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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITO AGRÁRIO

Tributação e Desenvolvimento Rural:


A Contribuição Territorial Rural Municipal como
instrumento efetivo de Desenvolvimento Agrário em face
da Lei de Responsabilidade Fiscal

OLAVO MARSURA ROSA

GOIÂNIA, GO – BRASIL
2

2005
OLAVO MARSURA ROSA

Tributação e Desenvolvimento Rural:


A Contribuição Territorial Rural Municipal como
instrumento efetivo de Desenvolvimento Agrário em face
da Lei de Responsabilidade Fiscal

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em


Direito, da Universidade Federal de Goiás, Área de
concentração em Direito Agrário, como requisito parcial à
obtenção do título de mestre em direito, área de pesquisa -
Desenvolvimento Rural e Tributação, sob orientação do
Professor Dr. Eriberto Francisco Beviláqua
Marin.
3

GOIÂNIA
2005

Quem passou pela vida em branca nuvem


E em plácido repouso adormeceu
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu...
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida e não viveu...
Francisco Otaviano
4

OLAVO MARSURA ROSA

A CONTRIBUIÇÃO TERRITORIAL RURAL MUNICIPAL COMO


INSTRUMENTO EFETIVO DE DESENVOLVIMENTO
AGRÁRIO E DE RESPONSABILIDADE FISCAL

Dissertação apresentada em ______ de ________________ de ________ como requisito


necessário à obtenção do Grau de Mestre, no Curso de Mestrado em Direito Agrário, pela
Banca Examinadora constituída pelos seguintes componentes:

_________________________________ Nota: __________

Prof. Doutor em Direito Eriberto Francisco Beviláqua Marin


Presidente da Banca

_________________________________ Nota: __________

Profa. Doutora em Direito Glacy Odete Rachid Botelho


Membro da Banca

_________________________________ Nota: __________

Profa. Doutora em Direito Eliana Paula Fernandes


Membro da Banca

Média: _________
5

Dedico este trabalho à minha esposa, companheira


inseparável de muitas vidas e ao homem do campo,
que, com sua simplicidade e honestidade, constrói o
Brasil.
...in memorian, ao meu amado pai, Olavo Jardim
Rosa, espelho e exemplo de vida, a quem eu devo o
que sou e o que tenho.
6

Meus agradecimentos especiais à minha família e aos


meus colegas de escritório, pela compreensão e
amparo durante os longos meses de estudo e ausência
de seu convívio; ao meu orientador, por sua presença
estimulante de idéias e indicações e ao ensino público,
que tornou possível este trabalho de pesquisa.
7

SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS...................................................................... 09


LISTA DE TABELAS E FIGURAS................................................................................ 12
RESUMO............................................................................................................................13
ABSTRACT........................................................................................................................14
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 15
1 O DESENVOLVIMENTO RURAL ......................................................................... 19
1.1 Evolução Histórica ................................................................................................ 24
2 PRINCIPAIS ENTRAVES AO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO................. 32
2.1 Assistência Técnica e Extensão Rural.................................................................... 35
2.2 Fontes de Financiamento Público.......................................................................... 44
2.2.1 Tesouro Nacional........................................................................................... 45
2.2.2 Emissão de Títulos da Dívida Agrária........................................................... 46
2.2.3 Imóveis apreendidos (narcotráfico)............................................................... 47
2.2.4 Cédula da Terra.............................................................................................. 48
2.2.5 Empréstimos financeiros................................................................................ 50
2.2.6 Imposto Territorial Rural................................................................................ 51
2.2.7 Orçamentos Estaduais e Municipais.............................................................. 52
2.3 Fontes de Financiamento Privado.......................................................................... 52
2.4 Centralização, na União, da desapropriação e do Imposto Territorial Rural......... 54
2.4.1 Dissociação da realidade................................................................................ 55
2.4.2 Aumento de custos dos processos.................................................................. 56
2.4.3 Comprometimento de Estados e Municípios................................................. 57
2.5 Conflitos sociais..................................................................................................... 58
2.6 Desapropriações jurisdicionadas............................................................................ 60
2.7 Corrupção............................................................................................................... 61
2.8 Infra-estrutura ........................................................................................................ 63
3 O NOVO PANORAMA RURAL BRASILEIRO.................................................... 67
3.1 O desarmamento das tensões sociais..................................................................... 67
3.2 O crescimento do “agronegócio”......................................................................... 68
3.3 A valorização dos imóveis rurais.......................................................................... 71
3.4 A infra-estrutura rural............................................................................................74
3.5 Cooperativas e Associações................................................................................... 76
3.6 O Desenvolvimento Rural Sustentável ..................................................................77
4 IMPOSTO TERRITORIAL RURAL........................................................................80
4.1 Instituição.............................................................................................................. 83
4.1.1 Estatuto da Terra............................................................................................ 84
4.1.2 Matriz Constitucional ................................................................................... 85
4.1.3 Administração do imposto............................................................................. 86
4.2 Alterações Legislativas......................................................................................... 90
4.2.1 Estatuto da Terra............................................................................................ 90
4.2.2 Transferência da administração do Incra para a Secretaria da Receita
Federal............................................................................................................. 92
4.2.3 A Lei nº 8.847, de 1994................................................................................. 93
4.2.4 A Lei nº 9.393, de 1996................................................................................. 95
4.2.5 A Emenda Constitucional nº 42, de 2003...................................................... 96
4.3 Finalidade Institucional........................................................................................ 98
8

4.3.1 A tributação da terra como instrumento de redução da desigualdade


fundiária....................................................................................................... 101
4.3.2 O controle cadastral.................................................................................... 102
5 A PROPOSTA DE EXTINÇÃO DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL E DE
CRIAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO TERRITORIAL RURAL MUNICIPAL..... 105
5.1 Teor do Projeto de Emenda Constitucional sugerido............................................. 106
5.2 Competência concorrente na edição de normas legislativas e o princípio
federativo............................................................................................................... 108
5.3 A vinculação das receitas tributárias.......................................................................
109
5.4 Formatação legislativa da Contribuição Municipal proposta..................................
113
5.5 O potencial de arrecadação da Contribuição Territorial Rural Municipal..............
117
5.6 Fiscalização e controle da aplicação dos recursos..................................................118
6 A CONTRIBUIÇÃO TERRITORIAL RURAL MUNICIPAL PROPOSTA COMO
INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO................................... 122
6.1 Regulamentação Municipal.....................................................................................
124
6.2 Lançamento, cadastro, fiscalização e cobrança.......................................................
125
6.3 Cadastro..................................................................................................................
127
6.4 Planta de Valores.....................................................................................................
128
6.5 Gestão dos Recursos................................................................................................
129
6.6 Limites de utilização...............................................................................................130
6.6.1 Reforma Agrária............................................................................................ 131
6.6.2 Produção........................................................................................................ 133
6.6.3 Assistência Técnica e Extensão Rural........................................................... 133
6.6.4 Infra-estrutura................................................................................................ 134
6.6.5 Atividades Agrárias....................................................................................... 135
6.7 Desenvolvimento Rural-Urbano.............................................................................136
7 A DESCENTRALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA E ADMINISTRATIVA COMO
PREMISSA CONSTITUCIONAL............................................................................ 138
7.1 O princípio da Subsidiariedade no Direito Público.................................................
141
8 A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL COMO CONTROLE DA NOVA
TRIBUTAÇÃO DA TERRA...................................................................................... 145
8.1 A ineficiência fiscal dos Prefeitos: realidade ou mito?...........................................
149
8.2 A ação da sociedade, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas ................
151
CONCLUSÃO................................................................................................................... 156
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................ 161
ANEXOS............................................................................................................................ 167
APÊNDICES...........................................................................................................180
9

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS


ABCAR – Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural
ACAR – Associação de Crédito e Assistência Rural
ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ADI – Ação Declaratória de Inconstitucionalidade
AGENCIARURAL – Agência Goiana de Desenvolvimento Rural e Fundiário
AIA – American International Association
AMARRIBO – Amigos Associados de Rio Bonito – SP
ANPEC – Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia
ART – Anotação de Responsabilidade Técnica
ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BNH – Banco Nacional de Habitação
CAFIR – Cadastro Fiscal de Imóveis Rurais
CATI – Coordenadoria de Assistência Técnica Integral da Secretaria de
Agricultura e Abastecimento de São Paulo
CEF – Caixa Econômica Federal
CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre
combustíveis
CNA – Confederação Nacional da Agricultura
CNDRS – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável
CNE – Conselho Nacional de Educação
CNIR – Cadastro Nacional de Imóveis Rurais
CONFAZ – Conselho Nacional de Política Fazendária
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CSSSP – Contribuição Social sobre Salário dos Servidores Públicos
CSTR – Contribuição Social sobre a Propriedade Territorial Municipal
CTB – Carga Tributária Brasileira
CTN – Código Tributário Nacional
DIAC – Declaração de Informação e Atualização Cadastral do Imposto
Territorial Rural
DIAT – Declaração de Informação e Apuração do Imposto Territorial Rural
EC – Emenda Constitucional
EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMATER/GO – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Goiás
EMBRATER – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EMGOPA – Empresa Goiana de Pesquisa Agropecuária
ESALQ – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”
EUA – Estados Unidos da América
10

FCO – Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste


FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FGV/CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil da Fundação Getúlio Vargas
FNE – Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste
FNO – Fundo Constitucional de Financiamento do Norte
FNS – Fundação Nacional de Saúde
FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
IBEC – International Basic Economic Corporation
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
IBRE/FGV – Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IFNP – Instituto Fundação Nacional de Pesquisa
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INDA – Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
IPC – Índice de Países Corruptores
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados
IPTU – Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana
ITBI – Imposto sobre a Transmissão de Bens Inter Vivos
ITCD – Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação
ISEB – Instituto Superior de Estudos Brasileiros
ISS – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LC – Lei Complementar
LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias
LOA – Lei Orçamentária Anual
LRF – Lei de Responsabilidade Fiscal
MC – Medida Cautelar
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MOC – Movimento de Organização Comunitária
MODERFROTA – Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e
Implementos Associados e Colheitadeiras do BNDES
MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra
NEAD – Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural
OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PCdoB – Partido Comunista do Brasil
PEA – População Economicamente Ativa
PEC – Projeto de Emenda Constitucional
PIB – Produto Interno Bruto
11

PMAT – Programa de Modernização das Administrações Tributárias e da Gestão


dos Setores Sociais Básicos do BNDES
PNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
PNDR – Programa Nacional de Desenvolvimento Rural
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPA – Planos Plurianuais
PPP – Parcerias Público-Privadas
PSF – Programa de Saúde da Família
PT – Partido dos Trabalhadores
PUC – Pontifícia Universidade Católica
RGF – Relatório de Gestão Fiscal
RREO – Relatório Resumido de Execução Orçamentária
SAF – Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário
SAT – Subprojeto de Aquisição de Terras do Programa Cédula da Terra
SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SERTA – Serviço de Tecnologia Alternativa
SIAFI – Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal
SIC – Subprojeto de Investimento Comunitário do Programa Cédula da Terra
SRF – Secretaria da Receita Federal
SRL – Solicitação de Retificação de Lançamento da Receita Federal
STN – Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda
SUS – Sistema Único de Saúde
TDA – Títulos da Dívida Agrária
UDR – União Democrática Ruralista
UFBA – Universidade Federal da Bahia
UFCE – Universidade Federal do Ceará
UFIR – Unidade Fiscal de Referência
UFMA – Universidade Federal do Maranhão
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
URV – Unidade Real de Valor
USP – Universidade de São Paulo
VTN – Valor da Terra Nua
VTNm – Valor da Terra Nua mínimo
12

LISTA DE TABELAS E FIGURAS

Tabelas

1 – Decomposição da variação da Carga Tributária no Brasil (CTB) – 2003/2004............ 21


2 – Mortes de trabalhadores rurais em conflitos agrários nos últimos 10 anos................... 22
3 – Comparativo de custo/hectare entre o Programa Cédula da Terra e desapropriações do
Incra..................................................................................................................................... 49
4 – Níveis de corrupção no Brasil por setores empresariais............................................... 61
5 – Participação das cooperativas na produção agrícola brasileira..................................... 76
6 – Arrecadação do Imposto Territorial Rural no período de 1985 a 2002........................ 84
7 – Municípios contemplados com transferências voluntárias nos anos de 2004 e 2005... 115
8 – Planilha de preços referenciais de imóveis rurais nos Municípios de Anicuns e Iporá. 119
9 – Indicadores de aumento da receita de Municípios integrantes do PMAT..................... 121
10 – Evolução da população do Brasil no período de 1981 e de 1992 a 1999.................... 138
11 – Comparativo das receitas próprias municipais e transferências obrigatórias recebidas da
União e Estados, de 1998 a 2002........................................................................................ 151
12 – Perfil e evolução das finanças municipais no período de 1998 a 2003....................... 151

Figuras

1 – Preço Médio de Terras no período de 2002 a 2005...................................................... 73


13

RESUMO

Elencando as causas que impedem o pleno desenvolvimento da atividade rural no País, o


trabalho traça os novos contornos da sociedade rural brasileira, em especial o confronto
ideológico entre o agronegócio, tido como motor da economia e sinônimo de modernidade e a
agricultura familiar, a quem se atribui o mito de atrasada e ineficiente. Desmistificando estes
conceitos, verifica-se ser possível a busca de um desenvolvimento sustentável que aproxime
estes dois pólos, através da descentralização administrativa das políticas agrárias, atribuindo-
se aos Municípios, em parceria com a sociedade civil, o planejamento e execução das
políticas de desenvolvimento rural. Este modelo proposto firma suas bases no princípio da
subsidiariedade, nascido da doutrina social da igreja católica e aplicado na formação da
Comunidade Européia, através do Tratado de Maastricht, bem como nos princípios federativo
e de descentralização previstos na Constituição Federal. Identificada a falta de recursos
públicos como o principal problema para alavancar o desenvolvimento rural, verificou-se que
o Imposto Territorial Rural (ITR) é e sempre foi ineficaz neste sentido, constituindo-se em
fonte ínfima de receitas federais, desatendendo as finalidades constitucionais a ele atribuídas.
Assim, baseado nos princípios acima citados, formulou-se proposta de descentralização do
tributo em tela, alterando-se a competência para instituí-lo da União para os Municípios e
ainda alterando-lhe a natureza de imposto para a de contribuição social, com a finalidade de
vincular suas receitas às ações de desenvolvimento rural, sob controle de Conselhos
Paritários. Ao final, o trabalho estabelece um vínculo entre a Lei de Responsabilidade Fiscal e
a instituição da nova contribuição social municipal, a demonstrar os novos instrumentos
normativos que poderiam dar efetividade à arrecadação do novo tributo e efetivamente
promover o desenvolvimento rural.
14

ABSTRACT

Listing the causes that hinder the full development of the agricultural business in the Country,
the work traces the new contours of the Brazilian agricultural society, in special the
ideological confrontation between the agricultural business, known as economy’s engine and
synonymous of modernity, and familiar agriculture, to whom it’s attributed the myth of old
and inefficient. Demystifying these concepts, the search of a sustainable development that
approaches these two poles, through the administrative decentralization of the agrarian
politics is verified to be possible, attributing the Cities to it, in partnership with the civil
society, the planning and execution of the politics of agricultural development. This
considered model firms its bases in the principle of the subsidiary, born from the social
doctrine of the catholic church and applied in the formation of the European Community,
through the Treat of Maastricht, as well as in the foreseen principles federative and of
decentralization in the Federal Constitution. Identified the lack of public resources as the main
problem to increment the agricultural development, was verified that the Agricultural
Territorial Tax (ITR) is and always been inefficacious in this direction, consisting in the
lowermost federal prescription source, being inattentive the constitutional purposes attributed
to it. Thus, based in the principles above cited, one proposal of decentralization of the tribute
in screen is formulated, modifying it’s ability to institute it from the Union to the Cities and
modifying it’s nature of tax for the one of social contribution, with the purpose to tie its
prescriptions with the actions of agricultural development, under control of a Equalitarian
Counsel . To the end, the work establishes a bond between the Fiscal Responsibility Law and
the institution of the new municipal social contribution, to demonstrate the new normative
instruments that could give effectiveness to the collection of new the tribute and effectively to
promote the development agricultural.
15

INTRODUÇÃO

O Brasil é um País de dimensões continentais que possui uma das


maiores áreas agricultáveis do mundo, o que lhe reserva, no cenário internacional, lugar de
destaque como produtor de alimentos.
No entanto, o desenvolvimento do setor rural, no Brasil, não
correspondeu, ao longo de sua história, a esse potencial agrário, em razão de uma série de
fatores limitantes, que entravaram a possibilidade de o País se tornar o “celeiro da
humanidade”, como se apregoava em meados do século passado.
As desigualdades fundiárias, a falta de recursos, de tecnologia e
assistência técnica, o descontrole administrativo, a corrupção e a carência de infra-estrutura
no campo fizeram com que o setor agrário tivesse seu desenvolvimento retardado, embora o
sucesso alardeado do agronegócio, nos últimos anos, possa parecer o contrário.
A verdade é que o desenvolvimento atual se baseia mais na iniciativa
capitalista do mercado, que procura ocupar espaços e necessidades do comércio mundial, do
que em um planejamento efetivo do Estado, que vise a reduzir as desigualdades regionais,
inserir a agricultura familiar no mercado e amenizar as injustiças fundiárias do País.
Cabe lembrar que o Estatuto da Terra, editado em 1964, trazia duas
vertentes distintas, a saber: a Reforma Agrária e a Política Agrícola.
Em relação à Reforma Agrária, esta se dividia em duas outras
atuações do Estado: por um lado, a desapropriação dos imóveis improdutivos para fins de
reforma agrária, com o assentamento de trabalhadores rurais sem-terra e a colonização das
fronteiras agrícolas do País. Por outro, a utilização da tributação da terra como forma de
reduzir as desigualdades fundiárias, através do mecanismo da progressividade do imposto.
Neste contexto, o Imposto Territorial Rural (ITR), desde sua
instituição na Constituição de 1891, tem competência Estadual, mas especialmente após a
Emenda Constitucional nº 18, de 1965, que o transferiu para a competência da União, seria o
principal instrumento de eliminação das propriedades rurais improdutivas.
Mas tal desiderato não foi atingido, por motivos que serão analisados
no Capítulo 4 desse trabalho, revelando-se o ITR totalmente ineficaz, seja como forma de
angariar recursos para a Reforma Agrária, seja como instrumento de redução das propriedades
improdutivas no País.
16

É certo que as Reformas Tributárias até então propostas ao Congresso


Nacional traçaram os mais diversos matizes para o imposto rural, alterando competências,
alíquotas ou repartição da receita tributária, buscando torná-lo efetivo.
A Proposta de Reforma Tributária levada ao Congresso Nacional em
2003, sob a denominação de Proposta de Emenda Constitucional nº 41/2003 – PEC 411,
trazia, em seu bojo, a alteração da competência de instituição do ITR, passando o mesmo a
figurar no inciso IV do art. 155 (competência dos Estados e Distrito Federal), mas, de forma
claramente inconstitucional, estabelecia no § 6º do referido artigo que o imposto seria
regulado por lei complementar federal, vedada a adoção de lei estadual sobre a matéria.
Como não poderia deixar de ser, tal proposta não foi acolhida pelo
Legislativo Federal, mas a Emenda Constitucional nº 42/20032, fruto da PEC 41, trouxe
alguma modificação na forma de arrecadação e fiscalização do ITR, ao possibilitar aos
Municípios, mediante lei, assumir a responsabilidade da cobrança e fiscalização do tributo,
desde que não implique redução ou renúncia do imposto, cabendo ao Município optante a
totalidade da receita auferida, conforme disposto no art. 158, II, da CF/88.
No entanto, decorridos 18 meses, tal dispositivo ainda não foi
regulamentado por lei, conforme disposto no art. 153, § 4º, da Constituição Federal.
Da nova proposta de Reforma Tributária atualmente em discussão na
Câmara dos Deputados (Proposta de Emenda Constitucional nº 285, de 01 de junho de 2004 –
PEC 285/2004), por sua vez, não consta dispositivo algum referente ao ITR.
Assim, continua o ITR a representar valor insignificante das receitas
tributárias federais, representando 0,09% no ano de 20043, ou, em valores absolutos, 292
milhões de reais, sendo que metade desta receita fica para a União e metade é distribuída entre
os Municípios, na proporção dos imóveis neles existentes (média de R$ 48.000,00 anuais aos
Municípios goianos em 2004).
Constatando a ineficácia da atual forma de tributação da terra, como
instrumento de reforma agrária, e fundada no fortalecimento do princípio federativo,
determinado pela Constituição Federal, bem como amparado pelo princípio da
subsidiariedade, que ganha adeptos nas mais diversas configurações estatal do planeta, o autor
demonstra que a extinção de tal tributo, na forma de imposto, e sua recriação como
contribuição social da competência dos Municípios, pode torná-lo um efetivo instrumento de

1
Artigos referentes ao ITR na PEC 41, Apêndice 1;
2
Artigos referentes ao ITR na Emenda Constitucional nº 42/2003, Apêndice 2;
3
SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. Tabela II de Arrecadação das Receitas Federais, jan/dez 2003/2004.
Disponível em: www.receita.fazenda.gov.br/Historico/Arrecadacao/ResultadoArrec/2004/default.htm>.
Acessado aos 22.mai.2005. Anexo 1;
17

desenvolvimento agrário, ao mesmo tempo em que dará cumprimento ao comando


constitucional para realização de sua finalidade extrafiscal.
Com estas finalidades, o primeiro capítulo traz um panorama do
desenvolvimento rural no País, resgatando sua história e dando ênfase à “questão agrária”, ou
seja, aos problemas decorrentes da desigualdade fundiária do campo e da luta entre os
pequenos agricultores e as elites brasileiras que dominam o agronegócio.
No segundo capítulo, buscou-se relacionar os principais entraves que
impedem o pleno desenvolvimento do agro nacional, com destaque para as carências de
assistência técnica e extensão rural, para as fontes de financiamento público e privado do
desenvolvimento, para o modelo centralizado de reforma agrária e tributação da propriedade
rural, para os conflitos sociais no campo, para a jurisdicionalização das desapropriações, para
a questão da corrupção e, finalmente, para as carências de infra-estrutura, como fatores
limitantes do desenvolvimento rural.
O terceiro capítulo traça um quadro do novo panorama rural que se
apresenta neste momento de transição entre o rural e o urbano, entre a economia de
subsistência e o mercado e onde as preocupações ambientais, o associativismo e a qualidade
de vida são fatores tão relevantes como a alimentação e a saúde.
No quarto capítulo procurou-se analisar a estrutura e características do
atual Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), com a finalidade de escrutinar as
razões de sua ineficácia e inviabilidade, detalhando sua história, sua matriz legislativa, seus
procedimentos administrativos e, principalmente, suas finalidades institucionais e
constitucionais, não alcançadas ao longo de sua existência.
Verificada a inviabilidade do ITR, no quinto capítulo buscou-se
demonstrar a oportunidade de criação de um novo tributo (extinguindo-se o ITR), a
Contribuição Social sobre a Propriedade Territorial Rural, adaptada à sua real natureza
de tributo local e integrada nos princípios constitucionais de descentralização administrativa e
tributária, de respeito ao federalismo e no princípio da subsidiariedade.
No sexto capítulo aprofundou-se a questão da vinculação da receita
tributária decorrente da contribuição com o desenvolvimento rural proposta, destacando-se a
operacionalidade da exação e os limites de aplicação no setor rural, bem como sua
potencialidade de motor do desenvolvimento do Município, não só no setor agrário, mas
também no setor urbano.
O capítulo sétimo faz a amarração teórica da proposta de extinção do
ITR e criação da Contribuição Social Municipal, pela abordagem da descentralização
18

enquanto princípio constitucional e sua subsunção ao moderno movimento internacional de


transformação do Estado, com fulcro no princípio da subsidiariedade, que se coloca como
contraponto entre o neoliberalismo e o estado social, privilegiando a liberdade do ente menor
de realizar as tarefas de sua competência, sem descurar do amparo e do subsídio necessário e
suficiente nas tarefas que o mesmo não possa ou não realize com eficiência.
Por fim, no capítulo oitavo, contrapondo as críticas usuais à
destinação de poder e atribuições aos entes locais, sob o argumento de ineficiência, corrupção
e falta de vontade política de seus gestores em efetivamente arrecadar os tributos de sua
competência, procurou-se demonstrar uma nova realidade já em curso, para que os
administradores locais tenham a oportunidade de aprender e amadurecer suas ações, sob pena
de perpetuação do paternalismo e do assistencialismo que a atual forma de repartição das
receitas tributárias favorece.
19

1 O DESENVOLVIMENTO RURAL
A atividade rural, como fonte de recursos para as nações 4, e a posse
das propriedades rurais, como fonte de poder das sociedades organizadas 5 (LOCKE, 1998 e
HOBBES, 1999), são, e sempre foram, preocupações que permearam governantes de todos os
“naipes”, dos democráticos aos totalitários, dos coletivos aos personalistas, dos socialistas aos
capitalistas.
Do confronto destas duas necessidades nasceu, desde há muito tempo,
o que se poderia chamar de “A Questão Agrária”, ou seja, o problema de tornar o uso da terra
produtivo, de equacionar o êxodo rural, sem afrontar o direito de propriedade dos que detém o
poder político ou econômico do Estado.
A história mostra que os países que souberam resolver tal dilema6,
desta ou daquela forma, tiveram, em sua maioria, imensurável ganho de produtividade,
qualidade de vida, paz social e figuram entre as nações mais ricas da Terra.
É certo que as experiências internacionais devem ser vistas com as
devidas ressalvas, mas não podemos deixar de analisar cada caso, aproveitando o que de
melhor teve em cada um e aprendendo com os erros cometidos em outros países.
O caso brasileiro, por sua vez, deve ser analisado tendo em vista suas
peculiaridades históricas, sociais, políticas e econômicas.
A verdade é que o Brasil, embora figure em posição privilegiada
quanto à qualidade, diversidade e extensão de suas terras produtivas e tenha significativa
participação no mercado mundial de alimentos, além de possuir centros de excelência em
pesquisa agropecuária, resta como um dos poucos países do mundo que ainda não resolveram
sua “questão agrária”.
Marcado por profundos confrontos entre o atrasado e o moderno, a
sociedade rural brasileira apresenta enorme desigualdade na distribuição de suas propriedades
rurais, com a existência de grandes latifúndios produtivos e improdutivos, ao lado de

4
Fonte de riqueza predominante até o início da Revolução Industrial, ainda hoje a produção agrária representa
fator econômico fundamental para as nações, em especial para os países em desenvolvimento, como o caso do
Brasil.
5
Locke e Hobbes tratam do tema da propriedade, o primeiro entendendo-a como fruto do direito natural e do
trabalho e o segundo tendo-a como direito do Estado, que a distribui conforme as necessidades da sociedade.
6
EUA, através do “Homestead Act”, de 1862, que visava garantir a ocupação do Oeste Americano e,
posteriormente, pelas leis de incentivo e financiamento aos agricultores americanos, inclusive com a criação de
um Banco Rural. Japão, a partir de 1946, através de amplo programa de transferência de terras dos grandes
proprietários para seus rendeiros, sob influência do Governo de ocupação americano, bem como limitação das
áreas a algo em torno de 1,0 hectare. Espanha, através de sucessivas leis, desde a Ditadura Franquista, pela
compra de latifúndios e sua distribuição aos colonos, bem como pela limitação de tamanho e criação de
instrumentos cooperativos e societários. México, pela força armada e revolução, foram desapropriadas ou
expropriadas 70% das terras do país, em poder de uma minoria. No entanto, pela falta de políticas sociais
posteriores, grande parte voltou ao poder das elites.
20

contingentes hoje organizados de trabalhadores sem condições de adquirir terra para trabalhar
e, inclusive, sem condições de trabalho nas grandes propriedades, ora improdutivas, ora
tecnificadas e mecanizadas para a produção sem o uso de mão-de-obra.
Por outro lado, imenso contingente de proprietários familiares, embora
produzindo mais de 10% (dez por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) e empregando a
maior parte dos trabalhadores brasileiros no campo, sobrevive com inadequada assistência
técnica ou financiamento do governo e das entidades privadas e paraestatais e usa técnicas e
instrumentos em grande parte ultrapassados em face da tecnologia usada pelas grandes
empresas.
Neste sentido, artigo publicado no Jornal da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), edição de 23 a 29 de junho de 2003 (BUAINAIN et SILVEIRA, 2003),
aborda de forma sintética o que existe de real e mítico sobre a capacidade tecnológica da
agricultura familiar:

Agricultura familiar parece coisa do passado, atrasada, sem importância. Em


um país como o Brasil, dominado por grandes propriedades muitas
extremamente modernas e competitivas, e muitas ainda improdutivas parece
um anacronismo falar em pequenos agricultores que trabalham a terra com
base no esforço da família, e no comando do trabalho temporário de diaristas.
A imagem difundida no Brasil é a de agricultores de subsistência, que
resistem ao progresso e insistem em produzir alimentos básicos para
consumo próprio; que reagem às recomendações técnicas dos especialistas,
que têm medo de tomar crédito e de inserir-se na competição dos mercados.
Esta imagem revela apenas uma parte do universo de 4.100 milhões de
agricultores familiares.
Estudo recente realizado pelo Convênio FAO/Incra, com a colaboração de
professores e estudantes do Instituto de Economia da Unicamp (Guanziroli et
al. 2001), traça uma reveladora fotografia da agricultura familiar no Brasil:
em 1995/6 correspondia a 85,2% dos estabelecimentos, ocupava 30,5 % da
área total no campo, recebia 25% do crédito destinado à agricultura e
respondia por 37,9% da produção agropecuária, indicando que o uso
intensivo de certos fatores, principalmente do esforço familiar, permitiu a
uma parte dos agricultores superar as restrições estruturais, sobreviver e gerar
renda, ocupação e produção de alimentos e matérias-primas.

Observa-se que, embora representasse a maioria dos estabelecimentos,


tinha acesso a um quarto apenas do crédito disponível e tinha como fator de diferenciação o
uso da unidade familiar, o que representava ausência de equipamentos e tecnologia.
Como o artigo ressalta, esta situação teve pouca alteração nestes
últimos dez anos, pois se a globalização da comunicação tornou disponível melhor
instrumentos de desenvolvimento, o empobrecimento da agricultura familiar e o avanço das
grandes fazendas anularam as conquistas realizadas.
21

Verifica-se ainda o sucateamento das obras de infra-estrutura de


armazenamento e transporte dos produtos e a progressiva tributação da atividade produtiva,
que se acentua a cada ano.
É o que se observa da análise, feita pela Receita Federal, da evolução
da Carga Tributária no Brasil, entre 2003 e 2004, conforme quadro abaixo, que destaca a
participação de cada ente federativo na composição da arrecadação tributária (Quadro 4):

Tabela 1. Decomposição da variação da Carga Tributária no Brasil (CTB), entre 2003 e 2004.

Administração Ano (%) Variação (%)


2003 2004
União 24,23 25,04 0,80
Administrada pela SRF 16,65 17,17 0,52
Administrada pelo INSS 5,56 5,72 0,16
CEF (FGTS) 1,80 1,60 0,00
Mec (Salário Educação) 0,13 0,14 0,00
MPOG (CSSSP) 0,29 0,41 0,12
Estados 9,14 9,36 0,22
ICMS 7,73 7,83 0,10
Demais 1,42 1,53 0,11
Municípios 1,53 1,52 0,01

Total 34,90 35,91 1,01


Fonte: Secretaria da Receita Federal7

Desta forma, embora responsável pelo saldo positivo da balança


comercial do Brasil8 e principalmente pela alimentação do brasileiro a custos não-
inflacionários, houve grande crescimento no contexto globalizado e rural.
A Reforma Agrária, por sua vez, embora seja tema diverso do
desenvolvimento rural, hoje tem seu conceito a ele intimamente ligado e se transforma, no
Brasil atual, em necessidade premente de solução. Se quiser evitar que a questão se
transforme em conflito social de conseqüências imprevistas, dado o acirramento das disputas
pela posse da terra e o endurecimento das posições de proprietários e trabalhadores sem-terra.
Segundo Relatório da Ouvidoria Agrária do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, o número de mortes em decorrência de conflitos agrários tem
variado bastante nos últimos anos.
Mas os conflitos por disputas de terras vêm aumentando,
principalmente no Estado do Pará, onde ocorreram a maioria das mortes em 2005.

7
SRF. Disponível em <www.receita.fazenda.gov.br/Publico/EstudoTributario/cargafiscal/CTB2004.pdf>.
Acessado aos 29.set.2005.
8
As exportações do agronegócios totalizaram US$ 20,2 bilhões no primeiro semestre de 2005, recorde histórico
para o período, segundo informações do Ministério da Agricultura. Disponível em <www.agricultura.gov.br>.
Acessado aos 21.ago.2005.
22

Segundo o Relatório, é este o quadro de mortes no campo em razão de


conflitos agrários:

Tabela 2. Número de mortes de trabalhadores rurais em função de conflitos agrários nos últimos dez
anos (Ministério do Desenvolvimento Agrário, Brasil).

Ano Número de mortes de trabalhadores rurais


1995 41,00
1996 54,00
1997 30,00
1998 47,00
1999 27,00
2000 10,00
2001 14,00
2002 20,00
2003 42,00
2004 16,00
2005 (até julho) 6,00
Total 307,00
Fonte: <www.mda.gov.br/arquivos/ouvidoria_6_2005.pdf>. Acessado aos 21.ago.2005.

O Brasil encontra-se em momento decisivo e adequado para


conseguir um avanço de desenvolvimento ideal ao setor rural, depois de uma década de
estabilidade relativa da moeda (IBGE, 2005)9 e das instituições políticas (pós CF/88), além de
ter conseguido equalizar de forma razoável sua dívida pública interna e externa10
Entretanto, para que isso ocorra é necessário um investimento
ordenado e expressivo de recursos no campo, principalmente na formação de agricultores
profissionais, na oferta de crédito de longo prazo, em infra-estrutura e tecnologia de produção
e na oferta de serviços e produtos hoje só disponíveis aos habitantes das cidades.
Não é objetivo em nenhum momento deste trabalho, criticar o sistema
de Reforma Agrária previsto no Estatuto da Terra e na Constituição, mas apenas constatar
que, na prática, sem a sanção tributária que o ITR deveria proporcionar.
Através do instituto da progressividade, restou ao programa apenas as
ações de desapropriação dos imóveis improdutivos, pelo justo preço, e sua distribuição aos
trabalhadores rurais.
A junção da obrigação de pagar o valor de mercado aos grandes
proprietários improdutivos com a jurisdicionalização da ação desapropriatória tem
contribuído para alargar o “fosso” da desigualdade de renda no País.

9
Segundo dados do IBGE, o índice acumulado do INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor, no período
de julho de 1994 a julho de 2005 foi de 189,39%, com média mensal de 1,42%. Disponível em
<www.ibge.gov.br>. Acessado aos 21.ago.2005.
10
O Relatório Anual da Dívida Pública 2004, publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional – STN, informa um
saldo positivo na administração da Dívida Pública Federal, com destaque para crescimento econômico, contas
externas, resultado primário do governo e queda na relação DLSP/PIB. Disponível em
<www.stn.fazenda.gov.br/hp/downloads/Apresentação_Dívida_2004.pdf>. Acessado aos 21.ago.2005.
23

E, assim, esgota o erário com o pagamento de pesadas indenizações,


premia o proprietário com valores que o mesmo não alcançaria no mercado pelas suas terras
(mesmo considerando o deságio da TDA) e retira recursos públicos que poderiam ser
utilizados na formação de infra-estrutura dos assentamentos.
Isto afeta diretamente o desenvolvimento agrário, pois lhe retira
recursos essenciais e provoca maior desigualdade de renda.
Tem o Brasil, indubitavelmente, uma das maiores, se não a maior área
produtiva do globo e facilidades de clima e relevo que não se encontram nos demais países.
Possui tecnologia, ou meios de obtê-la, suficientes para multiplicar a produção várias vezes,
como demonstram o reconhecimento que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) vem tendo no exterior11.
Detém o País um dos mais bem elaborados sistemas financeiros do
mundo (devido ao longo período inflacionário que sofreu) e a ausência de conflitos étnicos,
religiosos ou territoriais, além de mão-de-obra suficiente para evitar o encarecimento do custo
dos produtos.
Ao par disso, é considerado um dos povos mais empreendedores do
mundo12, o que se patenteia nos exemplos de “desbravamento” de suas fronteiras agrícolas por
produtores de todos os pontos do País.
Portanto, precisa o País, de forma urgente, equacionar o problema da
Reforma Agrária e alavancar seu Desenvolvimento Rural, bem como apontar alternativas a
pelo menos uma destas questões agrárias, qual seja a tributação da propriedade rural e a
efetiva a progressividade prevista na Constituição Federal.

