera esse novo conteúdo é a construção do Estado norte-americano a partir de 1787.
A Convenção da Filadélfia foi convocada em 1787 com o intuito de rever os artigos aprovados no Congresso
Continental em 1777 (usualmente conhecidos como Artigos da Confederação)4. Observemos, inicialmente, que
aspecto Hamilton, no artigo 15, criticava na confederação norte-americana produzida em 1777:
“O vício enorme e radical na construção da Confederação atual está no princípio da legislação para
Estados ou governos em seu caráter de corporações ou coletividades, em contraposição à legislação
para os indivíduos que os compõem. Embora não se estenda a todos os poderes conferidos à União,
esse princípio invade e governa aqueles de que depende a eficácia dos demais. Exceto no tocante à
honra de rateio, os Estados Unidos têm direito ilimitado a requisitar homens e dinheiro; mas não têm
autoridade para mobilizá-los por meio de normas que se estendam aos cidadãos da América. A
conseqüência é que, embora em teoria as resoluções da União referentes a essas questões sejam leis
que se aplicam constitucionalmente aos seus membros, na prática elas são meras recomendações que
os Estados podem escolher observar ou desconsiderar (Madison, Hamilton e Jay, 1993:160-161)”.
É fundamental que assinalemos com ênfase o principal defeito, para Hamilton, da confederação elaborada em
1777: o poder central não dispunha de autonomia para agir sobre os cidadãos que compunham a União. Poderia
apenas recomendar a aplicação de suas resoluções, cabendo aos Estados adotar ou não tais resoluções. A solução
política, para o autor, consistia no reforço do poder central. Este deveria dispor dos poderes necessários para agir
sobre os cidadãos, sem passar pelos Estados. A conseqüência desse reforço seria uma alteração fundamental no
status constitucional dos Estados, que deveriam dispor de autonomia, mas não seriam mais entidades soberanas;
agora estariam subordinados ao poder central.
Podemos perceber claramente a nova direção que Hamilton pretendia introduzir no arranjo constitucional norte-
americano. Entretanto, para se referir às inovações que deveriam ser introduzidas, o autor ainda fazia uso do termo
confederação. Vejamos um trecho do mesmo artigo 15 citado anteriormente:
Com o abandono de todas as pretensões a um governo confederado, isso nos reduziria a uma simples
aliança ofensiva e defensiva e nos poria em condições de sermos ciclicamente amigos e inimigos uns
dos outros, ao sabor de nossas cobiças e rivalidades. Mas se não queremos ser postos nessa situação;
e se ainda nos mantemos fiéis ao projeto de um governo nacional, o que é a mesma coisa, de um
poder superintendente sob a direção de um conselho comum, devemos incorporar em nosso plano
aqueles ingredientes que podem ser considerados pela diferença entre uma liga e um governo;
devemos ampliar a autoridade da União às pessoas dos cidadãos - os únicos objetos próprios de
governo (ibidem:161-162).
Observemos que Hamilton condenava o fato de que fossem abandonadas todas as pretensões a um governo
confederado em detrimento de uma mera liga. Esta seria, segundo ele, a mera reunião de Estados, uma aliança
com fins defensivos ou ofensivos. Para Hamilton, deveriam ser introduzidas inovações que estabelecessem uma
diferença radical entre uma confederação (confederate government) e uma liga (league). Para tanto, o autor
argumentava que seria imprescindível que a União tivesse os poderes necessários para chegar até o cidadão.
Podemos assinalar que Hamilton já mencionava um de seus elementos distintivos, ou seja, a capacidade de o
governo central chegar até os cidadãos das unidades que compõem o Estado sem passar pelo crivo dessas
unidades. Ocorre que o político norte-americano faz uso do termo governo confederado, distinguindo esse novo
arranjo político de uma mera liga sem fazer a distinção entre federação e confederação, como seria mais usual em
nossa contemporaneidade. Revela, dessa forma, que sob uma palavra antiga se manifestava um novo conteúdo. O
uso do termo confederação de Estados para se referir aos Estados Unidos da América foi comum até a Guerra
Civil (1861-1865)5. Esse descompasso entre o novo conteúdo histórico, gerado a partir da experiência norte-
americana, e a persistência de velhas palavras foi claramente percebido por Tocqueville (1977:123):
24
“Em todas as confederações que precederam a União Americana de nossos dias, o governo federal, a
fim de prover às suas necessidades, dirigia-se aos governos particulares. No caso em que a medida
prescrita desagradava a um deles, este podia sempre subtrair-se à necessidade de obedecer. [...] Na
América, a União tem por governados, não Estados, mas simples cidadãos. Quando quer cobrar um
imposto não se dirige ao governo de Massachusetts, mas a cada um habitante de Massachusetts. Os
antigos governos federais tinham diante de si povos; o da União tem indivíduos. Não toma
emprestada a sua força, mas vai ele mesmo buscá-la. Tem seus próprios administradores, seus
tribunais, seus oficiais da justiça, seu exército. [...] Aqui o poder central age sem intermediários
sobre os governados, julga-os ele próprio, como fazem os governos nacionais, mas só age, neste
caso, dentro de um círculo restrito. [...] Assim, achou-se uma forma de governo que não era,
precisamente, nem nacional, nem federal; mas parou-se aí, e a nova palavra que deve exprimir a
coisa nova de maneira alguma existe ainda6”.
Em Tocqueville está presente a percepção da inovação da Convenção da Filadélfia para com as experiências
européias de confederação, ou seja, a União atuava diretamente sobre os cidadãos, sem a necessidade de recorrer
às unidades da federação. Entretanto, essa centralidade da União não era semelhante àquela dos Estados unitários,
pois as unidades que compunham o Estado dispunham de uma autonomia e de liberdades que inexistiam nos
Estados unitários. Nestes, as partes que compunham o Estado eram meramente unidades administrativas, sem
dispor de autonomia e de liberdade para escolha de funcionários, organização da Justiça e recolhimento de
impostos, aspectos que ocorriam no caso norte-americano.
O autor francês lamentava que não houvesse um termo novo capaz de designar o arranjo norte-americano. Nesse
sentido, Tocqueville assinalava o descompasso entre as palavras disponíveis (federação e confederação) e a
novidade histórica. Ao longo do debate político anterior, federação havia sido um sinônimo de confederação.
Quando, posteriormente, o termo foi associado exclusivamente à novidade introduzida pelo caso norte-americano,
o que ocorreu foi meramente a reutilização de um antigo termo para um novo conteúdo.
Portanto, podemos observar os seguintes pontos: 1) o uso dos termos federação e confederação para se referir ao
caso norte-americano era um procedimento comum. Isso porque a palavra federação estava associada à
confederação. 2) A inovação produzida pela experiência norte-americana consistiu no seguinte conteúdo: as
unidades que compunham a União disporiam de autonomia política e administrativa, entretanto, isso não
implicava um poder central fraco ou nulo; os Estados não seriam entendidos como um poder soberano tal qual a
União. As resoluções da União teriam caráter impositivo para os Estados, e não mais seriam meras
recomendações. Ao mesmo tempo que o poder central era reforçado, os Estados disporiam de autonomia decisória
em aspectos importantes. Nesse sentido, a idéia de federação era uma novidade política, como bem escreveu
Tocqueville; não era uma repetição das confederações, pois o poder central era forte, tampouco os estados
desempenhavam o mesmo papel que em um Estado unitário.
A) Monarquia
B) Aristocracia
É o governo dos melhores, indicados segundo um critério que aponta uma elite classista,
intelectual, econômica. É um governo de poucas pessoas ocupando o poder.
C) Democracia
que ocupa o máximo possível, o governo. Esta ocupação pode se traduzir numa democracia direta,
efetiva transição entre povo e poder, e democracia indireta ou representativa, com uma mediação
entre o povo e o governo, exercido por representantes eleitos.
- Monarquias e Repúblicas
governados se fazem à base do temor recíproco, não há, segundo Montesquieu, governo legítimo, mas governo
despótico, governo que nega a liberdade, governo que teme o povo.6
Segundo esse mesmo clássico da democracia liberal não chega sequer o despotismo a ser uma forma de
governo, porquanto diz o filósofo político: “o governo é o lavrador que semeia e colhe; o despotismo é o selvagem
que corta a árvore para colher os frutos”.7 E, de modo mais conclusivo: “o despotismo não é outra coisa senão
uma multidão de iguais e um chefe”.8
Formas puras de governo: são os que conservam a finalidade de governar para o bem
comum, com o objetivo de promover o bem dos súditos, cidadãos ou da nação. São a monarquia,
aristocracia e democracia.
Formas impuras de governo: São governos voltados à realização do grupo que ocupa o
poder. São a tirania, oligarquia e a demagogia ou anarquia.
Exemplos e classificação:
- Governo Revolucionário Francês (1793): aristocracia
- Ditadura Nazista: monarquia com concessão aristocrática
- Governo Militar brasileiro:aristocracia
- Ditadura Comunista
- Cuba: monarquia
- URSS até 1954 (Stálin): monarquia
27
Poder Judiciário
Texto de Trabalho:
Forma de Governo e Regime Político
Elementos de Teoria Geral do Estado – Dalmo de Abreu Dallari – página 224
A classificação mais antiga das formas de governo que se conhece é a de Aristóteles, baseada no número
de governantes. Distingue ele três espécies de governo: a realeza, quando é um só indivíduo quem governa; a
aristocracia, que é o governo exercido pelo grupo, relativamente reduzido em relação ao todo; e a democracia,
que é o governo exercido pela própria multidão no interesse geral. Cada uma dessas formas de governo pode
sofrer uma degeneração, quando quem governa deixa se orientar pelo interesse geral e passa a decidir segundo
as conveniências particulares. Então aquelas formas, que são puras, são substituídas por formas impuras. A
realeza degenera em tirania, a aristocracia em oligarquia e a democracia em demagogia. Essa classificação
que é feita em termos bem gerais baseando-se apenas no número de governantes e na preponderância do
interesse geral ou particular, é valida até hoje, sendo utilizada na teoria e na prática.
Depois de Aristóteles é com Maquiavel que vai aparecer nova classificação, já então mais precisa e atenta
para as características que iam revelando na organização do Estado Moderno. Nos “Discursos sobre a
Primeira Década de Tito Lívio”, publicado em 1531, Maquiavel desenvolve uma teoria procurando sustentar a
existência de ciclos de governo. O ponto de partida é um Estado anárquico, que teria caracterizado o início da
vida humana em sociedade. Para se defender melhor os homens escolheram o mais robusto e valoroso,
nomeando-o chefe e obedecendo-o. Depois de algumas escolhas percebeu-se que aquelas características não
indicavam um bom chefe, passando-se a dar preferência ao mais justo e sensato. Essa monarquia eletiva
converteu-se depois em hereditária, e algum tempo depois os herdeiros começaram a degenerar, surgindo a
tirania. Para coibir seus males, os que tinham mais riqueza, nobreza e ânimo valoroso organizaram
conspirações e se apoderaram do governo, instaurando-se a aristocracia, orientada para o bem comum.