1.1 Evolução Histórica


A “questão agrária”, assim entendida a disputa entre trabalhadores e
proprietários de terras pela posse destas, teve seu capítulo mais relevante na história antiga
com o aparecimento, em Esparta, no século IX a.C., do legislador Licurgo, que persuadiu os
proprietários de terras a entregar seus bens ao Estado e dividiu a região da Lacônia em 30.000

11
Reconhecimento que se revela pela participação de pesquisadores brasileiros da Embrapa Labex, situada na
Agrópolis de Montpellier, na França, um dos maiores centros de pesquisa agrária do mundo, com
aproximadamente 3.800 cientistas e mais de 60.000 estudantes, como se pode conferir em matéria publicada n
Revista de Agronegócios da FGV, de julho/agosto de 2003. Disponível em www.agropolis.fr/pdf/Presse/Presse-
Missao-europa.pdf>. Acessado aos 21.ago.2005.
12
Segundo pesquisa divulgada pelo Global Entrepreneurship Monitor – GEM, projeto de pesquisa internacional
que avalia questões relacionadas com o empreendedorismo. No Relatório de 2002, dentro do universo de 37
países participantes, o Brasil ocupou a 7ª posição. Disponível em
<www.iniciativajovem.org.br/pdfs/global_entrepreneurship_monitor.pdf>. Acessado aos 21.ago.2005.
24

(trinta mil) partes e a região do entorno de Esparta em 9.000 (nove mil) partes, distribuídas
aos cidadãos que viviam na miséria (OLIVEIRA et THEODORO, 2005).
Na Europa, a divisão dos latifúndios já vinha se formando desde o fim
da Idade Média e o surgimento da Revolução Francesa, com o fortalecimento da burguesia e o
fim gradual da servidão dos camponeses. Após a 1ª Guerra Mundial, países da Europa
implantaram programas de reforma agrária, mais com a finalidade de produzir alimentos de
forma eficiente do que dividir a terra, sendo de se destacar a Reforma Espanhola, iniciada em
1907, que repartiu, inicialmente, terrenos de propriedade do Estado e terrenos comunitários
entre as famílias campesinas (SANZ JARQUE, 1985), bem como a Reforma Italiana, feita
pelo pagamento de indenizações aos proprietários após a Segunda Guerra Mundial, mas
também pelo pesado investimento em máquinas e professores itinerantes de agronomia para
aumentar a produtividade (FERREIRA, 1994).
Entre as Reformas Agrárias executadas, são diferentes as feitas em
decorrência de movimentos revolucionários, como é o caso da Rússia, dos países do bloco
soviético, de Cuba, da China e Egito, das reformas feitas de forma mais democráticas, como
as da Coréia do Sul, Japão e Taiwan (por pressão dos EUA), dos Estados Unidos (feita no
século XIX) e de alguns países da América Latina.
Nos exemplos soviético, cubano e chinês, as expropriações foram
feitas de forma impositiva e sem indenizações, sendo que na Rússia a propriedade foi
estatizada e explorada de forma coletiva (MAIA ‘org’, 2002)13, enquanto na China e Cuba
foram implantados sistemas mistos (parte estatizada e parte distribuída aos camponeses).
Sobre o assunto, o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento
(NEAD), publicou Estudo organizado por Edson Teófilo, que expressa (DEININGER et al,
2001):
Uma vez que a reforma agrária implica a transferência de receitas da terra da
classe dominante para os agricultores, não é de se surpreender que a maior
parte das reformas agrárias de grande escala vinham associadas a revoltas
(Bolívia), revoluções (México, Chile, China, Cuba, El Salvador, Nicarágua,
Rússia), conquista (Japão e Taiwan), ou a eliminação do domínio colonial
(Índia Oriental, Quênia, Moçambique, Vietnã, Zimbábue). As tentativas de se
efetuar reforma agrária sem uma sublevação política raramente tiveram êxito
em transferir uma parte significativa das terras de um país (Brasil, Costa
Rica, Honduras) ou o fez muito lentamente em razão da falta de
comprometimento político em prover os recursos destinados a compensar os
proprietários (ver seção 5).
13
Projeto piloto com a participação dos alunos de 1998 a 2001 da UFPB. Rede Direitos Humanos & Cultura –
Dhnet: “A lei agrária Russa, de 26 de outubro de 1917, promulgada no II Congresso dos Soviétes, aboliu a
propriedade privada, cancelou dívidas de arrendamento e autorizou os lavradores, em comissões locais, a
ocuparem os latifúndios. Em pouco tempo, 150 milhões de hectares, pertencentes até então à nobreza, à família
imperial, à Igreja e à burguesia, passaram ao poder dos camponeses. Aproximadamente 2,5 milhões de hectares
tornaram-se fazendas estatais, os “sovkhozes”.” Reforma Agrária – Uma Conscientização Social. Disponível em
<www.dhnet.org.br/oficinas/dhparaiba/5/agraria.html>. Acessado aos 20.set.2005.
25

No Japão do pós-guerra, o General Douglas MacArthur praticamente


exigiu a reforma de 1946, que teve como característica a fixação de um teto de 1 hectare por
proprietário, sendo o excedente desapropriado a preço vil e repartido entre os arrendatários
dos senhores feudais japoneses (kosakus), que representavam 70% dos trabalhadores rurais.
Interessante notar que o Governo Japonês optou por um sistema de
integração dos assentados que não resultasse na substituição da mão-de-obra por
equipamentos importados dos EUA, mas adotou técnicas modernas de produção combinadas
com uso intensivo de trabalhadores, para evitar o êxodo rural e aumentar o nível de consumo
do País, o que garantiu o sucesso da reforma agrária implementada.
Na Coréia do Sul, que tinha, após a guerra de 1953, grande
concentração de terras e falta de alimentos, além do fato de possuir apenas 4% de seu
território aproveitável, os EUA também pressionaram por uma reforma agrária nos moldes
japoneses, mas os proprietários, temendo medidas duras, venderam suas terras aos
arrendatários antes da reforma.
Em Taiwan, o governo anticomunista de Chiang Kai-Chek realizou a
mesma reforma feita no Japão, com a diferença que foram pagas indenizações mais realistas,
sendo parte delas em ações das indústrias emergentes do País, o que transformou agricultores
em investidores capitalistas, alavancando o assombroso desenvolvimento da pequena ilha no
mercado mundial (VEJA, 2005).
Na América Latina ocorreu o primeiro exemplo de reforma agrária da
era contemporânea, com a revolução mexicana de Emiliano Zapata em 1910 e a Constituição
Mexicana de 1917, comumente citado como exemplo de reforma exitosa. Mas, apesar da
revolução ter feito ampla distribuição de terras aos camponeses, a corrupção e a falta de
estruturas econômicas de apoio gradativamente levaram a uma concentração de terras
simulada, permanecendo os grandes proprietários como “donos ocultos” dos agricultores
incultos e sem recursos financeiros para produzir. A verdadeira reforma agrária no México foi
feita por Cárdenas, na década de 30, ao distribuir 18 milhões de hectares a 772 mil
camponeses (WASSERMAN, 2000).
Os demais países da América Latina também realizaram, em menor ou
maior grau, reformas destinadas a resolver a questão agrária, uns impulsionados pelos
exemplos socialistas e frutos de revoluções, como Chile, Bolívia e Cuba e outros poucos
através de desapropriações e indenizações, como o Chile durante o regime militar de Augusto
26

Pinochet e o Peru do ditador Velasco Alvarado, que decretou a divisão dos latifúndios e sua
distribuição às cooperativas de índios e camponeses.
Por fim, como exemplo positivo de reforma agrária, embora não tenha
como ser adotado atualmente, é a solução dada pelo governo dos Estados Unidos, ainda na
formação do País. Desde a independência dos Estados Unidos, o governo já tinha a noção do
destino agrário da nação americana e os colonos vindos da Europa foram orientados para a
ocupação do oeste e centro-oeste americano, através da distribuição de terras federais e
conquista de áreas dos índios e mexicanos, assim como a distribuição de áreas compradas de
outros países, como Espanha, Rússia e França14.
Embora não sem lutas sangrentas (a Guerra Civil Americana é
exemplo, além das disputas entre grandes pecuaristas e colonos europeus no Texas e Kansas),
a legislação americana, a partir do Homestead Act de 1862, que garantia lotes de 160 acres
aos colonos, foi direcionada para a agricultura familiar, através de diversas iniciativas
destinadas a melhorar a produção e a estrutura no campo, como a criação da “County Agent”
(Agência Rural), a expansão de cursos agrícolas nas escolas secundárias, a reformulação do
crédito agrícola em 1916, através da "Federal Farm Law", que concedia crédito a juros baixos
e prazo de até 40 anos para os fazendeiros e do “Federal Land Bank”, que facilitava a
aquisição de terras aos agricultores pobres, bem como a formação de uma rede nacional de
cooperativas, abrangendo as áreas de transporte, consumo, distribuição, assistência financeira
e até oficinas de conservação (FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA, 1995).
No Brasil, entretanto, a questão agrária permanece sem uma solução
definitiva que promova o desenvolvimento necessário ao porte e à potencialidade do setor
rural do País. Em um breve escorço histórico, pode-se enumerar alguns fatos que levaram a
esta situação:
1) Ao contrário da colonização americana, onde os imigrantes
deixaram para trás a fome e a pobreza e buscaram no “novo mundo” uma nova pátria onde
pudessem refazer suas famílias, no Brasil a colonização se deu em razão da necessidade de
Portugal de ocupar o território recém-conquistado e defendê-lo contra os demais países
(França, Espanha, Inglaterra e Holanda), bem como da situação econômica da Coroa
Portuguesa, que era tida como dependente economicamente da Inglaterra, principalmente,
mas não só em razão do Tratado de Methuen de 1703 (SODRÉ, 1957):

14
A Luisiana foi comprada da França em 1803, a Flórida foi comprada da Espanha em 1819 e o Alasca da
Rússia em 1867.
27

Afirmar que essa evasão derivou simplesmente do tratado de 1703 – que coincidiu,
de fato, com a época em que se desenvolveu a produção brasileira do ouro – é
desconhecer os rudimentos do moderno comercialismo. Estarão, hoje, os Estados
Unidos com quase todo o ouro do mundo porque tenham firmado com os demais
países tratados do tipo do que Methuen arrancou aos homens públicos portugueses
do século XVIII? Há diferenças substanciais entre uma situação e outra, sem dúvida,
mas a razão fundamental do atual primado norte-americano é, na essência, a mesma
que firmou a posição inglesa face a Portugal, no século XVIII: a superioridade de
estrutura econômica, no amplo quadro do desenvolvimento capitalista.
Com tratado ou sem tratado, a verdade é que, no século XVIII, Portugal era já uma
dependência econômica inglesa.

Nesse sentido, havia uma natureza “predatória” na relação Matriz-


Colônia que foi transmitida aos colonos que vieram para o Brasil. Ou seja, fora estabelecido
um pacto não escrito de que para morar nestas terras inóspitas, os portugueses do Brasil
tinham o direito, por sua vez, de explorar a terra e conquistar a maior parte de riquezas que
pudessem para seu próprio patrimônio, esperando voltar ricos para o Reino.
2) Em 1850, quando outros países faziam a ocupação de seus
territórios pela distribuição de terras em pequenos lotes a quem nelas se dispusesse a
trabalhar, o Império Brasileiro preferiu manter o status dos nobres e sesmeiros que já
detinham grandes extensões de terras na ex-Colônia, legitimando suas posses pela Lei de
Terras de 1850, vendendo a restante a quem pudesse pagar, o que excluiu a grande maioria de
colonos europeus que vinham substituir os escravos nas lavouras de café e cana-de-açúcar,
bem como os escravos libertos e pequenos burgueses que poderiam investir na produção
agrária, pois a lei não admitia a posse ou a ocupação como formas de aquisição fundiária.
Antonio Buainain (BUANAIN et PIRES, 2003), em brilhante

trabalho, assim explica:

Neste sentido, a lei afirmava o poder da Coroa sobre as terras, e definia a


aquisição e doação como únicos meios de acesso a propriedade fundiária,
excluindo a posse e exploração das terras devolutas como instrumento
legitimo de aquisição de terra. Além disso, fixava preços mínimos para os
lotes e determinava que as vendas seriam em hasta pública e com pagamento
à vista e em dinheiro.
Estas medidas elevaram artificialmente o preço da terra, tornando
praticamente impossível o acesso a terra por parte dos produtores
independentes. A maioria dos ocupantes de lotes de subsistência era pobre
demais para pagar a taxa de registro e comprar a terra.
Os grandes, por sua vez, fraudavam facilmente a lei, fazendo parecer que a
ocupação ocorrera antes de 1850, beneficiando-se, portanto do dispositivo
legal que reconhecia todas as posses — independente da extensão —
anteriores a esta data. Assim, a garantia da posse dependia da violência, sem
que o Estado, como ocorreu nos EUA, pudesse — ou quisesse —
democratizar e efetivamente garantir a posse da terra aos milhões de ex-
escravos e imigrantes.
28

3) O desenvolvimento agrário foi direcionado para a produção de


monoculturas de exportação e pecuária extensiva, concentradores de riqueza e estimuladores
do latifúndio, o que agravou as desigualdades fundiárias do Império e da nascente República
brasileira, situação que perdurou até meados do século XX.
4) Com a economia firmemente dominada pelos “barões”
latifundiários, a emergente urbanização e industrialização do início do século XX evitou que
fossem implementadas políticas reformistas no campo, a exemplo de outros países
(Homestead Act nos EUA e Corn Law na Inglaterra), assim como sufocados de forma
violenta movimentos revolucionários e messiânicos, como a Guerra de Canudos (1896/1897),
a Guerra do Contestado (Santa Catarina – 1912/1916), a Coluna Prestes (1925/1927) e
movimentos revoltosos no Ceará (Revolta do Beato José Lourenço) e nas cidades (Revolta da
Vacina, de 1906 e da Chibata, de 1910, e protestos operários em São Paulo) (RECCO, 2005).
5) A escolha natural das oligarquias dominantes, diante da
necessidade de fomentar o desenvolvimento agrário para sustentar a economia urbana e a
industrialização do pós-guerra, foi modernizar os grandes latifúndios. A partir da década de
60 do século passado, investiu-se em uma política agrícola fortemente subsidiada, com
enfoque na mecanização como fator de substituição de mão-de-obra, na abertura de fronteiras
agrícolas calcada na oferta de crédito a fundo perdido a quem pudesse dar garantias reais e no
investimento externo para a criação de infra-estrutura de abastecimento, transporte e
exportação, através do endividamento público.
Roberto Arruda, em sua tese de Doutorado, assim expõe a situação do
crédito no Brasil no final dos anos 60 (LIMA, 2003):

A institucionalização do crédito rural no Brasil9 e a determinação da obrigatoriedade


de empréstimo à agricultura de um determinado percentual sobre os depósitos à vista
do sistema bancário10 permitiram uma forte expansão do crédito rural até o final dos
anos 70 (Figura 3).
Como conseqüência, no período entre 1969 e 1979, o volume das aplicações de
recursos de crédito rural cresceu 16,41% a.a. em termos reais.
Este expressivo aumento da disponibilidade de crédito tem sua dimensão ressaltada
quando se verifica que na base do período o volume já era significativo.
Em 1970, o crédito rural correspondia a 54% do produto do setor primário
(Kageyama et al., 1990). Este crescimento foi impulsionado pela forte presença do
setor público e pela aplicação compulsória dos bancos. A oferta de recursos apoiou-
se, também, na disponibilidade de financiamento externo a custo relativamente
baixo11 e em uma política fiscal pouco restritiva (Vellutini, 1991).
9
Lei nº 4829, de 05/11/65.
10
A chamada exigibilidade bancária, instituída pela Resolução 69 do Banco Central do Brasil, de
22/09/67.
11
A prime rate (EUA), que foi de 4,535% a.a. em 1965, apresentou forte crescimento no final dos anos
70 e início dos anos 80, quando passou de 6,82% a.a. (em 1977) para 18,87% a.a. (em 1981).
29

6) À exceção de algumas regiões do sul do País, colonizadas por


famílias européias, da caatinga nordestina, sem valor econômico, e algumas “franjas” das
grandes propriedades, formadas por tentativas anteriores de assentamentos, a agricultura
familiar foi relegada ao esquecimento das ações governamentais, atrasando seu
desenvolvimento pela falta de crédito, de assistência técnica e de um programa efetivo de
fomento.
7) Como conseqüência, iniciou-se espantoso êxodo rural para as
grandes metrópoles, barateando o custo da mão-de-obra operária e aumentando os lucros dos
barões da indústria e do campo, ao mesmo tempo em que suas propriedades iam assimilando
as pequenas fazendas, valorizando o capital rural, elegido como reserva de valor das grandes
famílias.
A respeito desse assunto, artigo do Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (IPEA) oferece dados estatísticos atualizados sobre a migração campo-cidade, bem
como nos obriga a refletir sobre a conjugação de dois fatores que atingem o meio rural
brasileiro - a masculinização e o envelhecimento – e que servem para acelerar o fenômeno do
êxodo em direção às cidades.
Sob o título de “População Feminina Jovem Deixa o Campo. Os
homens mais velhos passam a predominar.” (VISOR IPEA, 1997), o referido artigo revela,
entre outras coisas, que:

Cerca de 30% da população brasileira deve trocar o campo pela cidade, nesta
década. Principalmente, as mulheres mais jovens, na faixa dos 15 aos 19 anos
de idade. Elas traçam um novo perfil da migração que, nos anos 60, tinha
predominância de pessoas de 40 a 49 anos. Atualmente, as probabilidades de
mudança são maiores para quem tem menos de 20.
O esvaziamento persiste o campo envelhece e muda de gênero: agora, é
francamente masculino.
A conjugação do envelhecimento e da masculinização do meio rural está na
raiz de um fenômeno conhecido na França como "celibato camponês". Em
alguns países europeus, há até mesmo agências matrimoniais especializadas
no tema.
Na América Latina, a única informação agregada que se tem, por enquanto, é
de um trabalho da Cepal. Em 1995, havia 5,2 milhões mais de homens do que
mulheres no campo. Só na faixa dos 5 aos 29 anos faltavam pares para 1,6
milhão de rapazes.
“No Brasil, a desruralização progressiva é um fato. As áreas urbanas
concentram quase 80% da população, contra 31% no início dos anos 40.
Quem mais perde, proporcionalmente, são as áreas rurais com menos de 20
mil habitantes. Quem mais absorve esse fluxo são as nove regiões
metropolitanas, onde, já em 1996, viviam 45 milhões de pessoas”.
Segundo estimativas feitas com a hipótese de taxa de fecundidade
decrescente, pelo menos quatro milhões de pessoas que viviam no campo em
1990 já estão morando nas cidades. Mais da metade desse contingente é de
nordestinos15.
15
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Revista Visor IPEA. Ano II, nº 5, Setembro de 1997.
Disponível em <www.ipea.gov.br/pub/visor/v0205.html>. Acessado aos 29.set.2005.
30

8) Cabe ressaltar que nem a Revolução de Vargas (BRANDÃO,


1980), nem o Golpe Militar de 1964 tinham como objetivo mudar este panorama, mas, ao
contrário, reafirmaram o poder das antigas oligarquias, as quais, salvo exceções, permanecem
no poder até hoje, tendo elegido todos os presidentes da República até Fernando Henrique
Cardoso (DÓRIA {org.}, 1995).
Assim, a aposta no modelo de modernização da grande propriedade
produtiva, aliada ao histórico de corrupção e favorecimento da elite do Brasil, transformou o
País em um dos exemplos mais dramáticos de concentração de renda do mundo e com um dos
menores índices de desenvolvimento econômico do planeta, em relação à renda per capita.
Em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em seu relatório divulgado
em Dublin (Irlanda), coloca o Brasil na 65ª posição (ONU, 2004) 16, atrás de outros latino-
americanos como Uruguai, Costa Rica, Chile, Cuba e México, mas na frente de Venezuela,
Peru, Paraguai e Equador. A posição é desconfortável, mas mostra um crescimento em
relação ao ano passado, quando o País foi classificado como o 73º País no ranking. Eis as
conclusões do referido Relatório:

O Brasil é a nação que mais evoluiu em relação ao Índice de Desenvolvimento Humano -


IDH, desde 1975. Em 26 anos, o país subiu 16 posições e agora ocupa a 65ª (ver gráfico).
O avanço não é maior por causa, principalmente, do baixo crescimento da expectativa de
vida da população. Ganhou muito em termos de educação e de renda, mas em termos de
longevidade (saúde) não progrediu tanto.
Os responsáveis pela melhora foram à equiparação do número de meninos e meninas
matriculadas na escola, eqüidade de oportunidades a homens e mulheres e no aumento da
expectativa de vida. As estatísticas mostram ainda que os brasileiros tenham uma
expectativa de vida que chega a 67,8 anos e que a renda per capita passou de R$ 7.349
para R$ 7.360. Entretanto, há uma tendência crescente de concentração de renda, que,
caso se mantenha, impedirá o país de atingir a meta de redução da pobreza em 50% até
2015. De acordo com o PNUD, 10% dos lares mais ricos do Brasil têm 70 vezes a renda
dos 10% mais pobres. Além disto, o País também apresenta grandes desigualdades entre
regiões. Conforme as últimas estatísticas disponíveis, o Sul é a única região que, se
mantiver as tendências atuais, conseguirá reduzir à metade a proporção de pessoas que
vivem abaixo da linha de pobreza até 2015. O relatório também aponta uma queda no
nordeste, no centro e no sudeste do País. O Norte é a única região onde a pobreza
aumentou, passando de 36% em 1990 para 44% em 2001. "A culpada não é a escassez de
recursos, mas uma persistente e alta desigualdade", ressalta o relatório, segundo o qual
também houve um retrocesso do índice de desenvolvimento humano dessa região.

A transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, através


de créditos agrícolas subsidiados e sucessivos “perdões de dívidas”, bem como a opção de
modernização da grande propriedade privada, gerou o que hoje se denomina de
“agronegócio”, pois financiou o robustecimento financeiro dos grandes latifúndios e obteve os
resultados esperados de aumento da produção e da produtividade.

16
No Relatório divulgado em 07 de setembro de 2005, pelo PNUD, o Brasil subiu três posições na tabela,
figurando em 62º lugar. Disponível em <www.pnud.org>. Acessado aos 29.set.2005.
31

Entretanto, isto foi conseguido em escala muito menor do que o


resultado obtido por países que investiram na formação de uma agricultura familiar altamente
capacitada tecnológica e economicamente, cujos resultados suplantam o brasileiro, apesar das
dificuldades de clima e condições sócio-econômicas adversas (EUA, França, Espanha, Japão
etc.).
Como contraponto negativo, aumentou-se a desigualdade social no
Brasil (RAMOS e VIEIRA, 2001) e formou-se uma massa de habitantes egressos da zona
rural que, não encontrando trabalho nas cidades e nem no campo, voltaram-se para a
esperança de uma reforma agrária sempre prometida e nunca cumprida, organizando-se em
movimentos sociais17, que passaram a pressionar o governo e a sociedade com invasões e
protestos pela reforma agrária.
Do exposto, têm-se hoje um ambiente de insegurança e conflito no
campo, pois o setor de agronegócio continua avançando sem qualquer controle e muita ajuda
creditícia e técnica do poder público18, assim como de instituições financeiras e fornecedores
privados, ao mesmo tempo em que o governo procura cumprir as metas de desapropriações
para satisfazer a pressão cada vez mais constante e forte dos movimentos sociais, que
promovem invasões e protestos.
Enquanto isto os agricultores familiares, onde ainda resistem,
permanecem sem acesso a uma assistência técnica e extensão rural efetiva, têm pouco acesso
ao crédito e seguro rural, pela dificuldade de dar garantias reais, e sofrem o assédio dos
grandes proprietários pela venda de suas propriedades, para utilização na plantação de
commodities19.

17
Os dois principais movimentos sociais de trabalhadores rurais sem-terra, são a Confederação Nacional dos
trabalhadores na Agricultura (Contag), que está organizada em todo o País. Tem 5 milhões de filiados, reunidos
em 3.200 sindicatos e 24 federações estaduais. A outra é o Movimento dos Trabalhadores Sem-terra (MST), que
surgiu no estado do Rio Grande do Sul, no começo da década de 80, ainda durante o período militar, a partir de
uma ação coordenada de ocupação de terras ociosas. Essas ocupações, feitas por trabalhadores rurais
autodenominados "sem-terra", multiplicaram-se e espalharam-se por outros estados, dando origem ao
Movimento, que se constituiu, formalmente, em 1985, com a realização de seu primeiro congresso nacional.
Disponível em <www.planalto.gov.br/secom/colecao/refagr3.htm>. Acessado aos 13.jul.2005.
18
O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ivan Wedekin,
ontem, em Concórdia, falou sobre o plano agrícola e pecuário 2004/2005. Destina R$ 39,5 bilhões ao setor, num
aumento de 45% sobre os R$ 27,15 bilhões aplicados na safra passada. O objetivo é aumentar a produção e a
produtividade, expandir a área cultivada e ampliar as exportações e o saldo comercial do agronegócio. Os juros
cobrados nos financiamentos são de 8,75% ao ano para os empréstimos de custeio, investimento e venda. A
expansão do crédito de custeio e venda chegará a 34%. Investimentos terão R$ 10,7 bilhões (+ 86%) nesta safra.
Serão aplicados R$ 28,75 bilhões (+ 34%) em custeio e comercialização, com juros entre 8% e 9,5% ao ano.
Notícia publicada no Jornal A Notícia de Joinville – SC.
19
Commodities são assim denominados os complexos agroindustriais baseados em um só produto, como, no caso
da soja, o grão, o óleo, o farelo, o bagaço, etc.
32

2 PRINCIPAIS ENTRAVES AO DESENVOLVIMENTO RURAL

O Brasil possui uma das maiores, senão a maior área aproveitável para
agropecuária do mundo, além de contar com um clima adequado em sua grande maioria e
uma qualidade de solos favoráveis à maioria de frutos e produtos rústicos ou rurais.
Com tais características, deveria o País ter uma produção agropecuária
de destaque no cenário mundial, com índices de produtividade iguais ou melhores do que os
dos demais países.
Mas, fatores econômicos, culturais, sociais e políticos limitaram, e
limitam o pleno desenvolvimento do setor rural brasileiro, tornando o País menos competitivo
no exterior e menos justo no panorama interno, com desigualdades sociais no campo, alto
custo da cesta básica, importação de alimentos e uma pauta de exportações limitada a poucos
produtos ou commodities.
A identificação destes “entraves” que impedem o desenvolvimento
rural é objeto deste capítulo, constituindo-se em critérios técnicos (ATER), econômicos
(recursos financeiros), estruturais (infra-estrutura e legislação) ou sociais (conflitos agrários e
corrupção).
Como premissa, conceitua o Programa do Curso de Doutorado em
Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS o
desenvolvimento rural como “o processo resultante de ações articuladas, que visam a induzir
mudanças socioeconômicas e ambientais no âmbito do espaço rural para a melhoria do bem-
estar das populações rurais” (UFRGS, 2005)
Atualmente, o conceito vem sendo ampliado para incluir o termo
“sustentável” ao final, no sentido de que tal desenvolvimento se dê de forma a manter-se no
tempo e visando as gerações futuras, através da preservação do meio ambiente e da
estabilização das relações rural-urbanas, assim como inserido no contexto do que se
convencionou chamar de globalização.
Porém, nem sempre foi este o sentido do termo “desenvolvimento
rural”, devendo ser analisada a evolução histórica do setor rural para que se possa entender o
caminho que levou à formulação do conceito.
No início do século XX, com grande parte do Brasil ainda ocupado de
forma precária, prevalecia a cultura voltada para exportação (café, cana-de-açúcar e cacau)
em São Paulo, Minas Gerais e Litoral do Brasil, sendo que a noção de desenvolvimento rural
era de garantir o domínio dos latifúndios cafeeiros e a soberania do território, através da
33

extensão de estradas, redes de telégrafo e da formação de núcleos populacionais nas fronteiras


brasileiras, consolidando o trabalho dos bandeirantes.
No período pós-guerra, os Estados Unidos procuram implementar
políticas de reforma agrária no Japão e Coréia do Sul, com a finalidade de aumentar a
produção de alimentos e conter o avanço ideológico soviético, ao mesmo tempo em que a
crescente demanda por alimentos no mundo e as teorias malthusianas (MALTHUS, 1983). E,
fizeram surgir o que se denominou chamar de “Revolução Verde”, implantada nos Estados
Unidos por Norman Ernest Borlaug. Sobre o cientista, escreveu Charles Mann, traduzindo
texto da Revista Science (MANN, 1997):

As coisas mudaram. A guerra civil terminou em 1991 e, desde então, a Etiópia quase
duplicou sua produção de grãos. No último ano, exportou cerca de 200.000
toneladas de grãos para o vizinho Quênia, que foi duramente golpeado pela seca.
“Até as pessoas da África não conseguem acreditar que a Etiópia está exportando
alimento – vocês têm idéia do que significa uma mudança como esta?” pergunta o
geneticista vegetal Norman Borlaug, ganhador do prêmio Nobel da Paz, do
CIMMYT20, o centro de pesquisa em cereais do México.
Borlaug foi um líder da Revolução Verde – a potente combinação de variedades de
grãos altamente produtivas com o uso elevado de fertilizantes químicos e técnicas
para demonstrar sua utilização aos agricultores pobres – que permitiu que grande
parte da Ásia e da América Latina atingisse a auto-suficiência nos anos 60 e 70.
Embora reconhecendo que muitos etíopes ainda estejam famintos, em função da
pobreza e da precariedade das redes de distribuição de alimento, ele considera que a
reviravolta da nação mostra que as idéias da Revolução Verde podem ajudar a
África a se alimentar nos anos 90.

No Brasil, a preocupação com o abastecimento das populações


urbanas, o início do êxodo rural e o surgimento das idéias que embasaram a revolução verde,
colocaram em destaque no cenário político o primeiro Plano de Reforma Agrária e o
surgimento de projetos de colonização das fronteiras agrícolas, visando colocá-lo como
grande fornecedor internacional de alimentos.
Neste período, o sentido de desenvolvimento rural se resumia na
modernização da atividade agrária, pelo uso de equipamentos importados, novas técnicas
agrárias, como a utilização de sementes selecionadas e defensivos e o aumento da
produtividade, com a diminuição de mão-de-obra, necessária para a insurgente
industrialização.

20
Centro Internacional para el Mejoramiento Del Mays Del Trigo.
34

O objetivo desta política “dualista” implantada no Brasil21 era de gerar


excedentes agrícolas com o menor uso possível de mão-de-obra, a qual seria utilizada na
construção de um parque industrial crescente, gerando reservas monetárias que seriam,
posteriormente, distribuídas com a população rural, atrasada e antiquada.
Na verdade, esta política gerou uma concentração de renda sem
precedentes no mundo, fortalecendo os industriais capitalistas e modernizando as grandes
propriedades rurais, em detrimento da agricultura familiar e dos trabalhadores urbanos, o que,
em longo prazo, se revelou improdutivo, do ponto de vista econômico e social, pois não
formou uma massa de consumidores internos e gerou dissensões sociais, gerando uma crise
monetária forte quando as exportações diminuíram pelas sucessivas crises mundiais a partir
da década de 1980.
No conceito atual de desenvolvimento, também chamado de “nova
revolução verde”, devem ser considerados outros fatores, como a melhoria das condições
sociais do homem rural, a preservação do meio ambiente e sua gradual recuperação para as
gerações futuras, assim como o aumento da produção de alimentos para os mais de dez
bilhões de habitantes do planeta dentro de uma década (HAUB, 1998)22.
Ao par disso, deve-se procurar uma melhor qualidade dos produtos
agrários e o fortalecimento não só dos grandes produtores de “commodities”, mas
principalmente da agricultura familiar, como ocorreu em outros países, criando uma classe de
consumidores e investidores que deverão reduzir, gradativamente, a desigualdade social de
nosso País. Nesse sentido, há que se considerar alguns entraves à uma política de
desenvolvimento agrário sustentável que existem hoje no Brasil, principalmente quanto a
quatro fatores principais:

a) tecnologia acessível;
b) recursos financeiros;
c) ações políticas e,
d) solução de conflitos.

21
O termo dualista vem da idéia de uma política de duas vias, sendo uma de transferência de mão-de-obra do
campo para a indústria, a baixos custos e outra de aumento da produção e dos custos dos produtos básicos pela
modernização dos grandes produtores rurais, através da importação de técnicas e máquinas do exterior.
22
Na verdade, não se sabe ao certo qual será o ponto de estabilidade da população mundial ou até se este
ocorrerá, pois depende principalmente da Taxa de Fertilidade Total (TFR) com que se trabalha. Se a taxa for de
2,1 crianças por mulher até a metade do século XXII, a população deverá se estabilizar em 11 bilhões (variante
média da ONU). Na variante alta (TFR de 2,6), atingiríamos 27 bilhões em 2050 com tendência de alta e se a
TFR for de 1,6 filhos (nível atual da Europa), chegaríamos a no máximo 8 bilhões e começaria a decrescer.
35

Nos tópicos abaixo, serão levantados alguns destes “fatores”, para fins
de compreensão da proposta de alteração constitucional da tributação da propriedade rural,
como fator de modificação da atual situação de desenvolvimento do setor agrário.
Entre estes fatores, destaca-se a precariedade de recursos públicos
para o financiamento do desenvolvimento rural familiar e solução da desigualdade fundiária,
ao lado de fartura de recursos privados para o latifúndio produtivo; a estrutura de
concentração das desapropriações e da arrecadação do ITR pela União; a existência de
conflitos fundiários no campo; a jurisdicionalização da Reforma Agrária; o elevado nível
de corrupção na Administração Pública e a falta de infra-estrutura para os produtores em
geral.

2.1 Assistência Técnica e Extensão Rural


O conceito de Assistência Técnica traz o sentido de “prestar
assistência”, de “modernizar”, ou seja, de colocar à disposição de determinadas pessoas ou
grupos sociais técnicas não conhecidas ou não plenamente dominadas. No sentido que o
termo se coloca no Direito Agrário, traduz-se pelos atos de levar ao homem do campo
modelos tecnológicos pré-estabelecidos, com a finalidade de otimizar seu trabalho.
Já a idéia de extensão rural é um pouco mais complexa, tendo suas
raízes no encadear dos acontecimentos históricos que marcaram a humanidade,
principalmente a partir da Segunda Guerra Mundial, com o surgimento da “Revolução Verde”
e do impressionante desenvolvimento tecnológico dos países desenvolvidos, o que será
abordado adiante. Numa concepção mais simples, a expressão “extensão rural” significa
“estender” ao homem do campo, tido como inculto e atrasado tecnicamente, habilidades e
práticas, apresentadas pelos cientistas como adequadas para a melhoria da qualidade de vida
da população rural.
Para que possamos entender a realidade atual da ATER no Brasil, há
necessidade de relembrar as mudanças ocorridas no mundo após a Segunda Guerra Mundial,
quando se desenvolveu um crescimento econômico mundial sem precedentes, principalmente
em relação ao aparecimento de novas técnicas e produtos voltados para o conforto e benefício
dos moradores dos centros urbanos. São exemplos marcantes a televisão, o telefone, o asfalto
e a diversidade de alimentos.
No período compreendido entre 1950-1975, palco de um processo
civilizatório estimulado pela guerra fria, onde os opostos sistemas sociais procuravam mostrar
ao mundo sua capacidade de proporcionar melhores condições de vida aos seus cidadãos,
36

consolidou-se, igualmente, um modelo agrícola que já vinha sofrendo lenta transformação,


baseado na produção em larga escala, com altas produtividades, dos alimentos necessários ao
abastecimento da crescente população mundial.
Este “modelo”, denominado pelos cientistas como “Revolução
Verde”, concretizou-se, em parte, em vários países, como Estados Unidos, União Soviética e
alguns países da Europa Ocidental. Entretanto, vale lembrar que, mesmo entre os países então
industrializados, grande parcela de sua população ainda se encontrava no campo, assim como
a produção agropecuária ainda representava significativa parcela de suas economias, o que fez
com que o tema do desenvolvimento rural fosse inserido no debate científico do novo mundo
que surgia, baseado no consumismo e no progresso acelerado.
No Brasil, o aparecimento de uma mentalidade “extensionista” deveu-
se, em grande parte, ao trabalho pioneiro desenvolvido pela Associação de Crédito e
Assistência Rural (ACAR), fundada em 1948, em Minas Gerais, através de Convênio com a
“American International Association (AIA)”, entidade filantrópica fundada pelo norte-
americano Nelson Rockefeller, magnata do petróleo americano e ativista político do
capitalismo mundial.
Entre 1954 e 1956, a extensão rural desenvolveu-se no território
nacional como entidade privada, com subsídios governamentais e estrangeiros.
Em fevereiro de 1956, Juscelino Kubitschek de Oliveira, logo após a
posse como Presidente do Brasil, chama Nelson Rockefeller para formalizar apoio da AIA a
um programa nacional de ATER, denominado de Associação Brasileira de Crédito e
Assistência Rural (ABCAR). O Sistema “CAR”, criado pelo Presidente, seria financiado
principalmente com recursos do governo americano.
Paralelamente, Rockefeller desenvolvia no Brasil intensa atividade
privada, através da “International Basic Economic Corporation (IBEC)”, com a aquisição de
fazendas e projetos de colonização, mineração e agricultura.
A influência americana nos programas de ATER no Brasil foi
diminuída nos governos de Jânio Quadros e João Goulart, até que, após o golpe de 196423, foi
editado o Decreto Federal nº 58.382, de 10 de maio de 1966, que determinou que todas as
atividades extensionistas passassem a ser coordenadas pelo Ministério da Agricultura, através
do Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA).

23
Aos 31 de março de 1964, as forças militares do País tomaram o Poder e destituíram o Presidente João
Goulart, instaurando um período conhecido na história do País como “Ditadura Militar”.
37

Estatizou-se, assim, a ATER no Brasil, passando a denominar-se o


órgão central de Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater), a
partir de 1974 e suas projeções Estaduais de Empresa de Assistência Técnica e Extensão
Rural (Emater), acrescentando-se a identificação do Estado (Emater/GO). Algumas das
associações privadas anteriormente criadas conseguiram sobreviver, como é o caso da
Acaresc, de Santa Catarina.
Nos “anos dourados” do desenvolvimento econômico brasileiro
(1964-1973) as Emater’s tiveram significativo aporte financeiro e promoveram grande apoio
ao desenvolvimento rural, mas, com a crise econômica dos anos 80/90, foram sendo
gradativamente sucateadas, até a extinção da Embrater em 1990 e a transferência da
responsabilidade de ATER para os governos estaduais.
Em 1991 foi publicada a Lei nº 8.171, que dispõe sobre a política
agrícola, estabelecendo em seu art. 3º:
Art. 3° São objetivos da política agrícola:

VIII - promover e estimular o desenvolvimento da ciência e da


tecnologia agrícola pública e privada, em especial aquelas voltadas para a
utilização dos fatores de produção internos;

X - prestar apoio institucional ao produtor rural, com prioridade de


atendimento ao pequeno produtor e sua família;

E no art. 4º definiu:

Art. 4° As ações e instrumentos de política agrícola referem-se a:

II - pesquisa agrícola tecnológica;

III - assistência técnica e extensão rural;

A partir do Governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, voltou-


se a estabelecer um Plano Nacional de Desenvolvimento Rural (PNDR), reformulando-se, em
2000, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS), através do
Decreto nº 3.508/2000, ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Por sua
vez, alguns Estados criaram Agências Rurais, como é o caso de Goiás, onde foi implementada
a Agência Goiana de Desenvolvimento Rural e Fundiário (Agenciarural), criada pela Lei nº
13.550, de 11 de novembro de 1999, com estrutura básica conferida pelo Decreto nº 5.142, de
11 de novembro de l999, entidade autárquica estadual, dotada de personalidade jurídica de
direito público interno, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial e
jurisdicionada à Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
38

Com a eleição de Luis Inácio Lula da Silva, como Presidente da


República, nova guinada institucional se vislumbra nas atividades de ATER, considerando a
transferência da competência relativa a ATER do Ministério da Agricultura para o Ministério
de Desenvolvimento Agrário (MDA). Através do Decreto nº. 4.739, de 13.06.2003, bem
como com a divulgação da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (MDA,
2004), em maio de 2004, onde se evidencia a orientação de privilegiar a Agricultura Familiar
e os projetos de assentamento rural, pregando, ainda, uma ATER pública, gratuita e destinada
aos menos favorecidos.
Como se intui do histórico acima, a ATER se pautou pela
transferência de um modelo americano de desenvolvimento rural, através da tentativa de
transferência de tecnologias, equipamentos e procedimentos ao produtor rural, tidos como
ideais para o incremento de sua produção e, consequentemente, melhoria de sua qualidade de
vida.
Esta era a conceituação oficial da ABCAR:

...é um processo cooperativo, baseado em princípios educacionais, que


tem por finalidade levar, diretamente, aos adultos e jovens do meio
rural, ensinamentos sobre agricultura, pecuária e economia doméstica,
visando modificar hábitos e atitudes da família, nos aspectos técnico,
econômico e social, possibilitando-lhe maior produção e melhorar a
produtividade, elevando-lhe a renda e melhorando seu nível de vida.

Este modelo “americano” teve grande sucesso em seu País de origem,


onde o acentuado processo de industrialização exigia a presença de forte contingente de mão-
de-obra, que não existia nas cidades, adotando-se a política de transferência da mão-de-obra
rural para a zona urbana através de sua substituição por técnicas de automação e máquinas
que dispensassem o uso de trabalhadores.
A realidade brasileira nem sempre possibilitava a adaptação do
modelo americano, pois a atividade de ATER, em seu início, buscava a formação de uma
sociedade rural capitalista, voltada para a produção e a eficiência, que contrastava com as
técnicas rudimentares e sedimentadas de agricultura de subsistência praticadas nos “rincões”
brasileiros.
A prática das equipes da EMATER consistia, a seu turno, de visitas
periódicas de equipes formadas por um Agrônomo (técnico ou engenheiro), uma Assistente
Social, um Auxiliar e um carro “JIPE”, onde eram “selecionados” os produtores com “maior
aptidão”, para servirem de exemplo para os demais.
Porém, a limitação de recursos e a abrangência da área visitada,
faziam com que estas visitas fossem esporádicas, não criando os vínculos necessários para o
39

correto desenvolvimento das novas técnicas sugeridas, o que, muitas vezes, trazia o descrédito
para o trabalho de ATER.
Entre os obstáculos existentes para o trabalho de ATER, podemos
citar os seguintes:
• Falta de pessoal preparado para a função de extensionista;
• Falta de uma estrutura eficiente no campo da extensão;
• Falta de uma ligação estreita entre a extensão e a pesquisa;
• Falta de dados para diagnósticos de situações;
• Baixo nível de escolaridade da população rural;
• Falta de participação voluntária das pessoas;
• Dificuldade de técnicas complexas, de resultantes a médio e longo prazo;
• Falta de uma política agrícola bem definida e bem planejada;
• Falta de uma infra-estrutura física adequada;
• Atitude paternalista do governo;
• Ausência de uma participação mais efetiva dos governos municipais;

Assim, salvo alguns resultados conseguidos por extensionistas mais


dedicados e preparados, a extensão rural no Brasil não fez pelo desenvolvimento do setor
rural o que poderia fazer, transformando a sociedade rural em uma comunidade
economicamente mais segura e culturalmente mais preparada.
Ao nosso ver, para que a ATER pudesse surtir os efeitos desejados no
Brasil, seria necessário que o sistema possuísse as seguintes características:
• Disponibilidade de informações práticas, baseadas nas necessidades reais;
• Disponibilidade de um sistema de pesquisa, para fornecer as ditas informações;
• Disponibilidade de pessoal técnico, treinado para o trabalho de extensão;
• Disponibilidade de bens de produção, a baixo custo;
• Disponibilidade de crédito;
• Disponibilidade de um Serviço de Extensão responsável e bem estruturado,
capaz de elaborar um bom Programa de Extensão;
• Integração total entre as ações praticadas pelos diversos entes da federação
(União, Estados e Municípios, suas autarquias e fundações), bem como com a
iniciativa privada.

Todavia, não é o que acontece na prática, pois as unidades de extensão


rural contam com parcos recursos, equipamentos sucateados e equipes desmotivadas e mal
remuneradas.
De outro lado, não se pode esquecer que o setor de agronegócios, bem
como as grandes empresas rurais, não sentiram com a falta de assistência técnica, pois sempre
foram as primeiras a utilizar os recursos públicos disponíveis pelas Emater e órgãos
governamentais de pesquisa e, quando esta faltou, beneficiaram-se da ampla rede privada de
assistência técnica que se desenvolveu no vácuo da assistência oficial.
40

O atual governo, através da promoção de 04 (quatro) Oficinas


Regionais e uma Oficina nacional de ATER, realizada em Brasília nos dias 24 e 25.09.2003,
estabeleceu a Política Nacional de ATER (MDA, 2004), cujas principais características são:
1) Organização através de um Sistema Nacional Descentralizado de
ATER pública, gratuita e de qualidade, do qual participem, como credenciados, todas as
entidades públicas e privadas de ATER, em todos os níveis de governo;
2) Subordinação administrativa à Secretaria de Agricultura Familiar
(SAF), do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o que denota a clara preferência de seus
objetivos em ter como destinatários os beneficiários dos programas da SAF, como se observa
da transcrição de um de seus princípios (MDA, 2004):

Assegurar, com exclusividade aos agricultores familiares, assentados


por programas de reforma agrária, extrativistas, ribeirinhos, indígenas,
quilombolas, pescadores artesanais e aqüiculturas, povos da floresta,
seringueiros, e outros públicos definidos como beneficiários dos
programas do MDA/SAF, o acesso a serviço de assistência técnica e
extensão rural pública, gratuita, de qualidade e em quantidade
suficiente, visando o fortalecimento da agricultura familiar.