Entretanto, os descendentes dos governantes aristocratas, que não haviam sofridos os males da tirania e não
estavam preocupados com o bem comum, passaram a utilizar o governo em seu proveito próprio, convertendo
a aristocracia em oligarquia. O povo, não suportando mais os descalabros da oligarquia, mas, ao mesmo
tempo, lembrando dos males da tirania, destituiu os oligarcas e resolveu governar-se a si mesmo, surgindo o
governo popular ou democrático. Mas o próprio povo, quando passou a ser governante, sofreu um processo de
degeneração, e cada um passou a utilizar em proveito pessoal a condição de participante do governo. E isso
gerou a anarquia, voltando-se ao estágio inicial e recomeçando-se o ciclo, que já foi cumprido muitas vezes na
vida de todos os povos. A única maneira de evitar as degenerações, quebrando-se o ciclo, seria a conjugação
28
A teoria da constituição mista estabelece que as três formas clássicas de governo – monarquia,
aristocracia e democracia – podem se degenerar, respectivamente, em uma tirania, oligarquia e anarquia, quando a
arbitrariedade e o interesse particular de uma pessoa ou grupo se impõem à justiça e ao bem-estar da comunidade
de cidadãos ou súditos.
Estas três formas se sucediam em um ciclo que se inicia com a monarquia.
Esta forma de governo podia sucumbir frente à ascensão de um governante autoritário. Sendo assim,
alguns homens valorosos e sábios se unem para demovêlo do poder, formando uma aristocracia. Esta, por sua vez,
tende a se transformar numa oligarquia, quando defende apenas seus privilégios, em detrimento do restante da
comunidade. Nestas condições, o povo se mobiliza para afastar aquela elite de dirigentes e formar uma
democracia, repudiando as formas concentradas
de exercício do poder - a monarquia e a aristocracia. Dado o caráter igualitário e libertário da sociedade
democrática, alguns homens mais ambiciosos se impacientam em não atingir seus objetivos, usando todos os
meios ao seu dispor para seduzir e corromper o povo. A própria democracia fenece diante desta ação demagógica
e passa a agir de maneira desordenada e anárquica. O ciclo de constituições - anakuklōsis politéiōn - se reinicia,
então, com a formação natural de uma autoridade monárquica, capaz de concentrar o poder e garantir a
estabilidade, a paz e a segurança.
Segundo a teoria da constituição mista, a solução que impediria este ciclo deveria brotar das próprias
formas de governo que se sucedem ao longo do tempo.
Embora afirmasse a tendência de toda sociedade em se polarizar entre um grupo numeroso de pobres e
outra parte minoritária de ricos, Aristóteles estabelecia que todos os homens formavam uma minoria naquilo a que
se dedicam com mais afinco. Esta elite pode ter origem na bravura, na riqueza, no gozo de privilégios, na
sabedoria ou em outro valor qualquer.
Ainda que considere a existência de múltiplas elites, Aristóteles constata que todas as sociedades são
divididas entre uma minoria e outra maioria, sendo de menor importância a causa desta divisão. Este fato gera o
problema de como estas diferentes ordens podem ocupar a constituição.
Aristóteles estabelece, então, que alguns deveres são mais bem realizados por uma elite, enquanto outros,
por todos os cidadãos. Cria-se uma divisão sóciopolítica de tarefas em que a minoria – “poucos” – adquire poder
para desempenhar funções de sua especialidade e a maioria – “muitos” – reservam a capacidade de decidir
questões dependentes da experiência de vida compartilhada por toda a comunidade. Neste esquema, conserva-se a
ação cívica de qualquer popular, ao mesmo tempo em que a elite se diferencia e realiza funções políticas especiais
e restritas. Tal como a elite e o povo podem contribuir para a sociedade política, também a realeza monopolizaria
atribuições devem ser realizadas por “um” do que por “poucos” ou “muitos”.
Sendo assim, a teoria da constituição mista estabelece que as três formas de governo relativas às três classes que
representam - monarquia e realeza, aristocracia e nobreza, democracia e povo - devem se juntar de maneira a
agregar os fatores positivos de cada uma, ou seja, a capacidade de ação de um executivo forte, a função mediadora
de uma nobreza e a legitimidade popular. A estrutura política se configura numa balança de poder que reconhece a
29
importância do conflito social e tenta dirimi-lo nas instituições estatais. Se a sociedade é fragmentada em diversas
classes, não há como garantir a estabilidade política sem que elas participem do governo de maneira igual.
No século XVIII, a Constituição mista inglesa já consolidara um modelo político de atribuição de poderes
às três ordens básicas da sociedade: a realeza, símbolo da unidade do Estado, que velava pela ordem e autoridade;
os cidadãos em geral, que representavam a maioria da população e promoviam as liberdades civis; e a nobreza,
bem instruída, rica e que gozava de privilégios, exercendo o papel independente de dirimir os conflitos entre as
duas outras ordens. A exclusão de uma destas forças sociais poderia degenerar as três formas clássicas de governo
incorporadas no cenário político – monarquia, aristocracia e democracia – na tirania ou oligarquia, caso a realeza
ou a nobreza, respectivamente, assumissem poderes exorbitantes, ou na anarquia, se o povo desprezasse as outras
ordens e tentasse governar caoticamente segundo seus múltiplos e inconciliáveis interesses.
A estabilidade da nação e a proteção das liberdades civis dependiam do correto
funcionamento deste sistema de controle mútuo, consolidado paulatinamente na
história inglesa pelo embate destas forças sociais.
Neste modelo, cada poder possui instrumentos de controle dos poderes restantes,
usados, somente, quando houver excesso de poder ou tentativa de usurpação.
Poder Legislativo
poder voltado ao futuro, à criação de leis que regem a sociedade em seu porvir.
Poder Executivo
Poder judiciário
Richard Bellamy afirma que o objetivo da Constituição de 1787 foi a construção de um mecanismo
eficiente de resolução de conflitos sociais. O pragmatismo federalista propunha que somente uma estrutura
política ajustada às particularidades da sociedade norte-americana poderia criar um esteio sólido e duradouro para
a defesa dos direitos individuais.
Os fundamentos deste pragmatismo estão no determinismo de Montesquieu, que afirmava a pertinência
das leis dependendo das variáveis que caracterizam uma sociedade específica. Sendo assim, a natureza das
instituições deve obedecer ao imperativo de adaptabilidade às circunstâncias sociais. Dado
que os federalistas apresentavam o homem como egoísta e a sociedade como uma arena de conflito de interesses
inconciliáveis, a constituição resultante deveria refletir o que o auto-interesse e o envolvimento do povo
representavam para a república. Neste sentido, surge a concepção de separação de Poderes, que vem se
somar à representação e à federalização como uma medida controladora da tendência perniciosa do homem e da
sociedade.
Ao invés de proclamar formalmente uma série de garantias, a Constituição se vinculava a um sistema de
separação de Poderes que assegurava, por via indireta, a proteção do indivíduo. Na verdade, os direitos não
preexistiriam à sociedade política, mas seriam definidos a partir da esfera estatal criada pela
Constituição.
O constitucionalismo americano rompeu com a concepção de governo misto, que Montesquieu defendia como um
fator de manutenção da liberdade política na Constituição inglesa. Em seu lugar, adotou uma definição jurídico
formal de governo e separação de Poderes. A distribuição das competências estaduais e federais, a representação e
a solução dos conflitos políticos entre os Estados, tudo está inserido no tecido constitucional, celebrado pelos
federalistas como grande instituição impessoal, que funciona como árbitro de uma sociedade que não poderia ser
dividida nas mesmas bases classistas rígidas com as quais a
teoria do governo misto fora criada.
A Constituição deu origem a um verdadeiro “organismo com vida própria” que funcionava
separadamente da dimensão social e que se baseava na competição entre as diversas instituições oficiais. O
conflito entre os Poderes não se resolveria pelo recurso aos mecanismos de consulta e decisão popular, mas
estaria voltado para a solução apresentada na Constituição, que construiu um mecanismo "de controle recíproco de
diferentes autonomias", ou seja, o sistema de checks and balances
Os federalistas remontaram a Montesquieu ao afirmar que a separação pura dos Poderes é quase impossível na
31
prática. No artigo n° 47 de O Federalista, Madison elenca uma série de exemplos de como os Poderes já se
encontravam imbricados nos Estados, cuja prática política os antifederalistas diziam resguardar
ao se oporem à Constituição de 1787.
Ao mesmo tempo em que a separação pura seria inviável, um governo popular deveria conviver com a
constante ameaça à estabilidade de uma maioria legislativa tirânica que poderia assumir as funções e
competências de um outro Poder. No artigo n° 48 de O Federalista, Madison elenca vários casos de
usurpação legislativa nos Estados, concluindo que “O Legislativo está, por toda a parte, estendendo a esfera de
suas atividades e abarcando todo o poder com seus ambiciosos tentáculos.”
A base material da concepção de separação dos Poderes da teoria do governo misto, que usava as
vantagens de cada classe no exercício das funções de governo, não se sustentava nos EUA. Seria impossível, na
sociedade norte-americana, estabelecer Poderes fundados em diferentes ordens sociais para limitar
o povo. Para os federalistas, sem instituições de controle, a própria democracia poderia perecer frente a uma
maioria tirânica legislativa ou degenerar para a anarquia, tal como previsto na anakuklōsis politeiōn.33
O pensamento federalista buscou as soluções para impedir estes inconvenientes da democracia dentro da
sua própria concepção de homem, motivado apenas pelo auto-interesse e que tende a se associar em torno de
facções para a realização egoísta de suas vontades. Se o faccionismo social era considerado, isoladamente, uma
ameaça à estabilidade republicana, dentro do organismo político-constitucional, foi uma solução.
Os federalistas souberam aproveitar a forma como definiram a sociedade para fundar uma estrutura
política que julgavam mais adequada para inibir a participação política popular, bastante intensa no período
revolucionário.
Com base no pressuposto do auto-interesse, os federalistas afirmavam que o melhor controle do governo
se fazia pela ganância dos homens que ocupam os diferentes Poderes. Como cada instituição estatal é composta
por indivíduos egoístas, sempre existiria a ameaça de que um órgão tentasse usurpar a
competência e as funções de um outro ramo do governo. Mas como cada Poder ameaçado também seria composto
por homens que visam o auto-interesse, certamente ele agiria de modo a conter os excessos que adviriam de uma
outra instituição.
Os três Poderes deveriam se contralar mutuamente, formando uma estrutura dans laquelle les limites de
chaque pouvoir sont le produit de La résistance et la réaction éventuelles des autres.
A política transcenderia a ação de grupos sociais e se transportaria para o jogo de forças entre os Poderes.
A racionalidade inerente ao sistema equilibraria as disputas, uma vez que cada ramo de governo não deveria
extrapolar suas funções porque saberia que, se o fizesse, seria contido. A Constituição criou uma teoria auto-
reforçante da estabilidade política, o que leva alguns autores a descrever sua dinâmica entre os Poderes como uma
concepção da teoria dos jogos ou um jogo de soma zero.
A irracionalidade, própria do engajamento popular, é afastada do governo e o perigo da usurpação ou da
ditadura de um dos Poderes se anula por uma solução que brota do próprio tecido constitucional e que não
depende da intervenção popular para funcionar. Os federalistas construíram uma teoria constitucional que afastou
o poder constituinte da política como um meio de torná-lo soberano.
Contrariando as críticas antifederalistas, Madison afirmou que Montesquieu não condenava a intervenção
recíproca entre os três Poderes, mas sim a concentração total de funções em um mesmo órgão, o que geraria um
governo tirânico:
“Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse
esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências
dos indivíduos.”
E, após discorrer sobre a competência de cada poder e as formas de
controle recíproco, conclui:
“Eis, assim, a constituição fundamental do governo de que falamos. O corpo legislativo sendo composto de duas
partes, uma paralisará a outra por sua mútua faculdade de impedir. Todas as duas serão paralisadas pelo poder
32
Questão dissertativa
O acerto do STF
criticaram uma decisão importante do STF com base em argumentos falaciosos. O art.9º da Lei
de Responsabilidade Fiscal (LRF), que continua em vigor, diz: “ Se verificado, ao final de um
bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de
resultado primário ou nominal estabelecidas (...) os poderes e o Ministério Público promoverão,
por ato próprio e nos montantes necessários (...) limitação de empenho e movimentação
financeira, segundo os critérios fixados pela Lei de Diretrizes Orçamentárias”.
O que o STF suspendeu foi o § 3º desse artigo, que diz: “No caso de os Poderes
Legislativo e Judiciário e o Ministério Público não promoveram a limitação no prazo
estabelecido no caput (30 dias), é o Poder Executivo autorizado a limitar os valores”. O STF
julgou, corretamente, que se trata de clara invasão de competência que fere a autonomia
financeira e a garantia de independência de cada Poder Inconstitucional é, pois, a invasão de
competência, não a limitação das despesas que cada Poder continua obrigado a realizar por ato
próprio. Não houve portanto, nenhuma “irresponsabilidade fiscal do STF”, como se divulgou
em campanha radiofônica.
Todos concordam que a LRF foi um avanço enorme na direção do equilíbrio
financeiro dos três níveis do Poder Executivo. É absurdo supor que o STF excluiu, por aquela
decisão, os Poderes Legislativo e Judiciário de sua responsabilidade fiscal. Os três poderes
continuam, como antes, sujeitos às mesmas obrigações, cada um por si, mas independentes. Não
é possível que o Poder Executivo pretenda ser o único “guardião da ordem financeira”,
levantando a suspeição (é isso que era o § 3º) de que os outros são “irresponsáveis”.
Felizmente o STF manteve a independência dos poderes, fundamental para as
liberdades do cidadão comum.
1) Presidencialismo Puro
A) Chefia de Estado: trata-se de função que garante a estabilidade das instituições democráticas,
cuidando da estabilidade da estabilidade do sistema político. O chefe de Estado comanda as
forças armadas e o serviço de representação internacional do país.
2) Presidencialismo Parlamentarista
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parlamentarismo este não se limita a fazer as leis, mas também é responsável pelo controle do governo, tomando
posições políticas fundamentais, no presidencialismo aquela atividade lhe é atribuída em caráter principal.
Além disso, no Parlamentarismo, o Parlamento pode destituir o Gabinete (o conjunto dos ministros), por
razões exclusivamente de ordem política, enquanto no presidencialismo isso só poderia ocorrer em relação ao
Presidente da República e em razão da prática de certos delitos.
Ao comparar os dois sistemas, o Prof. Celso Bastos afirma: “(...) o que o presidencialismo perde em
termos de ductibilidade às flutuações da opinião publica, ganha em termos da segurança, estabilidade e
continuidade governamental”.
É observada, recentemente, uma tendência de aproximação dessas posições inicialmente antagônicas. Foi
o que ocorreu na França, em 1958, onde, por meio de uma votação plebiscitária, adotou-se um modelo que
procura reunir vantagens dos dois sistemas.
Aula 10: Partidos Políticos
XVI) Partidos Políticos
A) Teoria Behavorista
B) Pluripartidarismo
C) Bipartidarismo
D) Sistema majoritário
Texto de Trabalho:
A dimensão sociológica do partido político brasileiro
Livro: Ciência Política – Paulo Bonavides – página 521
36
Em Problemas de Política Objetiva, o terceiro problema que serve de tema a Oliveira Vianna e a que este
consagra três breves capítulos, é o da organização do partido político no Brasil.
Concedendo a Rui Barbosa o merecimento inestimável de haver acordado o país para a participação
cívica nas campanhas eleitorais e mostrando quanto já se fizera a esse respeito até a Campanha de Nilo Peçanha,
em 1922, Oliveira Vianna assinala, de uma parte, a inutilidade imediata daqueles movimentos feitos sobe a crosta
letárgica da sociedade rural brasileira, imobilizada nos vínculos do personalismo e presa ao cerrado egoísmo dos
clãs e seus chefes — sociedade insensível, por conseguinte, à palavra política, às plataformas de governo, às
formulações administrativas, ao apelo dos programas, à exposição das idéias e dos princípios — mas, doutra parte,
ressalva, um tanto contraditório, o pessimismo que exala, agudo, de suas reflexões iniciais.
Esse pessimismo assim se exprime: “Campanhas e propagandas com intuitos eleitorais só se justificam
entre povos cuja organização partidária não é o clã pessoal, ou em que o instinto gregário está ausente do caráter
das maiorias populares”.12
Conclui porém que aquelas caravanas, com paciência e lentidão, fazem trabalho ingente, constroem o
futuro, plantam o carvalho que há de crescer e atravessar decênios, transpor gerações. O meio rural conhecerá pois
os seus problemas ouvindo o orador dos comícios democráticos. Virá depois o tempo alforriá-lo da dependência
do chefe. A este se prendem as populações rurais por “instinto de fidelidade” por “preconceito de lealdade”, por
todos esses elementos de sujeição pessoal que tolhem se deixem elas “arrastar pela força abstrata e invisível das
idéias”.13
Do mesmo sociólogo: “Os nossos homens de interior costumam apoiar homens — e não programas;
pessoas — e não idéias”.14
Não temos democracia de partidos e a razão, segundo Oliveira Vianna, reside nisso: “Ora, em nossa
democracia, o que vemos é justamente o contrário disto: ela se baseia em indivíduos — e não em classes; em in-
divíduos dissociados — e não em classes organizadas, e todo mal está nisto”.15
Crê ademais o mesmo pensador que “todas as tentativas de organização partidária em nosso País, desde o
Primeiro Império” foram vítimas de um logro: o de “julgar possível a organização de um partido — partido que
não seja um bando, agitando-se em torno de um homem, de um caudilho — sem a preliminar organização das
classes econômicas, das classes que produzem e contribuem”.16
Todo o pensamento de Oliveira Vianna como análise sociológica do partido político no Brasil é em larga
parte correto ou válido até as vésperas da Revolução de 1930. Mas desde que ele escreveu aquelas considerações,
o meio eleitoral subjacente às estruturas partidárias padeceu em nosso País algumas relevantes transformações.
Houve pois mudança, houve progresso, houve passagens qualitativas em termos de apreciação social das nossas
bases políticas.
Com efeito, da Revolução de 1930 aos nossos dias, observam-se os seguintes pontos de mudança: as
massas rurais já não compõem sozinhas as três quartas partes do corpo eleitoral; o sufrágio urbano se fortaleceu
quantitativamente por decorrência da revolução industrial em marcha, e essa elevação aritmética tende a
robustecer-se com o tempo; o eleitor, em largas zonas rurais, continua preso ao chefe político, por laços de adesão
pessoal, mas essa adesão já não é passiva ou incondicional: resulta agora da expectativa de uma prestação e
contraprestação, base da mantença do prestígio das lideranças políticas; enfim, o eleitor vota ainda, em grande
parte, fora de um quadro de idéias, mas consciente do imediatismo pertinente ao atendimento de certos interesses
de ordem pessoal ou de natureza pública. Dantes apenas a obediência cega, o voto manipulado nas fraudes
eleitorais, o falseamento da verdade política. Agora, o voto dado por um eleitor exigente de compensações de
ordem pessoal: o emprego, por exemplo.
O erro de Oliveira Vianna é supor que na democracia do século, necessariamente uma democracia de
massas, seja possível o comportamento ideológico do corpo eleitoral classificado em partidos políticos. Esse
comportamento será de exceção, e só reconhecível àquelas agremiações em desacordo com o sistema político
estabelecido e assim determinadas no propósito de reformar ou abater as instituições desde os seus fundamentos.
Temos, por conseguinte, no Brasil, o que não poderíamos deixar de ter: esse quadro partidário de
patronagem, destino de todas as situações democráticas da faixa ocidental, coerentes com as suas origens. Já
chegamos, pois, a semelhante grau de desenvolvimento. O que temos distinto da Inglaterra, dos Estados Unidos e
mais países ocidentais é apenas a base da pirâmide eleitoral, ou seja, a compacta massa rural e urbana de eleitores,
cuja tomada de consciência política, quando efetivamente ocorrer, se dará principalmente em termos sociais, em
sentido oposto à política habitual dos partidos. Dar-se-á com notas de agressividade e impaciência, que se não
observam, com a mesma intensidade, nos países desenvolvidos.
“Desrevolucionar” essas massas consiste portanto em acomodá-las ao processo partidário clássico. A
democracia partidária será sempre no Brasil politicamente personalista em matéria de colheita ou captação de
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sufrágios: democracia de confiança no homem público para atender clientelas, democracia de empregos ou
democracia para dar soluções administrativas, práticas, concretas, positivas, a problemas que, se não dizem res-
peito a pessoas determinadas, dizem respeito a grupos ou classes.