3) Atuação com enfoque “na pedagogia da prática, promovendo a


geração e apropriação coletiva de conhecimentos, a construção de processos de
desenvolvimento sustentável e a adaptação e adoção de tecnologias voltadas para a construção
de agriculturas sustentáveis” (MDA, 2004).
4) Alocação de recursos financeiros nos Planos Plurianuais (PPA), da
União, Estados e Municípios, bem como nos respectivos orçamentos, como forma de
distribuição semelhante à participação tributária, com destinação de grande parte à União,
que repassaria aos Estados e Municípios com dificuldades institucionais e estruturais.
Este projeto político impressiona pelas suas pretensões e objetivos,
bem como pelas expectativas que gera. Porém, como muitos outros, apresenta os mesmos
defeitos estruturais que, ao final, os tornam inexeqüíveis. Em primeiro lugar, por enunciar
propostas e ações sem estabelecer a fonte dos recursos e seu montante efetivo.
Em segundo lugar, por traçar métodos de ação que não levam em
conta fatores sociais, como a integração urbano-rural, a descapitalização dos produtores e a
concentração de terras e capital do País.
Em terceiro lugar, por deixar de fora da ATER todos os produtores
rurais, pessoas físicas e jurídicas, que não se enquadrem no conceito de “agricultura familiar”,
que representam, hoje, a parcela da sociedade rural mais necessitada e preparada para receber
aporte tecnológico que possam servir de exemplo para os demais produtores.
41

Por fim, retira do sistema iniciativas exitosas de parceria entre


entidades de ATER e produtores, que remuneram, de certa forma, estas entidades, com o
pagamento de projetos realizados e o fornecimento de sementes produzidas, que são
repassados a outros produtores, ao estabelecer financiamento exclusivamente público para o
projeto.
É o caso, por exemplo, de Universidades como a Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), que mantém Incubadoras de Empresas Rurais, para a
difusão de tecnologia, bem como produz comercialmente em seu Campus sementes e
insumos, cuja receita é utilizada na aquisição de equipamentos de ponta para a pesquisa
estudantil (USP, 2005).
Por outro lado, é salutar a formação de um sistema nacional de gestão
formado por Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de ATER, constituído de forma
paritária, a exemplo dos Conselhos já existentes (Meio Ambiente, Assistência Social,
Educação, Saúde, Infância e Adolescência), mas peca ao destinar a “coordenação e controle”
do Sistema ao Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural da Secretaria da
Agricultura Familiar, subordinada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário.
É a velha burocratização, paternalismo e centralização que tanto
consomem recursos públicos necessários nas atividades fins das políticas públicas e
contrariam os princípios do federalismo e da subsidiariedade previstos na Constituição
Federal.
Por fim, ao transferir o sistema de distribuição de receitas previsto na
Seção VI, do Capítulo I, do Título VI, da Constituição Federal de 1988 (Da Repartição das
Receitas Tributárias), para a repartição dos recursos alocados pelos entes federados para
ATER, perpetua uma forma de assistencialismo financeiro da União, que gera comodismo dos
demais entes e corrupção e nepotismo, mantendo Municípios e Estados reféns da União no
recebimento de verbas e concessões políticas.
Portanto, torna-se evidente que este não é o modelo de Assistência
Técnica que serve ao Brasil, pois não contempla a análise do local, do individual, da
diversidade e do conjunto, este como política agrária e aquele como objeto de ação da
política.
A multiplicação de modelos prontos não se adequa à diversidade do
meio rural, assim como a centralização de recursos e ações nas mãos da União (que as
distribuiria equitativamente) contraria a interpretação conforme a Constituição, pois esta traz
uma tendência claramente descentralizadora e municipalizante.
42

O Brasil é um País multifacetado, com características diferentes em


cada região, em cada Município e em cada propriedade rural. É certo que as práticas exercidas
na atividade rural da maioria das famílias enquadradas no conceito de “agricultura familiar”
são ainda muito precárias, sendo, em alguns casos, semelhantes às efetuadas no início do
século passado. Também é cediço que o homem do campo apresenta sérias resistências à
inserção de novas tecnologias e hábitos culturais, principalmente quando trazidas “de fora”,
como ocorre no caso da extensão rural até hoje.
Não se pode descurar, como faz o governo em sua PNATER, da
necessidade dos excluídos da agricultura familiar de, igualmente com aqueles, participar dos
frutos do desenvolvimento tecnológico, sob pena de não manter a posição de hegemonia no
mercado mundial de alimentos que desfruta. Porém, há de se fortalecer e diversificar as
atividades desenvolvidas pelos agricultores familiares, como forma de evitar os riscos da
monocultura ou da pecuária extensiva e reduzir as desigualdades econômicas e patrimoniais
no campo.
Por fim, há que se atentar para um detalhe sobre o qual o PNATER
não se manifesta e é, no entendimento deste trabalho, o principal obstáculo ao êxito de
qualquer programa de ATER que se possa implementar.
Ocorre que, sem uma efetiva e radical alteração da “educação formal
rural”, dificilmente será possível inserir na cultura rural os conceitos, técnicas e
conhecimentos necessários para alterar, internamente, a estrutura familiar e a cultura da
sociedade rural.
Hoje, a Educação Formal, oficial, ministradas nas salas de aula da
zona rural, salvo raras exceções, é produzida para os alunos da cidade e “exportada” para o
campo sem qualquer adaptação. Os professores são treinados e preparados por orientadores
que, muita vez, não possuem a experiência prática necessária e o conhecimento da realidade
rural. Os livros didáticos são produzidos para valorizar a busca do emprego, do conforto e das
facilidades do meio urbano e, finalmente, não bastassem todos estes desencontros, a educação
rural recebe as sobras dos recursos públicos, sofrendo com prédios inadequados, salas
multiseriadas, falta de transporte e, suprema humilhação, impossibilidade de continuação dos
estudos após a quinta série do primeiro grau.
É a conclusão que se extrai da obra produzida pelo Núcleo de Estudos
Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD), do Ministério do Desenvolvimento Agrário, da
lavra da pesquisadora Francisca Maria Carneiro Baptista (BAPTISTA, 2003), que transcreve
a palavra do Professor Abdalaziz de Moura (MOURA, 2001), do Serviço de Tecnologia
43

Alternativa – SERTA (ONG de Pernambuco sobre educação), em palestra proferida em painel


do IV Fórum Contag de Cooperação Técnica, denominado Educação para o Desenvolvimento
Sustentável, realizado em Recife, em novembro de 2000:

• A escola e a educação que são proporcionadas aos alunos do meio rural não
produzem os conhecimentos necessários, para que os mesmos com suas
famílias possam aumentar a produção e produtividade, agregar valor aos seus
produtos, melhorar as tecnologias, aumentar sua renda;
• Não valorizam os conhecimentos que os alunos já trazem da experiência de
seus familiares, para interagir com conhecimento mais técnico, escolar e
científico, nem levam em conta a sua realidade. O aluno entra na escola como
se nada tivesse aprendido com seus pais e como se, ao longo da escolaridade,
nada pudesse aprender com os pais;
• Os valores cultivados na escola estigmatizam a agricultura e o agricultor,
retiram-lhe a sua auto-estima, desvalorizam sua identidade camponesa e de
classe social;
• O papel que a escola exerce, por meio de seu “currículo oculto”, é de
ensinar que, se o agricultor quiser melhorar de vida, ele tem de sair da
agricultura, tem de vir morar na cidade, tem de arrumar outro emprego. A
escola identifica melhorar de vida com deixar a agricultura. “Vocês precisam
estudar para não ficar como os pais de vocês”!
• A identidade conhecida pela escola é a de “matuto, pé-rachado, brocoió” em
oposição ao urbano, desinibido, comunicativo, sabido, esperto e com o futuro
garantido. Ou, então, disfarça os preconceitos: “ela é do sítio, mas é tão
bonita”, como se as meninas do sítio fossem feias e as da cidade bonitas.
“É um matuto, mas é educado”, “é pobre, mas, pense num sujeito decente”,
ou “é do sítio, mas não é rude”; e,
• A educação e a escola consideram o trabalho dos pais como pesado,
amaldiçoado e que ficou para analfabetos, para quem não teve chance de
progredir, para quem não teve iniciativa de sair. Em seguida, os alunos que
entram para estudar começam a esquecer o que aprenderam em casa; e, na
escola, não aprendem outras coisas para interagir. Passam a ter vergonha de
sua condição de filhos de agricultor.

Assim, a solução para a extensão rural passa, necessariamente, pela


remodelagem do sistema educacional do campo, pelo efetivo investimento em uma educação
que leve em conta a formação e a valorização das atividades agrárias existentes, com a
gradativa inserção dos elementos de produção mais modernos através do crescimento das
crianças e jovens em escolas onde a prática e o conhecimento coexistam diariamente, onde as
matérias formais sejam elaboradas especificamente para o público-alvo a que se destinam, os
professores e técnicos orientadores recebam formação adequada à realidade campesina e
onde, sobretudo, a pesquisa e a ATER sejam integradas aos currículos escolares e utilizem o
espaço acadêmico como difusores de seus ensinamentos.
Como as escolas formais de 1º grau se encontram sob a administração
municipal e um projeto deste não se torna exeqüível sem um acompanhamento presencial de
autoridades, professores, técnicos, pesquisadores e produtores locais, a concentração das
ações de desenvolvimento rural no Município, no que tange a ATER. É, não só medida que se
44

impõe, mas a melhor alternativa para um desenvolvimento sustentável dos pequenos


ecossistemas sociais, com a hibridação de soluções caseiras e tecnologias inovadoras,
sedimentando na unidade familiar a noção de produção e produtividade, de preservação do
ambiente e da cultura, de progresso material e social; através do fortalecimento econômico e
material das unidades familiares e das comunidades locais.

2.2 Fontes de Financiamento Público


Toda ação política de desenvolvimento rural que se deseje
implementar deve, necessariamente, escorar-se em cinco pilares de sustentação: crédito
subsidiado e farto, tecnologia disponível, infra-estrutura de logística e armazenamento,
legislação e contratos estáveis e, finalmente, fiscalização e justiça eficientes.
Constatada a necessidade de aperfeiçoamento da parte tecnológica,
através de ações de ATER, trata o presente tópico das fontes de financiamento da atividade
agrária, certo que o tema guarda importantes diferenças em relação ao crédito e financiamento
das demais atividades produtivas do País.
Neste sentido, alguns pontos devem ser considerados:
a) a atividade agrária é uma atividade de risco, normalmente maior do que o
comércio, indústria e serviços, uma vez que depende de fatores imponderáveis
como clima, incidência de pragas e doenças e instabilidade de mercado,
principalmente internacional;
b) a extrema diversidade entre as diversas atividades agrárias, quanto à prazo de
maturação do investimento, tempo de retorno da aplicação, percentual de risco,
taxa de lucro e grau de interesse social do produto, fazem com que o crédito
agrário tenha, necessariamente, que ser também diversificado e fundado em
premissas próprias, específicas para cada atividade;
c) a destinação do produto agrário e a sua finalidade social e econômica
relevantes, enquanto integrante do que se conceituou chamar de “segurança
alimentar”, além da importância que o mesmo tem para a estabilidade
econômica do Brasil, no sentido de formação de expressiva parte de nossa
balança de exportações, exigem do poder público, principalmente, políticas de
crédito agrário específicas e, muita vez, deficitárias ou de subsídio, para manter
estes parâmetros;
d) ao par do financiamento da atividade rural, existe a necessidade de expressiva
capitalização do Estado para a consecução do Programa de Reforma Agrária,
45

seja no pagamento de desapropriações, seja no assentamento e manutenção dos


assentados e suas famílias, o que esvai importantes recursos que poderiam ser
destinados para a atividade produtiva, encarecendo o crédito agrário.

As principais fontes de financiamento agrário no Brasil, oriundas do


setor público, são as seguintes:

2.2.1 Tesouro Nacional


Historicamente, o Estado sempre foi o grande financiador da atividade
rural no Brasil. Já em 1516, D. Manuel I, Rei de Portugal, expediu Alvarás contendo
orientações gerais sobre a colonização do Brasil: No segundo Alvará, ordenava El-Rei que o
feitor e oficiais da Casa da Índia “procurassem e elegessem um homem prático e capaz de ir
ao Brasil dar princípio a um engenho de açúcar; e se lhe desse sua ajuda de custo, e também
todo o cobre e ferro e mais coisas necessárias” a tal objetivo. Este homem foi Martim Afonso
de Sousa (SOUZA, 1999).
Passando pela concessão de sesmarias e o financiamento dos
Bandeirantes, a política agrária nacional mudou pouco até o final do século passado, quando a
crise econômica restringiu drasticamente o aporte de recursos do Estado no setor rural.
Até o final dos anos 80 a política desenvolvimentista dos sucessivos
governos federais sempre destinou grandes parcelas do Orçamento Federal ao crédito agrícola
e aos programas de reforma agrária, tendo como principais fomentadores o Banco do Brasil, a
Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES).
A partir da crise do petróleo e do choque monetário de 1999 a maior
parte do financiamento rural foi transferida para a iniciativa privada, através do sistema
financeiro, com a obrigatoriedade dos bancos de oferecer crédito agrícola a taxas mais
favorecidas que os financiamentos normais.
Os recursos públicos alocados pelo Governo Federal no setor rural,
sob a forma de programas de investimento e custeio, durante as décadas de 1970 e 1980, não
foram, em grande parte, devolvidos aos cofres públicos, seja em razão da inadimplência
decorrente da elevação dos juros e da espiral inflacionária do período, seja pelo desvio de
finalidade dos beneficiários dos financiamentos, que não conseguiram produzir os resultados
esperados nos projetos.
46

Por pressões da classe rural, assim, vários planos de refinanciamento


foram elaborados, culminando numa proposta de securitização das dívidas que resultou na Lei
de nº. 9.138, de 29 de novembro de 1995, posteriormente alterada pela Lei nº 9.866, de 09 de
novembro de 1999.
Com o decréscimo da participação do Governo Federal no
financiamento de safras e investimentos (BELIK et PAULILLO, 2001), estes passaram a
buscar recursos próprios para financiar suas atividades, tendo como conseqüência uma maior
eficiência e economicidade na aplicação dos recursos (devido aos juros caros e maior controle
das instituições financeiras privadas), além de capitalizar-se com a oferta antecipada da safra
aos fornecedores de insumos (sementes, máquinas, fertilizantes e defensivos).
Em relação à produção, existem várias estatísticas de alocação de
recursos públicos, variando extremamente, conforme a ótica e os critérios utilizados, pois
muitas ações nas áreas de saúde, educação e assistência social podem ser consideradas como
recursos da atividade agrária, ao passo que se destinam a melhorar as condições sócio-
econômicas das famílias rurais.
O Governo destinou recursos da ordem de R$ 46.450 milhões para o
financiamento da safra 2004/2005, entre investimento e custeio, mas a verdade é que apenas
parte destes valores são recursos de programas a juros controlados (R$ 24.700 milhões),
sendo o resto incluído por conta dos valores alocados pelas instituições financeiras privadas
para o setor rural, normalmente a taxas de mercado (BRASIL, 2005).

2.2.2 Emissão de Títulos da Dívida Agrária


Embora os Títulos da Dívida Agrária (TDA) possam e devam ser
considerados no item anterior, deve ser destacada sua finalidade específica de financiamento
das desapropriações para fins de reforma agrária.
Nos termos do Decreto nº 578, de 24 de junho de 2002, que deu nova
regulamentação aos Títulos da Dívida Agrária, estes são resgatáveis em 05 a 20 anos anos,
sendo utilizados para o pagamento do valor atribuído à terra nua dos imóveis desapropriados.
O uso dos TDA como instrumento de pagamento das indenizações aos
proprietários desapossados de suas terras gera, por sua natureza, alguns efeitos de curto,
médio e longo prazo, os quais, na maioria das discussões sobre o tema, não são levados em
consideração.
47

A finalidade de tal instituto é, num primeiro entendimento, o de


penalizar o desapropriado, parcelando em até vinte anos o recebimento da “justa indenização”
por suas terras, prevista na Constituição Federal, art. 184, caput.
Na prática, visa tal procedimento possibilitar ao País, sempre
envolvido em graves problemas de equilíbrio econômico e financeiro, executar seu programa
de reforma agrária sem comprometer o combate à inflação e o orçamento da União com o
desembolso imediato das verbas indenizatórias.
Por se tratarem de títulos negociáveis, o efeito imediato da emissão de
TDA é a criação de um mercado mobiliário específico destes títulos, que são negociados com
deságio proporcional ao prazo restante de resgate.
Curiosamente, a finalidade legal de poderem os TDA ser usados para
o pagamento de Imposto Territorial Rural não tem sido exercida (art. 11, inciso I, do Decreto
nº 578/92), em parte pela falta de conhecimento dos contribuintes, mas tendo como razão
principal o complexo procedimento da Receita Federal para o exercício deste direito24.
No entanto, o efeito mais perverso do uso de TDA para o pagamento
de indenizações agrárias é o progressivo comprometimento da dívida pública para as gerações
futuras, o que aumenta a necessidade de financiamento do déficit público, com o conseqüente
recrudescimento das taxas de juros e a diminuição da oferta de capital financeiro para o setor
produtivo.
Portanto, diante da dificuldade de obtenção de recursos para o
financiamento da reforma agrária, seria necessário pensar em formas alternativas de
diminuição das desigualdades fundiárias do País, sem comprometer os orçamentos dos
exercícios futuros.

2.2.3 Imóveis apreendidos (narcotráfico)


Estabelece o art. 243 da Constituição Federal:

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas
ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e
especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de
produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao
proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Embora a morosidade dos processos judiciais não reflita a celeridade


estabelecida pela norma constitucional, o uso de imóveis apreendidos deve ser considerado

24
Só se aceita TDA escritural, sendo que a cartular deve ser custodiada e deve ser feito requerimento à Receita
Federal instruído com diversos documentos, inclusive o pagamento dos outros 50%, formalizando processo,
conforme Instrução Normativa Conjunta SRF/STN nº 1, de 25 de outubro de 2001.
48

como fonte de recurso para o desenvolvimento rural, uma vez que minoram as necessidades
de desapropriações agrárias para fins de reforma agrária.
Cabe ao legislador estabelecer um procedimento judicial mais célere
para tornar efetivo o comando constitucional.

2.2.4 Cédula da Terra


Programa lançado pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1995-
2002), com recursos do Banco Mundial, o programa Cédula da Terra é um projeto piloto
realizado, inicialmente, no Ceará, sendo estendido para outros 04 (quatro) Estados brasileiros:
Maranhão, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais (região nordeste).
A idéia central do programa funda-se na formação de um Fundo de
Terras, com recursos do Banco Mundial (R$ 90.000,000,00) e dos Governos Estaduais
(aproximadamente R$ 10.000.000,00 cada), cujo destino seja o financiamento para a
aquisição de terras e investimentos para produção, por associações ou cooperativas de
produtores rurais de baixa renda.
Os recursos são repassados aos proprietários através de dois
subprogramas, denominados de Subprojeto de Aquisição de Terra (SAT) e o Subprojeto de
Investimento Comunitário (SIC), sendo o primeiro para aquisição de terras e benfeitorias e, o
segundo, para investimentos na formação e manutenção da associação de proprietários e suas
finalidades institucionais.
A novidade do programa é que o mesmo retira do Estado a função de
dirigente do processo e normatizador da ocupação produtiva do imóvel, transferindo a
responsabilidade para os próprios beneficiários, desde a escolha e aquisição do imóvel até a
definição das formas de produção e desenvolvimento, agindo apenas como orientador e
controlador dos desvios eventualmente existentes ou na atividade subsidiária de fomento e
amparo, quando os beneficiários não a puderem realizar por si.
Esta atividade é normalmente desenvolvida por órgãos gestores
indicados por cada Estado, que atuam principalmente na avaliação de aquisição das terras,
para evitar burlas e locupletamento ilícito dos vendedores. Esta avaliação, com variações de
Estado a Estado, é feita quase sempre mediante um laudo técnico.
No entanto, a negociação se dá diretamente entre beneficiário e
vendedor, sendo que os recursos são pagos pelo Fundo.
O Programa prevê o pagamento dos valores repassados, em
percentuais e prazos condizentes com o projeto de desenvolvimento apresentado, sendo ainda
49

muito cedo para avaliar sua efetiva eficácia, com a recomposição do Fundo para novas
aquisições.
Em relação ao programa oficial de Reforma Agrária, o Cédula da
Terra é um projeto inovador que já existe em vários países da América Latina (Guatemala, El
Salvador, Costa Rica, Equador, Chile e Honduras) (REYDON et PLATA, 1998). Em análise
dos impactos do programa cédula da terra em comparação com as desapropriações para fins
de reforma agrária, os Doutores Reydon e Plata fizeram a seguinte pesquisa comparativa:

Tabela 3. Preços da terra de lavouras da FGV, custo por hectare, Cédula da Terra e custo de
desapropriação do Incra.

Descrição Preço da FGV (a) Custo por hectare Cédula Custo de desapropriação do
da Terra (b) Incra (c)
Nordeste 396,00 167,30 539,40
Maranhão 189,20 93,60 244,60
Ceará 171,20 132,20 385,60
Pernambuco 659,70 593,20 687,80
Bahia 572,10 191,90 333,90
Minas Gerais 978,70 306,50 604,60
(a)
Preço real da terra de lavouras Boletim Estatístico do Centro de Estudos Agrícolas IBREFGV
(jun/1998 = 100);
(b)
Custo médio por hectare. Informe Cédula da Terra, setembro de 1998. Núcleo de estudos Agrários e
Desenvolvimento (NEAD);
(c)
Preço médio das terras desapropriadas pelo Incra por hectare 1996-1998. Departamento de Finanças
– Incra. In Gasques, J.; Conceição da, J. Demanda de terra para a reforma agrária no Brasil, Box 5, p.
38. Brasília, DF, nov. 1998,

Observa-se que o custo do hectare do programa foi bem inferior do


que o custo das desapropriações do Incra, o que pode ser explicado pelo mercado do momento
(vendedor) e pelas negociações diretas dos beneficiários, pois, como o valor repassado
obedece a um limite por família de U$ 11.200 (onze mil e duzentos dólares) e este valor
engloba a aquisição (SAT) e o investimento (SIC), quanto menos for gasto com aquisição do
imóvel mais sobra para implementar o processo de crescimento do grupo associativo.
De outro lado, um estudo preliminar do primeiro ano de implantação
do Programa, realizado por professores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
e Universidade São Paulo (USP), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ),
com a colaboração de professores, pesquisadores e estudantes de pós-graduação das
Universidades Federais do Ceará (UFCE) e Maranhão (UFMA), além de técnicos de
organizações não governamentais e dos governos estaduais, traça um quadro amplo dos
problemas e desafios do mesmo, destacando-se, em suas conclusões, as diretrizes para
cumprimento do princípio da responsabilidade.

Princípio da responsabilidade. Talvez o elemento mais inovador na estrutura


de governança do Programa Cédula da Terra seja a transferência, do poder
50

público para os próprios beneficiários, da responsabilidade sobre as principais


decisões envolvendo o projeto. Nesta concepção, os órgãos do governo já não
tomam decisões em nome e pelos beneficiários das políticas públicas, como se os
mesmos fossem incapazes, mas se transformam em órgãos assessores, com a
função de apoiar e não de substituir, as ações e decisões dos beneficiários, os
quais devem assumir o papel de verdadeiros atores e responsáveis pelos projetos,
inclusive dos resultados. A validade deste "princípio da responsabilidade", e a
possibilidade de "cobrar" os resultados no futuro, inclusive a terra, pressupõem o
cumprimento mínimo dos termos explícitos e implícitos no contrato de adesão ao
Programa. Isto requer uma atenção especial dos órgãos responsáveis pelo
Programa, seja para romper com a tradição paternalista e autoritária que
caracteriza as relações entre o setor público e as populações carentes, seja para
cumprir sua parte no acordo, a qual deve ser explicitada claramente e discutida
com a comunidade, eliminando falsas expectativas que são incorporadas pelos
beneficiários como condicionantes para o bom desempenho dos projetos e para o
pagamento das terras (NEAD, 2000).

O princípio acima descrito se coaduna com a orientação geral deste


trabalho de pesquisa, ao possibilitar aos próprios beneficiários do programa o comando das
ações que lhe são inerentes, descentralizando a organização do governo federal para entidades
menores (Estados) e, em última análise, para o próprio cidadão.

2.2.5 Empréstimos financeiros


De forma indireta, o Estado busca no mercado financeiro recursos
para o pagamento dos juros da Dívida Pública, mas, via de regra, não se capitaliza
diretamente para o repasse de recursos para a atividade agrária e o financiamento da reforma
agrária.
A verdade é que a combalida e endividada Fazenda Pública Nacional
não tem recursos disponíveis para a compra direta de imóveis rurais passíveis de
desapropriação para fins de reforma agrária, assim como não consegue obter empréstimos
internacionais ou nacionais, a juros reduzidos, para exercer políticas públicas subsidiadas de
incentivo de determinadas atividades ou setores essenciais para o fortalecimento da
agricultura familiar, por exemplo, ou do aprimoramento do produtor profissional ou da
formação de cooperativas e associações de produtores rurais.
Em certo sentido, o programa Cédula da Terra funciona desta maneira,
onde o governo recebe e operacionaliza recursos financeiros de instituição de crédito
internacional, ressalvado o fato de que tais recursos não serão pagos integralmente ao agente
financeiro, considerando o prazo do retorno dos empréstimos aos adquirentes dos imóveis.
Assim, para que se pudesse considerar como recursos públicos da
atividade rural empréstimos financeiros feito pelos governos, haveria a necessidade de uma
51

estabilidade monetária e uma redução considerável dos encargos financeiros do País, o que
não se vislumbra a curto prazo.

2.2.6 Imposto Territorial Rural


O Imposto Territorial Rural, embora constante do Estatuto da Terra
como fonte de financiamento da reforma agrária e da política agrícola, não se revelou, até o
momento, como efetiva fonte de recursos, em face do alto grau de sonegação do tributo e das
falhas estruturais na sua instituição e delimitação de competência.
A competência legislativa do tributo é da União, conforme
estabelecido no art. 153, inciso VI, da Constituição Federal, embora a destinação do recurso
seja determinada pelo disposto no § 4º do mesmo art. 153, que estabelece o dever da União de
repassar 50% (cinqüenta por cento) do resultado da arrecadação aos Municípios e Distrito
Federal, em relação aos Municípios existentes em seus territórios.
Essa determinação constitucional, que procurou preservar o
simbolismo histórico da competência para instituir o ITR nas mãos da União, sem
descontentar os constituintes municipalistas, com a transferência de parte da receita do tributo
a estes, embora sua natureza de tributo real fosse mais afeita à competência municipal, como
o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Transmissão de Bens
Inter-vivos (ITBI), na verdade tornou o imposto inoperante, tendo como conseqüência o
desinteresse da União na sua efetiva fiscalização e arrecadação e a falta de competência e
capacidade dos Municípios em interferir no resultado final do imposto, limitando-se a receber
as ínfimas quantias repassadas pela União.
Assim, em termos comparativos, podemos verificar que o ITR não
representou valores significativos tanto para a União como para os Municípios e DF,
inexistindo informações de que estes valores tenham sido efetivamente usados no
desenvolvimento rural.
Observa-se, Anexo 2, o histórico de arrecadação dos tributos federais
no período compreendido entre 1985 a 2002, onde se evidencia a insignificância de sua
arrecadação, bem na tabela comparativa de arrecadação, Anexo 1, que demonstra que o ITR
não representa, atualmente, 0,1% do total da arrecadação federal, ou, em termos absolutos, R$
292 milhões em 2004.
Portanto, não atendendo sua função constitucional extrafiscal, de
reduzir a incidência de propriedades improdutivas no País, através da progressividade do
imposto, em razão do baixo valor atribuído pelos proprietários a seus imóveis, o ITR retira ao
52

programa de Reforma Agrária um de seus pilares de sustentação, restando, apenas, a


desapropriação para fins de reforma agrária como instrumento público de redução das
desigualdades fundiárias no Brasil.
2.2.7 Orçamentos Estaduais e Municipais
Abstraindo-se os valores destinados à Reforma Agrária, são os
Municípios e Estados federados que investem maior parcela de recursos públicos no
desenvolvimento rural.
A crescente demanda do setor rural por escolas, saúde, estradas,
assistência técnica e infra-estrutura, diante do aumento da produção agrícola e pecuária e da
globalização dos meios de comunicação, que resgatam, em parte, a ignorância dos habitantes
do campo, pressionam estes governos a desviar parte de seus recursos orçamentários para o
setor rural, embora, politicamente, os resultados eleitorais de tais ações políticas não sejam
tão efetivos como a construção de estruturas urbanas, onde se encontra a maior parte das
populações municipais.
No entanto, é difícil dimensionar tais recursos, bem como padronizar
sua existência na diversidade de situações encontradas, que variam enormemente de
Município a Município, de Estado a Estado.
Tal dificuldade tem raiz na falta de dados confiáveis das
administrações municipais, no fato de que muitas destas ações têm origem em recursos de
outras áreas (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef),
Sistema Único de Saúde, Convênios com vários Ministérios e Secretarias Federais, etc.) e na
ausência de políticas formuladas especificamente para o desenvolvimento rural.

2.3 Fontes de Financiamento Privado


O Estado foi o grande provedor de recursos para o desenvolvimento
rural, até a segunda crise do petróleo (1980) e o final do regime militar (1964-1985), quando
houve um abandono do aporte de recursos para os programas de financiamento de
investimento e custeio a juros subsidiados pelos cofres públicos. E, se iniciou a fase de
renegociação das dívidas e gradativa transferência do investimento público para o privado,
embora o Banco do Brasil continuasse a ser o maior parceiro financeiro dos produtores, mas
com juros e encargos muito próximos dos demais bancos.
53

Por outro lado, os grandes produtores rurais, que se capitalizaram com


dinheiro público não pago ou securitizado a longo prazo, passaram a investir em sua atividade
com recursos próprios, em razão das altas taxas de juros praticadas pelo mercado.

Da mesma forma, a oferta de tecnologia de ponta pelas instituições de


pesquisa nacionais (Embrapa, Engopa25, Cati26, etc.) e a abertura de mercados internacionais
para commodities nacionais, trouxeram para o campo brasileiro, outros investidores de peso,
quais sejam os fornecedores internacionais e nacionais de sementes, insumos e defensivos.
E, também adotaram a prática de adquirir parte da produção nacional
de exportação de forma antecipada, mediante o fornecimento destes insumos para pagamento
em produtos na data da colheita ou do abate.
Assim, sem a necessidade de grande desembolso na fase de produção
e com a disponibilidade de crédito fácil e tecnologia de ponta, o setor rural de produção
extensiva e voltada para a exportação cresceu e floresceu até atingir os patamares atuais de
desenvolvimento do que se convencionou chamar de “agronegócios”.
O agronegócios apresentou um saldo de superávit acumulado no
período de 1990 a 2003 de 131 bilhões de dólares, ao passo que os demais produtos
brasileiros da balança comercial acumularam um déficit de 55 bilhões de dólares (SECCO,
2004).
O autor ainda relata que, das 12 commodities agrícolas mais
negociadas no mundo, o Brasil é líder em vendas de seis, segundo colocado em três e a quarta
em outras três.
Capitalizado por sucessivas safras, o setor de agronegócios
modernizou-se e expandiu-se, agregando valor aos produtos agrários e verticalizando a
produção, comercialização e industrialização.
Com as sobras, começou processo de expansão territorial, alargando a
fronteira agrícola, principalmente no cerrado do Planalto Central e divisa Sudeste da
Amazônia. Com a expansão, agravou-se o quadro fundiário do País e as agressões ao meio
ambiente, com a quase extinção do cerrado e desmatamento na floresta amazônica.
Assim, à exceção dos últimos dois anos, quando a conjuntura de
condições climáticas adversas, diminuição do câmbio e queda do preço internacional de
algumas commodities reduziu a capacidade de financiamento dos grandes produtores.

25
De acordo com dados do Ministério da Agricultura (Brasil, 1998).
26
Segundo a Secretaria de Estado da Agricultura... (Goiás, 2001).
54

Este setor não tem se ressentido da falta de recursos, pois dotada de


patrimônio para garantir os empréstimos e capacidade de negociação em condições mais
favoráveis que os demais setores rurais.

2.4 Centralização, na União, da desapropriação e do Imposto Territorial Rural


Outro entrave ao desenvolvimento da capacidade produtiva do setor
rural diz respeito a concepções estruturais do Estado Brasileiro, existentes desde sua criação
como um simulacro de federação, imposta pelos republicanos em face do modelo norte-
americano, mas sem as raízes históricas que formaram aquele País, a partir da união
espontânea das colônias inglesas.
No Brasil, muito embora a divisão colonial em Capitanias Hereditárias
e posteriormente, no Brasil Império, em províncias não independentes, o poder sempre foi
exercido em sua plenitude pelo executivo central, seja do império, seja da república.
Esta natureza centralizadora só fez adensar-se com os períodos em que
o País esteve sob o güante de governos totalitários, militares ou civis, salvo breve período de
influência da Constituição Municipalista de 1946.
Entretanto, na elaboração da atual Constituição, ficou claramente
evidenciada a intenção dos constituintes em dotar o Brasil de um modelo descentralizado.
No que tange ao desenvolvimento rural, a intenção descentralizadora
da Assembléia Constituinte não foi suficiente para afastar o estigma que a questão rural e a
força da propriedade exerciam e exercem sobre o imaginário político.
Assim, as forças conservadoras da Constituinte optaram por manter
sob o domínio do Governo Central tanto a prerrogativa de fazer a Reforma Agrária como a
tributação da propriedade rural, embora, vê-se hoje, não fosse esta a melhor opção de
abordagem da Questão Agrária.
Em relação à competência privativa da União para processar a
desapropriação, determinada no art. 184, § 3º, da CF/88, tal sistema, além de excluir o
interesse de Estados e Municípios no processo de reforma agrária, encareceu e dificultou a
mesma, ao concentrar nas mãos do Incra e sob a exclusiva apreciação judicial o processo de
redução das desigualdades fundiárias do País.
Quanto à competência da União para instituir o imposto sobre a
propriedade rural, o legislador constituinte não ousou atribuir a competência para instituir o
55

tributo, de natureza real, ao ente que, historicamente, tem as melhores condições de fiscalizar
e arrecadar o imposto, ou seja, o ente onde se encontra localizado o imóvel: o Município.
O direito de propriedade se encontra na raiz do fato de a União não
querer abrir mão da competência para instituir o imposto sobre a terra. Tido como o primeiro
tributo da humanidade, a taxação da terra está intimamente ligada ao poder. Embora outros
países já tenham desmistificado este fantasma, inclusive abolindo a tributação sobre o
patrimônio territorial rural, no Brasil este “poder” ainda seduz governos, mesmo contrariando
a natureza “local” deste tipo de exação.
Mesmo as dezenas de propostas feitas durante o processo de reforma
tributária em curso, propondo a transferência da competência de instituir o ITR para os
Municípios não foram suficientes para afastar o “peso” histórico do instituto como fonte de
poder, tendo resultado, no máximo, na oferta, mediante lei futura, de capacidade dos
Municípios para arrecadar e fiscalizar o imposto, auferindo a outra metade do produto que
ainda não detém.

2.4.1 Dissociação da realidade


Tanto no caso das desapropriações agrárias, como na tributação da
terra, a concentração das ações nas mãos da União (via Incra e Secretaria da Receita Federal,
respectivamente) se baseia no fato de que tais instituições teriam efetiva capacidade
administrativa e fiscalizatória para exercer a plenitude desta competência.
No entanto, a realidade é bem diversa, pois a distância dos órgãos do
Incra e da Receita Federal do objeto de suas ações torna estas ações irreais, uma vez que
baseadas exclusivamente em cadastros elaborados pelos próprios detentores dos imóveis
rurais.
O Incra, possuindo representações apenas nas capitais e grandes
cidades do País27, é responsável pela seleção dos imóveis passíveis de desapropriação para
fins de reforma agrária, bem como titular do processo judicial de desapropriação. Nesta
qualidade, seleciona tais imóveis através da análise dos cadastros fornecidos pelos próprios
proprietários ou através de indicações dos maiores interessados no processo, quais sejam os
movimentos sociais de trabalhadores sem-terra. De qualquer modo, não existe o
conhecimento pessoal da autoridade sobre o imóvel, o que aconteceria se o ente
desapropriante fosse local.

27
São, atualmente, 29 (vinte e nove) Superintendências Regionais, conforme informação do INCRA. Disponível
em <www.incra.gov.br>. Acessado aos 29.set.2005.
56

Não conhece o Incra a história dos imóveis, seus proprietários, os


problemas sociais da região ou as pessoas possíveis de serem assentadas no próprio
Município. Por este motivo, muitas vezes comete injustiças, desapropriando fazendas que
sejam ou estejam em vias de se tornar produtivas, ou, quando não, desconhecendo as aptidões
locais, transportam para o local trabalhadores de outras regiões, com outros costumes, que
terão maior dificuldade de adaptação do que os trabalhadores rurais locais.
Há que se considerar, ainda, que a crônica falta de servidores que
assola a Administração Pública torna o processo lento e as vistorias não conclusivas,
possibilitando, ainda, pelos valores envolvidos, a ocorrência de corrupção em detrimento do
Erário Federal.

2.4.2 Aumento de custos dos processos


Outra conseqüência da centralização de ações na União é o
encarecimento dos custos do processo de desenvolvimento rural, seja quanto à arrecadação
tributária, seja no processo de reforma agrária.
Em relação a esta última, além do aumento de custos decorrentes do
deslocamento de servidores do Incra para Municípios distantes do órgão (diárias, transporte,
etc.), há que se considerar igualmente, os custos judiciais do procedimento desapropriatório,
que se desenvolve no Município do imóvel, mas obriga o Incra a enviar advogados, prepostos
e peritos a cada audiência realizada, além do acompanhamento processual, sem contar o
aumento do valor das indenizações jurisdicionadas.
No que tange ao ITR, a situação é parecida, pois a Receita Federal só
possui Delegacias nas Capitais de Estado e grandes cidades (Goiás, por exemplo, tem duas:
Goiânia e Anápolis) e Agências em outras cidades de mais expressão, mas insuficientes para
fiscalizar todos os Municípios (adotando novamente o exemplo de Goiás, existem 02 (duas)
Delegacias – Goiânia e Anápolis, e 14 (quatorze) agências para 259 Municípios), destacando
o fato que, à exceção de São Paulo, a maioria dos auditores-fiscais estão lotados nas
Delegacias, sendo as agências geridas por técnicos, que não têm competência fiscalizatória e
para lançamento.
Neste caso, qualquer procedimento de vistoria do objeto da tributação
(o imóvel rural), se eventualmente fosse feita (o que não é), demandaria o pagamento de
diárias e transporte, comprometendo os já combalidos recursos administrativos do órgão.
Por outro lado, como as Declarações de ITR, base quase única da
cobrança, são feitas, normalmente, com valores inferiores aos reais, acrescentam-se aos custos
57

de fiscalização os do contencioso administrativo, devidos em razão das autuações e


questionamentos da Receita, que movimentam servidores nas Delegacias para instruir os
processos e julgadores nas Delegacias de Julgamento e Conselhos de Contribuintes.
Grande parte destas despesas seria minimizada se a competência
tributária, no caso, fosse atribuída aos Municípios, desonerando o erário e sobrando mais
recursos para a aplicação no desenvolvimento do setor rural.
2.4.3 Comprometimento de Estados e Municípios
Por fim, a centralização tributária e fundiária no Brasil tem como
conseqüência um elevado distanciamento dos Estados e Municípios destas ações,
preocupando-se estes governos, apenas, no que tange ao desenvolvimento rural, com a
conservação de estradas vicinais, algumas ações bem-sucedidas de ATER, a formação de
patrulhas rurais e lavouras comunitárias, além das suas atribuições normais de saúde e
educação.
Portanto, como os recursos do programa de desapropriação para fins
de reforma agrária são federais e as ações são todas tomadas pelo órgão federal responsável.
Á direção do Município de localização do imóvel desapropriado resta, apenas, o ônus do
gerenciamento dos conflitos decorrentes do processo, entre proprietários e trabalhadores sem
terra que sempre afluem para estas regiões, além do incremento de encargos sociais, com o
aumento de população carente, em razão dos assentamentos.
Nem o acréscimo de renda pelo pagamento das desapropriações não
beneficia os Municípios, pois, normalmente, o proprietário desapropriado deixa a região,
investindo os recursos conseguidos em outro local, quase sempre em atividades urbanas.
Na esfera tributária a situação não é diferente, porquanto, embora 50%
(cinqüenta por cento) da receita tributária do ITR seja repartida entre os Municípios, a
diluição dos já ínfimos valores arrecadados passa quase despercebida pelos gestores
municipais, incorporando-se ao erário municipal.
Como se trata de imposto, não existe vinculação de sua aplicação ao
desenvolvimento rural, sendo a arrecadação usada muito mais nas ações urbanas do que no
incremento agrário.
Quanto à União, seu percentual arrecadado não cobre os custos de
processamento, fiscalização, arrecadação e contencioso administrativo, inexistindo recursos a
serem aplicados no setor agrário.
Mesmo a recente alteração da Constituição Federal, em seu art. 153, §
4º, inciso III, que estabelece que seja fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem,
na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia
58

fiscal, não foi suficiente para estimular os Municípios a encampar a arrecadação e fiscalização
do tributo, até porque, decorridos 19 meses, tal dispositivo constitucional não foi ainda
regulamentado28.
Portanto, o modelo adotado pelo constituinte de 1988 para os
programas de reforma agrária e desenvolvimento rural, em que pese os avanços da
Constituição Cidadã, não se adequou à melhor concepção doutrinária de gerenciamento das
ações políticas, assim como se encontra em confronto com a orientação descentralizadora da
Magna Carta, que estabelece políticas que transferem aos entes locais ações públicas,
aumentando a responsabilidade de Estados e Municípios, fortalecendo o pacto federativo.