Nisso se cifra o máximo de despersonalização a que se pode chegar num processo partidário onde não se
venha a confundir o voto nas idéias com o voto nas ideologias.
Se entendermos por voto nas idéias o voto em planos e programas de governo, tomando por tácitas as
bases institucionais, que serão feitas instrumentos ou órgãos desses planos, então já temos em verdade uma
pequena parcela do eleitorado brasileiro resolutamente caminhando para esse resultado.
Mas não tenhamos ilusões maiores a esse respeito. À proporção que camadas sociais mais numerosas se
vão politizando, egressas da marginalização que as excluíra de toda ingerência no processo político, observa-se
que seu comportamento dificilmente se poderá conter nos moldes tradicionais do pluripartidismo ocidental.
A democracia de massas nos países desenvolvidos abrange uma só força sufragante, com indiferença à
tese ideológica, como no caso norte-americano; com sustentação manifesta da ideologia dominante, de cunho
democrático-parlamentar, como no caso da Inglaterra.
Ali, eleitor e eleito buscam solução para problemas ou alimentam idéias de teor político-administrativo,
sem jamais questionarem as bases do sistema.
Do ponto de vista qualitativo, é isto o máximo a que se há de chegar em países, onde a dissidência
ideológica na estrutura partidária raramente alcança abalar o quadro das instituições.
Num país porém sem os níveis de um desenvolvimento industrial consumado, que é o caso do Brasil, esse
quadro se modifica, complica-se, enreda-se em contradições flagrantes e desesperadoras.
Convocado à participação, o eleitorado poderá ouvir das lideranças políticas o sedutor apelo às atitudes
ideológicas. Os problemas mais importantes em nosso país se vinculam invariavelmente a questões estruturais.
Debatê-los partidariamente traz sempre o “inconveniente” de suscitar questões de fundo. Não suscitá-los, significa
manter partidos e opinião boiando sem rumo em superfície de mar revolto, batido pelas tempestades sociais, que
poderão mais cedo ou mais tarde fazer submergir as instituições democráticas.
A dimensão social e política que se abre ao partido político brasileiro em termos de conservação
democrática implica portanto algo mais que aquilo que se passa na Inglaterra, Itália e Estados Unidos. Implica
tomada de consciência quanto às responsabilidades de uma missão para a qual ele se afigura de todo
despreparado.
Não basta situá-lo, pelo aperfeiçoamento democrático, como um partido de idéias, esvaziado de ideologia,
conforme o modelo das organizações partidárias norte-americanas, ou fazê-lo militantemente ideológico como na
Inglaterra (a ideologia democrática). Urge dar-lhe um programa de governo, com idéias profundas de reforma
econômica e social, que tragam na adesão ao princípio democrático uma confissão também dos rumos a serem
perlustrados quanto à transformação histórica da sociedade subdesenvolvida ou semidesenvolvida em sociedade
plenamente emancipada tocante à questão do século, que é, como todos sabem, para nós, a questão do
desenvolvimento.
A solução norte-americana geraria crises incoercíveis, crônicas, inarredáveis. A solução inglesa parece-
nos melhor. Resta porém saber se seria formalmente possível. Demanda o máximo de “politização” dos partidos
no quadro da ideologia democrática. Precisariam eles de transformar-se a cada passo em escolas de reverência à
lei, de culto às instituições, de consolidação da confiança pública nos homens que governam e no regime a que
servem para formar então lideranças de escol, ou homens que tivessem o perfil de estadistas. Partiríamos a seguir,
democraticamente, para intentar a solução de problemas, que muitos descrêem seja possível nos moldes
competitivos da recente estrutura que tinham os partidos brasileiros, e que continuarão a ter, sem dúvida.
Ora, essa desconfiança inicial, feita de pessimismo e suspeição, constitui já um agente negativo, fator que
mina as esperanças da opinião na subjugação das crises, por meios ou instrumentos normais de comportamento
democrático. E a vida de um país sub ou semidesenvolvido é a vida em crise institucionalizada.
Quando chegamos a esta altura da reflexão, temos que parar. Domina-nos de longe a sedução
parlamentarista. Por sermos um tanto “ingleses” na solução brasileira que convém às nossas instituições políticas
é que preconizamos o instrumento parlamentar de governo.
O parlamentarismo educaria os partidos e os partidos educariam o povo. Daqui por diante a estrada ainda
seria difícil de seguir, cortada de espinhos, ameaçada de desvios, marcada de longas e sinuosas curvas, que
ladeariam as grandes crises do poder. Mas se o parlamentarismo desse porventura ao país alguma tranqüilidade
institucional, a de que mais precisamos desde a queda da Primeira República, em 1930, decerto que o sistema
cobraria meios seguros de entrar a fundo na ordem administrativa, financeira e econômica, para então lograr, com
bom êxito e sem abalo do regime democrático, o termo da mudança industrial, promotora de nossa elevação à
categoria das nações desenvolvidas do Ocidente.
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Novembro de 2004, Universidade de Maryland, cerca de vinte minutos da Casa Branca, Washington DC. Os
Estados Unidos estavam em alerta total, não por questões de segurança nacional: a tensão era pela disputa entre o
democrata John Kerry e o republicano George W. Bush, buscando a reeleição. "Não se troca o cavalo no meio da
jornada." Essa metáfora western-hollywoodiana foi usada para justificar a vitória, relativamente fácil, de George
W. Bush, considerado o pior presidente que os americanos já tiveram.
Militantes do Partido Democrata protestaram quando, aparentemente, alguns votos não foram contados porque os
eleitores não conseguiram entender a disposição dos nomes dos candidatos nas cédulas - que são diferentes em
cada estado. Intrigado com o mecanismo das eleições que eu não podia entender completamente, por mais atenção
que prestasse, pedi a um professor de História Americana explicações sobre o sistema eleitoral do país. O
professor não hesitou em responder: "não sabemos exatamente".
O processo eleitoral nos Estados Unidos é bastante complexo e confuso, para os próprios americanos; para nós, é
quase impossível de entender. A leitura de um livreto editado pelo Bureau of International Information Programs 1
do Departamento de Estado no início do corrente ano, ajudou a esclarecer um pouco.
Os Estados Unidos da América são uma democracia representativa desde que a constituição de 1787 foi ratificada.
Eleição nunca foi uma novidade para os habitantes das treze colônias inglesas na Costa Leste do continente
americano. O township na América, lembrada por Tocqueville, vinha da Inglaterra e elegia seus administradores.
As eleições atuais guardam alguns resquícios dos tempos da colônia. A escolha do presidente e do vice-presidente
ocorre a cada quatro anos e se realiza em anos pares. E a cada dois anos são eleitos 435 membros da câmara dos
deputados, assim como, aproximadamente, um terço dos cem membros do senado (o mandato dos senadores é de
seis anos).
O sistema federativo americano é muito complexo. O governo federal exerce o poder central, evidentemente. Mas
nem tanto. Os governos dos estados têm muita autonomia, quando se compara com o que ocorre no Brasil. Na
verdade, muitas vezes, ao governo federal não é permitido exercer certas funções que só competem ao governo
dos estados. Os estados e governos locais (entenda-se governos dos condados ou county - o que corresponde mais
ou menos a nossos municípios) têm uma variedade muito grande de independência. Há dois tipos básicos de
eleições: uma primária e outra geral. As primárias são, como o nome indica, realizadas antes das eleições para
presidente e servem para indicar o candidato de cada um dos dois partidos americanos, isto é, o Democrata e o
Republicano. A rigor, a política dos Estados Unidos funciona como um sistema bipartidário. Há outros partidos,
mas foram poucas as vezes em que um terceiro partido chegou perto da vitória. Chegou perto, mas nunca ameaçou
o monopólio, ou melhor, o duopólio, dos dois partidos.
Desde o começo do século XX, as eleições primárias têm sido, em certo sentido, o principal instrumento para a
escolha do candidato do partido à presidência. Raramente aquele que ganha nas primárias não é escolhido
candidato do partido. Em alguns estados o candidato é escolhido por tradição em convenções locais em vez de
primárias. Esse sistema é chamado caucus. O caucus é uma espécie de encontro de membros do partido de uma
pequena localidade para escolher o delegado. O caucus envolve reuniões em casas de pessoas conhecidas ou clube
de uma comunidade. Cada pequeno grupo reúne-se num cômodo da casa ou nas dependências do clube e tenta
chegar a um consenso, depois numa reunião maior dizem o nome escolhido até chegarem a um nome comum.
Depois disso, o partido se reúne na convenção nacional, geralmente entre julho e setembro. Desde os anos 1970,
já se fica sabendo o nome do candidato muito antes da convenção. É o que está acontecendo agora: McCain, pelo
Republicano, e Barack Obama, pelo Democrata. Tudo isso porque eles conseguem a nomeação de delegados
partidários de suas candidaturas antes que as primárias e os caucuses terminem... Assim, as convenções viram
uma festa. Apitos, balões, ou melhor, bexigas, e principalmente bandas acompanhadas de cheerleaders. E os
chapéus de "palheta", herança da moda do fim do XIX. Na verdade, a convenção já é um primeiro e importante
passo para a propaganda nacional do candidato.
Daí vai-se para as eleições gerais. O problema é que não se escolhe somente o candidato. Alguns estados
aproveitam para fazer petições por escrito na própria cédula para aprovar o orçamento de uma obra pública.
Segundo o site da UOL, para a próxima eleição um grupo de democratas da Califórnia está recolhendo assinaturas
para incluir nas cédulas das eleições de novembro uma proposta de mudança do nome de uma estação de
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tratamento de água, de "Oceanside Water Pollution Control Plant" para "George W. Bush Sewage Plant" - ou seja,
Estação de Tratamento de Esgotos George W. Bush. Não é fácil votar nos Estados Unidos. A escolha do
candidato, na eleição geral, é feita por meio de uma lista escrita numa cédula. Assinala-se e deposita-se numa
urna. No livreto do Departamento de Estado há uma fotografia de uma funcionária segurando uma máquina de
votar. Essas novas máquinas estão sendo adotadas em alguns estados.
O número de votantes vem caindo de eleição em eleição. Com exceção das duas últimas (2000 e 2004), votam no
máximo 50% dos eleitores. Daí a dúvida que paira sobre a legitimidade do pleito. O voto não é obrigatório, mas
voluntário. O sistema complica-se com o grande número de eleições que podem ocorrer simultaneamente nos
planos local e geral. O eleitor precisa se auto-registrar, o que é diferente em cada condado, cada estado, cada
pequena cidade perdida no "sertão" de Montana ou de Oregon. Tudo isso leva o americano a uma preguiça
eleitoral macunaímica. E mais: a eleição não é feita num domingo, e sim em dia comum de trabalho.