2.5 Conflitos sociais


Talvez um dos mais preocupantes problemas que atrasam o
desenvolvimento rural, atualmente, seja o recrudescimento dos conflitos sociais pela posse da
terra, que se desenvolve em todo o território nacional, mas especialmente nas áreas de
fronteira agrícola (Sul do Pará e Norte de Mato Grosso) e nas regiões de frágil regularização
fundiária, como o Vale do Paranaíba, em São Paulo e o Noroeste do Estado de Goiás.
As causas de tais conflitos são encontradas tanto na histórica e extensa
desigualdade fundiária, nunca resolvida e sempre agravada, como em recentes práticas
predatórias e evasivas, comparadas às dos piratas do século XV.
Durante anos, a luta dos trabalhadores rurais por terra se deu de forma
desorganizada, à exceção das “ligas camponesas” de Francisco Juliano, que, constituídas
legalmente como Associações de Trabalhadores, expandiram-se rapidamente de Pernambuco
para o resto do País.
No entanto, com o fim da Ditadura Militar, nos anos 80, a organização
dos “sem-terra” em movimentos sociais estruturados e de âmbito nacional incorporou à
questão agrária, novo elemento de tensão, trazendo o tema da Reforma Agrária para o centro
das políticas nacionais.
Com a incorporação em suas fileiras de grande parcela de rejeitados
pelos aglomerados urbanos, mas acostumados aos movimentos operários das cidades e
adotando um discurso de extrema esquerda, como o repúdio ao capitalismo e aos Estados
Unidos, a apologia da moratória da dívida externa e a socialização da terra, estes movimentos
sociais, quase que naturalmente, criaram laços com os sindicatos de São Paulo e Centrais

28
Projeto de Lei nº 4.896, de 09 de março de 2005.
59

Sindicais, bem como com os então recém-criados Partidos Políticos de esquerda, como o
Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Comunista do Brasil (PcdoB).
Exercendo uma atividade agressiva de invasões de propriedades rurais
e protestos bem direcionados por ampla campanha de mídia, tais movimentos conseguiram
significativo aumento no processo de desapropriações para fins de reforma agrária, mas
trouxeram a resistência, muitas vezes armada, dos grandes latifundiários, que se organizaram
em torno das Federações de Agricultura dos Estados e de entidades associativas como a União
Democrática Ruralista (UDR).
As conseqüências da disputa entre sem-terras e proprietários rurais,
bem como as ações judiciais decorrentes, além de criarem clima de tensão nas regiões onde
ocorrem, atrasam o desenvolvimento rural do País, ao desvalorizar as terras próximas aos
conflitos e desestimular o investimento interno e externo na produção rural.
Agravada a situação pela Lei de Terras de 185029, ao excluir da
“regularização fundiária” todos que não tivessem renda ou título de sesmaria, a desigualdade
fundiária do País perpetuou-se pela inércia do Estado em promover um projeto de reforma
agrária efetivo desde então. Assim, embora legítimos e desejáveis os anseios dos atuais
movimentos sociais de trabalhadores sem terra, não se pode olvidar as dificuldades em
atender tais desejos, seja em relação aos valores e recursos humanos envolvidos, seja quanto
às resistências naturais dos proprietários de terras e dos setores mais conservadores da
sociedade.
Conflitos sociais de natureza diversa, as invasões ilegais de
propriedades nas áreas de fronteira agrícola promovidas por grupos armados de “grileiros”
com o fim especulativo imobiliário ou do desenvolvimento de lavouras e pastos em larga
escala, têm como fundamento a ausência de autoridade constituída nestas regiões, bem como
na fragilidade cadastral dos registros imobiliários no Brasil, em especial nas “bordas” da
Amazônia Legal e em partes dos Estados do Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso.
Estas invasões, além de carecerem de uma justificativa moral ou legal
(como é o caso dos sem-terras), têm caráter eminentemente predatório, pois visam esgotar os
recursos da propriedade invadida, até que o poder público venha retirá-los da mesma, além de
gerar uma situação de violência e medo onde acontecem, afastando, igualmente, as
possibilidades de um desenvolvimento racional da atividade agrícola.
Portanto, a existência de um desenvolvimento rural sustentado e
constante depende da solução destes conflitos sociais pela posse da terra, com a mudança do

29
Lei nº 601, de 18 de setembro de 1.850, Anexo 3;
60

paradigma atualmente adotado, de desapropriações forçadas e assentamentos mal


estruturados, por um lado, assim como a falta de autoridade com as invasões ilegais da
propriedade privada, seja por trabalhadores sem-terra, sem por “grileiros” e criminosos em
busca de riqueza fácil.
A proposta desta pesquisa é buscar novas soluções para este
desenvolvimento, sem embargo das atualmente adotadas, visando mais o atendimento dos
princípios federalistas e municipalistas, assim como formas mais democráticas e capitalistas
de desenvolvimento, através do incentivo à produção, do incremento tecnológico, do
fortalecimento da propriedade familiar e da sociedade local e do uso de recursos públicos
diretamente direcionados para a atividade rural.

2.6 Desapropriações jurisdicionadas


O art. 184, § 2º, da Constituição Federal estabelece:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse


social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja
cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em
títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real,
resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua
emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 2.º O decreto que declarar o imóvel como de interesse
social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação
de desapropriação.

Regulamentando o procedimento judicial especial de desapropriação


de imóveis rurais, para fins de reforma agrária, foi publicada a Lei Complementar nº 76, de 06
de julho de 1993, que determinam e competem privativamente à União promover a ação de
desapropriação e atribui ao órgão federal executor da reforma agrária (Incra), a titularidade da
referida ação.
Pacífico, assim, que a intenção do legislador constitucional foi dar ao
programa de reforma agrária uma feição jurisdicionada, como forma de garantir a legalidade e
a publicidade dos atos administrativos de desapropriação do patrimônio privado com esta
finalidade.
No entanto, esta opção trouxe consigo alguns entraves ao objetivo
maior de garantir um pleno desenvolvimento do setor agrário, uma vez que “engessou” a ação
governamental, ao enquadrá-la nas normas rígidas e, muita vez, arcaicas, do processo judicial,
elevando o tempo de finalização do processo e, de conseqüência, o custo final da
desapropriação, onerando o Estado e a sociedade.
61

Por outro lado, o direito ao contraditório amplo e a determinação


constitucional de que o pagamento ao desapropriado deve ser feito em prévia e justa
indenização, faz com que as discussões em torno do preço e da avaliação do imóvel se
prolonguem entre perícias e recursos judiciais, com resultado final, em razão dos índices de
atualização monetária, quase sempre superiores ao valor efetivo de mercado na data da
avaliação.
Para amenizar estes gastos, outras opções foram tentadas pelo
Governo Federal, como o Programa Cédula da Terra.
Entretanto, a maior parte do programa de reforma agrária ainda é
jurisdicionada, sendo imperioso encontrar outras alternativas de promover a redução das
desigualdades econômicas e fundiárias no Brasil, em face dos problemas acima apontados, o
que pode ser conseguido com a adoção de incremento da renda da agricultura familiar, através
do aumento das ações políticas voltadas ao desenvolvimento rural.

2.7 Corrupção
A corrupção, assim entendida como a conduta do indivíduo que,
motivado por uma vantagem a ser auferida, desvirtua a natureza de um determinado objeto,
contrariando o que a sociedade considera como “certo” e “justo” (HABIB, 1994), é um
problema de âmbito mundial, existindo em maior ou menor grau em todo o planeta, segundo
dados da Transparência Internacional, única organização não governamental de combate à
corrupção, sediada em Berlim, na Alemanha e que possui representação em mais de 150
países.
A entidade trabalha realizando pesquisas de percepção dos níveis de
corrupção na maioria dos países, os quais têm o respeito da comunidade empresarial mundial
e colocam o Brasil em uma situação bastante precária, ocupando a 16ª posição na América
Latina (entre vinte) e em 45º lugar no mundo entre 102 países pesquisados (TRANPARENCY
INTERNATIONAL, 2002).
Quanto ao setor agrário, a organização produziu, também, o Índice de
Países Corruptores (IPC), que mostra qual a propensão que empresas que estão entre as
maiores exportadoras do mundo têm de pagar suborno aos países para onde exportam seus
produtos.
A Tabela abaixo (tabela 4) demonstra que os setores empresariais que
trazem relação com o setor agrário estão entre os menos corrompidos, mas os índices são
bastante elevados:
62

Tabela 4. Setores empresariais que relacionam com o setor agrário em função de níveis de corrupção
(pontuação).

Setor empresarial Pontuação (a)


Obras públicas/construção civil 1,30
Armas e defesa 1,90
Petróleo e gás natural 2,70
Imóveis/propriedades 3,50
Telecomunicações 2,70
Geração e transmissão de energia 3,70
Mineração 4,00
Transportes 4,30
Produtos farmacêuticos/assistência médica 4,30
Indústria pesada 4,80
Bancos e finanças 4,70
Aviação civil 4,90
Silvicultura 5,10
Tecnologia da informação 5,10
Pesca 6,90
Indústria 5,80
Agricultura 5,80
(a) Os resultados são a média de todas as respostas numa base de zero a dez, onde zero representa níveis de
corrupção bem altos e dez corresponde a níveis de corrupção extremamente baixos.
Esgotando recursos públicos que poderiam, e deveriam ser
direcionados para as atividades primordiais do Estado, como educação, saúde e segurança, a
corrupção não deixa de comprometer, igualmente, o desenvolvimento rural, seja
indiretamente, reduzindo a oferta de receitas públicas desviadas para aquelas outras
atividades. Seja diretamente, apropriando-se de recursos financeiros destinados ao
financiamento do desenvolvimento rural, onerando o custo de obras de infra-estrutura
destinadas ao campo ou mesmo inflando artificialmente o valor dos imóveis desapropriados.
Talvez o mais grave entrave ao desenvolvimento do País, a corrupção
é tida pelos investidores estrangeiros como um dos principais obstáculos aos planos de
investimento ou expansão de suas atividades em determinado País, o que representa a
diminuição da possibilidade de crescimento daquele Estado e, conseqüentemente, de redução
da pobreza do mesmo (Tranparency International, 2002).
Há que se reconhecer que o Governo Federal e a sociedade brasileira
vêm “importando” para a gravidade do problema, como mostram as recentes ações da Polícia
Federal neste sentido e as manifestações de repúdio da população às crescentes denúncias de
corrupção nos Governos Estadual e Federal.
No entanto, o impacto da corrupção sobre as finanças públicas, em
especial nos Municípios, é fator de forte redução da capacidade de investimento em políticas
públicas em geral e na atividade agrária em especial, com reflexo direto sobre o setor de infra-
estrutura de transportes, armazenagem e beneficiamento da produção agrária, investimentos
63

estes que, por ser de grande porte, dependem direta ou indiretamente do financiamento
público para sua realização.
Outro fator extremamente negativo da corrupção, ou mais diretamente
da falta de punição dos corruptos, é o efeito multiplicador que a mesma gera na sociedade,
seja estimulando o cidadão a buscar o mesmo comportamento em suas relações de negócios,
seja desigualando a concorrência de mercado, forçando empresas honestas a ingressarem na
clandestinidade da sonegação tributária ou optarem pela redução da qualidade dos produtos e
uso de propaganda enganosa, como forma de concorrer com aquelas que obtêm favorecimento
tributário ou mercadológico do setor público.
Importante ressaltar que a transferência de responsabilidades e receitas
para os Municípios deverá estar correlacionada ao correspondente aumento do controle fiscal
e político das ações e receitas públicas, via cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e
mais efetivo controle dos Tribunais de Contas, Ministério Público e Conselhos Paritários
Municipais.

2.8 Infra-estrutura
Por fim, talvez uma das questões mais prementes de solução para o
desenvolvimento rural no País seja o “gargalo” da falta de infra-estrutura de produção,
armazenagem e transporte, a possibilitar o crescimento do setor agrário e da economia
nacional como um todo.
Fato recorrente nos últimos anos, de sucessivos recordes de produção
no País, a perda de produtos em razão da falta de armazéns, o aumento dos custos em razão
das deficiências de estradas e portos e a diminuição da produtividade decorrente das
deficiências de equipamentos e manutenção, principalmente nas regiões de “fronteira
agrícola”, têm se tornado um forte limitador do crescimento da produtividade e da
competitividade do Brasil no exterior, assim como é fator de manutenção da pressão
inflacionária no mercado interno.
Neste sentido, reportagem de Maria Helena (MARTINS, 2004),
retrata um quadro preocupante para o agronegócio e a economia nacionais, do qual se extrai:

Os gargalos na infra-estrutura representam um ameaça séria ao


desenvolvimento do agronegócio brasileiro: as estradas estão em péssimo
estado, os portos estão saturados, faltam silos e armazéns, o frete é caro
demais devido à falta de ferrovias e hidrovias.
....
Não existem estudos precisos sobre o assunto, mas estima-se que o sistema
de escoamento da produção entre em pane se a safra chegar a 130 milhões de
64

toneladas. Filas intermináveis acabariam se formando nos portos, o embarque


atrasaria e o preço do frete subiria até prejudicar efetivamente a
competitividade do produto brasileiro. Para a maior parte dos competidores do
Brasil faltam terras. No Brasil o limite para a produção pode ser definido fora
das fazendas.

A gravidade do problema existe em razão da natureza dos


investimentos necessários para dotar o País de uma infra-estrutura compatível com o nível de
crescimento desejado.
Ocorre que tais obras exigem um aporte de recursos de grande vulto,
aliado a um prazo de maturação também longo e expectativas de retorno do investimento de
longo prazo, em média de vinte a trinta anos.
Como os custos financeiros no Brasil, atualmente, encontram-se entre
os maiores do mundo, e em face da própria natureza do investidor nacional, acostumado ao
retorno rápido do capital investido, em razão dos juros praticados no mercado financeiro e da
recente “história” de inflação no País, ainda é muito pequeno o investimento privado em obras
de infra-estrutura, sendo que, na maioria das vezes, o que ocorre é a realização de obras que
visam atender as próprias necessidades da grande empresa rural, sem a oferta do serviço aos
pequenos e médios produtores, que não dispõem de recursos suficientes para obras de grande
envergadura.
Entre os “gargalos” de infra-estrutura, talvez o mais grave seja o da
malha de transporte da produção, visivelmente deteriorado e ultrapassado, carecendo de
investimentos “pesados” e, muito provavelmente, de uma mudança significativa de
paradigma, para atender as necessidades nacionais.
Fruto de uma opção equivocada do Estado, em meados do século
passado, que escolheu um modelo de malha viária rodoviária, como forma de estimular a
nascente indústria automobilística e aproveitar o baixo custo do petróleo, o Brasil não
desenvolveu, como ocorreu em outros países continentais como o nosso, uma rede ferroviária
de grande porte, cujo custo de transporte e manutenção é muito inferior ao rodoviário.
A autora (MARTINS, 2004), traz dados significativos sobre o
transporte da safra brasileira, onde o transporte rodoviário responde com 63% (sessenta e três
por cento) do escoamento da produção brasileira, enquanto as hidrovias participam com 13%
(treze por cento) e as ferrovias por 24% (vinte e quatro por cento).
A mesma autora também informa que nos Estados Unidos e Europa a
média de idade dos caminhões é inferior a dez anos, enquanto no Brasil é de dezessete anos.
Assim, como a tonelada de soja que viaja de Rondonópolis – MT até Paranaguá – PR (de
65

caminhão) custa 45 dólares, nos Estados Unidos a soja produzida no Meio-Oeste americano
viaja até o Golfo do México, pelo Rio Mississipi, a um custo de apenas 4 dólares.
Assim, também não aproveitamos à extensa rede hidrográfica do País,
principalmente no Sudeste e Nordeste, para desenvolver o transporte acquaviário de cargas,
cuja capacidade de transporte é ainda maior do que a ferroviária, a um custo mais baixo.
Assim, com o aumento do valor do barril de petróleo, que passou de
US$ 2,90 em 1973 (Guerra do Yom Kippur) aos atuais US$ 67,00 em média, bem como em
razão do endividamento do País e conseqüente redução da capacidade de investimento e
manutenção da extensa malha viária, a cada ano agrava-se a situação do transporte da safra de
grãos e da produção agrária para os mercados consumidores e portos de exportação do País.
Encarecendo nosso produto agrário e diminuindo nossa
competitividade no mercado externo, a depauperação das estradas é fator limitante do
desenvolvimento rural, a exigir enorme esforço dos governos federal, estaduais e municipais,
em termos de recursos, para sua solução.
É bem verdade que foi instituída a Contribuição de Intervenção no
Domínio Econômico (Cide), incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e
seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível, cuja finalidade seria
a de financiar a infra-estrutura de transportes, entre outros, conforme dispõe o inciso III, do §
1º da Lei nº 10.336, de 19 de dezembro de 2001.
No entanto, quase quatro anos após o início da cobrança do tributo, a
Cide não se refletiu, ainda, em melhoria da malha viária brasileira, seja em razão das
discussões sobre a repartição dos recursos entre os entes federados, seja pelo desvio de
finalidade do tributo pelo Governo Federal.
Outra iniciativa que não vêm obtendo resultado é a transferência, pelo
Estado, da atribuição de conservação e administração das rodovias à iniciativa privada,
mediante concessão e cobrança de pedágio, situação que o atual governo espera reverter com
a recente lei de Parcerias Público Privado, instituída mediante Lei 11.079, de 30 de dezembro
de 2004, que visa estimular a participação do setor privado na realização de obras de infra-
estrutura, mediante exploração.
Outro fator limitante, este voltado principalmente ao mercado externo,
é a ineficiência e o alto custo dos portos brasileiros, em comparação com outros portos
internacionais, embora os avanços da Lei dos Portos (Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de
1993).
66

As longas filas de caminhões carregados de soja, durante dias,


esperando vaga para descarregar no Porto de Paranaguá – PR, um dos mais modernos do País,
é exemplo fragrante da falta de investimento no sistema portuário do Brasil, a exigir ingentes
recursos financeiros e esforços de modernização que o Estado não implementados até o
momento.
Por fim, embora não tenha a mesma projeção dos problemas
anteriores, o Brasil carece de uma infra-estrutura de assistência técnica e um parque industrial
e tecnológico no setor rural, consistente na renovação da frota de máquinas e tratores
agrícolas, de idade média de 15 anos para tratores e de 18 para colheitadeiras, segundo dados
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento30, enquanto nos Estados Unidos os
produtores trocam uma colheitadeira a cada três anos e um trator a cada quatro anos; na
formação de profissionais suficientes para uma correta manutenção desta frota e na criação de
centros de pesquisa e excelência em tecnologia agropecuária, hoje só disponível aos grandes
produtores.

30
De acordo com dados do Ministério da Agricultura (Brasil, 2005).
67

3 O NOVO PANORAMA RURAL BRASILEIRO

A existência dos entraves relacionados ao desenvolvimento rural,


considerados em seu conjunto, demonstra a necessidade de estabelecer novos paradigmas para
o setor rural brasileiro, descobrindo novas formas de financiamento da atividade rural;
fortalecendo a agricultura familiar, sem descurar do estímulo ao agronegócios e integrar todas
as entidades públicas e particulares na formulação de políticas agrárias que propiciem um
crescimento firme e sustentável da economia rural e da sociedade agrária.
Este novo panorama rural passa pelo enfrentamento das situações
atualmente existentes, que dependem de alterações legislativas, como a proposta deste
trabalho de pesquisa, assim como da integração de sociedade e governo em um projeto de
desenvolvimento rural escorado na atuação microcósmica e no planejamento macro, reunindo
mercados, cidadãos, agricultores e empresários.

3.1 O desarmamento das tensões sociais


O clima de confronto entre trabalhadores rurais, sem-terra e
proprietários e empresários rurais vem crescendo no Brasil, devido a diversos fatores, como:

- a politização dos movimentos sociais e seu crescente grau de organização;


- a diminuição da oferta de terras “desapropriáveis”;
- o contingenciamento dos recursos disponíveis para o pagamento de
indenizações e o assentamento das famílias cadastradas;
- o aumento das invasões e grilagens de extensas porções de terras passíveis
de desapropriação para fins de reforma agrária, em regiões de fronteira
agrícola e carência cadastral, por produtores rurais e “quadrilhas” de
negociantes profissionais de terras;
- e, a reação gerada entre os grandes proprietários e organizações de
ruralistas, cujo discurso belicoso acirra os ânimos das partes em conflito.

Na raiz destas questões encontra-se a desigualdade fundiária e de


renda do País, onde poucos possuem a maior parte da terra produtiva e uma grande
quantidade de trabalhadores rurais ou urbanos não encontra trabalho e renda suficiente para a
manutenção de suas famílias.
Verifica-se que a força política dos movimentos sociais decorre da
existência de enorme contingente de trabalhadores desempregados, oriundos das periferias das
68

grandes cidades, cujas raízes recentes se encontram na atividade agrária, bem como de “bóias-
frias” e filhos de pequenos proprietários rurais, cujas terras não são mais suficientes para
mantê-los e às suas gerações futuras.
O aumento da renda e da oferta de trabalho gerado pelo incremento da
atividade agrária decorrente do aporte de recursos da nova contribuição deve esvaziar o afluxo
de postulantes aos assentamentos rurais, minando a força dos movimentos sociais.
Com a diminuição de candidatos aos programas de assentamento de
terras desapropriadas, por sua vez, a “pressão” do Incra para localizar e desapropriar imóveis
improdutivos será menor, causando a diminuição dos valores pagos e o conseqüente aumento
de recursos para a formação de assentamentos melhor dotados de infra-estrutura.
Por seu turno, o aumento da atividade produtiva decorrente do
investimento nos Municípios deve gerar um acréscimo da arrecadação tributária, cujo
superávit poderá ser usado para diminuir o contingenciamento dos recursos destinados à
Reforma Agrária, aumentando a quantidade de famílias assistidas.
No que tange ao controle das invasões de terras para fins
especulativos, uma maior participação da comunidade local, através de conselhos paritários de
controle da aplicação dos recursos tributários deve fazer com que a regularização dos registros
imobiliários, para fins de obtenção de financiamentos públicos, traga como conseqüência uma
maior legalidade nas operações de compra e venda de imóveis rurais.
Por outro lado, o fortalecimento das instituições Municipais, em
especial das forças de segurança pública e fiscalização fiscal e ambiental irão,
gradativamente, afastando os atos ilegais e criminosos de apossamento de imóveis rurais, bem
como de falsificação de documentos de propriedade.
Por fim, a conjunção dos fatores elencados, aliado a um controle
social e político melhor estruturado, deve “esvaziar” o discurso conservador dos ruralistas, ao
passo em que a aplicação efetiva de alíquotas progressivas na nova contribuição obrigará à
diminuição dos latifúndios improdutivos e ao parcelamento espontâneo das grandes glebas ou
sua efetiva produção, gerando mais emprego e renda.
Assim, a implantação deste novo modelo de desenvolvimento rural
deverá ser fator de arrefecimento das tensões sociais hoje existentes, sem a necessidade de
confrontos armados ou ideológicos.

3.2 O crescimento do “agronegócios”


69

O que se denomina no Brasil de “agronegócios”, ou agrobusiness,


como prefere alguns, não têm, na verdade, uma delimitação conceitual lógica, mas sim um
sentido de contraposição entre os setores produtivos e avançados tecnologicamente do setor
rural, de produção em larga escala, com a agricultura familiar, rudimentar, tida em sentido
mais pejorativo.
Sobressai, no imaginário popular, a figura do empresário rural, das
grandes extensões de terras cultivadas com um só produto e das negociações no mercado
internacional, contribuindo para esta tipificação o expressivo resultado da balança comercial
rural, alavancada pelos produtos decorrentes de commodities agrárias, assim entendidas a
soma de produtos derivadas de uma só atividade, como é o caso da soja, da laranja, do gado,
do café e da cana-de-açúcar, por exemplo.
Por outro lado, a “imagem” do Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, é
associada ao pequeno produtor, com suas criações mirradas, suas técnicas rudimentares de
produção e sua baixa capacidade tecnológica e cultural.
A realidade, no entanto, não mostra um quadro extremado como a
mídia e o conhecimento popular faz crer, pois nem o agronegócio é tão moderno e produtivo
como parece e a agricultura familiar não são atrasados, nem improdutivos como se faz crer.
É certo que a opção brasileira pela modernização dos grandes
latifúndios e o investimento em tecnologias de produção de exportação, aliado ao poder
econômico da oligarquia rural que se apossou da emergente indústria brasileira no século
passado, criou uma categoria de grandes produtores que, buscando tecnologia nos órgãos
governamentais e na iniciativa privada, tornou o Brasil competitivo no mercado mundial, ao
passo que alargou a desigualdade econômica e social no campo.
Respondendo, atualmente, por aproximadamente 39% (trinta e nove
por cento) do Produto Interno Bruto (PIB), o agronegócios é fundamental para o equilíbrio e o
desenvolvimento da economia do País, assim como representa fator de inclusão social, sendo
o setor produtivo que mais converte renda em emprego. Para cada R$ 1 milhão de vendas
adicionais, a indústria de equipamentos eletrônicos gera 63 novos postos; a de veículos, 69; a
construção civil emprega mais 99 trabalhadores; o comércio, 131; e a agropecuária é
responsável por 187 novos empregos (SUGIMOTO, 2003).
Também a produtividade e a produção do setor de agronegócio vêm
crescendo nos últimos anos, conforme acima demonstrado.
O potencial de crescimento, no entanto, é muito grande e existem
problemas sérios a serem enfrentados, como a formulação de políticas de desenvolvimento
70

estáveis e de longo prazo; o enfrentamento mais profissional das agressivas ações de subsídios
dos países mais desenvolvidos, da ordem de U$ 1 bilhão por dia; o investimento em
tecnologias de rastreabilidade; uma maior agregação de valores ao produto agrário de
exportação e, principalmente, a expansão da oferta de tecnologias nacionais avançadas, hoje
disponíveis, aos pequenos empresários rurais e ao setor de agricultura familiar.
No que tange à agricultura familiar, é preciso afastar a conotação de
atrasada e anti-econômica que se desenvolveu no período de expansão do processo de
mecanização e modernização das grandes áreas agrícolas do País a partir de meados do século
passado.
Segundo o Ministro Rosseto (ROSSETTO, 2005), do Ministério do
Desenvolvimento Agrário, “a agricultura familiar congrega 4,1 milhões de pequenas
propriedades e foi responsável, em 2003, por 38% da produção agropecuária do País, ou
10% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estudo da Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (Fipe)”.
Ainda segundo o mesmo autor, a agricultura familiar é responsável
por 84% da farinha de mandioca, 97% do fumo, 67% do feijão, 58% da carne, 52% do leite,
49% do milho, 40% das aves e ovos, 32% da soja e 31% do arroz produzidos no País, entre
outros itens.
Porém, o que não mostram tais dados é que estes resultados são frutos,
na maioria das vezes, mais da quantidade de famílias envolvidas do que de índices de
produtividade elevados, pois a experiência prática mostra que, à exceção da produção de
fumo, aves e soja, onde a produção familiar atua como fornecedora das grandes empresas e
recebe destas tecnologias, os produtores familiares trabalham com baixo grau de tecnologia e
conseqüente produtividade inferior.
Exemplo desta afirmativa é o setor de produção de leite, onde a
produtividade média por animal dos agricultores familiares é de aproximadamente 03 quilos,
enquanto produtores dotados de tecnologia e matrizes selecionadas atingem mais de 20
quilos/animal.
O esforço de um plano de desenvolvimento rural capaz de alterar o
panorama atual deve, como é a proposta do governo, ser direcionado também para a
agricultura familiar, pois considera-se atualmente que agricultura familiar é incompetente, já a
realidade demonstra que, quando bem orientados tecnologicamente e voltados para a
produção comercial, além da subsistência, o produtor familiar profissionalizado é capaz de
produzir melhor, com mais qualidade e mais respeito ao ambiente do que as grandes
corporações agrárias.
71

O direcionamento do programa de desenvolvimento rural para a


agricultura familiar, sem as características de paternalismo e produção de subsistência que o
atual governo imprime ao seu projeto, mas procurando integrá-lo ao competitivo mercado do
agronegócios é medida consoante com a realidade dos países que possuem uma agropecuária
forte e competitiva, como a França, a Espanha e os Estados Unidos, onde, por diferentes
meios, realizaram-se reformas que procuraram formar agricultores profissionais, altamente
capacitados e integrados em associações ou cooperativas, respondendo pela maior parte da
produção destes países.
A proposta deste trabalho de pesquisa visa demonstrar que, com o
aporte de recursos tributários e orçamentários aos entes municipais e a vinculação destes
recursos à atividade agrária, este programa de fortalecimento da agricultura familiar e sua
integração ao agronegócios deverá se dar de forma mais eficiente e racional. Uma vez que
será focado na realidade local e formulado e aprovado pela própria comunidade, através de
conselhos paritários.
Com isto, diminuem-se as tensões resultantes do atual confronto entre
os grandes produtores e os agricultores familiares, integrando-os numa mesma finalidade
produtiva e, de conseqüência, produzindo um desenvolvimento rural permanente e
consistente.

3.3 A valorização dos imóveis rurais


Reydon e Plata (1999), em profunda análise da evolução do preço da
terra no Brasil, no período de 1966 a 1998, identificaram que a demanda por terras e,
conseqüentemente, seu valor real, podem ser associados com as alterações das políticas de
desenvolvimento rural implementadas neste período e, principalmente, com as políticas
monetárias e os planos econômicos tentados no Brasil para dominar a espiral inflacionária
ocorrida até meados de 1994.
Segundos os mesmos autores, a evolução do valor real dos imóveis
rurais pode ser dividida em três grandes fases, sendo a primeira no período de 1966 a 1975,
em razão da modernização da agricultura no País e da expansão da fronteira agrícola, quando
as terras triplicaram seu valor, em média, devido aos seguintes fatores que apontam:

1. os efeitos das políticas setoriais que significaram a modernização da


agricultura, que esteve associada à introdução de um conjunto de
inovações tecnológicas, aumentaram a produtividade da terra e portanto
seu preço;
72

2. a maior demanda por terras para tingir as necessidades de escala da


produção das modernas tecnologias;
3. a grande transferência de recursos para o setor agropecuário principalmente
através do crédito agrícola subsidiado, que em muitos casos foi desviado
para compra de terras;
4. a grande demanda por alimentos pelos mercados nacional e internacional
catalisaram o aumento dos preços da terra rural;
5. todos estes fatos e políticas atuaram conjuntamente criando sinergias que
potencializaram as expectativas de ganhos produtivos e especulativos
com o uso da terra e pressionaram a subida de seu preço.

A segunda fase, de 1976 a 1994, seria marcada pela instabilidade


monetária, quando os preços de terras oscilaram fortemente, conforme as expectativas da
economia, as incertezas das aplicações em outros ativos e o medo das medidas agressivas
tomadas pelos governos.
Assim, de 1976 a 1985, os preços permaneceram relativamente
estáveis, em razão da conjunção do aumento da produtividade decorrente da Revolução Verde
(que diminuiu a pressão por mais terras) com o crescimento da inflação no final dos anos 80,
que absorveu capitais para o mercado financeiro.
De 1985 a 1994, época dos seguidos planos econômicos, a
instabilidade foi total, ora com oferta exagerada de terras, para aplicação na “ciranda
financeira”, muito mais rentável, ora percorrendo o caminho inverso, quando as expectativas
de “derrocada” da economia e medo de “congelamentos” e moratórias, faziam com que os
investidores buscassem ativos mais “seguros”, como a propriedade imobiliária.
Exemplo desta instabilidade ocorreu no final de 1996, com o Plano
Cruzado: com o congelamento de preços e salários e a redução drástica da rentabilidade das
aplicações em bolsa e mercado financeiro, aliado a um razoável oferta de crédito agrícola a
baixo custo, fizeram com que a terra aumentasse seu valor por várias vezes, pressionada pela
demanda.
Desde 1993, mas principalmente a partir de meados de 1994, com o
Plano Real e a estabilização da moeda, o valor da terra iniciou acentuada queda, diante das
altas taxas de juros e o aumento do custo de produção agropecuário, que reduziram o interesse
por ativos imobiliários tanto do ponto de vista de reserva de capital, como fator de produção,
sendo que um como outro encontrava maior rentabilidade na aplicação em outros ativos de
maior liquidez.
Esta tendência permaneceu até o final de 1999, quando o preço médio
das terras começou a subir novamente, em razão do incremento trazido pelo crescimento
acelerado do agronegócio e pela utilização cada vez maior das terras de cerrado do Planalto
Central do Brasil, as quais, valorizadas pela topografia plana e baixo custo de desmatamento,
73

aliado as altas produtividades depois de corrigidas por fertilizante e calcário, incrementaram o


preço da terra para cima.
No entanto, estimam os analistas do agronegócio que este “pico” de
preços teria sido atingido em meados de 2004, com tendência de baixa ou estabilidade nos
últimos 12 (doze) meses, conforme demonstrado em trabalho de pesquisa desenvolvido pelo
instituto Fundação Nacional de Pesquisa (IFNP), em seu Relatório Bimestral nº 3, referente a
janeiro/fevereiro de 2005 (FNP, 2005):
Como comentado em relatórios anteriores, de março de 2002 até
meados de junho de 2004, verificamos que ocorreu uma alta generalizada nos preços de terras
no Brasil, onde em um período pouco maior que 2 anos aumentaram o valor médio das terras
brasileiras em 107%, frente a uma inflação acumulada de 37,62%, no mesmo período. Nos
meses seguintes, no entanto, verificamos uma diminuição desta tendência, como pode ser
observado no gráfico abaixo.

Figura 1 – Preço Médio de Terras 2002 – 2005.

Nos últimos 36 meses, o preço médio da terra no País valorizou 111%,


valor ainda bastante acima da inflação no período, que foi de 42,75%. No entanto, analisando
apenas os últimos 12 meses da pesquisa, verificamos que a valorização média no País foi de
apenas 2%, valor abaixo da inflação medida no período, que ficou em 9,96%. Analisando os
74

dados da Tabela 1 fica evidente que o ritmo das valorizações neste mercado diminuiu nos
últimos 12 meses, e que sua dinâmica de distribuição é bastante alta.
Tal resultado deve-se à diminuição dos valores relativos das principais
commodities agrárias, em razão do aumento dos estoques de grãos na Comunidade Européia e
nos Estados Unidos, por causa dos fortes subsídios concedidos por estes países aos seus
produtores, comprando o que estes não conseguem exportar.
O valor dos imóveis rurais, como fator importante na composição dos
custos agrários, refletindo, igualmente, no orçamento federal relativo à reforma agrária e, no
âmbito municipal, na composição de suas receitas tributárias sobre a propriedade ou sua
transmissão, deve ser detidamente analisado em um programa descentralizado de
desenvolvimento rural, conforme proposta deste estudo.
Neste sentido, importa considerar a necessidade de um cadastro
imobiliário eficaz e atualizado, para fins tributários e na formulação de políticas de
desenvolvimento rural, assim como se revela de fundamental relevância a instituição de
tributo que atue como inibidor da propriedade improdutiva, estimulando a oferta ao mercado
destes imóveis e, conseqüentemente, a redução do valor real da propriedade rural, pelo
aumento da demanda, facilitando sua aquisição por quem deseja usá-lo como fator de
produção e não como reserva de valor e investimento.
Por outro lado, importa oferecer condições de produção e
produtividade aos proprietários rurais e àqueles que desejam ingressar no setor, para que a
diminuição do valor do imóvel não sirva de desestímulo à atividade.

3.4 A infra-estrutura rural


Colocada como entrave ao desenvolvimento rural, a infra-estrutura
rural atualmente existente no País representa enorme desafio ao Estado, em razão do alto
valor orçamentário exigido para atender as necessidades atuais dos produtores rurais e
projetar estas necessidades em face do esperado desenvolvimento futuro.
A falta de investimentos em infra-estrutura é um dos problemas de
mais difícil solução, em razão do custo envolvido, mas, ao mesmo tempo, o mais simples de
equacionar, uma vez que depende muito pouco da contemporização de conflitos sociais ou de
complicadas negociações políticas.
Realmente, se considerarmos a história do desbravamento das
fronteiras agrárias do País, veremos que já foi feito um grande investimento na criação de
infra-estruturas de produção, armazenagem e transportes, nas diversas regiões brasileiras.
75

Estradas foram criadas em todos os quadrantes do território nacional.


Sistemas de comunicação foram criados e cidades nasceram e se desenvolveram. Os males da
centralização administrativa atingiram o campo, com a criação de organismos de fomento,
investimento, armazenagem, pesquisa, cadastro e outros, onde foram investidos imensos
recursos na construção de armazéns públicos, no financiamento de máquinas e indústrias,
portos e estradas, mas muitos mais recursos foram aplicados na manutenção das estruturas
burocráticas ou simplesmente desviados pela corrupção.
Nos anos de acelerado crescimento do País, o Governo Federal usou
de recursos externos para o financiamento destas obras, muitas delas “faraônicas” e
“monumentais” e desconectadas da realidade do campo, causando o endividamento das
finanças públicas, hoje causa dos elevados juros do País, mantidos nestes patamares devido à
necessidade de refinanciamento do Estado, segundo dados da Secretaria do Tesouro
(BRASIL, 2004).
Do mesmo modo, a falta de planejamento de longo prazo, aliado à
falta de integração entre as ações federais, estaduais e municipais, também contribuiu para o
desperdício de recursos públicos, com ações sobrepostas em alguns casos ou inexistentes em
outros.
Assim, considerando que a questão de infra-estrutura é, realmente, um
problema de planejamento e recursos financeiros e em face das dificuldades de caixa do
Governo Federal, a solução do problema passa pela elaboração de um programa de
necessidades, considerando as peculiaridades locais e as estruturas de caráter nacional, como
portos, ferrovias, estradas, aeroportos e unidades de produção de energia hidroelétrica, eólica
ou atômica.
Definindo um planejamento de ações integradas, resta a questão da
alocação de recursos, caso em que ganham relevância a recente lei de parcerias público-
privadas e a implantação da proposta deste estudo, se confirmadas suas premissas, com o
acréscimo de recursos tributários aos cofres municipais, para a realização das obras de infra-
estrutura que interessam diretamente ao Município.
Tão relevante, como o financiamento de armazéns privados e
públicos; conservação de estradas vicinais; obras de conservação do meio ambiente (micro
bacias, curvas de níveis, conservação de nascentes e reflorestamento); estruturas educacionais,
como escolas agrícolas e técnicas rurais; criação de patrulhas rurais; centros de manutenção
de máquinas e equipamentos agrários e unidades de pesquisa, entre outras.
76

3.5 Cooperativas e Associações


Outro fator fundamental para a redução das tensões no campo e
aumento da competitividade da agricultura familiar em face do poderio econômico do
agronegócios é o fomento de cooperativas e associações de produtores rurais.
No Brasil, as cooperativas agrárias participam de forma bastante
efetiva na produção agrária, segundo dados da Organização das Cooperativas Brasileiras
(OCB), respondendo por 62,19% do trigo, 44,19% da cevada, 39,70% do leite e 38,91% do
algodão, conforme quadro demonstrativo abaixo (OCB, 2003):

Tabela 5. Participação das cooperativas na produção agrícola brasileira.