Só americano nato pode se candidatar a presidente. Um terceiro mandato ficou proibido desde que a vigésima
segunda emenda foi aprovada, em 1951. O último que se reelegeu por mais de uma vez foi Franklin Delano
Roosevelt. No começo, isto é, em 1787, na época em que foi escrita a constituição, os chamados founding fathers
não planejaram a existência de partidos na acepção moderna do termo. Os primeiros mecanismos estavam
assentados nas premissas da separação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O federalismo era a
base e o presidente deveria ser eleito por um colégio eleitoral. Isso ajudou a nova república a ficar mais
independente de partidos e facções políticas.
No entanto, apesar das intenções dos pais da pátria, por volta de 1800 a nova república possuía organizações
políticas em bases nacionais semelhantes a partidos. Sem dúvida, isso era novo no mundo da política. Mesmo na
França revolucionária, não havia exatamente partidos nacionais. Pela primeira vez podia-se transferir o poder de
uma facção para a outra por meio de eleições. O desenvolvimento e expansão dos partidos foram seguidos pela
extensão do direito de voto. No começo da república, somente proprietários do sexo masculino é que podiam
votar. No século XIX, com a chegada dos imigrantes, a expansão para o Oeste e o crescimento das cidades, os
novos atores sociais começaram a exercer poderosa pressão para uma maior participação política. Aos poucos, o
direito foi se tornando extensivo a todos. Uma cena do filme O homem que matou o facínora (The man who shot
Liberty Valance), de John Ford, dá uma boa idéia do significado do direito de voto adquirido pelos imigrantes.
Ramson Stoddart, o advogado do Leste recém-chegado em Chimbone, uma imaginária cidadezinha perdida no
Oeste, dá aulas de cidadania aos semi-analfabetos habitantes da localidade, adultos e crianças. Num determinado
momento, o improvisado professor pergunta a Nora, uma sueca, o que ela havia aprendido sobre a democracia.
"Se o representante em quem votamos", respondeu a imigrante, "não fizer o que prometeu, vamos dar um chute
nos 'manda-chuvas' de Washington e não vamos votar mais nesses políticos." Na época em que o filme foi
ambientado, isto é, pouco depois da Guerra Civil, o voto ainda não tinha se estendido às mulheres, mas já havia
clara consciência dos direitos. Direitos limitados, entretanto. Depois da Guerra Civil, teoricamente os ex-escravos
estavam habilitados a votar. Durou pouco. Em 1877, o programa de reconstrução foi dado por encerrado, e os
negros livres voltaram a uma quase-escravidão, pelo menos em muitos estados do Sul.
O Partido Republicano e Partido Democrata têm suas origens nos predecessores do século XIX e dominam
totalmente o processo eleitoral. Com raríssimas exceções, são os dois partidos que controlam a presidência, o
congresso, a câmara dos deputados, os governos dos estados. Por exemplo, desde 1852 todos os presidentes foram
eleitos ou pelo Partido Republicano, ou pelo Democrata. Há possibilidade da participação de outros partidos?
Legalmente sim. Eles podem e têm seus candidatos. Mas a máquina dos dois partidos é de tal forma poderosa que,
na prática, é impossível a eleição por meio de um terceiro partido.
Os dois partidos majoritários não têm uma programação claramente ideológica. Há, isto sim, uma base mais
pragmática, o que facilita uma adaptação ao processo político.
Tecnicamente, os americanos não elegem o presidente e o vice-presidente por meio do voto direto. Essa é uma
atribuição do colégio eleitoral. Os americanos votam dentro de seus estados em um grupo de eleitores que se
compromete com um ou outro candidato (somente um) e formam um Colégio Eleitoral. Cada Estado tem um
determinado número de eleitores no colégio, baseado no tamanho de sua população. Em quase todos os estados, o
vencedor do voto popular leva todos os votos do colégio eleitoral daquele estado. Por causa desse sistema, um
candidato pode chegar à Casa Branca sem ter o maior número de votos populares em âmbito nacional. O número
de eleitores corresponde ao número de representantes (deputados) e senadores de cada estado. A eleição do
presidente requer maioria absoluta dos 538 votos dos cinqüenta estados.
Os pais fundadores dos Estados Unidos planejaram o colégio eleitoral para que os estados pudessem repartir o
poder estatal e nacional. É por isso que, sob o sistema de colégio eleitoral, o voto popular não possui um peso
significativo no resultado final. Algumas vezes, candidatos foram eleitos sem a maioria dos votos populares.
As eleições primárias (presidência, senado e governo estadual) são consideradas peças fundamentais para a
existência da democracia. Se algum militante mais radical, ou mais liberal, na linguagem da cultura política
americana, conseguir ser nomeado nas eleições primárias, ele pode e deve fazer valer sua plataforma política
dentro dos limites do programa do partido. A elasticidade política dos partidos americanos é social e étnica. Com
exceção dos judeus e dos negros americanos (que majoritariamente votam com os democratas), os dois partidos
recebem votos de quase todos os segmentos sociais e étnicos do país. Ou seja, os partidos têm grande flexibilidade
e grande diversidade a ponto de absorver em suas fileiras radicais de todos os lados. Em outras palavras, como já
vimos, quando um partido assume o poder, o pragmatismo tende a suplantar a ideologia. E para complicar mais as
coisas, um presidente não pode exigir do senador ou deputado de seu próprio partido um voto de lealdade
partidária.
Se a exigência de maioria absoluta torna impossível a eleição de um candidato por um terceiro partido, algumas
vezes isso quase foi possível. Em fevereiro de 1912, o ex-presidente Theodore Roosevelt quis disputar a indicação
como candidato do Partido Republicano. A disputa era severa. Do outro lado do partido estava William Howard
Taft, antigo amigo de Roosevelt que disputava a reeleição. A máquina do partido estava nas mãos dos seguidores
de Taft. Roosevelt, sabendo que seria derrotado, fundou um novo partido de caráter progressista. Durante sua
presidência, Roosevelt ficou conhecido como durão e se dizia forte como o alce gigante encontrado nas florestas
frias da América do Norte - em inglês, moose. O novo partido ficou conhecido como Bull Moose Party. Três
nomes disputavam a eleição em novembro de 1912: Theodore Roosevelt pelo Bull Moose Party, William Taft
pelo Partido Republicano e Woodrow Wilson pelo Partido Democrata. A participação de um candidato
(Roosevelt) com forte apelo popular por meio de um terceiro partido que tentava romper com a tradição do
bipartidarismo só serviu para dividir os eleitores do Partido Republicano. O democrata Wilson, como sabemos, foi
eleito. Theodore Roosevelt arrumou sua bagagem e veio curtir a ressaca da derrota na selva amazônica, ao lado de
Cândido Rondon3. Algo parecido ocorreu em 1992 quando o bilionário texano Ross Perot saiu por um terceiro
partido com uma plataforma conservadora. O Partido Republicano dividiu-se, e Bill Clinton, do Partido
Democrata, venceu, derrotando George Bush pai. Há quem afirme que a candidatura do verde Ralph Nader foi
financiada, secretamente, pelo Partido Republicano, já que Nader surrupiou muitos votos que iriam para Al Gore,
do Partido Democrata, facilitando a duvidosa vitória de George W. Bush em 2000. Ou seja, a candidatura por um
terceiro partido é legal, mas a eleição, impossível.
PRIMÁRIAS
As eleições primárias nem sempre foram a regra nos Estados Unidos. No século XIX e em parte do XX, a escolha
do candidato se fazia nas convenções, que eram controladas pelos líderes dos partidos. A liderança política usava
sua influência para garantir que os delegados votassem corretamente (de acordo com o interesse dos grupos) na
convenção. No entanto, no começo do século XX, os oponentes dos caciques dos partidos demandaram
modificações no sistema de escolha. Aos poucos, muitos estados começaram a fazer eleições para a escolha dos
delegados, isto é, eleições primárias. Em 1916, mais da metade dos estados americanos já realizavam esse tipo de
eleição. Durou pouco a alegria das oposições aos caciques. Depois da Primeira Guerra, os poderosos do partido
perceberam que as primárias minavam a estrutura de poder criada e mantida há muitos anos. Houve pressões
sobre os poderes dos estados: as primárias eram muito caras, e poucas pessoas participavam ó esse era o
argumento deles. Na eleição de 1936, somente doze estados as realizaram.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o crescimento das cidades, a expansão dos subúrbios e, principalmente, a
difusão da televisão como meio de comunicação de massas transformaram a sociedade americana. Antes mesmo
de 1960, quando Kennedy foi eleito, mais de 90% das famílias americanas possuíam pelo menos um aparelho de
televisão. E foi a televisão que ajudou a trazer de volta as eleições primárias. A maioria das pessoas podia ver e
ouvir as campanhas políticas entre a propaganda de um sabão em pó e de um novo modelo de aspirador ou de uma
soap opera. Um candidato a presidente poderia exibir seu popular appeal, como foi o caso de John Kennedy. Da
televisão para a retomada na participação das primárias foram necessárias algumas décadas. Até chegar à situação
atual.
A vitória de Obama sem dúvida insere-se nesse quadro. O papel de Oprah Winfrey, conhecida líder de audiências
na televisão americana em talk-show, não foi determinante, mas foi fundamental. Ela abraçou a candidatura de
Barack Obama. E isso, sem dúvida, ajudou o senador por Illinois a superar Hillary Clinton em várias primárias em
redutos brancos do Centro-Oeste e Centro-Norte. Controvérsias dentro do Partido Democrata podem ainda
complicar as coisas. O historiador Sean Wilentz, autor de livros sobre a democracia americana, põe em dúvida a
lisura da campanha de Obama. E as militantes feministas democratas hillaristas preferem votar em McCain por
discordar da plataforma mais elástica de Obama, que pode dar margem a interpretações machistas. No recente
encontro pela unidade do partido, elas gritavam da platéia: "Nobama!", ou ainda "Snobama!", uma alusão ao
caráter elitista do jovem advogado formado em Harvard.
O que sabemos, neste meio de ano eleitoral americano, é que as pesquisas indicam uma ampla vantagem para o
candidato afro-americano. É fato inédito na história de um país com heranças racistas.
42
Sistemas Eleitorais
A) Sistema Majoritário
B) Sistema Proporcional
É o sistema que estabelece o maior número de representantes de uma unidade eleitoral
(estado, província, etc) de acordo com sua população. Quanto maior a população, maior o número
de representantes eleitos. Ex. eleição para a Câmara dos Deputados no Brasil.