Produção agrícola Participação das cooperativas (%)


Trigo 62,19
Cevada 44,19
Aveia 39,21
Leite 39,70
Algodão 38,91
Suínos 31,52
Soja 29,40
Café 27,97
Alho 22,47
Uva 19,17
Milho 16,68
Arroz 11,36
Feijão 11,18
Fonte: Organização das Cooperativas Brasileiras. Disponível em <www.ocb.org.br>. Acessado aos 29.set.2005.

No entanto, ainda falta uma maior conscientização dos produtores e a


formação de quadros profissionais com especialização no trabalho cooperativo, como a
criação de cursos superiores e técnicos em administração cooperativa, bem como o aporte de
incentivos fiscais às instituições de crédito cooperativo.
Embrião das sociedades cooperativas, as associações comunitárias de
produtores rurais recebem, atualmente, tratamento diferenciado na obtenção de crédito dos
Fundos Constitucionais Regionais (FCO, FNO, FNE), mas o sucesso de tal iniciativa esbarra
na falta de divulgação destes recursos, bem como na taxa de mortalidade destas associações,
que, por falta de estrutura e familiaridade com o trabalho associativo, acabam dissolvendo-se,
na prática, sem conseguir a união necessária dos produtores, que poderia trazer uma efetiva
redução dos custos de produção e melhores condições de colocação e preço dos produtos
comuns.
Tais associações, que não chegam a se desconstituir formalmente e a
existência de cooperativas “nominais”, que mascaram a atividade empresarial de grandes
indústrias, dificultam a elaboração de estatísticas reais do quadro associativo no País.
77

Exemplo marcante é o setor leiteiro, onde grande parte dos pequenos


produtores, muitos agricultores familiares, inclui-se como cooperados em cooperativas
formadas e dirigidas pelos grandes laticínios do Brasil e do Exterior.
Na maior parte destas “cooperativas”, o produtor rural não tem uma
participação efetiva, limitando-se a fornecer o leite e adquirir mercadorias no estabelecimento
comercial da cooperativa. Suas obrigações, nestes casos, são desproporcionais aos serviços
recebidos e à efetiva participação societária e decisória, configurando-se mais uma relação de
compra e venda do que um ato cooperativo.
É certo que o próprio produtor brasileiro não possui, na maioria das
vezes, a plena noção de seus direitos e obrigações enquanto participante de uma cooperativa
ou associação de produtores, deixando a administração e decisões nas mãos de poucos
companheiros, que, por falta de fiscalização e preparo, acabam cometendo irregularidades e
administrando a entidade associativa como se fosse exclusivamente sua.
Assim, há que se analisar com cautela o número de associações rurais
e cooperativas das estatísticas oficiais, pois muitas ditas “cooperativas” são, na verdade,
empresas rurais que utilizam seus “cooperados” como simples fornecedores de matéria prima.
No entanto, a realidade da atividade agrária mostra que, diante do grau
de competitividade que a produção agrícola e pecuária vem assumindo no mercado
globalizado mundial, a profissionalização do produtor rural é medida que se impõe ao Brasil.
Neste ponto, a forma adotada pelo Governo Federal em relação aos
assentamentos rurais não tem gerado os resultados esperados, pois muitos dos assentados não
estão mais habituados às atividades rurais que poderiam desenvolver em suas pequenas glebas
e a maioria deles não conhece as mais modernas tecnologias de produção.
Sem a habilidade tecnológica e a capacidade de produzir em larga
escala, reduzindo custos, seus produtos não encontram mercado e suas propriedades não
geram renda suficiente para manter um padrão de vida razoável no campo, conseguindo,
quando muito, a produção de sobrevivência da família, o que acaba por desestimular os
membros mais jovens da unidade familiar, gerando seu êxodo para os centros urbanos ou para
alimentar novos acampamentos de sem-terras, em busca do próprio pedaço de terra, gerando
um círculo fechado de permanente reforma agrária no País.
Neste quadro, o fomento da atividade cooperativa ou associativa
ganha especial relevância, sendo que os entes subnacionais, por sua proximidade com os
produtores rurais, podem exercer um controle muito mais eficiente sobre a legalidade das
pessoas jurídicas formadas com estas finalidades.
78

Também o fortalecimento financeiro e orçamentário dos cofres


municipais, pela instituição de contribuição sobre a propriedade rural, vinculada ao
desenvolvimento rural, pode criar importante canal de recursos a estas associações ou
cooperativas, se os Municípios instituírem regras de destinação dos recursos que beneficiem
ações políticas voltadas para o fortalecimento da atividade associativa.
Por fim, para tornar a agricultura familiar competitiva em face do
agronegócio, só existem dois caminhos possíveis:
1) o da especialização, onde o produtor individual ocupa “nichos” de
mercado que exigem cuidados só possíveis pelo trabalho manual e especializado, como a
agricultura orgânica, o cultivo de especiarias ou a criação de animais exóticos, entre muitas
outras atividades;
2) o da associação, na produção em larga escala, como forma de
otimizar receitas e minimizar custos, tornando seus produtos competitivos com as grandes
empresas, que possuem estrutura e capital material e financeiro para produzir com
competitividade;
Portanto, em um cenário de pleno desenvolvimento agrário, com o
aproveitamento integral dos recursos materiais e humanos que o Brasil possui, a formação de
cooperativas e associações de produtores rurais, estimuladas por programas de formação
profissional é um futuro marco no desenvolvimento sustentável do País.

3.6 O Desenvolvimento Rural Sustentável


A criação de um novo panorama rural no Brasil, capaz de impulsionar
o setor agrário a um ciclo de desenvolvimento prolongado não tem como ser realizado sem a
inclusão de um fator hoje fundamental para a humanidade: a preservação e a recuperação do
meio ambiente.
Sob esta ótica, desenvolveu-se na literatura a expressão
“desenvolvimento rural sustentável”, cuja origem situa-se nos conceitos de sustentabilidade
criados a partir da identificação dos direitos de terceira geração, o meio ambiente em especial.
Navarro (2001), em alentado trabalho sobre os caminhos do
desenvolvimento rural no País, assim definiu a expressão:

Desenvolvimento rural sustentável, a quarta expressão deste conjunto, surgiu em


meados dos anos oitenta, a partir da crescente difusão da expressão mais geral,
“desenvolvimento sustentável” (apoiada em crescente e copiosa literatura). Embora
muitos autores e instituições pretendam atribuir a esta expressão um sentido
politicamente mais conseqüente do que a anterior (desenvolvimento rural),
incorporando noções, por exemplo, de eqüidade social ou, ainda mais
79

ambiciosamente, atribuindo alguma suposta relação entre formas de organização


social das famílias rurais mais pobres, fruto de “conscientização”, e o
desenvolvimento rural sustentável, o foco central, neste caso, é bastante claro e mais
limitado. A idéia de sustentabilidade nasceu da crescente percepção acerca dos
impactos ambientais do padrão civilizatório acelerado após a Segunda Guerra, cujas
evidências empíricas multiplicaram-se a partir da década de 1970. Neste sentido, o
componente “sustentável” da expressão refere-se, exclusivamente, ao plano
ambiental, indicando a necessidade das estratégias de desenvolvimento rural (como
antes definido) incorporarem uma apropriada compreensão das chamadas
“dimensões ambientais”. São assim meramente retóricas e um típico exercício de
“wishful thinking” outras agregações à expressão, inclusive porque “simplesmente
atribuindo um nome não indica que algo possa existir de forma viável” (Yearley,
1996: 131). A tendência, desta forma, é que a expressão desenvolvimento rural seja
acrescida, cada vez mais, do componente ambiental derivado da palavra sustentável.
Embora seja possível, certamente, adicionar outros significados à noção de
sustentabilidade (por exemplo, sustentabilidade política, social ou institucional,
entre outras possibilidades), tais agregações já fazem parte do repertório analítico
das tradições teóricas sobre o desenvolvimento rural. Por tal razão, mantendo-se o
rigor necessário, o “sustentável” aqui se refere tão somente aos padrões ambientais
requeridos em ações movidas sob a ótica do desenvolvimento rural.

Embora não adstrito ao agro, o conceito de desenvolvimento


sustentável encontra nas atividades agrárias sua expressão mais visível, diante das crescentes
notícias de devastação de reservas naturais e as visíveis conseqüências do uso de técnicas
agrícolas não conformadas à preservação ambiental, nas últimas quatro décadas.
As mudanças climáticas, a queda de produtividade, apesar do uso
intensivo de adubos e a crise energética gerada pela destruição de nascentes e reservas
aqüíferas, são exemplos marcantes das conseqüências da falta de cuidado com o meio
ambiente na busca do desenvolvimento da humanidade.
A recente crise energética do Brasil foi motivada muito mais pela
destruição de nascentes e assoreamento de veios d’água, do que pelas alterações do clima no
planeta, como se divulgou na época.
Definido como “o desenvolvimento que satisfaz nossas necessidades
hoje, sem comprometer a capacidade das pessoas satisfazerem as suas necessidades no
futuro”, pelo Relatório Brundtland (BRUNDTLAND, 1982), o desenvolvimento sustentável
só pode ser alcançado pela ação integrada de toda a sociedade, uma vez que o conceito de
ambiente interpenetra todas as ações públicas e privadas, sejam elas voltadas para o agrário, a
indústria, o comércio ou os serviços.
O comprometimento de uma pequena parcela da cadeia ecológica é
suficiente para gerar conseqüências danosas a populações e territórios que, aparentemente,
não guardam nenhuma relação com aquele fato, portanto, a sustentabilidade não pode ser
obtida pela ação isolada de seus entes envolvidos.
Com base nestas premissas e considerando a diversidade biológica do
setor agrário, capaz de gerar micro e macro atividades cujas exigências em termos de controle
80

ambiental são extremamente díspares, sobreleva a atuação da sociedade e dos governos locais,
seja na formulação de políticas de desenvolvimento escoradas nos conceitos de
sustentabilidade ambiental, seja no controle dos agentes de produção, na prevenção de danos
ao meio ambiente.
Por outro lado, não se pode perder de vista o caráter integrador destas
políticas, em nível intermunicipal, interestadual e nacional, uma vez que a ação de um
Município pode ser invalidada pela ausência de ação dos seus vizinhos (ou por ações danosas
ao ambiente), como ocorreu recentemente no Vale do Paraíba, estado de São Paulo, com o
rompimento de represa de dejetos industriais, que acabou por poluir rios a vazante em vários
Municípios31.
Neste sentido, há que se destacar como exemplo os projetos de
conservação de microbacias realizados no Paraná desde a década de 1980, onde os trabalhos
de conservação e prevenção de erosão tinham por objeto toda a bacia hidrográfica de
determinado curso d’água, com as obras de contenção (curvas de nível) estendendo-se em
toda a bacia, sem respeitar cercas de divisa, estradas ou limites territoriais dos Municípios
envolvidos, em trabalho conjunto dos produtores e prefeituras.
Da mesma forma, a atuação Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio
Meia Ponte, criado pelo art. 44 da Lei Estadual nº 13.123, de 16 de julho de 1997 (GOIÁS,
1997) vem conseguindo ótimos resultados, pela ação integrada do Estado e Municípios que
compõe o Rio Meia Ponte e seus afluentes, no Estado de Goiás.
Do exposto, a realização de projetos agropecuários amparados por
estudos de impacto ambiental e a formulação de políticas públicas locais, regionais e
nacionais informadas sob a ótica da sustentabilidade, são fatores fundamentais para um
desenvolvimento rural duradouro e permanente.
A conjunção de todos os fatores analisados neste tópico, como a
redução das tensões sociais no campo, o crescimento do agronegócios no ambiente da
agricultura familiar, a redução do valor dos imóveis e sua valorização como fator de produção
e não de capital, o aparelhamento da estrutura rural, o incremento da atividade associativa e
cooperativa no meio rural e, principalmente, a adoção de todas estas ações sob a ótica da
sustentabilidade ambiental, podem transformar o panorama rural brasileiro, gerando emprego
e renda e qualidade de vida, não só para as populações envolvidas, mas para todo o País.

31
O desastre, noticiado pela imprensa, foi o rompimento do depósito de produtos químicos da indústria
Cataguazes, aos 28 de março de 2003, na cidade do mesmo nome no estado de Minas Gerais. Os poluentes
foram despejados no Rio Pomba e atingiram o rio Paraíba do Sul, principal curso d’água do Rio de Janeiro.
81

4 IMPOSTO TERRITORIAL RURAL


Delineados os principais “entraves” do desenvolvimento rural
brasileiro e configurado o novo panorama rural que se deseja para o País, importa considerar
que o principal componente desta “virada de mesa” é o fator financeiro, ou seja, a formatação
de recursos suficientes para sustentar o desenvolvimento agrário desejado.
Esgotados os recursos orçamentários nacionais com o endividamento
externo e interno, além da pressão da reforma agrária, a tributação sobre terra se posiciona
como fonte de recursos de capital importância desse desenvolvimento.
Destarte, analisar a questão da tributação da terra implica,
primeiramente, pesquisar os fundamentos do direito de propriedade e sua importância na
história da humanidade.
Rousseau no seu Discurso sobre a Origem da Desigualdade
(ROUSSEAU, 1754), coloca, com maestria, a origem da propriedade territorial:

O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e


encontrou pessoas bastante simples para acreditá-lo, foi o verdadeiro fundador da
sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teriam
poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os
buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: “Livrai-vos de escutar esse impostor;
estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!”.
Parece, porém, que as coisas já tinham chegado ao ponto de não mais poder ficar
como estavam: porque essa idéia de propriedade, dependendo muito de idéias
anteriores que só puderam nascer sucessivamente, não se formou de repente no
espírito humano: foi preciso fazer muitos progressos, adquirir muita indústria e
luzes, transmiti-las e aumentá-las de idade em idade, antes de chegar a esse último
termo do Estado de natureza.

Explica o grande filósofo francês (ROUSSEAU, 1754) que, através de


longa evolução das sociedades primitivas, o homem foi dominando instrumentos básicos de
sobrevivência, como a linguagem e a descoberta do uso do ferro e da agricultura, chegando ao
estágio de uma agricultura rudimentar, que veio a determinar o sedentarismo do homem
primitivo.
Assim, a necessidade de cultivar a terra e realizar outras tarefas em
comunidade, numa interdependência entre os homens, fez com que os mesmos passassem a
realizar a divisão do trabalho entre eles, partilhando, igualmente, a terra cultivável, à razão da
indústria de cada um, de onde decorreu o embrião do direito de propriedade.
Desde então, o direito à propriedade veio evoluindo e se consolidando
como um dos direitos principais do homem, superior até ao direito à vida, se constatarmos a
quantidade de pessoas que, ao longo da história, perderam suas vidas na luta pela garantia ou
pela conquista de territórios.
82

Por outro lado, com a evolução dos sistemas de governo e a


complexidade crescente das atividades humanas, a necessidade de financiar o Estado trouxe
como conseqüência natural à tributação das rendas dos súditos.
A idéia de tributar a terra não é nova e remonta ao século XVII, onde
o economista William Petty (1623-1687), propõe a instituição de um tributo sobre a renda
fundiária, para o financiamento da Guerra (ARAÚJO et COUTO, 1996).
A França também instituiu imposto semelhante, ao estabelecer o
dízimo real, incidente sobre a renda natural das propriedades fundiárias, enquanto na Irlanda,
a proposta era de tributar o excedente, o lucro da renda da terra - Richard Cantillon, 1680 a
1734 (ARAÚJO et COUTO, 1996).
Cabe registrar que a tributação sobre a propriedade teve seu maior
desenvolvimento nos Estados Unidos, onde os Estados Federados tinham na “general property
tax” sua principal fonte de recursos, a ponto de o tributo ser tido como uma criação
tipicamente americana (COSTA, 1996).
É revelador o fato de que os Estados Unidos fizeram, em sua história
tributária, uma clara opção pela tributação da propriedade em detrimento da taxação do
comércio, principalmente do comércio exterior, o que se revelou fator de incentivo do
comércio e da economia, colocando-o na posição de destaque no mercado mundial que hoje
ocupa.
O Brasil, ao contrário, pela força política dos proprietários de imóveis,
nunca conseguiu auferir recursos significativos da tributação imobiliária, tendo de socorrer-se
do tributo sobre a exportação e sobre a circulação de mercadorias, durante o Império e a
República, para atender as necessidades de caixa, o que, de certa forma, inibiu sua inserção no
comércio mundial de forma expressiva.
Tentou-se instituir, no Brasil, um imposto sobre a propriedade rural
desde 1808, segundo relata Veiga Filho (VEIGA FILHO, 1906, in COSTA, 1996), apontando
que:
...a comissão que, em 1832, deu parecer sobre a proposta de orçamento,
lembrou este imposto que, no entanto, não foi instituído. O mesmo tributo foi
incluído no projeto de lei de terras, em 1843, rejeitado em 1850 depois de
longa tramitação. Sem mencionar as sugestões de Tavares Bastos, assinalo que
os relatórios de 1877 e 1879 do Ministro da Fazenda aconselhavam a criação
do imposto, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 1880, mas
rejeitado pelo Senado.

Posteriormente, o art. 9º, inciso 2º da Constituição de 1891


estabeleceu a competência dos Estados Membros para a instituição de impostos sobre a
propriedade rural, além da urbana, norma mantida pelas Constituições de 1934, 1937 e 1946.
83

Com a Emenda Constitucional nº 05, de 21 de novembro de 1961, à Constituição de 1946, a


competência foi transferida aos Municípios e, posteriormente, destinada à União, pela
Emenda Constitucional nº 10, de 11 de novembro de 1964, a qual, no entanto, destinava o
produto da arrecadação aos Municípios.
A competência e destinação do ITR permaneceram a mesma com a
Constituição de 1967 e Emenda Constitucional nº 01, de 20 de outro de 1969, sendo que na
Constituição de 1988 a competência permaneceu com a União, mas foi previsto pelo art. 158,
inciso II que os municípios receberiam 50% da receita do ITR relativo às terras existentes no
seu território.
Recentemente, a Emenda Constitucional nº 42, de 31 de dezembro de
2003, permitiu que os Municípios exercessem opção por fiscalizar e arrecadar o tributo
auferindo a totalidade da receita, mediante a edição de lei, ainda sob análise do Congresso
Nacional.
Do breve escorço histórico acima, pode parecer que o imposto teve
uma existência real, o que não é verdade, uma vez que, durante o período de 1891 a 1946,
quando o mesmo era da competência dos Estados, poucos foram os que o instituíram e
cobraram. De 1946 a 1964, não se tem notícia de que algum Município tenha instituído o
tributo, então de sua competência, assim como, de 1964 a 1988, quando a competência era da
União, mas a receita Municipal, não houve ações efetivas para cobrança do tributo, como se
percebe da evolução da arrecadação constante das Tabelas anexas.
Efetivamente, a cobrança do ITR começou após 1988, quando o Incra
assumiu tal encargo, mas de forma ainda incipiente, fato que não melhorou com a
transferência do encargo para a Receita Federal em 1990, permanecendo assim até hoje.
Assim, a tributação da propriedade no Brasil, inclusiva a urbana, cuja
cobrança só se tornou mais significativa recentemente, não teve, ao longo da história,
importância na composição das receitas públicas, obrigando o Estado a direcionar a carga
tributária para a tributação da renda e, principalmente nos últimos anos, para a produção e o
consumo, tributos que aprofundam a desigualdade social no Brasil, pois incidem da mesma
forma sobre pobres e ricos.
No entanto, em que pese a oposição dos proprietários de terras, a
tributação sobre a propriedade é uma das formas mais justas de financiamento do Estado, pois
paga quem possui riqueza material, pressupondo-se a aquisição anterior de renda.
Evidente que, como a propriedade material não produz, por si, renda
ao longo do tempo, o montante de tributos gerados pela tributação da propriedade não é
84

suficiente para manter o Estado, na forma complexa de serviços e benefícios que o Estado
Democrático de Direito atual propicia.
Neste sentido, necessárias outras espécies tributárias, incidentes sobre
a renda e o valor agregado aos produtos industrializados ou comercializados.
No entanto, os tributos incidentes sobre a propriedade são receitas
tributárias que podem representar significativa parcela do erário e que, se bem direcionadas e
aplicadas, no caso rural, podem gerar mais riqueza para a comunidade municipal e,
conseqüentemente, aumento da arrecadação decorrente de imposto de renda e outros tributos
incidentes sobre o faturamento, a produção e a circulação de mercadorias.

4.1 Instituição
Conforme referido, a primeira previsão de um tributo sobre a
Propriedade Rural no Brasil veio estabelecida pela Constituição de 1891, art. 9º, inciso 2º, que
atribuía aos Estados membros a competência de instituírem impostos sobre a propriedade
rural, além da urbana, que já era de sua competência.
Tal previsão legislativa vigorou até 1961, quando a Emenda à
Constituição nº 05/61, alterou o art. 29 da então Constituição Federal, promulgada em 1946,
transferindo a competência tributária para os Municípios.
Nestes 70 (setenta) anos de previsão do ITR como competência dos
Estados, pouco se sabe de efetiva instituição do tributo pelos Estados federados e menos ainda
da arrecadação e destinação dos eventuais valores arrecadados.
Três anos depois, em 1964, nova alteração Constitucional, promovida
pela EC nº 10/64, já sob o governo da Ditadura Militar, a competência tributária para instituir
o ITR foi transferida para a União, em consonância com as diretrizes centralizadoras do novo
regime de governo que se instalara à força no País.
A destinação dos recursos aos Municípios tinha a finalidade de obter o
apoio de Prefeitos e enfraquecer o movimento pela legalidade nos Estados, mas, como já
vinha acontecendo, não havia a ocorrência de arrecadação, conforme tabela abaixo.

Tabela 6. Arrecadação do Imposto Territorial Rural no período de 1985 a 2002.

Ano (a) Imposto Territorial Rural


US$ (1985 a 1991) e R$ milhões (1992 em diante)
1985 -
1986 -
1987 -
1988 -
1989 17,00
1990 15,00
85

1991 77,00
1992 18,00
1993 29,00
1994 16,00
1995 105,00
1996 262,00
1997 209,00
1998 224,00
1999 273,00
2000 267,00
2001 228,00
2002 245,00
Fonte: Secretaria da Receita Federal.
(a)
O Plano Real entrou em vigor em julho/1994; Arrecadação de 1985 a 1991 convertidas pelo dólar médio anual e
arrecadação de 1992 a 1994 (até junho) convertidas pela URV média mensal.

A arrecadação do tributo só se iniciou a partir de 1989, após a


promulgação da Constituição Federal de 1988, assumindo o Incra a responsabilidade de
notificar os contribuintes, tendo por base seu Cadastro Rural.
Porém, não havia qualquer tipo de fiscalização e os proprietários
rurais só cumpriam com sua obrigação tributária em razão de que o comprovante de
recolhimento do “Incra”, como era conhecido popularmente o imposto, servia como prova
junto à previdência, para fins de aposentadoria, além da crença disseminada de que o
recolhimento fazia prova da propriedade do imóvel e facilitava a obtenção de crédito.
Nos tópicos abaixo, será mais bem detalhada a natureza do tributo e
especificadas sua origem constitucional, sua vinculação agrária e as finalidades institucionais
do tributo, como instrumento extra-fiscal de controle dos latifúndios improdutivos e como
fonte de receita para o desenvolvimento rural.

4.1.1 Estatuto da Terra


O Imposto Territorial Rural (ITR), sob a ótica tributária, existe como
tributo desde a Constituição de 1891, embora só tenha se firmado como receita financeira do
Estado após sua inclusão no art. 153, VI, da Constituição de 1988.
Entretanto, sua instituição como tributo da União se deu de forma sui
generis, ao integrar a Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, denominada Estatuto da
Terra.
A peculiaridade da instituição do imposto está no fato de que o
Estatuto da Terra não guarda finalidade tributária, ou seja, não é uma lei tributária, mas norma
destinada a regulamentar e promover a tão esperada Reforma Agrária, além de criar estruturas
públicas e regramentos de desenvolvimento rural e de regulação da atividade agrária no País.
86

O art. 50 e seguintes do Estatuto especificavam a base de cálculo do


ITR, estabelecendo fórmula complicada, onde a alíquota básica, de dois décimos sobre o valor
real da terra nua, era majorada progressivamente em relação ao conjunto dos imóveis rurais
do mesmo proprietário, cujo resultado era multiplicado por coeficiente relativo à localização
do imóvel e novamente multiplicado por coeficiente relativo às relações de trabalho e assim
sucessivamente por outros coeficientes e redutores do valor do tributo.
Como se pode intuir, não foram devidamente seguidas as normas e os
princípios de definição dos tributos, como a fixação da base de cálculo, a definição do sujeito
passivo, o prazo de recolhimento ou a forma do lançamento.
É verdade que, à época da edição da lei, não possuía o Brasil, ainda,
um sistema tributário racionalizado e organizado, o que só ocorreu com a publicação da Lei
nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, que instituiu o Código Tributário Nacional.

4.1.2 Matriz Constitucional


O legislador constituinte, ao tratar do Sistema Tributário Nacional,
procurou organizar a receita tributária do Estado, distribuindo competências, fixando metas,
estabelecendo princípios e imunidades, além de tentar equilibrar o sistema federativo, pela
repartição das receitas tributárias entre os entes federados.
Em relação ao ITR, embora lhe tenha dado a natureza jurídica de
“imposto”, bem como estabelecido, no art. 167, IV, a vedação de vinculação de imposto a
órgão, fundo ou despesa, a Constituição Federal lhe atribuiu uma finalidade extrafiscal, qual
seja a de, através da progressão de alíquotas, desestimularem a manutenção de propriedades
improdutivas (§ 4º do art. 153).
O legislador constituinte criou, assim, vinculação direta do imposto ao
Programa de Desenvolvimento Rural e à Reforma Agrária, além de dar-lhe uma conotação de
“sanção” e não de obrigação tributária decorrente de ato lícito.
É importante ressaltar esta qualidade do tributo em tela, uma vez que
deu à finalidade extrafiscal da exação uma matriz constitucional, revigorando o que já
constava do Estatuto da Terra, em seu art. 47.
No entanto, a forma prevista no Estatuto da Terra, embora
recepcionada pela Carta Magna, não se adequava perfeitamente à intenção do legislador
constituinte, pela complexidade da formação da base de cálculo, bem como pela falta dele.
No que tange à força constitucional do tributo, é importante ressaltar
que, como dito, a previsão já constava das Constituições anteriores, mas revela a força da
87

Constituição Federal de 1988, elaborada por parlamentares eleitos pelo voto direto e discutida
amplamente, o fato de que, apenas com sua publicação é que se tornou real a cobrança da
exação, como se observa do Anexo 2.

4.1.3 Administração do imposto


A administração tributária no Brasil, antes da criação do Sistema
Tributário Nacional, através da edição do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.12, de 25 de
outubro de 1966), era um verdadeiro tumulto de atribuições e competências.
O art. 2º do Decreto-lei nº 822, de 05 de setembro de 1969, atribuiu ao
Executivo a tarefa de regular o processo administrativo de determinação e exigência de
créditos tributários federais, penalidades, empréstimos compulsórios e o de consulta.
O que foi feito pela publicação do Decreto nº 70.235, de 06 de março
de 1972, o qual estabelecia, em sua redação original, que:

Art. 9º. A exigência do crédito tributário será formalizada em auto de


infração ou notificação de lançamento, distinto para cada tributo.
§2º. A formalização da exigência, nos termos do parágrafo anterior, previne a
jurisdição e prorroga a competência da autoridade que dela primeiro
conhecer.
Art. 11. A notificação de lançamento será expedida pelo órgão que
administra o tributo e conterá obrigatoriamente:
I- a qualificação do notificado;
II - o valor do crédito tributário o prazo para recolhimento ou
impugnação;
III - a disposição legal infringida, se for o caso;
IV - a assinatura do chefe do órgão expedidor ou de outro servidor
autorizado e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.

Portanto, embora não definida textualmente, entende-se que a


administração do imposto, compreendendo a fiscalização, a cobrança e a arrecadação,
pertencia ao Incra, desde 1964, quando publicado o Estatuto da Terra, assim como a execução
fiscal da exação era exercida por sua própria Procuradoria Jurídica.
Exercida tal competência a partir de 1988, logo se revelou o desvio de
finalidade do órgão em relação a esta atividade, diante das atribuições maiores de
cadastramento dos imóveis rurais do País, de promoção da Reforma Agrária e do
desenvolvimento rural.
Tal desvio foi corrigido pela publicação da Lei nº 8.022, de 12 de abril
de 1990, que alterou o sistema de administração das receitas federais e transferiu para a
Secretaria da Receita Federal todas as receitas arrecadadas pelo Incra.
A Secretaria da Receita Federal, desprovida de qualquer familiaridade
e estrutura na administração deste “novo” tributo, exerceu a cobrança, em relação aos
88

exercícios de 1990 e 1991, com base nos dados transferidos pelo Incra, limitando-se a emitir
as notificações aos contribuintes e arrecadar.
A partir de 1992, a Receita Federal passou a formar seu próprio
cadastro, exigindo a apresentação de Declaração de ITR pelos contribuintes no ano de 1993,
utilizada para o lançamento dos exercícios de 1992 e 1993.
Com a publicação da Lei nº 8.847, de 8 de janeiro de 1994, pela
conversão em lei da Medida Provisória nº 399, de 29 de dezembro de 1993, alterou-se a
legislação do imposto, dando-lhe uma feição mais tributária.
Por força da nova legislação e em razão das profundas alterações
promovidas na legislação tributária com a edição da Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991,
que vinculou a legislação tributária à Unidade Fiscal de Referência (UFIR), a Receita Federal
obrigou-se a fazer novo Cadastramento em 1994, cuja Declaração dos contribuintes serviu de
base para o lançamento dos impostos dos exercícios de 1994 a 1996, devendo o contribuinte
apresentar Declaração intermediária em caso de alteração da titularidade da propriedade no
período.
Os erros administrativos cometidos pela Receita Federal neste
período, em relação à administração do imposto, causaram milhares de Solicitações de
Retificação do Lançamento (SRL) e Impugnações ao Lançamento, bem como processos
judiciais e administrativos contra inscrições indevidas em Dívida Ativa da União, muitos
ainda em formação atualmente.
Como exemplo, pode-se citar o fato de que, na Declaração de ITR de
1992, o formulário determinava que os valores fossem expressos em “cruzeiros”, mas quando
o formulário foi distribuído, a moeda já era “cruzeiro real”, constando a alteração em
Instrução Normativa que não foi lida pela maioria dos contribuintes, fazendo com que muitos
declarassem valores mil vezes maiores do que o devido.
Também em 1994, o formulário deveria todo ser preenchido em UFIR
e as áreas com uma casa decimal, causando confusão entre os contribuintes, fazendo com que
lançamentos fossem lavrados com áreas dez vezes maiores e valores diferentes dos reais.
Outros questionamentos administrativos e judiciais ainda existentes,
referem-se ao fato de que a Receita Federal fez publicar Instruções Normativas em cada ano
com os Valores de Terra Nua mínimo (VTNm), para cada Município, elaboradas através de
informações fornecidas por prefeituras e outros órgãos estaduais e federais.
89

Se o valor declarado pelo contribuinte fosse inferior ao VTN m, a


Receita Federal lançava a diferença, o que muitas vezes importava em valores centenas de
vezes aos lançamentos originais.
Por outro lado, embora a Lei nº 8.847/1994 tenha simplificado um
pouco a apuração do imposto, a forma de cálculo da produtividade dos imóveis ainda gerava
muitas discussões, pois fundadas em critérios de ocupação estabelecidos sem consideração
com a diversidade existente em cada Município do País, onde existem diferentes qualidades
de terras na mesma região.
Outra inovação trazida pela Lei nº 8.847/1994 foi a criação do
Cadastro Fiscal de Imóveis Rurais (Cafir), com fins exclusivamente fiscal, abandonando-se de
vez o cadastro do Incra, o qual continuou sendo atualizado através da Declaração de Cadastro
Rural.
A partir de 1997, com a publicação da Lei nº 9.393/96, foram criados
o Documento de Informação e Atualização Cadastral do ITR (DIAC) e o Documento de
Informação e Apuração do ITR (DIAT), contidos no mesmo formulário, com informações
mais simplificadas sobre o imóvel rural, sendo o primeiro para atualização do CAFIR e o
segundo de apuração do imposto anual.
Esta declaração passou a ser feita anualmente, sempre entre setembro
e novembro de cada ano, mas a maior alteração feita pela Lei nº 9.393/96 foi na forma de
lançamento do tributo, que passou de tributo lançado “de ofício”, para lançamento “por
homologação”, previsto no art. 150 do Código Tributário Nacional.
A mudança foi significativa em termos de administração do tributo,
facilitando o controle da Receita Federal, uma vez que é o próprio contribuinte que estabelece
o valor do imóvel e da terra nua, informa os critérios de produtividade e calcula o quantum
devido, recolhendo o valor encontrado, cabendo à Autoridade Fiscal homologar a atividade do
contribuinte, no prazo de cinco anos ou, não o fazendo, considerar-se-á homologado
tacitamente o imposto.
Porém, se os tributos tidos por homologação, hoje a maioria dos
tributos federais, trazem facilidades na administração tributária, no caso do ITR facilita
sobremaneira a sonegação fiscal, diante da ausência quase absoluta de fiscalização dos valores
e informações declarados.
Assim, a administração do ITR, na Receita Federal, baseia-se
primordialmente no Cafir, formado por informações espontâneas dos próprios contribuintes,
cadastro este que não guarda relação com a realidade rural, na maioria dos casos, gerando um
90

enorme “estelionato” fiscal, uma arrecadação “pífia” e um custo administrativo inferior ao


valor arrecadado.
Procurando encontrar alternativas para viabilizar a administração
tributária do ITR, o legislador fez incluir na Lei nº 9.393/96 os artigos 16 e 17 que
estabelecem:
Art. 16. A Secretaria da Receita Federal poderá celebrar convênio com o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, com a
finalidade de delegar as atividades de fiscalização das informações sobre os
imóveis rurais, contidas no Diac e no Diat.
§ 1º No exercício da delegação a que se refere este artigo, o Incra poderá
celebrar convênios de cooperação com o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama, Fundação Nacional
do Índio - Funai e Secretarias Estaduais de Agricultura.
§ 2º No uso de suas atribuições, os agentes do Incra terão acesso ao imóvel
de propriedade particular, para levantamento de dados e informações.
§ 3º A Secretaria da Receita Federal, na forma do convênio a que se refere
este artigo, colocará à disposição do Incra as informações contidas no Cafir,
para fins de levantamento, pesquisas e proposição de ações administrativas e
judiciais de política fundiária.
§ 4º Às informações enviadas ao Incra na forma do parágrafo anterior, aplica-
se o disposto no art. 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Sistema
Tributário Nacional.
Art. 17. A Secretaria da Receita Federal poderá, também, celebrar convênios
com:
I - órgãos da administração tributária das unidades federadas, visando delegar
competência para a cobrança e o lançamento do ITR;
II - a Confederação Nacional da Agricultura - CNA e a Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - Contag, com a finalidade de
fornecer dados cadastrais de imóveis rurais que possibilitem a cobrança das
contribuições sindicais devidas àquelas entidades. (grifos nossos)

No entanto, a mesma falta de estrutura que atinge a Receita Federal


também agrava as atividades do Incra, Funai e Ibama, não surtindo resultados a norma legal
acima transcrita, assim como não se revelou, até o momento, qualquer interesse dos demais
entes federados na celebração dos citados convênios.
Ao final, o legislador constitucional reformista, através da Emenda
Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, alterou a redação do § 4º do art. 153,
modificando-lhe o caput e acrescentando-lhe três incisos, sendo que no inciso III, dispôs:

§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:


III - será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na
forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra
forma de renúncia fiscal.

Como forma de incentivo, alterou pela mesma EC nº 42/2003, o inciso


II do art. 158, que ficou assim redigido:
Art. 158. Pertencem aos Municípios:
II - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União
sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados,
cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 153, § 4º, III;
91

Como não foi ainda aprovada a lei regulamentadora prevista no inciso


III, do § 4º do art. 153 da Constituição Federal, não se sabe o efeito prático desta alteração,
sendo de se supor que não altere de modo significativo a situação atual, em face do atual
desinteresse dos entes municipais no tributo.
Do exposto, observa-se que atual administração do tributo é
ineficiente e anti-econômica, não atendendo aos ditames fiscais e extra-fiscais da norma
instituidora.
O que pode ser alterado pela implantação da reforma proposta neste
estudo, o qual visa exatamente alterar este quadro, dotando o Estado, através de seus entes
locais, os Municípios, dos instrumentos necessários para aumentar a arrecadação do tributo
sobre a propriedade rural de forma significativa, criando receitas que possibilitem o rápido
desenvolvimento rural destes mesmos Municípios.

4.2 Alterações Legislativas

4.2.1 Estatuto da Terra


O ITR foi instituído, nos moldes e finalidades que hoje ainda possui
pela Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, que dispõe sobre o Estatuto da Terra, a qual,
em seu Título III (Da Política de Desenvolvimento Rural), Capítulo I (Da Tributação da
Terra), Seção II (Do Imposto Territorial Rural) e Seção III (Do Rendimento da Exploração
Agrícola e Pastoril e das Indústrias Extrativas, Vegetal e Animal), estabelece os elementos de
composição da base de cálculo do tributo.
A fórmula encontrada pelo Estatuto da Terra para o cálculo do
imposto era extremamente complexa, pois considerava inúmeros fatores de cálculo que
pretendiam tornar a tributação progressiva, conforme disposto no art. 49 da lei, que
estabelecia:
Art. 49. As normas gerais para a fixação do imposto territorial obedecerão a
critérios de progressividade e regressividade, levando-se em conta os
seguintes fatores:
I - os valores da terra e das benfeitorias do imóvel;
II - a área e dimensões do imóvel e das glebas de diferentes usos;
III - a situação do imóvel em relação aos elementos do inciso II do artigo
4632;
IV - as condições técnicas e econômicas da exploração agropecuário-
industrial;
32
O inciso II do art. 46 dispõe: II - natureza e condições das vias de acesso e respectivas distâncias dos centros
demográficos mais próximos com população: a) até 5.000 habitantes; b) de mais de 5.000 a 10.000 habitantes; c)
de mais de 10.000 a 20.000 habitantes; d) de mais de 20.000 a 50.000 habitantes; e) de mais de 50.000 a 100.000
habitantes; f) de mais de 100.000 habitantes;
92

V - a natureza da posse e as condições de contratos de arrendatários,


parceiros e assalariados;
VI - a classificação das terras e suas firmas de uso e rentabilidade;
VII - a área total agricultável do conjunto de imóveis rurais de um mesmo
proprietário no País.

Apurado o valor da terra nua, segundo as considerações acima e


conforme declaração do proprietário ou cadastro do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
(Ibra) era aplicada à alíquota básica de 0,2% (dois décimos por cento) para apuração do
imposto, o qual era ajustado nos termos do § 1º do art. 50 da norma, por coeficientes de
progressividade de 1 a 4,5% (um a quatro e meio por cento), conforme a quantidade de
módulos rurais do imóvel.
O resultado do cálculo acima deveria ser ainda, multiplicado por um
coeficiente de localização, a ser estabelecido em Decreto do Presidente da República, que
aumentasse o imposto em função da proximidade dos centros urbanos (§ 2º).
Novamente, tal resultado seria multiplicado por coeficiente que
aumente ou diminua aquele valor, segundo a natureza da posse e as condições dos contratos
de trabalho (§ 3º).
Ao final, o resultado deveria ser multiplicado por coeficiente que
aumente ou diminua aquele valor, segundo as condições técnico-econômicas de exploração.
Ainda seria possível, caso o valor do tributo ficasse superior ao do ano
anterior, mediante requerimento do proprietário, requerer redução de até cinqüenta por cento
do imposto lançado, desde que, em função das características ecológicas da zona onde se
localize o referido imóvel, elabore projeto de ampliação da área explorada e o mesmo seja
considerado satisfatório pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária.
E o § 5º do art. 53 do Estatuto da Terra permitia a dedução, como
despesa na apuração do Imposto de Renda, o valor do ITR pago no exercício anterior.
Portanto, embora a intenção da norma fosse elogiável, a falta de
critérios tributários específicos na definição da base de cálculo e a desorganização
administrativa do Ibra/Incra, no que se refere às habilidades de administração tributária,
fizeram com que o imposto, quando cobrado, não representasse valor significativo aos erários
Municipal (100% até 1988 e 50% daí em diante) e Federal (50% a partir da CF/88).
Em relação às finalidades institucionais previstas no Estatuto da Terra,
cabe destacar as seguintes, previstas no art. 47 da norma:
Art. 47. ....
I - desestimular os que exercem o direito de propriedade sem observância da
função social e econômica da terra;
II - estimular a racionalização da atividade agropecuária dentro dos princípios
de conservação dos recursos naturais renováveis;
93

III - proporcionar recursos à União, aos Estados e Municípios para financiar


os projetos de Reforma Agrária;

Tais finalidades não divergem dos cânones estabelecidos na atual


Constituição Federal e demonstram que a finalidade extrafiscal da tributação da terra é
inerente ao imposto desde sua constituição.