C) Sistema Desproporcional
É o sistema que estabelece a mesma quantidade de representantes para todas as unidades
eleitorais (estado, província, etc), independente do tamanho de sua população. Ex. eleição para o
Senado Federal brasileiro, em que cada estado possui 3 senadores, independente do tamanho de sua
população. No Senado dos EUA, cada estado indica 2 senadores.
D) Sistema Distrital
É o sistema que estabelece a representação por pequenas unidades eleitorias - distritos - com
um vínculo maior entre o representante político e uma região geográfica. Não é aplicado no Brasil.
Se fosse utilizado Brasil, p. ex., nas eleições para deputados federais, os estados - Minas
Gerais, Rio de Janeiro, etc - seriam divididos em regiões ou distritos, cada um contendo uma
eleição específica para eleger (pelo critério majoritário, quem obtiver mais votos) um representante.
Em Minas Gerais, p. ex., haveria um eleição entre candidatos da Zona da Mata, outra eleição entre
candidatos do Triângulo Mineiro, outra do Leste de Minas, outro da região metropolitana de BH,
etc. Os deputados federais de MG seriam, então, o conjunto dos representantes eleitos em cada
distrito. Este modelo valoriza a aproximação do representante político com a localidade. Despreza-
se, um pouco, uma eleição baseada em ideologias – não haveria possibilidade, p. ex., de um
morador do Triângulo Mineiro votar em Itamar Franco (da Zona da Mata) para deputado federal,
porque o considera importante para MG ou porque ele é um notório defensor da educação. A
escolha ideológica vai se restringir aos candidatos de seu distrito.
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F) Sistema Misto
É uma união dos critérios majoritário e distrital. Uma parte dos representantes seria
escolhida pelo critério distrital e outra parte pelo critério majoritário.
Fórmulas Eleitorais
A)Majoritária = elege-se o candidato que tem mais votos, no primeiro ou no segundo turno. Ex.
eleição para governador no Brasil.
B)Proporcional =os votos são distribuídos proporcionalmente, de acordo com a votação dos
candidatos. Sua preocupação é assegurar que a diversidade de opiniões das diversas correntes
políticas esteja representada no parlamento ou qualquer outro órgão legislativo. Ex. eleição para o
legislativo no Brasil.
B.3) Cáulculo do quociente eleitoral do Brasil, para distribuição de cadeiras pelo sistema de
representação proporcional:
4ª operação: Distribuição das sobras de lugares não preenchidos pelo quociente partidário.
Dividir a votação de cada partido pelo nº de lugares por ele obtidos + 1 ( art. 109, nº I do Código
Eleitoral). Ao partido que alcançar a maior média, atribui-se a 1ª sobra.
5ª operação: Como há outra sobra, repete-se a divisão. Agora, o partido A , beneficiado com a 1ª
sobra, já conta com 6 lugares, aumentando o divisor para 7 (6+1) (art. 109, nº II, do Código
Eleitoral).
6ª operação : Como há outra sobra, repete-se a divisão. Agora, o partido B , beneficiado com a 2ª
sobra, já conta com 5 lugares, aumentando o divisor para 6 (5+1) (art. 109, nº II, do Código
Eleitoral).
7ª operação: Como há outra sobra, repete-se a divisão . Agora, o partido C , beneficiado com a 3ª
sobra, já conta com 3 lugares, aumentando o divisor para 4 (3+1) (art. 109, nº II, do Código
Eleitoral).
OBS: No exemplo acima, a 7ª operação eliminou a última sobra. Nos casos em que o número de
sobras persistir, prosseguem-se os cálculos até que todas as vagas sejam distribuídas.
46
RESUMO:
A 5 2 7
B 4 1 5
C 2 1 3
D 2 0 2
E 0 0 0
TOTAL 13 4 17
A) Estruturalismo
Na verdade, o estruturalismo é mais um método de análise, que consiste em construir
modelos explicativos de realidade, chamados estruturas.
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Por estrutura entende-se um sistema abstrato em que seus elementos são interdependentes e que
permite, observando-se os fatos e relacionando diferenças, descrevê-los em sua ordenação e
dinamismo. É um método que contraria a teroia da ação social. Para o estruturalismo, ao contrário,
não existem fatos isolados, mas partes de um todo maior. Assim, compreende-se que:
− Alguns fenômenos podem ser explicados não pelo que deixam à mostra, mas por uma
estrutura subjacente.
− Os fatos possuem uma relação interna, de tal forma que não podem ser entendidos
isoladamente, mas apenas em relação aos seus pares antagônicos.
B) As teorias da ação social fazem parte de um conjunto analítico conhecido como sociologia
compreensiva. Essas teorias representam uma outra abordagem da sociedade, pois deslocam a
relevância das estruturas sociais para a análise das ações sociais mais ligadas ao indivíduo.
Se, para o estruturalismo, existe uma estrutura supra-individual que determina as ações individuais
em uma sociedade, para as teorias de ação social essa estrutura inexiste e é relegada a segundo
plano.
Buscam compreender as motivações que levaram os indivíduos a agirem de determinada
forma, o sentido que a ação social possui, dentre outras coisas. Portanto, a principal diferença entre
as teorias da ação social e o estruturalismo é a ênfase dada à participação do indivíduo na sociedade.
Para as teorias da ação, o indivíduo possui uma grande importância na sociedade, e não é
determinado por uma estrutura. O indivíduo possui motivações próprias, desejos, vontades que dão
a tônica da ação que ele estabelece socialmente. Isto significa dizer que o indivíduo pode agir
socialmente influenciado por valore morais, éticos, ou pela tradição. Suas ações são dotadas de
sentido próprio.
Ao conviverem em sociedade, os indivíduos estabelecem entre si interações, através das
quais criam-se expectativas mútuas de comportamento. Dessa forma, os indivíduos podem ser
considerados atores sociais e, como atores, estabelecem papéis diversos no seio de uma sociedade.
Um exemplo prático: uma mulher numa sociedade ocidental, por exemplo, exerce o papel de mãe,
mulher, trabalhadora, dentre outros.
TEXTO COMPLEMENTAR:
48
Lombroso chegou a propor não a pena de morte, mas sim que o Estado deveria enviar assassinos
para o exército, onde seriam úteis para a sociedade assim como trapaceiros e vigaristas deveriam ser
incentivados a se tornarem policiais ou jornalistas.
Os primeiros estudos sociológicos sobre o desvio datam da formação da sociologia como
ciência na Europa de fins do século XIX. As abordagens iniciais tendiam a corroborar as
explicações naturalizantes desenvolvidas por outros teóricos sociais, sobretudo eugenistas. Até
mesmo Durkheim, o responsável pela institucionalização da sociologia como ciência, chegou a
desenvolver um capítulo sobre a distinção entre o normal e o patológico em As Regras do Método
Sociológico. Ainda que coerente com seu objetivo de só explicar o social pelo social, o sociólogo
francês terminou por transferir o binômio normalidade-desvio para a esfera sociológica.
Se considerarmos que a sociologia deve se afastar de explicações naturais e enfatizar os
aspectos propriamente sociais e históricos então pode-se afirmar que a sociologia do desvio
constituiu-se como uma subárea, ainda que institucionalmente pouco reconhecida, a partir da
tradição sociológica da Escola de Chicago. Sua origem está umbilicalmente ligada ao estudo dos
problemas que emergiram com a formação da metrópole marcada pelo crescimento populacional
acelerado associado à imigração, ao caos urbano, o processo de assimilação de indivíduos vindos de
toda parte e com bagagens culturais e históricas as mais diversas e conflitantes.[28]
Chicago foi uma das cidades que cresceram mais rapidamente no mundo na virada do século
XIX para o XX. De um povoado de pouco mais de quatro mil habitantes em 1840 a cidade já
ultrapassara um milhão e cem mil habitantes quando da fundação da Universidade de Chicago em
1892. Esse crescimento espantoso faria com que a cidade alcançasse a marca de três milhões e meio
de habitantes em 1930. Os imigrantes de origem européia assim como os negros vindos do Sul do
país em busca de melhores condições de vida criaram uma metrópole multi-étnica marcada pela
indústria, comércio diversificado e uma próspera bolsa de valores.
O que se convencionou chamar de Escola de Chicago é uma criação a posteriori levada a
cabo principalmente por Herbert G. Blumer (1900-1987), o qual unificou aspectos que considerava
típicos dos estudos desenvolvidos naquela universidade sob o rótulo de Interacionismo Simbólico.
O feito de Blumer merece tanto respeito quanto cautela, pois ele transformou uma grande
diversidade de pesquisas e abordagens numa tradição com um conjunto coerente de premissas
teóricas e uma metodologia clara.
Os estudos sobre criminalidade eram marcados por abordagens espaço-temporais que
enfatizavam a observação das relações sociais em um meio geográfico específico. Os sociólogos de
Chicago analisavam o modo de vida de determinados grupos sociais em certo bairro, suas relações,
a censura ou ataque de que eram alvo por outros grupos da mesma área ou vindos de outro bairro.
Na década de 1950, os estudos de criminalidade não eram mais tão importantes e
predominavam pesquisas sobre profissões e formas de interação social. É neste contexto que
surgem pesquisas tão originais com relação a diversas formas de desvio social que alguns passariam
a unificá-las como constituindo uma nova tradição, a Segunda Escola de Chicago. Nessa tradição,
duas obras marcaram definitivamente os estudos sobre normalidade e desvio, uma de cada um dos
teóricos mais conhecidos desta linha de estudos, Asylums de Erving Goffman (1922-1982) e
Outsiders de Howard Becker (1928-).
Goffman enfatiza o papel da instituição de forma que até os psiquiatras poderiam ler seu
livro e se sentir vítimas da “instituição social” que molda seus atos, portanto se não os isenta de seu
papel de controle social ao menos os coloca como “obrigados” a agirem como agem devido à
instituição e suas regras enquanto em Foucault as críticas também se dirigem ao campo dos saberes
psiquiátricos e seu papel ativo na criação das instituições. Não que Goffman ignore a distinção entre
internos e pessoal, a qual ele expõe e analisa com o objetivo de colocar em relevo os três elementos
50
quem vender de forma a tornar essa atividade conseqüente e lucrativa. Roubar é uma atividade que
se aprende, tem etapas.
A sociologia do desvio de Becker propõe uma distinção entre fatos e o ato de acusação e admite que
as acusações não são sempre exatas. Há variantes no sistema penal de país para país, por exemplo.