4.2.2 Transferência da administração do Incra para


a Secretaria da Receita Federal
Aos 13 de abril de 1990, foi publicada a Lei nº 8.022, de 12 de abril de
1990, que alterou o sistema de administração das receitas federais e transferiu para a
Secretaria da Receita Federal todas as receitas arrecadadas pelo Incra, ao teor do que dispunha
o art. 1º da lei, verbis:
Art. 1° É transferida para a Secretaria da Receita Federal a competência de
administração das receitas arrecadadas pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra), e para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a
competência para a apuração, inscrição e cobrança da respectiva dívida ativa.

§ 1° A competência transferida neste artigo à Secretaria da Receita Federal


compreende as atividades de tributação, arrecadação, fiscalização e
cadastramento.

Conforme dispunha o Parágrafo 2º do artigo acima transcrito, o Incra


manteve suas atribuições de cadastramento dos imóveis rurais, para cumprimento de suas
atribuições institucionais.
Deste modo separaram-se, no Incra, as atividades de controle cadastral
e promoção da reforma agrária das atividades tributárias, mais afeitas ao órgão federal fiscal.
Entretanto, devido ao período de transição decorrente do cumprimento
da lei, em 1991 a Receita Federal limitou-se a notificar os contribuintes, lançando o imposto
com base nos cadastros transferidos do Incra e com as mesmas ferramentas de cálculo
utilizadas por este.
No exercício de 1992 a Secretaria da Receita Federal exigiu dos
contribuintes que apresentassem nova declaração cadastral, com elementos restritos à
apuração do imposto, valendo a declaração para o lançamento dos exercícios de 1992 e 1993.
A formação de um cadastro rural desta magnitude, no entanto, criou
muito mais procedimentos de contestação do tributo, por falhas decorrentes da apresentação
tardia do formulário cadastral (outubro de 1993) e de falhas na apuração e processamento do
tributo, em especial por causa da troca de moedas ocorrida aos 1º de agosto de 1993 de
94

cruzeiro para cruzeiro real, sendo que o formulário apresentava (em outubro) os valores em
cruzeiro, mas que deveriam ser grafados em cruzeiro real.
4.2.3 A Lei nº 8.847, de 1994
Fruto da conversão da Medida Provisória nº 399, de 30 de dezembro
de 1993, a Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994 pretendia ser um marco regulatório da
tributação da propriedade territorial rural, alterando profundamente a forma de cálculo do
tributo.
Inicialmente, cabe ressaltar que a nova norma, editada sob a “batuta”
da Coordenação de Tributação da Secretaria da Receita Federal, foi feita nos moldes da
legislação tributária, com os elementos do tributo perfeitamente definidos nos três primeiros
artigos, ou seja, fato gerador, sujeito passivo e base de cálculo.
Nos artigos 4º e 5º foram definidos os conceitos de área aproveitável e
utilizável, bem como as alíquotas aplicáveis, discriminadas em tabela anexa à lei, Anexo 4.
Foram ainda definidas as áreas não tributáveis e os critérios de
avaliação da produtividade, como norma em branco, cabendo à legislação regulamentar
estabelecer os índices de lotação pecuária e de rendimento por produto, através de ato do
Poder Executivo.
Os artigos seguintes da lei tratam da cobrança do tributo e das diversas
isenções concedidas (pequena propriedade, áreas de preservação permanente e de reserva
legal, de interesse ecológico e de reflorestamento, assim como as decorrentes de
assentamentos oriundos da reforma agrária, nos termos da lei e os situados em regiões
declaradas de calamidade pública).
A nova lei trouxe, ainda, algumas novidades interessantes, como a
criação do Cadastro Fiscal de Imóveis Rurais (CAFIR), o uso da regularidade fiscal do ITR
como condicionante da concessão de incentivos fiscais e crédito rural, a utilização do módulo
fiscal como referência da formação da base de cálculo do tributo, a devolução ao Incra da
administração de sua Taxa Cadastral e, finalmente, o fim da competência de administração
das contribuições à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), à Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
(Senar), a partir de 31 de dezembro de 1996, o que viria a gerar acerba discussão sobre a
possibilidade de cobrança destas contribuições após 1996 por estas entidades.
Entretanto, a maior contribuição da novel legislação foi dar ao ITR
uma feição verdadeiramente tributária, além de simplificar a formação da base de cálculo do
95

imposto, o que, por si só, já fez a arrecadação do imposto “saltar” de R$ 16 milhões em 1994
para R$ 105 milhões em 1995, R$ 262 milhões em 1996 e R$ 292 milhões em 2004.
No que tange à forma de tributação, o cálculo do tributo foi
consideravelmente simplificado, considerando a atroz forma anterior, consistindo basicamente
nos seguintes elementos:
Base de Cálculo: é o Valor da Terra Nua (VTN), apurado pelo valor
do imóvel, declarado pelo contribuinte ou apurado pela SRF, deduzido da soma das
benfeitorias, pastagens, florestas plantadas e culturas permanentes ou temporárias;
Área Aproveitável: é a área total do imóvel, deduzida das áreas de
preservação permanente, de reserva legal, de interesse ecológico para a preservação de
ecossistemas, reflorestadas com espécimes nativas ou exóticas ou comprovadamente
imprestáveis para a atividade agrária;
Área efetivamente utilizada: é a área aproveitável sob efetiva
utilização agrária, dentre de índices de rendimento ou lotação estabelecidos em norma
regulamentar pela SRF;
Percentual de utilização efetiva da área aproveitável: é a razão
encontrada pela divisão da área efetivamente utilizada e a área aproveitável;
Tamanho e localização do imóvel: importantes para a definição da
alíquota e da progressividade do imposto, conforme estabelecido em Tabela anexa à lei33;
Alíquota do imposto: é o percentual que define o valor do tributo,
aplicado sobre a base de cálculo do imposto, estabelecida em relação ao percentual de
utilização efetiva e o tamanho do imóvel.
Da maneira como elaborada a norma, se houvesse uma efetividade na
fiscalização e realidade nas declarações dos contribuintes, o cumprimento da função extra-
fiscal do tributo seria uma realidade, uma vez que os imóveis improdutivos seriam tributados
de forma tão agressiva que obrigariam seus proprietários a torná-los produtivos, vendê-los a
quem o fizesse ou parcelá-los em unidades menores e transferi-los a terceiros.
A confirmar tal função, o § 3º do art. 5º da lei estabelece que o imóvel
que tiver um grau de utilização inferior a 30% (trinta por cento) por dois anos, terá sua
alíquota dobrada a partir do terceiro ano de ocorrência do fato.
No entanto, também este instituto não foi utilizado no período de
vigência do dispositivo (revogado pelo art. 24 da Lei nº 9.393/96), pois a mesma durou
apenas três anos.

33
Anexo I da Lei nº 8.847/94: Alíquotas progressivas do imposto, Anexo 4;
96

Assim, embora a Lei nº 8.847/94 tivesse uma administração mais


complicada para a Receita Federal, seu efeito tributário foi mais efetivo do que a lei em vigor,
pois permitia um maior controle da Administração Tributária sobre o lançamento, feito de
ofício, do que a lei sucessora, que passou a atribuir aos contribuintes a responsabilidade de
todo o processo.

4.2.4 A Lei nº 9.393, de 1996


A principal característica da nova legislação do ITR que vigorou a
partir de 1º de janeiro de 1997 foi a transformação da forma de lançamento do imposto, o qual
passou a ser feito nos termos do art. 150 do Código Tributário Nacional, que estabelece:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja
legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem
prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a
referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo
obrigado, expressamente a homologa.

Nestes termos, estabeleceu o art. 10 da Lei nº 9.393, de 19 de


dezembro de 1996:
Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte,
independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos
prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal,
sujeitando-se a homologação posterior.

A principal conseqüência desta alteração na forma de apuração do


tributo foi uma redução no valor arrecadado no ano de 1997 em torno de 20% (vinte por
cento), estabilizando-se a receita tributária do ITR nos anos seguintes em torno de 240
milhões de reais.
Isto ocorreu em razão de que compete ao contribuinte, segundo a nova
norma, informar o valor da terra nua e apurar o tributo, fazendo o recolhimento, cabendo à
Administração Tributária homologar tal atividade, no prazo de 05 (cinco) anos, a contar da
ocorrência do fato gerador, sendo que, não o fazendo, considera-se homologado tacitamente o
lançamento, salvo nos casos de fraude, dolo ou simulação.
A nova lei também definiu mais claramente os vários elementos
formadores do imposto, resolvendo pendências da lei anterior, como a tributação dos imóveis
declarados de utilidade pública para fins de reforma agrária; os casos de informação
obrigatória de alteração da titularidade, da extensão ou dos direitos reais sobre o imóvel; os
casos de imunidade e isenção do tributo; as formas de fiscalização e administração do
imposto, bem como várias disposições inovadoras sobre convênios, Dívida Ativa, incentivos
fiscais, registro público e depósito judicial na desapropriação.
97

Outras duas alterações, porém, atingiram mais de perto o contribuinte,


qual seja a alteração de forma de cálculo do imposto de renda sobre ganhos de capital na
alienação de imóveis rurais e a simplificação da formação da base de cálculo do tributo,
ambas reduzindo a arrecadação tributária.
No que tange à alteração do imposto de renda, importante ressaltar
que tinha por objetivo evitar a redução artificial do ITR, com a determinação de que o VTN
consignado deveria servir de teto para o depósito judicial previsto no art. 6º, inciso I, da Lei
Complementar nº 76, de 06 de julho de 1993, para fins de reforma agrária.
Porém, diante da determinação constitucional de que o valor da
indenização ao desapropriado deve refletir o valor de mercado, a medida tornou-se inócua,
gerando apenas mais custos ao Estado, que está obrigado a depositar um valor pequeno,
limitado pela Declaração de ITR e depois pagar um valor elevado em juízo, com todos os
acréscimos de juros moratórios e compensatórios, verbas de sucumbência e correção
monetária, ao passo que o proprietário que aliena o imóvel acaba pagando menos imposto de
renda do que o que seria devido na legislação anterior.
Quanto às alterações da forma de cálculo, visavam, em tese,
simplificar a atividade do contribuinte na apuração do tributo e, ao mesmo tempo, atender ao
comando constitucional de redução das desigualdades fundiárias.
Atingido o primeiro objetivo, o segundo restou prejudicado pelo alto
índice de declarações feitas com valores muito inferiores ao de mercado, aliado à falta de
fiscalização do imposto.

4.2.5 A Emenda Constitucional nº 42, de 2003


Após a promulgação da Constituição de 1988, que reformou o Sistema
Tributário Nacional, logo se instaurou na sociedade brasileira e no Governo o sentimento de
que era necessário promover uma nova reforma tributária, em face do aumento progressivo da
carga tributária, da “guerra fiscal” que então se anunciava, do encarecimento das exportações,
da criação de tributos cumulativos, dos desajustes fiscais da União, Estados e Municípios, do
risco inflacionário e da crescente tributação sobre a produção em detrimento da tributação da
renda e do patrimônio.
Em 1995, o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional
proposta de Reforma Tributária, com o objetivo largamente alardeado de simplificar o
sistema, facilitar o combate à sonegação, diminuir o Custo - Brasil e promover a justa
98

distribuição do encargo tributário, resultando no Projeto de Emenda Constitucional nº 175-A,


de 1995.
Depois de muitas discussões e propostas de emendas e substitutivos, a
Reforma foi arquivada, por ato do próprio Governo, que lhe retirou apoio político.
Desde então, até o início de 2003, vários impostos e contribuições
foram criados ou majorados e o crescimento da carga tributária total teve significativo
aumento, partindo do percentual de 25,72% em 1993, vésperas do Plano Real, até atingir
36,10% em 2002.
O atual Governo, em 2003, enviou ao Congresso Nacional sua
proposta de Reforma Tributária, notadamente consubstanciada na Proposta da Emenda
Constitucional nº 41, de 30 de abril de 2003, que tinham os seguintes objetivos, conforme se
presume de sua Exposição de Motivos:
• manter descentralização de competências e receitas;
• preservar o ajuste fiscal do setor público;
• desonerar exportações, investimentos e emprego;
• minimizar danos sobre eficiência e competitividade;
• harmonizar mercado interno e abrir economia;
• promover a justiça fiscal;
• simplificar o sistema tributário.

Em relação ao ITR, a proposta pregava a transferência da competência


do imposto da União para Estados e Distrito Federal, mas mantendo a capacidade legislativa e
regulatória em poder da União, deixando àqueles apenas o poder de instituir o tributo, bem
como conservando a repartição da receita tributária em meação com os Municípios.
Textualmente, a Exposição de Motivos da PEC 41/2003 assim
justificava a alteração constitucional:

Quanto ao imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR), de competência


federal, propõe-se transferi-lo para a competência dos Estados e do Distrito Federal,
mantendo-se, porém, regulação por lei complementar. Tal medida objetiva permitir
que a fiscalização, arrecadação e administração desse tributo sejam efetuadas pelos
referidos entes federativos, que, por constituir a região geográfica em que se localiza
o imóvel objeto da incidência, têm maior facilidade de controle da imposição.
A proposta contempla a determinação de sua progressividade, o que reforça a
disposição constitucional de que o ITR deve desestimular a manutenção de
propriedades improdutivas, sobretudo daquelas que possuam grandes extensões.
Ademais, permite o aprimoramento da utilização do imposto como instrumento
efetivo de aplicação de políticas públicas relativas à ocupação de terras, uma vez que
os Estados e o Distrito Federal contam com estruturas fiscalizatória e arrecadatória
fisicamente mais próxima dos imóveis rurais. Mantém, outrossim, a destinação de
50% (cinqüenta por cento) da arrecadação desse tributo para o Município de
localização do imóvel.
99

A PEC 41/2003 teve mais de 600 (seiscentas) Emendas apresentadas,


sendo que, entre estas, aproximadamente 26 (vinte e seis) referentes ao ITR, além de dois
projetos substitutivos.
Várias delas apontavam a fragrante ofensa ao princípio constitucional
federativo da alteração, em especial o disposto no § 6º do art. 155, acrescentado pela PEC,
que estabelecia:
§ 6o O imposto previsto no inciso IV:
I - será regulada por lei complementar, sendo vedada a adoção de norma
autônoma estadual;
II - será progressivo e terá alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção
de propriedades improdutivas;
III - não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore,
só ou com sua família, o proprietário que não possua outro imóvel;
IV – “será considerado instituído em todos os Estados e no Distrito Federal na data
prevista na lei complementar de que trata o inciso I.” (NR) (grifo nosso)

Depois de muita discussão, resolveu-se aprovar a reforma possível,


consolidada na Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, sendo que a
alteração do ITR restringiu-se à alteração do disposto no § 4º do art. 153, com a inclusão de
três incisos, bem como com a alteração no inciso II do art. 158, todos da Constituição Federal.
Estas alterações estabelecem a possibilidade dos Municípios ficarem
com a receita do imposto relativo aos imóveis de seu território, se for devidamente fiscalizado
e cobrado o tributo.
No entanto, em que pese a intenção da EC 42/2003 de melhorar o
nível de fiscalização e arrecadação do imposto, a lei prevista no inciso terceiro do § 4º do art.
153, inserido pela mesma, até hoje não foi aprovada, embora tramite no Congresso Nacional
Projeto de Lei neste sentido, sob nº 4.896, de 09 de março de 2005.
Esta é a configuração legislativa atual do ITR, com os mesmos vícios
estruturais que o inquinam desde sua instituição pelo Estatuto da Terra, com a mesma falta de
efetividade que o tornou o tributo com menor arrecadação dentre todos os tributos federais e
figurando entre os mais sonegados do Brasil.

4.3 Finalidade Institucional


A natureza extrafiscal do ITR já vinha consignada nas Constituições
anteriores, repetindo-se no texto original da Carta de 1988, com a finalidade de desestimular a
manutenção de propriedades improdutivas.
No Estatuto da Terra, Título III, Capítulo I, Seção I, o legislador deu
ao Imposto Territorial Rural, ao lado de outras ações, a finalidade de promover o
desenvolvimento rural.
100

Da mesma forma, o § 4º, inciso I, do art. 153, da Constituição Federal


estabelece o princípio ao ITR e a Lei nº 9.393/96, determina:

Art. 11. O valor do imposto será apurado aplicando-se sobre o Valor da Terra
Nua Tributável - VTNt a alíquota correspondente, prevista no Anexo desta
Lei, considerados a área total do imóvel e o Grau de Utilização - GU.

Da análise dos dispositivos constitucionais e legais citados, extrai-se


que o tributo sobre a propriedade territorial rural tinha e tem por objetivo a redução das
propriedades improdutivas do País e o fomento da Política de desenvolvimento rural.
Destaca-se que, em tese, o instrumento de realização da finalidade
institucional do imposto é a progressividade da tributação, embora não especifiquem a forma
desta progressividade, ao contrário do faz a Magna Carta em relação ao Imposto de Renda.
Cabe, portanto, breve digressão sobre a aplicação do princípio da
progressividade e sua efetiva aplicabilidade aos impostos reais, como é o caso do ITR.
Inicialmente, importa recordar que o princípio da progressividade é a
expressão fática do princípio da capacidade contributiva, expresso no § 1º do art. 145 da
Constituição Federal, que dispõe:

§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão


graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à
administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses
objetivos, identificarem respeitados os direitos individuais e nos termos da
lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Assim, a aplicação da progressividade ao ITR visa tributar mais


fortemente quem possui maior capacidade econômica, além de ser estabelecido em função da
utilização do imóvel. Ou seja, a elevação das alíquotas aplicáveis ao imposto leva em
consideração o grau de utilização do imóvel e o tamanho do mesmo, podendo chegar ao
percentual de 20% do valor da terra nua para os imóveis com grau de utilização inferior a
30% (trinta por cento) e área superior a 5.000 (cinco mil) hectares. Como os valores
declarados pelos contribuintes não correspondem, em regra, ao valor real do imóvel, não
existem, atualmente, muitos questionamentos judiciais sobre a aplicação do princípio da
progressividade ao ITR, como ocorreu recentemente com o IPTU.
101

Entretanto, a se considerar a posição do Supremo Tribunal Federal34


sobre a aplicação da progressividade aos impostos reais (como é o caso do ITR). Se o tributo
for realmente arrecadado e fiscalizado, tais questionamentos seriam constantes, acabando por
inviabilizar a aplicação da norma.
No mesmo sentido, o Excelso Pretório já pacificou entendimento nas
Súmulas 656 e 668.
Deste modo, é evidente que a possibilidade de cobrança do ITR com
fulcro no tamanho do imóvel se revela inconstitucional, uma vez que não atende o princípio
constitucional da capacidade contributiva e inexiste previsão constitucional a determinar a
possibilidade de progressão da alíquota em relação ao tamanho e ao valor do imóvel, devendo
a progressividade prevista na Constituição restringir-se à progressão da alíquota em função do
grau de utilização do imóvel.
Nota-se, assim, que das duas atribuições estabelecidas pelo Estatuto
da Terra ao ITR (desestímulo à propriedade improdutiva e financiamento da reforma agrária),
assim como pela finalidade extrafiscal prevista na Constituição, nenhuma se tornou efetiva de
fato.
A falta de efetividade do ITR como instrumento de coação aos
proprietários de imóveis improdutivos se dá em razão da baixa fiscalização, irrealidade
cadastral, autolançamento pelos contribuintes e, principalmente, distanciamento do ente
tributante com a realidade fundiária.
A falta deste instrumento de extrafiscalidade acaba deixando ao
mercado a solução do controle das propriedades improdutivas, assim como às ações públicas
de Reforma Agrária.
Tanto uma como outra vertente não tem funcionado, pois o mercado
tem procurado tornar produtivas as grandes áreas planas de cerrado e áreas já
tradicionalmente utilizadas nas Regiões Sul/Sudeste, sendo que as primeiras são, muita vez,
esgotadas em poucas décadas e abandonadas em prol de novas fronteiras agrícolas, tornando-
se novamente improdutivas e algumas vezes desertificadas.
Quanto às ações de desapropriação para fins de Reforma Agrária, até
o momento, têm apenas substituído, na maioria dos casos, a grande propriedade improdutiva
34
IPTU. Progressividade. Inconstitucionalidade do artigo 4º da Lei 2.715/89 do Município de Osasco. Esta
Corte, ao julgar o RE 153.771, firmou o entendimento de que, em se tratando de imposto de natureza real como
era o caso do IPTU, não se pode levar em consideração a capacidade econômica do contribuinte para adotar a
progressividade com relação a impostos dessa natureza. Tendo o imposto de transmissão de bens imóveis a
natureza de imposto real, o acórdão recorrido, por não admitir que ele seja progressivo, não ofendeu o disposto
no artigo 145, § 1º, da CF. Por isso, o mesmo Plenário, ao julgar o RE 228.735, declarou a inconstitucionalidade
do artigo 4º da Lei n. 2.175/89 do Município de Osasco. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso
extraordinário conhecido e provido. (RE 233.054/SP, DATA - 07.02.99, Min. Rel. Moreira Alves).
102

por pequenas parcelas de assentamento também improdutivas, com a agravante que estas não
são tributadas, nos termos da lei.
Não quer este estudo criticar a forma de ação do Estado para reduzir
as desigualdades fundiárias, através de ações judiciais de desapropriação, até porque não é
tema desse trabalho e tem por previsão constitucional a competência privativa da União.
O que se pretende demonstrar é que, ao par destas ações, deveria o
ITR servir de instrumento de reforço da reforma agrária, através do instituto da
progressividade, o que não ocorre na realidade, mas que poderia ser efetivado se fosse
instituído o tributo como contribuição social municipal, também progressivo em razão da não
utilização.
Faz-se necessário, assim, mudança no sistema tributário, a fim de
tornar efetivo o comando constitucional de redução das propriedades improdutivas através da
progressividade de um tributo sobre a propriedade rural.

4.3.1 A tributação da terra como instrumento de


redução da desigualdade fundiária
O cenário ideal para o setor agrário deve aliar a máxima produtividade
possível, sustentável ao longo do tempo e realizado por pequenas e médias propriedades,
dirigidas por agricultores familiares integrados a cooperativas ou associações, considerados,
ainda, os aspectos da verticalização da produção, beneficiamento e comercialização, a
agregação de valores aos produtos e o respeito ao meio ambiente.
O desempenho da tributação, neste cenário, deveria ser o de
redistribuir recursos financeiros do próprio setor, arrecadados em razão da capacidade
contributiva de cada produtor, para o fomento de políticas agrárias definidas pela própria
comunidade local, através de conselhos paritários formados por governos locais e
representantes de organizações sociais voltadas para o setor agrário.
Isto só pode ser obtido através de profunda alteração do atual sistema
tributário, baseada na descentralização da competência tributária da exação, sua
transformação em contribuição social com receita vinculada ao desenvolvimento rural e a
criação de instrumentos legais que tornem efetivas a arrecadação, a fiscalização e a aplicação
dos recursos tributários dela decorrentes.
Neste caso, a efetivar-se a proposta desta tese, com a devida
transformação do imposto em contribuição social municipal, a alteração constitucional
necessária para tanto haveria de criar previsão específica no sentido de possibilitar a cobrança
103

da contribuição em escala progressiva em razão, exclusivamente, do grau de utilização do


imóvel e do valor econômico da terra nua.
Deste modo, estaria sendo cumprida a determinação Constitucional de
utilização extrafiscal do tributo, pois, com uma fiscalização mais efetiva, por força da
proximidade do ente fiscalizador e a cobrança efetiva da contribuição sobre o valor real do
imóvel, o desestímulo à manutenção de propriedades improdutivas seria em tal grau que
obrigaria tais proprietários a tornar produtivos seus imóveis ou vendê-los, sob pena de se
sujeitarem ao pagamento do valor do imóvel em tributos, no prazo de poucos anos.

4.3.2 O controle cadastral


A maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento possui um
controle estrito de seus territórios, bem como informações sócio-econômicas e cartográficas
das propriedades que o compõem.
No Brasil, a realidade é bem diferente, principalmente em relação aos
imóveis rurais.
Escorados em procedimentos manuais e arcaicos, em uma política de
concessões da titularidade aos cartorários baseada na hereditariedade e não na eficiência, na
falta de informatização dos procedimentos e na inexistência de registros georeferenciados até
bem pouco tempo, aliado às influências políticas e interesses empresariais que os cercam. Os
Cartórios de Registro de Imóveis do País tornaram-se extremamente suscetíveis de fraudes e
erros cadastrais, principalmente nos Municípios mais atrasados, criando um mosaico de terras
superpostas e gerando incontáveis conflitos judiciais e sociais.
Por seu turno, os Cadastros Imobiliários Tributários, primeiramente do
Ibra/Incra e, posteriormente, da Receita Federal, por se fundarem basicamente na informação
dos próprios contribuintes, não representam com fidelidade o panorama fundiário brasileiro,
principalmente em relação às informações sócio-econômicas.
Apenas para demonstrar esta assertiva, importa lembrar que, na
década de 1980, o Governo de Pernambuco encomendou as empresas privadas, mediante
convênio com organismos internacionais, à realização de Cadastramento Técnico Rural no
entorno de Recife, denominado “Projeto Nordeste”, o qual obteve resultados de acréscimo de
área nunca inferior a 30% (trinta por cento), se comparado com o Cadastro Declaratório.
Com a finalidade de resolver este problema, pelo menos do ponto de
vista cartográfica, foi editada a Lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001, que alterou vários
dispositivos legais referentes ao Cadastro Rural.
104

A referida norma legal foi regulamentada pelo Decreto nº 4.449, de 30


de outubro de 2002, que determinou a formação do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais –
CNIR, baseado em dados georeferenciados, cabendo ao Incra certificar a inexistência de
superposição de áreas contidas em seu cadastro georeferenciado, quando da ocorrência de
qualquer situação de transferência do imóvel, vige conforme determina o art. 9º, § 1º do
Decreto nº 4.449/2002, verbis:
Art. 9º A identificação do imóvel rural, na forma do § 3º do art. 176 e do § 3º do art.
225 da Lei nº 6.015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado,
executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de
Responsabilidade Técnica - ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores
dos limites dos imóveis rurais, georeferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e
com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual
técnico, expedido pelo Incra.
§ 1º Caberá ao Incra certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se
sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georeferenciado e que o
memorial atende às exigências técnicas, conforme ato normativo próprio.

Para adequação dos imóveis transferidos ao novo ordenamento


jurídico foram estabelecidos prazos de obrigatoriedade em relação ao tamanho do imóvel,
conforme estabelece o art. 10 do mesmo Decreto:

Art. 10. A identificação da área do imóvel rural, prevista nos § 3º e 4º do art. 176 da
Lei nº 6.015, de 1973, será exigida, em qualquer situação de transferência, na forma
do art. 9º, somente depois de transcorridos os seguintes prazos, contados a partir da
publicação deste Decreto:
I - noventa dias, para os imóveis com área de cinco mil hectares, ou superior;
II - um ano, para os imóveis com área de mil a menos de cinco mil hectares;
III - dois anos, para os imóveis com área de quinhentos a menos de mil hectares; e
IV - três anos, para os imóveis com área inferior a quinhentos hectares.

Como se pode observar, o prazo legal para os imóveis com área


inferior a quinhentos hectares inicia-se em 1º de novembro de 2005, no entanto, esta forma de
atualização cadastral pode demorar décadas, pois não atinge os imóveis que não se sujeitarem
as alterações de registro. E, resultando sua influência sobre os cadastros tributários
minimizada, em face da falta de confrontação entre os dados fornecidos pelo CNIR e os
constantes das declarações dos contribuintes, sem falar na ausência de verificação local da
realidade fundiária.
Assim, se o Cadastro Rural Cartográfico brasileiro já não é confiável,
menos ainda o cadastro de informações rurais, este baseado exclusivamente nas informações
dos contribuintes, o que faz com que o nível de sonegação do ITR atinja as proporções hoje
existentes.
Na verdade, não existem estatísticas confiáveis, mas estima-se que o
potencial de arrecadação do ITR possa atingir algo em torno de 3 a 4% (três a quatro por
105

cento) do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto hoje a arrecadação não chega a 0,017 % do
PIB35.
Por outro lado, a maioria dos Municípios brasileiros já possui
experiência na administração de cadastros imobiliários, por força da cobrança de IPTU. E,
considerando que a proximidade da fiscalização e a previsão legislativa de restrições aos entes
locais que não instituírem fiscalizarem e efetivamente cobrarem as contribuições sociais de
sua competência, mediante alteração a ser feita na lei de responsabilidade fiscal, têm-se a
possibilidade de instituição e manutenção de um Cadastro Rural efetivo e apto a dar ao tributo
sobre a propriedade rural a eficácia que o ITR não possui atualmente.

35
Dados de 2004: PIB de R$ 1.769.202 milhões de reais e arrecadação do ITR de R$ 292 milhões.
106

5 A PROPOSTA DE EXTINÇÃO DO ITR E DE CRIAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO


TERRITORIAL RURAL MUNICIPAL

Configurados os problemas, quais sejam os entraves atuais ao pleno


desenvolvimento rural do País e a ineficácia do ITR como fonte de recursos financeiros e
instrumento extrafiscal de redução das propriedades improdutivas, cabe estabelecer os
parâmetros e verificar a viabilidade da extinção de tal imposto, com a criação de nova
modalidade tributária, sob a forma de contribuição social sobre a propriedade territorial rural,
mas da competência dos entes federativos municipais.
Importa considerar, neste tópico, as alterações legislativas necessárias
à implementação da tese e sua viabilidade político-legal, bem como os reflexos que tal
alteração possa vir a causar ao Sistema Tributário Nacional, à carga tributária do País ao
desenvolvimento rural dos municípios.
Neste ponto, há que se estabelecer a diferença entre as propostas já
formuladas durante o processo de Reforma Tributária em curso, de municipalização do ITR,
com o presente estudo, que não se limita a simplesmente transferir a competência tributária do
ITR da União para os Municípios, mas visa, primordialmente a estabelecer uma fonte
permanente de receitas financeiras aos Municípios, vinculando-se esta receita às ações
voltadas para o desenvolvimento rural.
Pretende, a proposta, criar uma contribuição que, a princípio, atue
fortemente na redução das propriedades improdutivas, através de taxação progressiva em
razão da utilização do imóvel rural e da capacidade contributiva dos proprietários.
No entanto, projetando-se no tempo a realização de obras e serviços,
crédito e educação, bem como a gradativa extinção de propriedades improdutivas, podem-se
inferir tanto uma menor necessidade de recursos financeiros, como uma redução significativa
da carga tributária sobre a propriedade rural e um conseqüente aumento na produtividade rural
e o fortalecimento das economias locais. Estes objetivos não seriam alcançados com a simples
alteração constitucional da competência para instituir o imposto, uma vez que a vedação de
107

vinculação desta modalidade tributária a órgão, fundo ou despesa é expressamente prevista no


inciso IV do art. 167 da Constituição Federal.
Fosse o caso de transferência do ITR para os Municípios, a
arrecadação do tributo, mesmo que aumentada pela melhor fiscalização dos aparelhos
municipais, acabaria integrando o caixa único dos entes municipais, sem garantias de que sua
utilização fosse feita nas ações de desenvolvimento rural, sendo mais provável que findasse
por financiar obras urbanas, de apelo eleitoral mais efetivo.
Outros problemas que se apresentam na execução da tese em tela e
que devem ser analisados são:

• A oportunidade de criação de norma geral federal relativa ao


ITR, nos termos da legislação do Imposto sobre Serviços de
qualquer Natureza – ISS;
• A eficácia dos aparelhos fiscais municipais na fiscalização do
novo tributo e as pressões políticas decorrentes de sua
implementação;
• A aplicação dos recursos originários da nova contribuição em
ações políticas regionais, nacionais ou intermunicipais.

Do exposto, em face da natureza constitucional do sistema tributário


nacional, aliado às dificuldades patentes de alteração do texto constitucional, demonstradas
nas reformas institucionais em curso no Congresso Nacional, não se pode deixar de considerar
o momento político e demais forças envolvidas em alteração desta magnitude, iniciando pelos
próprios entes municipais até os setores privados envolvidos, passando pelos demais entes da
federação e o interesse público das populações envolvidas.

5.1 Teor do Projeto de Emenda Constitucional


sugerido
O legislador constituinte entendeu por constitucionalizar o Direito
Tributário, colocando, na Magna Carta, não só a definição taxativa das espécies tributárias e
da competência para instituí-las, mas também os princípios, imunidades e limitações ao poder
de tributar, bem como a repartição das receitas decorrentes da atividade fiscal.
Nos últimos anos muito se falou em reformas institucionais, sendo que
boa parte dos trabalhos legislativos do Congresso Nacional foram ocupados com a votação de
Emendas à Constituição, meio legislativo de rito especial previsto no art. 60 da Constituição
Federal.
Foram 24 (vinte e quatro) Emendas nos últimos 05 (cinco) anos, entre
elas algumas importantes, como a Reforma da Previdência, parte da Reforma Tributária, a
108

Reforma do Judiciário, a extinção da limitação dos juros de 12%, a criação do Fundo de


Combate à Pobreza, a desvinculação de receitas da União, as alterações no regime de
precatórios e nos limites de repasses aos vereadores, entre outras medidas de peso.
Embora algumas destas tivessem rápida tramitação, outras, como a
Reforma da Previdência e a Tributária, pela gama de interesses de que tratavam, sofreram
demorado processo de discussão e alteração do projeto original, restando muita vez mutiladas
em seus objetivos iniciais.
As alterações ora propostas, por um lado, devem despertar pouco
empenho do Governo Federal, tendo em vista que representam percentual mínimo de seus
recursos financeiros e excessiva gama de despesas e procedimentos administrativos, ao passo
que podem servir como “moeda de troca” com os demais entes federativos.
Por outro lado, ao representar um imediato aumento da carga
tributária, devem surgir resistências entre setores da sociedade civil, em especial aqueles que
continuam visualizando os imóveis rurais, como reserva de valor e investimento de capital,
sem qualquer preocupação com a atividade produtiva à função social.
Neste sentido, de forma a embasar a tese sob estudo, além de dotar o
trabalho de um dinamismo e atualidade que nem sempre é possível em trabalhos científicos de
pesquisa, elaborou-se minuta de Projeto de Emenda à Constituição, conforme Apêndice 3, o
qual será enviado através de correio eletrônico para o endereço dos parlamentares, Senadores
e Deputados Federais, a título de sugestão.
No referido Projeto buscou-se alterar os dispositivos constitucionais
atinentes à matéria, procurando “amarrar” eventuais “pontas” que pudessem ser utilizadas em
juízo para questionar a nova exação fiscal.
Segue abaixo breve resumo das alterações constitucionais propostas:
1. No inciso I do artigo 22, que trata da competência legislativa privativa da
União, foi excluído o termo “agrário”, com o intuito de possibilitar a
atividade legiferante concorrente entre os entes federativos;
2. No art. 23, inciso VIII, acrescentou-se a função comum de promover, no
que couber, a reforma agrária, preservada a competência privativa da União
para promover as ações de desapropriação para fins de reforma agrária,
através do disposto no inciso XI do art. 30, inserido pela PEC;
3. Complementando a alteração do art. 22, foi alterado o inciso I do art. 30,
para estabelecer a possibilidade aos Municípios de legislar em concorrência
com os demais entes sobre direito agrário e tributário, aplicando-se o
disposto nos §§ 1º a 4º do art. 24;
4. A substituição do vocábulo “tributos” por “impostos e contribuições
sociais”, no inciso III do art. 30, tem por objetivo incorporar ao texto
constitucional o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a
definição de tributos, ao mesmo tempo em que estabelece, de forma
expressa, a competência dos Municípios para criar a nova contribuição
social sobre a propriedade rural;
109

5. Da mesma forma, a inclusão dos incisos X e XI e do Parágrafo Único ao


art. 30 têm como objetivo ampliar o campo de ação dos governos
municipais na gestão dos recursos oriundos da nova contribuição,
permitindo que os mesmos possam ser utilizados em parceria com a União
na seleção e troca de cadastros de imóveis passíveis de desapropriação para
fins de reforma agrária, bem como, se for o caso, adquirir e financiar a
aquisição de imóveis rurais por integrantes dos movimentos sociais e
agricultores familiares profissionais;
6. A alteração realizada no art. 149 é indispensável, pois acrescenta ao rol das
exceções à competência exclusiva da União para instituir contribuições
sociais, ali já previstas, a competência dos Municípios para instituir a
contribuição social em tela;
7. A supressão do inciso VI e do § 4º do art. 153, bem como do inciso II do
art. 158 dispensam comentários, sendo conseqüência natural da alteração
proposta;
8. O “cerne” da alteração constitucional reside na criação do art. 156-A e seus
parágrafos, que traça os contornos da nova contribuição, bem como a
previsão de isenções e destinações constitucionais de sua receita tributária.
9. Por fim, o acréscimo dos arts. 90 e 91, ao Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, tem a finalidade de evitar solução de
continuidade na arrecadação tributária do ITR, enquanto não instituída a
nova contribuição pelos municípios, ao mesmo tempo em que estabelece a
obrigatoriedade de instituição pelos mesmos, no prazo que estipula, sob
pena da vedação de transferências voluntárias pelos demais entes da
federação.

É certo, no entanto, que a proposta acima não pretende esgotar a


riqueza dos temas e variáveis possíveis sobre o assunto, mas, sim, despertar os Senhores
Parlamentares e a sociedade civil para o debate, que deve incluir, com certeza, o alcance das
normas gerais editadas pela União e a necessidade de previsão no corpo constitucional dos
limites de aplicação da receita tributária auferida com a contribuição, temas estes que
atingem, de muito perto, o debate doutrinário sobre o princípio federativo e as discussões
sobre o grau de liberdade legislativa dos governos municipais.

5.2 Competência concorrente na edição de normas


legislativas e o princípio federativo
O princípio da subsidiariedade tem como fundamento que cada
partícipe do estrato social deve realizar as tarefas mais adequadas à sua natureza, com vista à
eficácia do conjunto social e à realização do bem comum.
A idéia do Estado federado também se arrima no mesmo fundamento,
de liberdade dos entes federativos na definição de seus rumos e ações e de
complementaridade da ação de todos na consecução de um Estado soberano, livre e eficiente
do ponto de vista do bem-estar social.
No entanto, em que pese à declaração da Magna Carta de que “A
organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União,
110

os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta


Constituição” (art. 18, caput) e que o princípio federativo se constitui em “cláusula pétrea” da
Constituição (art. 60, § 4º, I). A realidade é que o legislador constituinte, ao distribuir a
capacidade legislativa entre os entes federados, atribuiu à União a competência privativa para
legislar sobre a maior parte dos assuntos relevantes (art. 22), estabelecendo outros de
competência comum entre todos os entes (art. 23) e, ainda, outros de competência concorrente
com Estados e Distrito Federal (art. 24).
Quanto aos demais entes da Federação, a Constituição Federal atribuiu
aos Estados (art. 25, § 1º) a competência legislativa residual (inócua, diga-se, uma vez que o
rol dos arts. 22 a 24 praticamente esgotam o direito material e processual conhecido), assim
como atribuiu aos Municípios a competência para legislar sobre assuntos de interesse local.
Ou seja, além dos assuntos privativos, a União, de forma comum ou concorrente, pode
legislar sobre todos os demais, restando às Assembléias Legislativas Estaduais e Câmaras
Municipais bem poucas atribuições, em patente desigualdade legislativa, a enfraquecer o
Princípio Federativo Brasileiro.
As alterações constitucionais propostas no Apêndice 3, deste modo,
visam fortalecer o Estado Federativo e possibilitar aos Municípios assumir gradativamente o
lugar de destaque que merecem em face da organização do Estado e no cumprimento dos
princípios de eficiência e moralidade prevista no art. 37, caput, da Carta Federal.
No que tange à instituição da Contribuição Social sob enfoque, a
forma adotada, de possibilitar à União legislar de maneira concorrente com os Municípios,
editando normas gerais sobre a exação, atende aos preceitos de uniformização das legislações
municipais, a evitar maiores encargos aos contribuintes que possuam imóveis em mais de um
município, bem como prevenir a ocorrência de “guerras fiscais”, na instalação de empresas
agropecuárias, como têm ocorrido com o ICMS, devendo a norma geral fixar alíquotas
máximas e mínimas a serem adotadas pelos entes locais, assim como critérios de isenção, não
incidência, proteção ambiental e progressividade.
No entanto, cabe o alerta de que tal competência para editar normas
gerais não deve ser utilizada de forma extensiva pela União, como ocorreu no caso da lei de
licitações e do Imposto sobre Serviços, onde o legislador federal praticamente esgotou o
assunto na lei federal, deixando ao legislador subnacional apenas a tarefa de repetir os
dispositivos da norma geral, em clara ingerência na competência legislativa deste.
A utilização deste expediente pelo legislador federal demonstra o
centralismo de que o Estado Brasileiro ainda padece, além da desconfiança do governo central
111

em relação aos legisladores estaduais e municipais, os quais, sem a possibilidade de aprender


com os próprios erros, dificilmente atingirão a maioridade legislativa e a responsabilidade
fiscal e administrativa, embasadoras da autonomia de que fala o art. 18 da magna Carta.

5.3 A vinculação das receitas tributárias


O tema da “vinculação de receitas tributárias” é motivo de acirrado
debate entre doutrinadores, legisladores e administradores, face as implicações que trazem
para o campo da governabilidade, da autonomia e independência do Executivo em relação ao
Legislativo e dos conceitos de discricionariedade e vinculação no Direito Administrativo.
A presente tese escora-se na aplicação dos recursos decorrentes da
nova contribuição no desenvolvimento rural local, de maneira um tanto quanto coercitiva, o
que implica sua vinculação estabelecida pela norma legal (constitucional ou
infraconstitucional), cabe tecer alguma consideração sobre o tema, para que se possam
estabelecer as premissas que determinam a necessidade de vincular as receitas tributárias da
nova contribuição.
Depois de arrecadados, os tributos se transformam em receita
financeira do Estado, compondo o Orçamento do ente federado responsável por sua
instituição36.
Na antiguidade, os tributos pagos à Coroa iam para o Tesouro Real e
eram gastos conforme a vontade do governante, sem qualquer prestação de contas aos
vassalos.
Suas origens remontam à Magna Carta, de 1215, imposta ao rei João –
Sem -Terra pelos barões ingleses, onde se procurava limitar a tributação dos súditos e conter
as despesas reais através de novos impostos.
Curiosamente, a própria Carta Inglesa traz as primeiras formas de
vinculação da receita de novos tributos a despesas determinadas, quando estabelece
(COMPARATO, 1999):

Não lançaremos taxas ou tributos sem o consentimento do conselho geral do reino


(commue concilium regni), a não ser para resgate da nossa pessoa, para armar
cavaleiro nosso filho mais velho e para celebrar, mas uma única vez, o casamento de
nossa filha mais velha; e esses tributos não excederão limites razoáveis.

Desde então, os orçamentos públicos foram aperfeiçoados e atingiram


bons níveis de controle e transparência das finanças públicas, principalmente nos Estados

36
Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964.
112

Democráticos de Direito. Destarte, a finalidade dos orçamentos é a previsão feita pelos


governos sobre a receita esperada e sobre as despesas que serão realizadas com esta receita.
Na formulação do orçamento dos Entes federados brasileiros, o
Executivo se submete a algumas regras estabelecidas pela lei, como a vinculação de
determinada receita a uma função, órgão ou despesa, considerada essencial pelo Legislativo.
Quanto maior a vinculação orçamentária, menor a liberdade do Executivo de escolher qual
ação política será realizada naquele exercício.
Historicamente, o Legislativo procura vincular a maior parte das
receitas tributárias, quando da votação da lei tributária ou financeira, enquanto o Executivo
prefere desvincular estas receitas de qualquer ação, sob o argumento de que o governo deve
ter liberdade para utilizar as finanças públicas onde bem se entender, pois, para tanto, lhe foi
outorgado um mandato.
Este embate, na Assembléia Constituinte de 1988, resultou na inclusão
na Constituição Federal do art. 167, inciso IV37. Já as Contribuições Sociais, as Contribuições
de Intervenção no Domínio Econômico, os Empréstimos Compulsórios e os demais tributos
são, por natureza, vinculados, de forma direta ou indireta, a alguma finalidade específica38.
Deste modo evidencia-se que, à exceção dos impostos, por força do
disposto no inciso IV do art. 167, os demais tributos possuem sua receita vinculada a uma
determinada função, órgão ou despesa. Esta vinculação, estabelecida na Constituição Federal,
fez com que, gradativamente, fosse sendo engessada a capacidade do governo federal de
intervir na economia, segundo a opinião do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
(BRASIL, 2003), expressa em trabalho publicado pela Secretaria de Orçamento Federal
(SOF).
A grande relevância da política fiscal, como instrumento de estímulo à geração de
emprego e à redução dos efeitos negativos de períodos de baixo crescimento
econômico, motiva a elaboração deste trabalho. A análise da flexibilidade alocativa
dos recursos orçamentários é de grande importância para se avaliar a capacidade do
poder público de intervir na economia. Tal flexibilidade, no orçamento do Governo
Federal, é afetada por dois tipos de restrições: pelo excessivo grau de vinculação de
receitas e pelo elevado nível de despesas constitucional e legalmente obrigatórias.
A primeira restrição refere-se ao grande volume de receitas vinculadas que provoca
rigidez orçamentária na medida em que estas não podem ser utilizadas para financiar
despesas diferentes daquelas para as quais foram criadas. As despesas financiadas
por essas receitas podem ser tanto de execução obrigatória no exercício da
arrecadação quanto de execução não obrigatória nesse período. Neste último caso,
os recursos arrecadados ficam em uma reserva alocada no órgão cujas receitas são
vinculadas, não sendo usadas para qualquer outra finalidade diferente daquela que
motivou a sua criação.

37
O inciso IV do art. 167 foi alterado, sucessivamente, pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993, pela Emenda
Constitucional nº 20, de 2000 e pela Emenda Constitucional nº 42, de 2003.
38
Art. 148, parágrafo único; art.149, § 1º; art. 149-A, inciso XI e § 4º, II; art. 195; art. 212, §§ 4º e 5º; art. 239;
art. 74, § 3º do ADCT.
113

Porém, e infelizmente, a realidade da Administração Pública nacional


não tem demonstrado que a desvinculação de receitas surta os mesmos efeitos do controle
orçamentário atualmente em vigor, tendo em vista as denúncias de corrupção que gravam o
cenário político do País.
Por outro lado, as experiências de vinculação de receitas a
determinadas atividades, como no caso do Fundef e do Sistema Único de Saúde, previstos,
respectivamente, nos arts. 198, § 2º e 212 da Constituição Federal têm demonstrado
resultados expressivos no desenvolvimento da Educação e da Saúde nos últimos anos.
A este respeito, vale citar importante estudo desenvolvido por José
Afonso (AFONSO, 2004), onde o autor analisa o sistema federativo brasileiro e a questão das
relações fiscais entre os entes federados:

A primeira mudança mais importante nas relações financeiras intergovernamentais


envolveu a vinculação constitucional para a manutenção e o desenvolvimento da
educação. Em setembro de 1996, uma emenda constitucional criou o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do
Magistério (o FUNDEF), com o objetivo de alterar a sistemática de financiamento
deste ramo da educação. Na prática, foi criada uma subvinculação,temporária (10
anos), que destinou a tal fundo, em cada unidade federada, a parcela de 60% dos
25% da maioria das receitas de impostos estaduais e municipais vinculados à
educação. Constitui uma espécie de destaque de 15% das transferências federais dos
fundos de participação (FPE, FPM, FPEx e Lei Kandir) que cabe a cada Estado,
mais 15% da arrecadação própria de ICMS no respectivo Estado, que são vinculados
ao respectivo FUNDEF (na prática não existe um, mas FUNDEFs). Enquanto, 85%
dos Fundos de Participação são repartidos entre os governos subnacionais segundo
os critérios de rateio normais, e 85% do ICMS são repartidos entre o Estado (três
quartos) e seus Municípios (um quarto, segundo uma fórmula predefinida), os
recursos reunidos no FUNDEF de cada Estado são repartidos entre o governo
estadual e os governos municipais segundo o número de alunos matriculados nas
escolas de primeiro grau mantidas por cada unidade federada (grifos do original).

Mais adiante, o autor faz referência à criação, pela Emenda


Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000, de um sistema de vinculações, obrigatórias e
em percentuais progressivos, das receitas de Estados e Municípios, nas ações do Sistema
Único de Saúde (SUS), ressaltando suas diferenças em relação ao Fundef (alteração por lei
complementar e revisão a cada qüinqüênio).
O estudo demonstra os ganhos auferidos no período, em aumento do
número de crianças na escola e a universalização do ensino, bem como a expressiva redução
dos indicadores de mortalidade infantil (27% em relação a 1994) e a expansão do Programa
Saúde da Família (PSF), além da expansão da cobertura vacinal e da distribuição de
medicamentos.
114

Por outro lado, no sentido de desvinculação de receitas da União, foi


aprovada a Emenda Constitucional nº 27 de 22 de março de 2000, posteriormente ampliada
pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, que incluiu o art. 76 ao
ADCT, desvinculando 20% da arrecadação da União no período de 2003 a 2007,
independente de serem impostos, contribuições sociais ou de intervenção no domínio
econômico.
Ou seja, a União passou a ter a faculdade de manejar livremente o
percentual de 20% (vinte por cento) da maioria de suas receitas tributárias, o que fortaleceu
seu poder de “barganha” de recursos com os entes subnacionais.
Do acima exposto, verifica-se que o sistema de distribuição de
recursos financeiros e de vinculação de receitas tributárias, no Brasil, guarda grande
complexidade, em que pese à vedação do art. 167 da Constituição Federal. Pois mesmo os
impostos, embora não tenham sua vinculação estabelecida diretamente na norma
constitucional ou instituidora, restam por ter sua receita financeira aplicada em atividades pré-
estabelecidas, seja através do Fundef ou do SUS. Seja em razão de sua transferência, como
convênio, aos entes subnacionais, para aplicação em projetos específicos com estes firmados.
Ao mesmo tempo, não se pode deixar de considerar a posição do
Executivo, quando pugna por uma maior liberdade de direcionamento dos recursos
tributários, pois a completa vinculação das receitas tributárias faria com que o Legislativo
assumisse o comando indireto da Administração, cabendo ao Executivo apenas a tarefa de
mero gerenciador dos programas previamente estabelecidos, o que, com certeza, fere o
princípio federativo.
Assim, no entendimento da pesquisa, segundo seu autor, a vinculação
da receita tributária deve ser feita na forma de determinação das linhas gerais da atividade a
que se pretende atrelar o tributo, como é o caso do exitoso Fundef, cabendo ao ente
competente pela instituição do tributo estabelecer, em parceria com a sociedade, os programas
específicos que melhor atendam àquela comunidade.
No caso da Contribuição Social sobre a Propriedade Rural, objeto da
proposta anexa a este trabalho, caberá à lei federal traçar as linhas mestres de vinculação da
contribuição às ações voltadas para o desenvolvimento rural e aos Municípios definir, em lei
própria, os limites programáticos e a forma de aplicação dos recursos arrecadados com a nova
contribuição, nos mesmos moldes em que, atualmente, são determinadas as ações amparadas
com os recursos do SUS.
115

5.4 Formatação legislativa da Contribuição


Municipal proposta
Conforme disposto no inciso I, do § 1º, do art. 156-A, constante da
Proposta de Emenda Constitucional em anexo, a contribuição municipal proposta deverá ser
instituída por Lei Complementar Municipal, de forma a possibilitar maior discussão de seu
conteúdo pelos vereadores e sociedade.
No entanto, em face da quantidade de Municípios do País e
considerando que a maior parte é de Municípios pequenos (de até 20.000 habitantes), que não
possuem os instrumentos adequados de elaboração de leis tributárias em geral e de
contribuições de qualquer gênero em especial, a PEC anexa prevê, em seu art. 8º, que
acrescentou os arts. 90 e 91 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), um
período de transição entre a extinção do atual ITR e a promulgação, pelos municípios, do
novo tributo.
Deste modo, o ITR ainda vigoraria por um período máximo de 02
(dois) anos seguintes ao da publicação da Emenda Constitucional proposta, sendo que, neste
período, os entes municipais deverão instituir a nova contribuição, sob pena de terem vedadas
as transferências voluntárias de recursos oriundos dos demais entes da federação, conforme
disposto no Parágrafo Único do art. 11 da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF), o qual
também deverá ser alterado para abranger a nova contribuição.
A vedação de tais transferências representaria importante estímulo aos
Municípios para efetivarem a nova contribuição, uma vez que estas transferências são
importante fonte de recursos ao Erário Municipal, ou seja, pouco mais de 3 bilhões de reais
em 2004, conforme se observa da tabela abaixo, extraída do site da Secretaria do Tesouro
Nacional (BRASIL, 2005):

Tabela 7. Municípios contemplados com transferências voluntárias, Secretaria do Tesouro Nacional (Brasil).
Unidade da Federação Valores Correntes em R$ mil Análise % Realizado
2004 2005 Vertical (%) (2005/2004)
Acumulado Julho Acumulado
Região Norte 410.710 35.308 83.910 6,77 20,43
Acre 19.774 3.066 8.738 0,70 44,19
Amazonas 47.534 5.666 24.275 1,96 51,07
Amapá 9.045 555 2.316 0,19 25,60
Pará 181.940 19.623 21.551 1,74 11,85
Rondônia 34.158 2.799 12.889 1,04 37,73
Roraima 89.012 966 4.656 0,38 5,23
Tocantins 29.246 2.633 9.485 0,76 32,43
Região Nordeste 1.260.492 151.751 590.546 47,62 46,85
Alagoas 94.701 8.869 33.427 2,70 35,30
Bahia 265.337 30.508 122.075 9,84 46,01
Ceará 205.888 27.591 84.300 6,80 40,94
Maranhão 174.134 20.203 74.060 5,97 42,53
116

Paraíba 91.658 11.751 40.095 3,23 43,74


Pernambuco 198.883 24.784 85.569 6,90 43,02
Piauí 80.163 10.853 36.692 2,96 45,77
Rio Grande Norte 94.912 10.809 39.058 3,15 41,15
Sergipe 54.815 6.383 75.270 6,07 137,32
Região Sudeste 839.129 69.250 334.574 26,98 39,87
Espírito Santo 46.832 4.626 22.650 1,83 48,37
Minas Gerais 215.350 18.638 90.020 7,26 41,80
Rio de Janeiro 127.528 11.661 55.616 4,48 43,61
São Paulo 449.419 34.326 166.288 13,41 37,00
Região Sul 322.604 36.057 156.736 12,64 48,58
Paraná 144.516 17.220 66.515 5,36 46,03
Rio Grande do sul 74.496 9.657 47.209 3,81 63,37
Santa Catarina 103.591 9.181 43.011 3,47 41,52
Região Centro-oeste 177.306 15.652 74.436 6,00 41,98
Goiás 84.058 7.772 35.106 2,83 41,76
Mato Grosso do Sul 45.722 3.869 21.040 1,70 46,02
Mato Grosso 47.526 4.011 18.289 1,47 38,48
Total 3.010.241 308.019 1.240.201 100,00 41,20
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional. Sistema de Administração Financeira (Siafi).
Quanto ao aspecto material da exação proposta, resguardada a
liberdade legislativa das Câmaras municipais e respeitado o disposto na lei federal que editar
normas gerais, esta não deverá ser muito diferente da atual Lei nº 9.393/96, construída de
forma bastante técnica, do ponto de vista tributário, com a clara definição de seus elementos
definidores, como fato gerador, sujeito passivo e responsável tributário, base de cálculo,
hipóteses de isenção e imunidade e a forma de lançamento do tributo e administração do
tributo.
Porém, atestado que a modalidade de lançamento por homologação
atualmente em vigor não se mostrou efetiva, do ponto de vista da fiscalização e arrecadação, e
considerando que os entes municipais já possuem uma sistemática de tributação dos imóveis
urbanos, na modalidade de lançamento de ofício, as novas leis complementares nacionais
devem adotar a mesma sistemática para a nova contribuição sobre a propriedade rural, com a
criação de Cadastros Municipais de Imóveis Rurais e Plantas de Valores da Terra Nua,
permanentemente atualizados por declarações anuais dos contribuintes e cruzamento com as
alterações decorrentes da cobrança do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
Outra questão importante a ser resolvida pela Lei Federal que traçar as
normas gerais diz respeito ao estabelecimento das alíquotas máximas e mínimas da exação,
como forma de uniformizar a cobrança no território nacional, assim como definir formas de
cálculo que atendam ao imperativo constitucional de progressividade da contribuição, com a
finalidade de reduzir a quantidade de propriedades improdutivas.
A fórmula encontrada pela atual legislação do ITR, embora mais
simples, é passível de questionamentos judiciais no que tange à progressividade da tributação
em relação ao tamanho do imóvel, conforme posição adotada pelo STF. Por outro lado, a
117

escala de alíquotas do ITR constante do Anexo à Lei nº 9.393/96 deve ser alterada, reduzindo-
se sua quantidade e aproximando-se os extremos da tabela, hoje variando de 0,03% a 20%.
Isto se justifica em razão da proximidade do ente tributante com o
objeto da tributação (a terra), o que, em tese, evitaria o nível de sonegação hoje existente,
tornando-se desnecessária a cobrança de alíquota final tão elevada (20%), o que pode vir a se
configurar em confisco, vedado pela Constituição Federal, ao passo que a alíquota mínima
(0,03%) revela-se insuficiente para atender aos custos administrativos da exação e às suas
novas finalidades financeiras, de estimular o desenvolvimento rural.
A definição das alíquotas ideais deve ser feita por cada Município,
considerando alguns fatores que influenciam na arrecadação, nas finalidades extras fiscais do
tributo e na justiça fiscal da contribuição, tais como:
a) a quantidade de imóveis rurais, tributáveis e não tributáveis;
b) a quantidade de latifúndios existente, produtivos e improdutivos;
c) o valor médio por hectare dos imóveis rurais;
d) a necessidade de investimentos em infra-estrutura rural.

Parece lógico que Municípios com desenvolvimento rural mais


atrasado e maior disparidade fundiária (desigualdade econômica, social e de utilização do
imóvel), tenham um nível de alíquota maior, de forma a tornar efetiva a determinação
constitucional de redução das propriedades improdutivas.
Da mesma forma, regiões já desenvolvidas tecnologicamente, com
alto grau de utilização dos imóveis rurais devem ter na contribuição social mais uma fonte de
receita tributária própria, caso em que as alíquotas máximas não devem ultrapassar o
percentual de 2% (dois por cento) sobre o valor da terra nua, podendo ser considerada certa
progressividade em razão do valor do imóvel, a fim de atender os ditames constitucionais de
respeito à capacidade contributiva dos proprietários.
Por fim, devem as leis instituidoras da nova contribuição e referenciar
as isenções e imunidades constantes da lei geral federal, bem como as determinações
ambientais hoje existentes, podendo constar, da norma, fatores de redução do valor devido em
razão do investimento em projetos ambientais ou ecologicamente equilibrado.b
Deste modo, a formatação normativa da nova contribuição deve ser
discutida amplamente com a sociedade local e a lei federal que tratar das normas gerais não
deve exceder seu campo de incidência, adentrando disposições específicas de cada Município.
Em função da complementaridade desta pesquisa, foram elaboradas
minutas da lei geral federal, Apêndice 4, a ser editada pela União, e modelo de lei
118

complementar que possa ser utilizado como base pelos Municípios na elaboração de sua lei
instituidora da contribuição social sobre a propriedade rural, Apêndice 5.
Da mesma forma que a Proposta de Emenda Constitucional, estas
minutas também serão enviadas aos Deputados Federais e Senadores, bem como às
Associações Brasileira, Estaduais de municípios.

5.5 O potencial de arrecadação da Contribuição


Territorial Rural Municipal
Estabelecido o formato normativo e material da Contribuição Social
Municipal sugerida, importa perquirir se o novo tributo teria potencial para atender aos seus
imperativos constitucionais.
Esta não é uma tarefa fácil, uma vez que não se pode confiar nos
cadastros da Receita Federal, seja quanto aos valores informados, seja quanto às informações
sócio-econômicas disponíveis em seus sistemas.
A apuração do potencial de arrecadação da nova contribuição,
portanto, dependeria de extenso trabalho de pesquisa, realizado em cada Município e tendo
como premissa os dados da nova legislação aprovada.
Entretanto, apenas para demonstrar de forma superficial as
potencialidades da nova exação, podem-se analisar algumas informações disponíveis em
institutos oficiais e se alcançar projeções comparativas entre o cenário atual do ITR e o novo
cenário imaginado, estabelecendo-se uma alíquota média de 1,0% (um por cento) para a
contribuição.
Neste sentido, selecionaram-se aleatoriamente os municípios goianos
de Anicuns e Iporá, este localizado no meio-oeste goiano e aquele mais próximo da Capital39.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), coletados em 2001 (BRASIL, 2002), estes Municípios tinham a seguinte área
territorial (em hectares):
Anicuns: 96.161 hectares
Iporá: 102.639 hectares
O Incra, através de seu Grupo Técnico de Avaliação, divulgou, em
outubro de 2004, Ata com a Planilha de Preços Referenciais de Terras e Imóveis Rurais, por
microrregião geográfica, de onde se extraiu os seguintes valores médios da Terra Nua por
hectare (VTN/ha.) (BRASIL, 2004):

39
Anicuns dista 79 km de Goiânia e Iporá 216 km.
119

Anicuns: R$ 5.524,00 (cinco mil e quinhentos e vinte e quatro reais)


Iporá: R$ 1.599,00 (hum mil e quinhentos e noventa e nove reais)
Apenas com estes dados já se pode simular a seguinte projeção:

Tabela 8. Planilha de preços referenciais de terras e imóveis rurais nos municípios de Anicuns e Iporá.

Descrição Municípios
Anicuns Iporá
Área total (ha) (1) 96.161 102.639
Terra Nua (R$/ha) 5.524,00 1.599,00
Terra Nua (Valor Total) 531.193.364,00 164.119.761,00
Áreas isentas 212.477.345,60 65.647.904,40
(reserva legal, inaproveitáveis e preservação
permanente – aproximadamente 40%
Valor da Área tributável (60%) 318.716.018,40 98.471.856,60
Valor CSTR (1%) 3.187.160,18 984.718,57
Fonte: Elaboração própria.
(1)
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2001). Disponível em <www.ibge.gov.br>.
Acessado aos 03.set.2005.
(2)
Preços referenciais de terras e imóveis rurais (Incra, 2004). Disponível em <www.incra.gov.br/srs/go/precos.htm.>
Acessado aos 03.set.2005.

Deste modo, mesmo considerando uma área total isenta de 40%


(quarenta por cento) do Município e atribuindo uma alíquota média de 1,0% (um por cento),
enquanto as alíquotas atuais variam de 0,3 a 20,0%, além de estimar o valor da terra nua com
base nos dados do Incra, os quais, na maioria das vezes, são contestados pelos desapropriados
por inferiores ao valor de mercado. Ter-se-ia um potencial de arrecadação anual da nova
contribuição no valor de aproximado de 3 milhões de reais em Anicuns e 1 milhão de reais
em Iporá, contra uma transferência da cota parte de ITR a estes Municípios, em 2004, de R$
31.033,56 e R$ 16.924,45, respectivamente, conforme informação da Secretaria do Tesouro
Nacional (BRASIL, 2004).
Isto representaria para Anicuns, aproximadamente, o valor do Fundo
de Participação dos Municípios (FPM) recebido em 2004, que foi de R$ 3.833.028,22 e, para
Iporá, aproximadamente um quinto do FPM, que, no mesmo ano, foi de R$ 5.459.069,59.
Assim, vislumbra-se, pela análise acima realizada, que o ITR vem
sendo sistematicamente sonegado e que a realização da alteração constitucional ora proposta é
capaz de alavancar o desenvolvimento rural brasileiro, inserindo o País em renovado ciclo de
crescimento econômico e social.
Esboça-se a contribuição em tela como uma nova e importante fonte
de financiamento do desenvolvimento rural, capaz de alterar o panorama atual do setor rural,
amenizando as dissensões sociais da reforma agrária, elevando o nível tecnológico da
agricultura familiar, aumentando a capacidade de escoamento e armazenagem da produção
120

agrária e, principalmente, alterando o padrão de educação e cultura da população rural,


inserindo-a, de vez, no mundo globalizado e nos benefícios sociais urbanos, sem perder a
característica e as vantagens do mundo rural.

5.6 Fiscalização e controle da aplicação dos


recursos
A evolução do sistema tributário nacional, nos últimos anos, mostra
que as contribuições sociais vêm ganhando em importância em relação aos impostos,
principalmente no âmbito da União, que detém a quase exclusividade em instituí-las. Isto se
dá segundo especialistas, em razão de que os principais impostos da União, como imposto de
renda e IPI, são repartidos com os demais entes da federação, enquanto as contribuições
sociais integram o Tesouro Nacional, o que motiva o governo federal a privilegiar os
aumentos de contribuições e dar isenções aos impostos citados.
Neste sentido, verifica-se na tabela constante do Anexo 5, que as
principais contribuições, hoje, já respondem por maior percentual do que os impostos no total
da arrecadação federal.
Assim, enquanto a arrecadação de impostos da União vem se
mantendo em torno de 8,51% do PIB, enquanto a arrecadação das contribuições sociais e de
intervenção no domínio econômico, mais FGTS e contribuições parafiscais, cresceram de
13,46% em 1999 para 15,70% em 2003 (BRASIL, 2004).
Ressalta da tabela acima citada, da mesma forma, que a arrecadação
municipal mantém certa estabilidade em relação ao PIB, representando uma média de 1,51%
do Produto Interno Bruto, apesar do crescimento nominal, sendo que, à exceção de algumas
capitais e grandes cidades, os aparelhos governamentais de fiscalização e de controle da
receita tributária dos Municípios não se encontram preparados para investir no aumento da
arrecadação própria, imprescindível para compensar as prováveis perdas com o Fundo de
Participação dos Municípios (FPM).
É neste cenário que se insere nova abordagem da atuação dos
governos locais em relação à responsabilidade fiscal, cabendo aqui pesquisar sobre as
alternativas de fiscalização e controle do tributo ora proposto, a fim de que o mesmo tenha sua
eficácia otimizada, cumprindo as determinações constitucionais e legais que o informam.
A fiscalização tributária é, ao mesmo tempo, uma necessidade e
imperativo legal e um “espinho” político aos governos municipais. Como principal fonte de
receita financeira do Estado, os tributos devem ser cobrados de forma eficiente e justa, mas
121

não podem onerar o cidadão acima de sua capacidade de contribuir para a sociedade, sob pena
de inviabilizar a própria sociedade no futuro.
Em relação aos governos locais, a cobrança dos tributos próprios se
torna mais difícil, seja por acentuado grau de desorganização das administrações tributárias,
seja pela pressão exercida pelos contribuintes/eleitores sobre o administrador, em função da
proximidade, amizade e interesse eleitoral.
Quanto ao primeiro problema, a solução é técnica, exigindo das
administrações municipais investimentos em treinamento e aparelhamento de seus setores de
fiscalização, arrecadação e controle da receita tributária. É certo que, neste ponto, muitos
prefeitos são refratários a gastos em fiscalização, por impopulares, mas está situação começa a
ser alterada.
A experiência de alguns municípios que resolveram cobrar de forma
efetiva seus créditos tributários e aumentar sua arrecadação própria tem demonstrado que o
resultado em termos políticos tem sido bastante satisfatório, uma vez que mais recursos
representam mais obras e serviços públicos, o que acaba sendo reconhecido nas urnas.
Como exemplo, cita-se a experiência de municípios que ingressaram
no Programa e que obtiveram resultados expressivos de melhoria da arrecadação, como
demonstra a Tabela abaixo:

Tabela 9. Indicadores do PMAT para uma amostra de municípios do território nacional.

Municípios do território nacional Aumento de receita no Relação entre aumentos da


município (%) no prazo do receita e valor de financiamento
projeto (a) no prazo do projeto
Belém (PA) 41,20 5,90
Belo Horizonte (MG) 9,80 8,30
Campina Grande (PB) 63,70 2,00
Contagem (MG) 96,50 8,40
Cuiabá (MT) 96,60 7,80
Curitiba (PR) 32,00 8,10
Fortaleza (CE) 45,00 7,00
Juiz de Fora (MG) 36,00 3,50
Manaus (AM) 63,60 10,60
Natal (RN) 39,70 2,50
Niterói (RJ) 16,50 4,80
Petrolina (PE) 100,00 5,80
Recife (PE) 51,40 15,60
Rio de Janeiro (RJ) 24,80 25,30
Serra (ES) 64,20 4,00
Teresina (PI) 71,50 3,10
Vitória da Conquista (BA) 65,00 1,10
Vitória (ES) 23,10 6,90
Volta Redonda (RJ) 33,20 6,40
Fonte: BNDES, 2005.
(a)
Considera apenas o incremento de receita gerado pelo projeto durante o período de financiamento comparado
com esta receita antes da sua implantação, ou seja, não computa a manutenção do novo patamar de receita após a
última amortização.
122

Com a redução dos recursos decorrentes de transferências


constitucionais e voluntárias, o aumento das receitas próprias torna-se mais premente, além de
constar de norma impositiva legal, o que pode vir a trazer conseqüências penais e eleitorais
aos gestores locais.
Vale citar, sobre o tema, a iniciativa do Governo Federal em financiar
o aparelhamento das fiscalizações municipais, através do Programa de Modernização da
Administração Tributária e da Gestão dos Setores Sociais Básicos (PMAT), instituído pelo
BNDES em 1997 e revigorado em atenção ao comando legal da Lei de Responsabilidade
Fiscal, que estabelece em seu art. 64:

Art. 64. A União prestará assistência técnica e cooperação financeira aos


Municípios para a modernização das respectivas administrações tributária,
financeira, patrimonial e previdenciária, com vistas ao cumprimento das
normas desta Lei Complementar.

No que tange à implementação da contribuição social sob análise


neste trabalho, há que se destacar a importância de instrumentos de fiscalização e
administração da exação modernos e atualizados, para se evitar a continuidade da sonegação
que hoje é característica do ITR.
Quanto à questão política, é importante referenciar a importância do
amadurecimento que os entes políticos locais estão passando, na gestão dos recursos de saúde
e educação, a maior participação da comunidade no controle das ações políticas e a aplicação
do princípio da subsidiariedade ao relacionamento entre as esferas de governo e entre os
governos locais e a sociedade organizada, atribuindo a quem tem maior competência e
afinidade na realização da ação sua competência, como forma de atingir a eficiência e os
resultados esperados para o bem comum.
123

6 A CONTRIBUIÇÃO TERRITORIAL RURAL MUNICIPAL PROPOSTA COMO


INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO RURAL
A sociedade brasileira ainda é muito nova, em termos de experiência
de gestão pública, podendo ser apontadas como razões da alegação os largos períodos de
autoritarismo de sua história, bem como a falta de maturidade política e social da população,
administradores e políticos.
Formada no centralismo e no personalismo político, apesar de constar
desde a primeira Constituição republicana a forma federativa de governo, a Administração
Pública brasileira é caracterizada pelo dirigismo e pelo planejamento das ações públicas,
conforme estabelecido na Constituição de 1988 (arts. 165 a 169).
No entanto, analisando-se a atual Constituição Federal sob uma
interpretação integrada, verifica-se que a mesma adotou o princípio da subsidiariedade tanto
na atribuição de competências a entes federados, como na especificação de responsabilidades
à sociedade organizada na formulação e fiscalização das ações públicas, em especial nas áreas
de educação, saúde, assistência social, segurança e infância e adolescência.
A idéia básica de tal princípio, de que não deve ser negada ao
indivíduo e às sociedades as ações que estes podem fazer em seu benefício, ao mesmo tempo
em que o Estado deve agir, quando necessário, para suprir as deficiências das ações dos
indivíduos e sociedades, visando sempre ao bem comum.
Na aplicação do princípio à organização do Estado, implica afirmar
que as ações mais afeitas aos entes subnacionais não devem ser encampadas pelo ente
regional e as destes pelo ente nacional, em homenagem e respeito ao direito que cada ente
deve ter de realizar de modo eficiente as ações para as quais tem mais qualificação e
facilidade, assim como o direito de receber dos demais entes todo o subsídio necessário para
as ações que não puderem realizar com acuro.
124

Insere-se, assim, a questão do desenvolvimento rural e da tributação


da propriedade rural como atividades cuja qualificação dos entes municipais se revela
preponderante:
a - Desenvolvimento Rural
O desenvolvimento rural possui múltiplas facetas e peculiaridades, em
função do local onde se estabelece, das atividades desenvolvidas pelo homem do campo; dos
traços culturais e sociológicos da região analisada e das adequações climáticas e geológicas
necessárias.
A formulação de políticas de desenvolvimento rural, deste modo,
deve, obrigatoriamente, ser executada pelos entes políticos locais, em parceria com a
sociedade organizada e os produtores rurais.
Para tanto, estes personagens necessitam dispor dos meios de
informação suficientes para a tomada de decisão, bem como dos recursos financeiros
adequados à execução das ações planejadas.
Por outro lado, há que se reconhecer a necessidade da formulação de
políticas macro de abastecimento, comércio exterior, mercado interno e crédito agrícola, entre
outras, para as quais se revela mais apta à entidade central (União) ou os entes regionais
(Estados), razão pela qual se impõe uma competência concorrente entre estes entes da
federação. Cabendo à União legislar e executar ações de caráter nacional e aos entes
subnacionais planejar e desenvolver ações para as quais a proximidade com o objeto e o maior
conhecimento da realidade a torna naturalmente indicada.
A adoção dessa forma de federalismo cooperativo traria, como
demonstrado pela experiência do Sus e do Fundef, resultados mais eficientes e econômicos,
acelerando o processo de desenvolvimento rural em curso no País.
Como exemplos de políticas formuladas e aplicadas no âmbito local,
podem-se citar a criação de comitês de recuperação de bacias hidrográficas ou os consórcios
intermunicipais de manutenção de estradas vicinais, passando pelo direcionamento da
produção local como forma de especialização de determinado produto.

b - Tributação da Propriedade Rural


A Constituição Federal previu a possibilidade de instituição de 05
(cinco) impostos patrimoniais, a saber: Imposto Territorial Rural (ITR), Imposto de
Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), Imposto sobre a Propriedade de Veículos
125

Automotores (IPVA), Imposto de Transmissão de Bens Intervivos (ITBI) e Imposto sobre a


Propriedade Territorial Urbana (IPTU).
Não sem motivo, quatro deles tiveram os Estados e municípios como
competentes para sua instituição, restando apenas o ITR no âmbito da União. Ocorre que,
historicamente, os tributos incidentes sobre o patrimônio têm sua eficiência alargada quando o
ente tributante se encontra mais próximo do objeto material da exação, que tem,
invariavelmente, como base de cálculo o valor do bem, mais facilmente aferível pela
autoridade fiscal que conhece a realidade local.
Como estas exações têm como parâmetro de fixação do imposto
devido uma base cadastral elaborada pela entidade tributante e considerando que este cadastro
é dinâmico, carecendo de atualizações constantes, sua manutenção pelo ente fiscalizador local
revela-se muito mais adequada do que pelo ente nacional, como se presume do demonstrado
insucesso do ITR, gerando sonegação e subavaliação dos patrimônios tributáveis.
Assim, a afinidade tributária dos municípios para instituir, fiscalizar e
arrecadar os tributos patrimoniais é patente, sendo natural que eventual reforma tributária
corrija as distorções estabelecidas pelo legislador constituinte na criação do Sistema
Tributário Nacional, em homenagem ao princípio da subsidiariedade.
Outro motivo a embasar a tese de que a tributação da propriedade
territorial rural deve ser exercida pelo ente local funda-se no fato de que, incorporando este as
ações de fomento do desenvolvimento rural, restam sem sentido retirar-lhe os recursos
financeiros necessários à execução destas ações, bem como a execução das ações voltadas
para a obtenção destes recursos.
No primeiro caso, a determinação de despesas sem receitas não se
coaduna com a organização financeira do Estado, sendo inconcebível.
No segundo, a origem destes recursos em outros entes federados
(Estados ou União), contribuiria para perpetuar um já complicado sistema de repartição de
receitas tributárias, além de retardar a maturidade fiscal dos entes subnacionais, evitando que
os mesmos desenvolvam sistemas tributários próprios e exerçam sua autonomia
administrativa de forma plena, sem contar o aumento da probabilidade de corrupção e tráfico
de influência na liberação dos recursos.
Cabe analisar, ainda, se a sugerida Contribuição Social sobre a
Propriedade Territorial Rural, foco deste estudo, poderá servir como instrumento de fomento
do Desenvolvimento Rural nos Municípios, pesquisando suas prováveis características e
estrutura.
126

6.1 Regulamentação Municipal


A estrutura formal da Contribuição proposta, dada sua natureza e
especificidade de contribuição vinculada a um determinado campo de atuação do Governo
Municipal, bem como a formalização do crédito tributário através da existência de Cadastros
Administrativos e Pautas de Valores, instituídos por normas jurídicas distintas da lei
instituidora da exação, torna necessária a pesquisa de possibilidades de regulamentação legal
do tributo sugerido, definindo, principalmente, os procedimentos de lançamento, fiscalização,
arrecadação e cobrança da contribuição, assim como a forma de deliberação da aplicação dos
recursos dela decorrentes.
Sobre o primeiro aspecto, tais procedimentos devem ser informados
sob o prisma da finalidade constitucional da contribuição, qual seja, a redução da ocorrência
de propriedades improdutivas e o fomento do desenvolvimento rural.
Neste sentido, há que se priorizar a tributação dos imóveis rurais que
não atendam à sua função social, conforme estabelecido no texto constitucional, da mesma
forma que se deve estar atento para a instituição de mecanismos de incentivo e correção de
fatores de desenvolvimento, como, por exemplo, falhas na cadeia de abastecimento ou
excessos de produção de determinado produto.
O segundo ponto (aplicação dos recursos vinculados) demanda uma
regulamentação mais complexa, como só acontece quando se fala em formulação de políticas
públicas, pois envolve delimitar a fronteira ideal entre o intervencionismo estatal, cujos
exageros tanto mal fizeram à humanidade e a liberdade de ação do setor privado. Desejável,
quando direcionada para o bem comum, mas perniciosa enquanto voltada apenas para o lucro
e a dominação de mercados.
Importa criar instrumentos participativos que determinem os projetos
beneficiados com a receita tributária decorrente da contribuição e/ou que fiscalizem a
atividade do executivo na criação destas políticas, de modo a dar a maior efetividade possível
aos recursos, incentivando a atividade privada rural e suprindo as eventuais deficiências do
setor agrário, não com a mão do protecionismo ou do assistencialismo, mas atacando as
causas do desvio ocorrido, para a normalização do curso desenvolvimentista do campo.
Cabe esclarecer que, sendo a contribuição proposta da competência
privativa dos Municípios, cada um deles deve encontrar a maneira própria de administrar a
nova contribuição, através de erros e acertos. Mas, no sentido de oferecer subsídios à
elaboração das normas e procedimentos a serem adotados pelos entes municipais, oferece o
127

autor deste estudo elementos de estudo e análise referentes aos principais aspectos da
Contribuição sugerida.

6.2 Lançamento, cadastro, fiscalização e cobrança


A atividade tributária não difere muito de tributo para tributo, até
porque é limitada pelas normas gerais estabelecidas na Constituição Federal e no Código
Tributário Nacional.
No caso da contribuição municipal sobre a propriedade territorial, ora
proposta, suas características intrínsecas devem ser mantidas à feição do imposto já instituído
e cobrado pelos municípios, incidente sobre a propriedade territorial urbana (IPTU),
resguardadas as especificidades inerentes à sua natureza de contribuição social e às
finalidades extra fiscais que aquele imposto não possui.
Quanto à forma de lançamento, a mal sucedida experiência com o ITR
deve servir de lição aos governos municipais, abandonando-se a modalidade de lançamento
por homologação, previsto no art. 150 do CTN, para se adotar a sistemática já utilizada para o
IPTU, de lançamento de ofício, realizado através do controle cadastral dos imóveis e da
fixação da base de cálculo estimada em Planta de Valores, anualmente atualizada por lei
municipal.
Esta sistemática apresenta, limitações e dificuldades que não se
encontram na tributação do IPTU, como o envio das notificações de lançamento e a avaliação
do valor da terra nua em municípios de grande diversidade de padrão de terras, mas tais
dificuldades podem ser sanadas com a obrigação do contribuinte de eleger um endereço
urbano para receber a notificação e um levantamento geográfico bem feito, amparado pela
atual obrigatoriedade dos proprietários de proceder ao levantamento georeferenciado de seus
imóveis.
Em relação ao controle cadastral, o tributo será bem administrado
quanto mais completo e atualizado for o cadastro imobiliário realizado pelo município.
Algumas experiências têm demonstrado que o uso de
recadastramentos periódicos (dois a três anos), informados pelos contribuintes, aliado a um
acompanhamento das alterações de titularidade realizadas nos Cartórios de Registro de
Imóveis e de fiscalizações seletivas se constitui em importante sistemática de
acompanhamento cadastral, a dar veracidade ao cadastro rural e aumentar a taxa de risco de
eventuais tentativas de sonegação.
128

Porém, o principal instrumento de efetividade da contribuição, assim


como de qualquer tributo, reside em um bem montado aparelho de fiscalização, capaz de
identificar com presteza a falta ou insuficiência de recolhimento da exação e agir de forma
preventiva ou coativa na exigência da contribuição.
Atualmente, os sistemas de fiscalização têm se servido do avanço
tecnológico e da informática para obter sucessivos recordes de arrecadação, mas esta evolução
tem ocorrido principalmente no Governo Federal, em alguns Estados e, quanto aos
municípios, salvo exceções, apenas nas capitais e grandes cidades do País, não atingindo a
grande maioria dos municípios brasileiros, que ainda permanecem com controles arcaicos e
fiscais despreparados.
Assim, faz-se necessário um trabalho de conscientização das
administrações fiscais municipais e investimento em equipamentos e sistemas, sendo certo
que estes recursos aplicados têm retorno garantido em aumento da arrecadação.
No caso específico da contribuição municipal territorial rural, é
necessário, ainda, que os fiscais tenham treinamento específico em direito agrário, a fim de
torná-los aptos a identificar as especificidades das atividades agrárias e qualidades do solo, da
mesma forma que o fiscal urbano necessita conhecer as diferenças existentes entre as
construções urbanas.
Por fim, o que torna o trabalho de fiscalização respeitado é a efetiva
cobrança da dívida ativa municipal, que, quando executada com presteza e firmeza, cria a
convicção de que o tributo deve ser pago, sob pena de perda de patrimônio e bens.