Assim, o sociólogo norte-americano não enfatiza o comportamento ou ato “desviante” em si, mas
sim os processos pelos quais os desviantes são definidos pelo resto da sociedade. Segundo sua
teoria da rotulagem (labeling theory), o desviante é aquele que é designado como tal e não existe
um consenso que defina claramente o que é a violação de uma norma ou mesmo o que seria uma
norma nas sociedades modernas. Na verdade, ser designado como desviante resulta de uma
variedade de contingências sociais influenciadas por aqueles que detém o poder de impor essa
classificação.
A sociologia do desvio desenvolvida por Becker e Goffman funda-se na necessidade de abordar as
condições nas quais as normas são instituídas. Além disso, Becker e sua abordagem interacionista
convida à compreensão do desvio como um processo em constante elaboração, no qual o indivíduo
pode ou não se engajar. Quanto mais ele se engaja, mais ele é implicado e mais difícil se torna
renunciar a isso. O paralelo com a sociologia do trabalho surge na adoção da noção de “carreira”:
cada tipo de desvio consiste em uma carreira específica, mas o esquema de engajamento é similar:
primeiro há um ato primário (que pode permanecer secreto e mesmo ser não-intencional), depois a
aquisição de uma identidade desviante e, finalmente, a adesão a um grupo desviante.
Becker sublinha o papel fundamental da sociedade na definição das carreiras desviantes. A
vida dos músicos de Jazz de Chicago, por exemplo, se resume em uma tensão entre o desejo de
fazer música de qualidade, o que os mantém na marginalidade, e a demanda social por música
comercial, da família por ascensão e estabilidade. A válvula de escape se torna a construção de
relações que permitam ao músico tocar em bons lugares. De certa forma, essa solução é paralela à
do ladrão que se alinha em uma quadrilha, portanto organiza sua vida de forma a se estabelecer em
sua carreira (no caso realmente desviante segundo as normas burguesas) de forma definitiva e com
relativa estabilidade.
As pesquisas desenvolvidas por autores como Goffman e Becker conseguiram superar o que
parecia ser uma conformação dos estudos sociológicos às premissas e, sobretudo, aos objetivos
sociais de normalização e controle. A teoria da etiquetagem inaugura uma abordagem em que os
comportamentos rotulados como desviantes não são o foco da investigação, antes o meio pelo qual
certos grupos sociais detém o poder de rotular outros como desviantes.
Apesar dos estudos de Goffman e Becker não se aprofundarem em uma gênese histórica do
chamado “desvio”, sem dúvida se inserem no movimento de mudança de uma abordagem fincada
no conceito de desvio para uma fundada no de diferenças.
Desde a publicação de O Segundo Sexo (1949) de Simone de Beauvoir, o feminismo tornou
visíveis os processos sociais e históricos que levaram à construção da mulher como um Outro do ser
hegemônico, o homem. Contribuiu, assim, para o desenvolvimento dos estudos sobre diferenças
devido a seu próprio objeto de crítica e por adotar a perspectiva da metade (feminina) da
humanidade que é objeto de processos de subordinação e controle.
Progressivamente, tornou-se claro que as mulheres não podiam ser vistas como desviantes e
sua condição de inferioridade social mostrava que elas vivenciavam processos similares aos de
outros “diferentes”. Os processos de subalternização e controle possuíam similaridades, mas
também distinções temporais e locais, assim não podiam mais serem explicados de forma genérica e
atemporal por conceitos como o de dominação masculina a partir do Patriarcado. Gayle Rubin, com
o objetivo de trazer à luz esses processos de forma a levar em conta os aspectos locais e históricos,
introduziu o conceito de gênero como categoria de análise em seu texto “O Tráfico de Mulheres:
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TEXTO COMPLEMENTAR I:
No século XIX, vários pensadores tinham grande preocupação em dar respostas aos vários
problemas sociais que se desenvolviam no seio da sociedade capitalista. Os socialistas utópicos
foram os primeiros a proporem e teorizarem meios que pudessem resolver a expressa diferença
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Em 1848, os pensadores Karl Marx e Friedrich Engels apareceram com um elaborado arcabouço
teórico que visava renovar o socialismo. Para tanto, realizaram um complexo exercício de reflexão
sobre as relações humanas e as instituições que regulavam as sociedades. Como resultado,
obtiveram uma série de princípios que fundamentaram o marxismo, também conhecido como
socialismo científico.
Um exemplo dessa condição pode ser vista no processo revolucionário francês. Nesse evento
histórico, o socialismo científico observa que o desenvolvimento da economia capitalista foi
impondo a criação de um novo regime político, leis e costumes que se adequavam a essa nova
realidade. Nesse sentido, os arcaicos costumes feudais bem como seus demais representantes
acabaram sendo combatidos.
Além disso, o pensamento marxista alega que o materialismo dialético seria uma das molas
propulsoras fundamentais que alimentam as transformações históricas. Dessa forma, no momento
em que um sistema econômico passa a expor os seus problemas e contradições, os homens passam a
refletir e lutar por novas formas de ordenação que possam se adequar às novas demandas.
Por isso, ao avaliar os mais diferenciados contextos históricos, Marx e Engels chegaram à conclusão
de que a história das sociedades humanas se dá por meio da luta de classes. Nessa perspectiva, o
marxismo aponta que a oposição que se desenvolvia entre nobres e camponeses na Idade Média
seria uma variante da mesma relação de conflito que, no mundo contemporâneo, ocorre entre a
burguesia e o proletariado.
Esse regime ditatorial teria a função de assumir os meios de produção e socializar igualmente as
riquezas. Dessa forma, seriam dados os primeiros passos para o alcance de uma sociedade
igualitária. Na medida em que essa situação de igualdade fosse aprimorada, o governo proletário
cederia lugar para uma sociedade comunista onde o Estado e as propriedades seriam finalmente
extintas.
KARL MARX nasceu em Treves, na Prússia, em 1818. Era fi lho de um advogado judeu convertido
ao protestantismo. Formado em Direito, trabalhou esporadicamente como jornalista. Deixou
numerosos escritos como "Manuscritos econômicos e filosóficos", "0 18 Brumário de Luís
Napoleão", "Contribuição à crítica da economia política", "0 Capital", e, em conjunto com Engels,
"A Ideologia Alemã", "Manifesto Comunista", entre outros. Segundo Engels, as duas grandes
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Marx e Engels começaram a formular a concepção matéria da História quando escreveram juntos
"A Ideologia Alemã", em 1845/46; o materialismo histórico é, de acordo com Marx, o "fio
condutor" de todos os estudos subseqüentes. Os conceitos básicos do Materialismo Histórico(3)
constituem uma teoria científica da História, vista até então como uma simples narração de fatos
históricos. Ele revolucionou a maneira de se interpretar a ação dos homens na História, abrindo ao
conheci mento, uma nova ciência e aos homens uma nova visão filosófica do mundo: o
Materialismo Dialético.
Em diversos tipos de organização social essa divisão se dava de forma transparente. Assim, quando
a divisão fundamental da sociedade contrapunha senhores e escravos, era evidente que os escravos
trabalhavam (de graça) para os senhores. Do mesmo modo, na época feudal, os camponeses, servos,
eram obrigados a trabalhar parte dos dias da semana nas terras dos senhores feudais, sem qualquer
pagamento.
Na economia capitalista a divisão da sociedade em classes permanece, mas já não é tão
transparente. Se analisarmos atentamente a situação perceberemos que a classe dominante não
produz aquilo que consome – vive, por exemplo, dos juros de aplicações financeiras, lucros gerados
por empresas nas quais, muitas vezes, os acionistas proprietários não têm participação direta, sequer
como administradores ou diretores, ou de aluguéis. Esta classe se mantém pela apropriação do
excedente gerado por gente que trabalha e produz. Mas as formas precisas pela quais a transferência
deste excedente se faz são complexas, e nem sempre podem ser facilmente percebidas.
No capitalismo, os trabalhadores assalariados são, fundamentalmente, os responsáveis pela
produção. Recebem pagamento pelo seu trabalho: o salário. Aparentemente realizam uma troca,
visto que, ao contrário dos escravos ou dos servos, não trabalham de graça para seus patrões. Mas se
isso fosse verdade, não haveria como explicar como vivem os que não produzem.
Uma das contribuições fundamentais de Marx para compreender a economia capitalista foi
justamente explicar a forma como isto acontece. Ele destacou que o salário não é o pagamento pelo
valor gerado pelo trabalho. É, isto sim, uma espécie de aluguel da capacidade de trabalho de um
trabalhador ou de uma trabalhadora por um período de tempo (por exemplo, por um mês, se o
salário é pago mensalmente).
Ora, cabe ao capitalista que contrata os trabalhadores, ou a seus prepostos, garantir que eles
produzam um valor maior do que aquele recebido como salário. Isto não é muito difícil: os salários
tendem a se fixar no nível em que são apenas aproximadamente suficientes para a subsistência e a
reprodução da classe trabalhadora (incluindo sua qualificação); o desenvolvimento da tecnologia
tornou possível que cada trabalhador produza um valor bem maior do que este.
Marx chamou de mais-valia a diferença entre o valor adicionado pelos trabalhadores (incorporado
às mercadorias produzidas) e o salário que recebem. A mais-valia definida desta maneira é em tudo
semelhante ao trabalho gratuito que escravos ou servos entregavam a seus senhores. É uma forma
disfarçada de transferência de um excedente para a classe dominante.
Marxismo e Direito
ALAOR CAFFÉ ALVES : Boa tarde a vocês todos, meus alunos, e ao prof. Olavo de Carvalho. Em
meia hora evidentemente não dá para dizer quase nada a respeito do pensamento jurídico, e
especialmente do pensamento jurídico calcado na perspectiva de uma metodologia singular, que é a
metodologia marxista. Já digo inicialmente que não sou um marxista no sentido tradicional do
termo, mas tenho meu namoro com relação a certas questões, e a certas questões metodológicas,
que se exprimem ao longo da vida do pensamento teórico marxista, desde Marx até hoje. É claro
que, com as idas e vindas históricas, problemas graves, inclusive de situações relacionadas com
frustrações políticas extraordinariamente importantes, tudo isso nos dá um grau de perplexidade.
Mas, por outro lado, nos permite ver algumas coisas importantes. Eu simplesmente tive de escolher
– porque meia hora é tão pouco – alguma coisa estratégica relacionada com o Direito, a sociedade e
a perspectiva marxista, que é uma perspectiva que no século XX teve um domínio muito grande,
especialmente na ordem política, embora não daquela forma que desejávamos que fosse. O
marxismo teve distorções profundas no esquema político e social, enveredou nações inteiras por
caminhos que não são efetivamente (ou não eram efetivamente) marxistas, ou pelo menos na
conclusão do ideal desse pensador que conhecemos, que é Marx. De qualquer forma, influiu muito a
vida do século XX, e a nós cabe apenas uma perspectiva um pouco mais elementar, porque vamos
tratar apenas de uma parte da sociedade e sob uma certa ótica, que é a jurídica. Marx nunca tratou
do Direito. Na verdade, Marx foi um economista dos clássicos. Atuou de uma forma muito singular
no plano do pensamento teórico da economia, estabelecendo seus princípios, enfim, aquilo que ele
julgava adequado para explicar a sociedade em que ele vivia. Muitas das explicações de Marx já
não valem mais, em função da historicidade dessas mesmas expli cações. Então, é claro, temos de
dar o devido valor e entender que isso não significa absolutamente compreender Marx sob o ponto
de vista dogmático, mas sim o que ele pode nos fornecer, nos dar, nos oferecer para entender um
pouco, especificamente, o problema social; e aqui, no nosso caso, o problema jurídico.
Para colocar a questão muito rapidamente, muito estrategicamente, no ponto de possível discussão,
nós temos de levar em conta as características do Direito exatamente dentro da perspectiva e da
posição que postulava Marx naquela época, o século XIX, já numa dimensão estrutural social;
precisamos entender o que significa a chamada estrutura social, se ela comporta ou não
previsibilidade, se admite ou não as possibilidades de um conhecimento razoável do ser humano, a
ponto de prever as condições objetivas de sua vida social. Nós encontramos várias ciências sob o
ângulo da previsão, como a sociologia, como a própria economia, mas a questão é saber se a
história pode ser prevista. Essa é uma questão importante, porque o próprio homem é considerado
como ser produto da história e de sua socialidade. Se o ser humano é um produto social, a par da
situação individual em que ele se apresenta também como ser biológico – ele também tem a sua
individualidade singular, biológica, psicológica –, aqui também se indaga sobre a forma social que
toma essa expressão biológica e psicológica. Até que ponto a socialidade determina as dimensões
de vontade, os valores humanos, as crenças? Em que sentido isso ocorre?
O próprio Direito é uma expressão social, pois é um fenômeno social e, sendo um fenômeno social,
tem de ser estudado desde de certos critérios que permitem caracterizar uma certa regularidade no
Direito. É por isso que temos de considerar que o Direito pode ser um saber científico. Muitos não o
admitem como um saber científico, e sim como um saber apenas prático; alguns levam em conta se
é possível um saber prático ou se há apenas um conjunto de propostas gerais que não têm uma
fundamentação científica adequada para verificação de sua validade, de sua verdade. Tudo isso é
um problema complicado, pois se trata da metodologia do saber jurídico, focada na perspectiva da
metodologia de Marx. Existem teóricos juristas sobre esse assunto. Por exemplo, na própria União
Soviética, nós temos um grande teórico jurista, que sofreu os impactos da ditadura de Stalin:
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Pashukanis, um grande pensador que, atendendo às premissas, enfim, às diretrizes postuladas pela
metodologia marxista, pela visão marxista do mundo, acabou dando-nos uma visão interessante,
que depois ele mesmo transforma; ele mesmo altera seu ponto de vista, dá uma virada, e acaba
morto em 1937 na União Soviética. É claro que outros filósofos existem: mais atualmente, temos os
filósofos juristas como Ceromi [?], grande pensador italiano, ligado também à perspectiva marxista,
e também Atienza, um grande pensador ligado às questões da ordem do método marxista do
Direito. Também temos o namoro feito por Norberto Bobbio relacionado com a questão do Direito;
mas ele é um neoliberal, mas de uma forma um tanto diferente daquelas relativas aos neoliberais do
século XIX e mesmo do século XX.
Dadas essas condições gerais, o que quero mostrar a vocês é o seguinte: como é que vamos tratar o
Direito dentro de uma perspectiva não positivista? Uma delas é a marxista. O conceito de direito no
sentido positivista, como vocês sabem, decorre exatamente de uma posição e definição da lei como
sendo aquela que deve definir as condições e as específicas diretrizes jurídicas de uma sociedade. A
sociedade deve ser produzida do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista jurídico
mediante as posturas legais ou legislativas. O grande problema é saber como esta referência
positivada do Direito se deu. Há, claro, explicações, inclusive contrapondo o positivismo ao
jusnaturalismo, que são muito interessantes – mas não vamos perder tempo agora em defini-los,
porque é muito complicado e precisaríamos de mais tempo –, explicações estas que não têm
normalmente, por definição, a produção do espírito humano senão mediante a confissão de
reflexões filosóficas ou reflexões dentro do âmbito ideal do Direito. Por exemplo, a perspectiva
idealista ou a perspectiva não-materialista corresponde ao fato de que há um espírito, espírito este
que não significa o de cada um de nós, mas o conjunto dos espíritos, que na verdade são as ações
culturais dos homens, particularmente, que formam o espírito que em última instância exprime
aquilo que a história deve nos dar, vale dizer, o espírito na busca da liberdade. Esta postura é
justamente hegeliana: a busca da liberdade produz praticamente a vida social. O Estado mesmo é
uma expressão desse mesmo espírito. Essa visão é extremamente criticada pelos marxistas, que
acham que a espiritualidade tem por base uma estrutura social calcada na visão da produção da vida
social, na produção da vida material. Se não houver a idéia da produção da vida material da
sociedade, nós não temos a idéia mais clara do próprio espírito; a espiritualidade está
dinamicamente relacionada à materialidade. Claro que não existe um espírito isolado, solitário,
como não caberia existir a matéria solitária. A matéria, para Karl Marx, não é jamais a matéria
bruta, nem aquela matéria opaca; não é materialidade dos físicos gregos clássicos, a busca de um “
em si ”, de uma substância material no mundo. Para Karl Marx, a matéria é postulada em função da
produção da vida social humana. Materialidade, portanto, é algo que é prenhe de espiritualidade, de
certo modo; há uma relação dialética entre o processo de pelo qual os homens agem no mundo e
transformam o mundo; e nesse processo de transformação do mundo, os homens, progressivamente,
vão transformando-se a si mesmos. É isso o que acontece.
Portanto, esta visão inaugura a idéia de processualidade, exatamente o oposto da visão positivista do
Direito. Vocês podem ver, por exemplo, o caso de Kelsen, que trabalha uma visão
fundamentalmente estática, ou, vale dizer, muito abstrata. Para ele, o Direito é substancialmente
norma e é uma estrutura de sentido. A norma como estrutura de sentido não será estudada do ponto
de vista de sua gênese e nem de seus fins, porque gênese e fins da norma são questões de outras
ciências e não do próprio Direito. O Direito, em sua essencialidade, se exprime pela norma abstrata,
por um dever-ser postulado segundo uma estrutura de coação, que é definida pelo próprio Estado.
Então, um dever-ser , para Kelsen, é fundamental, e ele separa fundamentalmente o dever-ser do
ser. Evidentemente, essa postura não é aceita pela perspectiva marxista, porque o ser e o dever-ser
se compõem numa relação dialética. Não é fácil compreender isto. É difícil. Na visão kelseniana,
portanto na linha neokantiana, se faz diferença profunda e séria entre ser e dever-ser: o ser
determina o dever-ser , isto é, ele é condição para o dever-ser. Ou seja, Kelsen aceita que a
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sociedade deve existir necessariamente para que exista o Direito, para que exista o dever-ser, a
norma; mas o dever-ser não tem por fundamento o ser, ou seja, a relação social, a sociedade, e sim
tem por fundamento um outro dever-ser, e este outro tem por fundamento um outro mais, até um
dever-ser fundamental, que ele chama de norma fundamental. Portanto, para ele, a relação do dever-
ser com o ser é absolutamente separada, não existe uma comunhão entre uma e outra a não ser pela
condição necessária – não a condição per quam , pela qual, mas a condição necessária pela qual se
deve ter uma ordem. É claro que não há Direito sem sociedade, com isto ele concorda. Kelsen era
um homem extremamente ladino, profundo, grande pensador do Direito; mas tem uma visão
formalizada. O Direito como estrutura de sentido organiza a vontade; o Direito, embora tendo como
causa a vontade humana, porque já não pode mais ter causa divina (desde que Deus está morto,
segundo Nietzsche), então não há mais essa postura de direito teologal, como também não há a idéia
do direito natural, um direito que estabelecesse uma relação direta entre o ser e o dever-ser , em que
o próprio ser é dever-ser. Como já não se admite isso, a única forma de se admitir o Direito é aquele
imposto pelos homens. A forma de impô-lo implica uma relativização do Direito, e esta
relativização do Direito imposto pelo homem (porque o homem é um ser circunstanciado, histórico,
condicionado por situações singulares) evidentemente tem de ter alguma segurança a respeito do
que ele faz, especialmente, no plano do Direito moderno. Para isso, Kelsen não pode aceitar senão a
linguagem do discurso jurídico. É por isso que a positivação do Direito moderno é fundamental,
porque é uma das formas pela qual se dá a garantia de uma certa estabilidade da forma como se diz
o Direito. Diz através da lei, a lei é a positivação do Direito mediante formas escritas; por isso a
codificação do sistema, porque antes não havia esta codificação tão expressiva, mas a partir do
século XVII, a codificação se torna cada vez mais presente, e no século XIX é praticamente
universalizada. O Direito é um direito escrito, e enquanto direito escrito, tem estrutura de sentido, é
um direito que tem de ser interpretado. Vejam vocês, portanto, que a estrutura econômica se torna
muito complexa, determina a necessidade de os homens registrarem o Direito necessariamente, sem
o que o Direito não pode ser devidamente interpretado e aplicado adequadamente.
Mas tudo isso define uma situação de positividade que de certo modo extrai as possibilidades
materiais do próprio Direito. Esquece-se Kelsen dos fundamentos sociais, das estruturas sociais; daí
o problema de que no positivismo se faz uma separação entre Direito como norma positivada e
justiça, moralidade e ética jurídica. Estas questões são muitos distintas. O próprio Kelsen aceita
perfeitamente essa postura e diz que o Direito é isto. É claro que esta visão é formalizada, portanto,
uma visão estática do Direito, melhor ainda, uma visão universal do Direito. De certo modo se diz o
seguinte: a norma jurídica, como jurídica que é, que dá a essencialidade à compreensão do Direito,
é igual no sistema capitalista, socialista, comunista, feudal, clássico: a norma é sempre a norma, é
sempre o dever-ser .
Texto Complementar: Artigo “Algumas teorias das relações internacionais: realismo, idealismo e
grocianismo”, de Gustavo Biscaia de Lacerda, Intersaberes – Revista Científica, na pasta do
professor.