6.3 Cadastro
Existem, atualmente, vários cadastros de imóveis rurais no País, com
as mais diversas finalidades, entre elas a tributária (Receita Federal, municípios), agrária
(Incra), de registro (Cartórios) e estatística (IBGE).
No entanto, não existe comunicação entre eles, sendo que alguns,
como os municipais se resumem as pautas de referência de valores e outros, como o da
Receita Federal, não são confiáveis, porquanto embasados em informações dos contribuintes,
não verificadas sequer por amostragem.
Para que a nova contribuição tenha sucesso, portanto, a formação de
cadastros municipais dinâmicos e confiáveis é fundamental e deve ser realizado nos moldes
dos atuais cadastros imobiliários destinados ao IPTU, baseados em registros da titularidade ou
posse do imóvel pelo contribuinte, mediante a entrega por estes, na unidade fiscal, dos
129

documentos necessários à prova da alegação, acompanhados da comprovação de registro no


Cartório de Registro de Imóveis do Município do Certificado de Georeferenciamento,
previsto no art. 176, §3º, da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1975, com redação dada pela
Lei 10.267, de 28 de agosto de 2001 e regulamentado pelo Decreto nº 4.449, de 30 de outubro
de 2002.
Como a base de cálculo da proposta contribuição social é formada,
além dos dados geotécnicos do imóvel, também com as informações referentes às benfeitorias
e produção da propriedade rural, faz-se necessário, igualmente, que o mesmo seja alimentado
com informações declaradas anualmente pelos contribuintes e verificadas mediante processo
seletivo de fiscalização, em especial das propriedades maiores e menos produtivas, facilmente
identificadas pela fiscalização municipal, em razão da proximidade dos imóveis e do limitado
espaço geográfico de atuação.
O uso eficiente dos dados cadastrais é fator preponderante de justiça
fiscal, além de servir como determinante para a evolução do tributo no tempo, com a gradual
redução de alíquotas, à proporção que os níveis de produtividade agrária desejados no
Município são atingidos e os produtores diminuem sua necessidade de fomento do governo,
passando a produzir de forma autônoma e sustentável, restando a contribuição fiscal apenas
como fonte de manutenção do desenvolvimento rural alcançado.

6.4 Planta de Valores


O principal problema do ITR, assim como do IPTU, reside na
formação do Valor da Terra Nua de cada imóvel tributado. Naquele, por se basear
exclusivamente na informação do próprio contribuinte e este, pela falta de atualização da
valorização imobiliária e dos benefícios incorporados ao imóvel.
É verdade que o IPTU guarda maior complexidade, em razão de que a
base tributável é o imóvel com todas suas benfeitorias, ao contrário da contribuição social
municipal sugerida (e do atual ITR), que tributam apenas a terra nua.
No entanto, esta tem uma dificuldade adicional de valoração, pela
necessidade de estabelecer o grau de produtividade do imóvel, o qual varia bastante em
função da atividade exercida e de exercício para exercício.
Como agravante, importa considerar que a legislação atual considera,
para efeitos de produtividade, apenas as atividades agrárias tradicionais, como pecuária
bovina e agricultura extensiva, por exemplo, gerando situações complicadas de definição de
130

produtividade, como ocorre com a produção de mel no Piauí 40, onde largas extensões de áreas
tidas por “inaproveitadas”, na verdade são “pasto” das colméias ali instaladas em
determinados períodos do ano, as quais não poderiam sobreviver sem as floradas nativas das
áreas não utilizadas.
Entretanto, para efeito de tributação do ITR estas áreas são
consideradas não utilizadas, o que eleva a alíquota do imposto para estes proprietários, em
fragrante injustiça fiscal.
Assim, a definição de uma Planta de Valores para fins de tributação da
Contribuição Social em foco deve possuir mecanismos de especificação destas realidades, por
microrregião, facultado ao contribuinte demonstrar que sua propriedade não se enquadra no
valor atribuído, em razão desta ou daquela especificidade.
Deve a Planta de Valores, igualmente, sofrer revisões anuais, que
considerem a valorização imobiliária do Município e a desvalorização da moeda no período, a
fim de manter atualizada a arrecadação do tributo.

6.5 Gestão dos recursos


A exemplo da melhoria de índices de alfabetização e mortalidade
infantil alcançados pelo Fundef e Sus, respectivamente, o desenvolvimento pretendido pela
exação ora sugerida só será alcançado com uma correta gestão dos recursos financeiros
decorrentes de sua instituição.
Aqui também o princípio da subsidiariedade se revela importante
instrumento político de gestão, ao admitir a participação da sociedade e dos próprios
contribuintes na definição das políticas públicas que serão implementadas com a arrecadação
da Contribuição Social.
A co-participação da sociedade na elaboração e na execução das
decisões administrativas é tema palpitante, que não cabe na simplicidade deste trabalho, mas

40
Os critérios atuais de formação da base de cálculo do ITR não têm previsão legal de considerar as áreas não
utilizadas, deixadas como reserva de floradas pelos produtores de mel, como áreas efetivamente utilizadas, o que
onera o valor do imposto e pode sujeitar o imóvel à desapropriação para fins de reforma agrária.
131

não se pode deixar de anotar a opinião de Silvia Faber Torres, Mestra em Direito Público e
Procuradora do Estado Rio de Janeiro (TORRES, 2001, p. 136/137):

A participação, ou, ao menos, a ampliação de seu conteúdo, constitui, de certo


modo, um efeito do novo paradigma de integração entre sociedade e Estado que se
estrutura hodiernamente. Segundo Odete Medauar, ela “se apresenta como
expressão e efeito da moderna idéia de relação Estado-sociedade, onde se vislumbra
não rigorosa separação, nem fusão, mas recíproca coordenação, significando maior
proximidade entre os dois”282.
A ampliação crescente dos mecanismos de democratização das decisões do poder
público, entre os quais a participação, é uma exigência da sociedade contemporânea,
que se erige sobre um novo conceito de cidadania, e toma consciência da
necessidade e da possibilidade de interferir na gestão da coisa pública,
compartilhando do poder283 com o Estado na condução do interesse público41.

Da mesma forma há que se constatar que a Constituição Federal de


1988 elegeu a cooperação como instrumento de descentralização e coordenação das ações
públicas em várias áreas de atuação, a exemplo da saúde (art. 197 e 198, III), da assistência
social (art. 204, I), da educação (arts. 205 e 206, IV), da cultura (art. 216, § 1º), do meio
ambiente (art. 225) e da criança e adolescente (art. 227, § 1º), sem embargo de outras normas
infraconstitucionais que prevêem a participação da sociedade na segurança pública (conselhos
penitenciários e de segurança pública) e, mais recentemente, na formulação dos orçamentos
dos entes públicos (orçamentos participativos).
No campo da Contribuição Social sob análise, por sua natureza de
tributo vinculado ao desenvolvimento rural, à gestão dos recursos, a critério da autoridade
municipal, encontra melhor eficiência se realizada com a participação da sociedade
organizada, através da constituição de Conselhos Paritários, cuja composição deve englobar
representantes do Poder Executivo, de um lado, e da comunidade, de outro, estes eleitos pelas
categorias representativas dos trabalhadores rurais, dos empregadores rurais, de entidades de
defesa do meio ambiente, das associações e/ou cooperativas de produtores e de demais
entidades da sociedade civil que guardem interesse com a atividade agrária.
Se estes Conselhos possuírem efetivo poder de formulação e
fiscalização das ações políticas voltadas para o desenvolvimento rural (ao contrário do que,
infelizmente, ocorre em muitos municípios, onde Conselhos Paritários são meros

41
Anotações e grifos do original:
282. Direito Administrativo em Evolução.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 214. A citação é de
NIGRO, “Il Nodo della Participazione”. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1980, p. 229.
283. DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO entende que a participação é um modo de exercício do
poder. “A direção geral da sociedade – explica o autor – cabe ao Estado, mas nem por isso ela concentra, nem o
poderia, todo o poder que nela se produz; daí, ao lado do poder estatal, aquela parcela institucionalmente
atribuída ao Estado, coexistem os poderes que remanescem para os indivíduos – poderes individuais –e para os
demais grupos sociais – poderes grupais. Dentre os poderes remanescentes, entendemos, está este: o de
participar em qualquer expressão do poder institucionalizado.” Direito de Participação Política. Rio de Janeiro:
Renovar, 1992, p. 56.
132

sancionadores das determinações do Executivo), o controle do desvio de recursos públicos


será sensivelmente reduzido, além de propiciar a aplicação dos recursos de maneira mais
racional e econômica.
Outras formas de co-participação na aplicação dos recursos
financeiros da proposta Contribuição Social podem ser implementadas, a exemplo da
construção pelo Governo Municipal de obras de infra-estrutura em parceria com os
produtores, beneficiando-se estes com a administração da obra, nos termos da Lei nº 11.107,
de 06 de abril de 2005, devendo o município instituir legislação própria neste sentido. Ou,
ainda, na criação de Fundo Financeiro que atenda projetos de desenvolvimento rural
devidamente aprovado pelo Conselho Paritário, dotados de incentivos fiscais e financeiros aos
produtores e investidores locais.

6.6 Limites de utilização


Lei Municipal deverá ser editada para fins de regular a amplitude de
aplicação dos recursos originários da contribuição a ser instituída, seja como forma de não
tornar inviável a votação da lei complementar que instituir a Contribuição Social, seja pela
necessidade de atender limitações estabelecidas pela lei federal, bem como evitar que estes
recursos sejam desviados das finalidades inicialmente estabelecidas.
Esta não é uma tarefa fácil, cabendo a cada legislativo municipal
identificar e escolher os programas ou ações que melhor atendam as necessidades do
município, sem, contudo, amarrar a atividade do Executivo ou substituí-la pela vinculação
estreita da receita financeira à ação escolhida.
O ideal é que se identifique a cada local as maiores necessidades ou
entraves ao desenvolvimento rural do município, estabelecendo linhas mestras de atuação,
cabendo aos Conselhos e ao Executivo escolher as ações mais adequadas para atingir tais
objetivos, mais ou menos nos moldes do funcionamento dos recursos municipais aplicados ao
Fundef.
Neste sentido, algumas ações podem ser utilizadas na formatação da
legislação municipal regulamentadora do assunto, por terem afinidade com o
desenvolvimento rural, setor a ser beneficiado com a vinculação das receitas da futura
contribuição.

6.6.1 Reforma Agrária


133

O conceito legal de reforma agrária vem expresso no § 1º do art. 1º do


Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), que determina:

Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor


distribuição da terra, mediante modificações no regime de posse e uso, a fim de
atender aos princípios de justiça social e o aumento da produtividade.

Popularmente, bem como no entendimento de grande parte dos


políticos e administradores públicos, a reforma agrária configura-se, erroneamente, como
sinônimo de desapropriação de terras para o assentamento de trabalhadores rurais.
Na realidade, o conceito do Estatuto da Terra é mais amplo e não
exclui a idéia de desenvolvimento rural, não se podendo afastar, à exceção das ações de
desapropriação previstas na Lei Complementar nº 76, de 06 de julho de 1993, cuja
competência é privativa da União (art. 2º), a competência dos municípios para implementar
medidas e ações que visem a promover melhor distribuição da terra, bem como atendam aos
princípios de justiça social e o aumento da produtividade.
Assim, os recursos da Contribuição Social podem ser direcionados
para uma melhor estruturação da realidade fundiária dos municípios que tenham na má
distribuição de terras o entrave ao desenvolvimento rural, seja pela aquisição e repartição de
terras improdutivas ou mesmo produtivas (a exemplo do Programa Cédula da Terra), seja pela
criação de fundo financiador da compra de imóveis rurais por agricultores familiares (nos
moldes da reforma agrária norte americana42), ou, ainda, no fomento da produtividade dos
imóveis subutilizados.
Cabe considerar que esta atuação dos municípios não afasta o
prosseguimento das ações desapropriatórias pelo governo federal, nem as ações de
assentamento e amparo aos assentados já em curso, mas vêm complementar esta atuação,
investindo na redução da incidência de imóveis improdutivos pela progressividade da
tributação da contribuição social sugerida e oferecendo aos trabalhadores sem-terra outras
opções, além da espera de seu quinhão no assentamento, como a compra subsidiada do imóvel
rural ou a melhoria da renda familiar pela maior oferta de trabalho e emprego.
A utilização, por analogia, das inovadoras regras do Estatuto das
Cidades (Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001), em especial de seu art. 5º, que estabelece a
utilização compulsória do imóvel, pode ser estabelecida em lei municipal para os imóveis
rurais, cabendo à lei regulatória municipal estabelecer as fontes de recursos de eventual

42
A “Homestead Act”, de 1862, permitia aos ocupantes de terras federais sua compra, financiada pelo Governo a juros
módicos, no limite máximo de 71,5 hectares e, posteriormente, foi criado o Federal Land Bank, que financiava, a longo
prazo, a aquisição de médias propriedades.
134

desapropriação em caso de não cumprimento da utilização compulsória, que se daria, neste


caso, sob argumento diferente da desapropriação para fins de reforma agrária prevista na Lei
Complementar nº 76/93.
É que a LC nº 76/93 determina como privativo da União promover as
ações de desapropriação para fins de reforma agrária, o que, em tese, impediria o Município
de utilizar os recursos da contribuição proposta para a mesma finalidade. O argumento que
autoriza a União a promover a desapropriação é o não cumprimento da função social do
imóvel, conforme estabelecido no art. 184 da Constituição Federal.
No entanto, nos moldes do art. 5º da Lei nº 10.257/2001, poderia o
Município, em tese, estabelecer dispositivo legal que lhe permitisse utilizar os recursos da
contribuição sobre a propriedade territorial rural sob análise para a desapropriação de imóveis
rurais que, devidamente notificados seus proprietários a proceder à utilização compulsória dos
mesmos no prazo de, por exemplo, 05 (cinco) anos, não o fizessem.
Deste modo, estariam os Municípios também contribuindo para a
reforma agrária, sem ofensa à competência privativa da União.

6.6.2 Produção
Os limites da utilização de recursos públicos na produção são
impostos pela própria Constituição Federal, que determina, em seu art. 173:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração


direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definidos em lei.

Ao Estado, porém, não é vedado atuar como fomentador da atividade


produtiva do particular, seja pelo financiamento subsidiado de lavouras comunitárias, seja na
função de formador de banco de sementes e estoques reguladores.
No entanto, os recursos tributários da nova Contribuição Social não
devem ser utilizados no incremento da produção de forma regular, mas apenas quando as
condições do município não facultarem aos próprios produtores ativar o desenvolvimento
rural. E, mesmo neste caso, apenas pelo tempo necessário para que o mercado se estabilize,
em respeito à capacidade do setor privado em executar as competências que lhe são próprias.

6.6.3 ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO


RURAL
135

Talvez o campo de atuação mais intenso do Estado, no que tange ao


incremento do desenvolvimento rural, as ações de Assistência Técnica e Extensão Rural possa
e deva ser financiada com recursos públicos. Principalmente no amparo dos produtores rurais
de menor poder aquisitivo, que não têm acesso à assistência privada e à informação, bem
como aos demais produtores onde a ATER privada não esteja presente.
Dentre as ações de Ater possíveis de implementação através dos
recursos da Contribuição Social, releva apontar algumas, cujas carências na maioria dos
municípios brasileiros são fator de impedimento do natural desenvolvimento do setor agrário
no País.
O principal deles é a reformulação do sistema de educação rural,
adequando-o à realidade do universo agrário e formando futuros produtores profissionais,
conscientes de suas possibilidades e da necessidade de um desenvolvimento sustentável em
seu próprio local de habitação.
Por se tratar de matéria afeita também ao setor de educação e em
atenção ao sistema co-participativo da administração pública que se deseja para o País, há que
se compartilhar, igualmente, as responsabilidades e fontes de recursos públicos aplicados à
educação rural, com a utilização de parte dos recursos destinados ao Fundef.
Outra vertente de Ater que carece de expressiva participação do poder
público é o de difusão de tecnologias aplicadas à produção rural e ao desenvolvimento
agrário, ou seja, a extensão rural.
Esta atuação pode se dar pela criação de organismo municipal de
extensão rural, aos moldes das Emater, mantido com recursos da Contribuição Social
Municipal ora proposta; pela promoção de eventos de divulgação de técnicas agrícolas, como
“dias de campo”, seminários e congressos ou pela organização sistemática de campos
experimentais junto aos próprios produtores.
A escolha de cada método ou a combinação deles deverá ser feita por
cada município, através de seus Conselhos Paritários, analisadas as principais carências do
município.
Importante é ressaltar o caráter participativo da sociedade na escolha e
conhecimento das ações de Ater implementadas, uma vez que o principal motor do
desenvolvimento rural é a modernização das técnicas de produção e, principalmente, a
mudança de mentalidade dos produtores rurais, com a adoção do conceito de “fazendeiro
profissional”, ou seja, o produtor “focado” em seu negócio, como qualquer profissional da
atividade humana.
136

Discussão que deve surgir quanto à promoção destas técnicas será,


provavelmente, sobre a aplicação dos recursos tributários em despesas de mídia e publicidade
dos programas, cabendo a cada Conselho deliberar sobre o assunto.

6.6.4 Infra-estrutura
Se as ações de Ater se destacam pela importância e constância ao
longo do tempo, a realização de obras de infra-estrutura agrária têm como fator determinante
o montante de recursos necessários, normalmente elevados, para sua consecução, o que pode
vir a esgotar os recursos vinculados da Contribuição Social em tela, dependendo das
necessidades do município e da capacidade contributiva de seus imóveis.
Há que se considerar, também, que o termo “infra-estrutura” é muito
abrangente, compondo-o as obras naturalmente atribuídas ao poder público, como a
construção e manutenção das vias municipais até as obras cuja realização são mais afeitas à
iniciativa privada, como usinas de beneficiamento e entrepostos comerciais.
Por outro lado, não só obras de engenharia são consideradas como
ações de infra-estrutura, mas também o fornecimento de serviços, como a formação de
patrulhas rurais (conjunto de máquinas agrícolas públicas que prestam serviços aos produtores
necessitados) ou a construção de obras particulares nas propriedades (tanques, represas,
“tabuleiros” de irrigação, e outros) com máquinas pesadas do município.
Quanto à alocação de recursos, é importante a publicação, pelos
municípios, de norma própria instituidora de Programas de Parceria Público-Privadas (PPP).
A exemplo do Estado de São Paulo, que editou, em 2004, a Lei nº 11.688, de 19 de maio de
2004, o que possibilitaria o investimento em obras de infra-estrutura rural municipal em
parceria com a iniciativa privada, minimizando o impacto sobre as receitas públicas
disponíveis pela contribuição sob análise.

6.6.5 Atividades Agrárias


A conceituação do que sejam “atividades agrárias” divide a doutrina
nacional e esta dissensão deve agravar-se, à medida que se acentua o relacionamento rural-
urbano.
Em alentado trabalho publicado no site da Escola Superior de
Tecnologia e Gestão de Beja – Portugal, o Dr. Lucas Abreu Barroso, Professor da PUC –
Minas Gerais e notável aluno deste curso de Mestrado em Direito Agrário, tece interessantes
137

comentários acerca da definição de “Atividades Agrárias”, enquanto eixo central do conceito


de Direito Agrário (BARROSO, 1997).
Após trazer a lume diversos conceitos de Direito Agrário, de
doutrinadores nacionais e estrangeiros, destacando em todos eles a atividade agrária como
tema central, o artigo apresenta conceitos de “atividades agrárias”, como o de Sodero, pinçado
da obra de Hironaka (HIRONAKA, 1985, p. 72/73):

A atividade agrária é o complexo das operações realizadas pelo rurícola,


profissionalmente, visando à produção da terra, num processo agrobiológico
no qual participa ativamente, sendo certo que seus atos não se executam
isoladamente, mas com a colaboração ativa do processo evolutivo da própria
natureza.

Prossegue esclarecendo o autor que existem três teorias para a correta


caracterização da atividade agrária: a Agrobiológica, de Carrera; a da Agrariedade, de
Carrozza e a da Acessoriedade, de Vivanco, sendo que a primeira destaca o processo
agrobiológico como essencial para caracterizar a atividade agrária, enquanto a segunda,
rejeitando os conceitos anteriores, tem como característica essencial da atividade agrária sua
sujeição aos ciclos biológicos da natureza. O que não ocorre com as demais atividades, que se
desenvolvem independentemente das variações climáticas. Por seu turno, a Teoria de
VIVANCO, na interpretação do artigo diz que:
O critério da acessoriedade consiste em verificar se a atividade agrária
desenvolvida exerce a função principal na utilização da terra, deixando as
atividades de transformação e venda como complementares. Assim, tem-se a
qualificação da atividade como agrária. Caso contrário, tornando-se a
atividade agrária meio para se atingir as atividades de transformação e venda,
a atividade desempenhada é industrial ou comercial.

Por outro lado, o Prof. Dr. Benedito Ferreira Marques, in Direito


Agrário Brasileiro (MARQUES, 2001, p. 9), relaciona três aspectos fundamentais da
atividade agrária, comentando o magistério de Gischkow (GISCHKOW, 1988, p. 1):

1.º Atividade imediata, tendo por objeto a terra, considerada em sentido lato,
abrangendo a atuação humana em relação a todos os recursos da natureza;
2.º Os objetivos e instrumentos dessa atividade, compreendendo a
preservação de recursos naturais; a atividade extrativa de produtos
inorgânicos e orgânicos; a captura de seres orgânicos (caça e pesca) e a
produtiva (agricultura e pecuária); e
3.º Atividades conexas, como o transporte de produtos agrícolas, os processos
industriais e as atividades lucrativas, ou seja, o comércio propriamente dito.

Dos conceitos acima colocados, verifica-se que não é pacífica a


definição do que se entende por atividades agrárias, sendo que, a aceitar-se o conceito de
138

SODERO, as atividades de “caça”, “pesca” e “mineração”, por exemplo, não seriam


atividades agrárias, enquanto que no entendimento mais amplo do Professor Benedito
estariam perfeitamente inclusas no conceito.
Tal definição há de se transferir para a fase de execução da receita
orçamentária da Contribuição Social em tela, bem como na regulamentação de quais
atividades poderão ser beneficiadas com os recursos vinculados da citada contribuição.
Deste modo, cada município deve definir de forma clara as ações que
podem ser desenvolvidas com os recursos da conta corrente da contribuição social sobre a
propriedade rural, a fim de evitar desvios de finalidade do tributo vinculado.

6.7 Desenvolvimento Rural-Urbano


Vários trabalhos de fôlego já foram desenvolvidos no sentido de
analisar a nova “face” do meio rural brasileiro (SILVA, 1996)43, em especial quanto à
crescente integração entre o meio rural e o urbano e às atividades agrárias e não agrárias que
vêm sendo incorporadas ao dia-a-dia do campo, podendo citar-se como exemplo das primeiras
a criação de avestruzes e das segundas o acompanhamento, via satélite, do funcionamento das
colheitadeiras informatizadas.
O Professor José Graziano (SILVA, 2001), em Palestra proferida na
Escola Politécnica em São Paulo, assim aborda a questão:

Mostramos que um número crescente de pessoas que residem em áreas rurais estão
hoje ocupadas em atividades não-agrícolas. Os dados da PNAD de 1999 mostram
que dos quase 15 milhões de pessoas economicamente ativas no meio rural
brasileiro (exceto a região Norte), quase um terço – ou seja 4,6 milhões de
trabalhadores - estavam trabalhando em ocupações rurais não agrícolas (ORNA),
como serventes de pedreiro, motoristas, caseiros, empregadas domésticas, etc. Mais
importante que isso: as ocupações não agrícolas cresceram na década dos 90 a uma
taxa de 3,7% ao ano – mais que o dobro da taxa de crescimento populacional do País
(ver tabela 1). Enquanto isso, o emprego agrícola, em função da mecanização das
atividades de colheita dos nossos principais produtos, vem caindo cada vez mais
rapidamente, a uma taxa de –1,7% ao ano. Nossas projeções indicam que a continuar
nesse ritmo, no ano 2014 a maioria dos residentes rurais do País estarão ocupados
nessas atividades não-agrícolas. Em alguns estados, como São Paulo, isso já deve
estar ocorrendo neste ano 2001.

Tabela 10. Evolução da população do Brasil(a) no período 1981 e de 1992 a 1999.

Milhão (pessoas) Taxa de crescimento (% ao ano)


1981 1992 1996 1999 1981/92 1992/99 1996/99
Urbano 85,20 113,40 122,40 127,80 2,60*** 1,70*** 1,40***
Ocupados (b) 31,70 46,50 50,40 52,80 3,60*** 1,80*** 1,50**
Agrícola 2,60 3,70 3,40 3,40 3,30*** -1,60*** -0,20
Não Agrícola 29,10 42,90 47,00 49,30 3,60*** 2,00*** 1,60***

43
Sobre o assunto veja: SILVA, Graziano da, O novo rural brasileiro. In: XXIV ANPEC, Águas de Lindóia,
Dez, 1996.
139

Rural 34,50 32,00 31,70 32,60 -0,70*** 0,20*** 1,10**


Ocupados 13,80 14,70 13,90 14,90 0,60*** -0,20*** 2,10**
Agrícola 10,70 11,20 9,90 10,20 0,40*** -1,70*** 0,40
Não Agrícola 3,10 3,50 4,00 4,60 1,20*** 3,70*** 6,10**

Total 119,70 145,40 154,00 160,30 1,80*** 1,40*** 1,30**


Fonte: Tabulações especiais das PNAD de 1981 e de 1992 a 1999, Projeto Rurbano, novembro 2000.
Notas (a) não inclui as áreas rurais da região Norte, exceto Estado de Tocantins;
(b)
PEA restrita, que exclui os não remunerados que trabalham menos de 15 horas na semana e os que se
dedicam exclusivamente ao autoconsumo.

Acresça-se a estes dados o fato de que muitos produtores rurais são,


também, empresários urbanos ou, em entendimento inverso, muitos dos empresários e
comerciantes urbanos possuem fortes ligações na zona rural, investindo seus ganhos na
atividade agrária, configura-se, aparentemente, uma interligação entre o rural e o urbano que
transcende os frios dados estatísticos.
Surge deste modo, um novo conceito de rural, a reclamar uma atenção
maior das autoridades públicas, uma vez que os reflexos das políticas de desenvolvimento de
um e outro trazem conseqüências para o crescimento econômico e social do município como
um todo. Neste quadro, a criação de uma fonte importante de recursos, vinculados ao
desenvolvimento rural, que reveste-se de importância no setor agrário, no setor urbano e no
crescimento da receita do produtor rural, como uma maior movimentação da economia
urbana, em face da integração acima demonstrada.
7 A DESCENTRALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA E ADMINISTRATIVA COMO
PREMISSA CONSTITUCIONAL
A proposta de descentralização tributária da tributação da terra e o
aumento da participação dos entes subnacionais nas ações de desenvolvimento rural implicam
um referencial doutrinário que desborda nos conceitos de federação, descentralização e a
aplicação do princípio da subsidiariedade.
O Brasil, por determinação constitucional, adotou o sistema federativo
de governo, embora esta formação tenha se dado de maneira centrífuga, ou seja, a formação
das unidades federadas partiu de uma “escolha” do poder central, que transformou as antigas
províncias imperiais em Estados e Territórios, quando da primeira Constituição Republicana
de 1891.
Na Constituição de 1988, o legislador constituinte, como já referido
anteriormente, encontrou-se entre o dilema de uma prática centralizadora adotada durante
décadas pelo Estado Brasileiro, com todo o potencial de pressão do Executivo Federal sobre
os parlamentares e os princípios federativos estabelecidos com sistema imutável de governo
pelo Brasil.
140

Tal dilema se observa claramente na repartição das competências


legislativas previstas nos arts. 22 e seguintes da Carta Constitucional, onde, embora presente a
clara intenção de privilegiar o pacto federativo, o legislador constitucional reservou à União a
maioria esmagadora das competências legislativas, concentrando o poder no órgão central em
detrimento dos demais entes federativos e, desta maneira, desequilibrando a justa repartição
de atribuições e poder que caracteriza o sistema federativo.
Ao mesmo tempo, contrariando a prática dos demais países
constituídos sob a forma de federação, elegeu os municípios como entes federativos,
tripartindo o sistema e atribuindo a estes autonomia e igualdade ao demais componentes da
federação.
A bem da verdade há se ressaltar que este movimento centralizador
não é prerrogativa do Brasil e se constitui em um problema que atinge também outras
federações, inclusive a dos Estados Unidos, tida como modelo de sistema federativo, mas que,
ultimamente, principalmente em razão de segurança, vem atribuindo ao poder central
competências antes exclusivas dos Estados federados, centralizando na Presidência da
República decisões que afetam a autonomia daqueles entes federados.
Há que se considerar, ainda, como referência histórica, que os Estados
Nacionais, via de regra, já passaram por duas fases distintas de atuação, partindo do que se
convencionou chamar de “liberalismo”, onde se pregava a atuação mínima do poder estatal,
deixando-se ao mercado e à sociedade a regulação de suas necessidades, em pretenso respeito
às liberdades individuais, até ao estabelecimento de Estados Sociais, onde a característica
principal era o intervencionismo e a regulação do tecido social, como forma de prover as
necessidades e desigualdades provocadas pela atividade econômica privada.
Ambos os sistemas se revelaram danosos, criando, o primeiro, a
desigualdade social e de renda entre os mais fortes e os mais fracos e, o segundo, o
exarcebado crescimento do aparelho estatal, inviabilizando a realização do “Estado de bem
estar social” que se pretendera criar, gerando ineficiência e burocracia, além de onerar de
forma insuportável os cidadãos, diante da necessidade de cada vez mais recursos para manter
os benefícios e empresas estatais criadas para regular o mercado.
Diante deste quadro, surgem novas tendências de redução do tamanho
do Estado, sem abrir mão das conquistas sociais obtidas durante o Estado Social, as quais se
denominaram genericamente e depreciativamente de tendências neoliberalistas.
Porém, o novo Estado que se procura formar no mundo tem
características próprias, não se atendendo ao “capitalismo selvagem” do liberalismo nem ao
141

intervencionismo da Social-Democracia, mas antes procurando implementar os conceitos do


princípio da subsidiariedade, trazidos da doutrina católica para o campo político,
administrativo e social (TORRES, 2001).
A Constituição Federal de 1988 e a nova ordem democrática que ela
inaugurou, embora não se baseie expressamente no princípio da subsidiariedade, como fez o
“Tratado de Maastricht”, como ficou conhecido o Tratado da União Européia, acolheu seus
fundamentos básicos, descentralizando a atividade estatal entre os diversos entes da federação
e atribuindo, em vários dispositivos, à sociedade civil competências próprias dos governos
locais, regional e federal.
No campo tributário, a reforma do Sistema Tributário Nacional
sinalizou de forma evidente para uma melhor distribuição das competências tributárias entre
os níveis de governo, aumentando a participação dos municípios na capacidade tributante,
com a criação do Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISS) e o desmembramento do
antigo imposto sobre a transmissão de bens imóveis, de competência dos Estados, em dois
tributos, o ITCD, de competência estadual, e o ITBI, de competência municipal.
Por outro lado, aumentou a participação dos municípios no montante
da arrecadação federal, com a criação dos Fundos de Participação dos municípios (e também
dos Estados), aos quais pertence expressivo percentual das receitas decorrentes da
arrecadação do Imposto de Renda e do IPI (art. 158 da Constituição Federal).
Pelo quadro constante do Anexo 6, verifica-se que as receitas próprias
representam em torno de 35% (trinta e cinco por cento) da receita total dos municípios, sendo
certo que os 12 (doze) municípios com mais de 01 milhão de habitantes representam, segundo
dados do Tesouro Nacional: 53,4% da Receita de IPTU; 61,9% da Receita de ISS; 45,0% das
transferências de IPVA.
Portanto, excluindo-se os grandes municípios, que possuem uma
estrutura de arrecadação melhor formatada, os demais têm na arrecadação tributária própria
um percentual bastante reduzido de suas receitas totais, permanecendo na dependência das
transferências constitucionais de Estados e União.
No campo administrativo, a descentralização também foi expressiva,
em especial nas esferas das atividades de educação e saúde, aonde os municípios vem
assumindo cada vez maior fatia das atribuições da União e dos Estados e, neste pormenor, se
expressa claramente o princípio subsidiário da atividade estatal, pois as ações não foram
simplesmente transferidas para a esfera inferior de governo, mas existe um compartilhamento
de ações dos três níveis, com controles dos recursos repassados e avocação das funções onde
142

o município não se revele suficiente para atender às demandas sociais, o que revela a
mudança de foco da atividade estatal para o objetivo da ação, não importando que pratica o
ato administrativo necessário para sua consecução.
Na administração tributária, porém, a descentralização não ocorreu
conforme a intenção do legislador constitucional. Ao contrário, mesmo nos tributos de
competência dos entes subnacionais, a União procurou centralizar as ações e competências,
inclusive legislativas, como é exemplo o ISS, cuja norma geral editada pelo legislador federal
quase esgota a possibilidade legislativa dos Municípios, da mesma forma que, quanto ao
ICMS, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) se tornou ente normativo das
legislações estaduais.
Da mesma forma que a União, aproveitando-se da disposição
constitucional que lhe atribui à competência privativa de instituir e/ou majorar contribuições
sociais (não vinculadas à repartição das receitas tributárias). Tem aumentado sua participação
(destas contribuições) no total das receitas tributárias, em detrimento da diminuição do
montante do Imposto de renda e do IPI, aos quais se concedem isenções e redução de
alíquotas por parte da União, reduzindo, deste modo, a participação dos Estados e municípios
na arrecadação federal.
No entanto, tais ações contrariam as modernas técnicas de
interpretação constitucional44, ao agir a União em confronto com o que estabelece a Magna
Carta, que elege a descentralização e a co-participação dos entes federados como princípios
implícitos.
É o que se presume da interpretação da Constituição, enquanto
unidade normativa, assim como por sua interpretação conforme a Constituição, dois dos
princípios de interpretação que visem dar efetividade ao texto Constitucional, como norma
superior do ordenamento jurídico brasileiro.
No que tange à Contribuição Social sob exame, sua criação e
instituição visa atender aos reclamos constitucionais, ao mesmo tempo em que atende aos
impositivos da descentralização tributária desejada pelo legislador constitucional (e burlada
pela União), e consoante os imperativos da descentralização administrativa e da eficiência,
também intuída na Magna Carta.
Sua aplicação atribui sua instituição ao ente federado mais apto a
exercer a competência tributária que tem por objeto o imóvel rural, ao mesmo tempo em que
44
Entre os princípios adotados para interpretação da Constituição, deve-se observar: a presunção do legislador
racional, a preservação da unidade da constituição, a harmonização dos bens constitucionalmente protegidos, a
observação da lealdade ao texto constitucional, a preservação da unidade e da força normativa da constituição e,
principalmente, da observação da interpretação conforme a constituição.
143

retira da União a administração de um tributo para o qual não possui estrutura adequada e
descentraliza esta administração entre os mais de 5.000 municípios brasileiros, os quais já
possuem aparelhos fiscais voltados para a fiscalização e arrecadação do IPTU, de presença
muito semelhante à nova contribuição social.

7.1 O princípio da Subsidiariedade no Direito


Público
O princípio da subsidiariedade tem sua matriz, na opinião da maioria
dos autores, na Doutrina Social da Igreja Católica, embora alguns a enxerguem na Grécia
Antiga, mas, na verdade, foi a Igreja Católica quem deu ao princípio sua concepção mais
moderna, segundo opinião de Sílvia Torres (TORRES, 2001).
Sua definição, embora já freqüentasse as encíclicas papais anteriores
de forma implícita, foi expressa na Encíclica Quadragésimo Anno,do Papa Pio XI, que em seu
item nº 79, estabelece (TORRES, 2001):

Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a
própria iniciativa e trabalho, para confiá-lo à comunidade, do mesmo modo passar
para uma comunidade maior e mais elevada o que comunidades menores e inferiores
podem realizar é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O
fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destruí-
los nem absorvê-los.

A autora esclarece, ainda, que outros textos pontifícios posteriores


solidificaram o princípio, elegendo-o como princípio fundamental de justiça e transcreve
trecho do parágrafo 48 da Encíclica Centésimo Anno, do Papa João Paulo II, que reafirma o
princípio nos seguintes termos (TORRES, 2001):

...uma estrutura social de ordem superior não deve interferir na vida interna de um
grupo social de ordem inferior, privando-a de suas competências, senão que deve
apoiá-la em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar sua ação com os demais
componentes sociais, com vistas ao bem comum.

Assim, acolhido como premissa social pela doutrina cristã, o princípio


da subsidiariedade ingressou no direito público de forma quase natural, como norteador do
sistema de distribuição de competências e administração, principalmente nos Estados
Federativos, mas também, de certa forma, nos Estados unitários, pela distribuição de
atribuições.
No direito público, o conceito de subsidiariedade vincula-se de forma
estrita aos conceitos de justiça e de liberdade, ao pregar o direito de liberdade de iniciativa dos
indivíduos em relação à comunidade; desta em relação aos entes sociais (sociedades e
144

instituições); destas sociedades em relação aos entes locais e, da mesma forma, destes em
relação aos entes regionais e estes aos nacionais.
Quanto ao conceito de justiça, o princípio da subsidiariedade o adota
em sentido de negação, ao caracterizar como injustiça querer que os indivíduos, os grupos
sociais a que pertencem e os entes políticos subnacionais renunciem à sua capacidade de
iniciativa em favor dos subsídios fornecidos pelo ente central, mesmo que as ações do ente
nacional sejam melhores do que aquelas produzidas com seu próprio esforço.
Ao mesmo tempo, o princípio da subsidiariedade em nada se
assemelha à doutrina liberal do século XIX, que tinha como dogma a liberdade individual e a
autoregulação do mercado, decorrendo em desequilíbrio e exploração dos mais fracos.
Ao contrário, o princípio da subsidiariedade funda-se no respeito à
iniciativa dos entes inferiores, mas, ao mesmo tempo, como o próprio nome esclarece,
determina que o ente maior deva oferecer ao menor um subsidium, que, em sua raiz
etimológica, quer dizer ajuda, amparo, “complemento”.
Deste modo, cabe ao aplicador do direito encontrar o equilíbrio
correto entre as ações que o ente maior deva fazer, quando o ente menor não as possa realizar
ou não as realize com a mesma eficiência e o respeito e fomento à iniciativa particular, para
que esta venha a realizar a ação para a qual tenha ou possa vir a ter capacidade.
No campo fático, o princípio da subsidiariedade teve sua existência
positivada no Tratado Constitutivo da União Européia, também conhecido como Tratado de
Maastricht, cujo artigo 3B assim se traduz (TORRES, 2001, p. 195):

A comunidade atuará nos limites das atribuições que lhe são conferidas e dos
objetivos que lhe são cometidos pelo presente Tratado.
Nos domínios que não sejam de suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém
apenas, de acordo com o princípio da subsidiariedade, se e na medida em que os
objetivos da ação encarada não possam ser suficientemente realizados pelos
Estados-membros, e possam, pois, devido à dimensão ou aos efeitos da ação
prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário.
A ação da Comunidade não pode exceder o necessário para executar os objetivos do
presente Tratado.

No Brasil, a recepção do princípio da subsidiariedade pela


Constituição Federal de 1988 é evidente, embora de forma um tanto tímida, quando se
observa a repartição de competências estabelecida pelos arts. 21 a 24 da Carta
Constitucional.
É certo que os arts. 21 e 22, ao reservar à União a maioria das
atribuições e competências (54 incisos), ainda manteve um certo “ranço” centralizador,
acompanhando a tendência das décadas anteriores, mas, há que se reconhecer que os arts. 23 e
145

24, ao instituírem competências comum e concorrente entre os entes da federação, e, nestas,


determinar que a competência da União se limita à edição de normas gerais, agasalhou o
princípio da subsidiariedade, valorizando a atuação local em face da atuação regional ou
nacional.
Em outra análise mais abrangente da Constituição Federal, pode-se
afirmar que o princípio da subsidiariedade se encontra presente, igualmente, na repartição das
competências e receitas tributárias, na distribuição da organização judiciária e da polícia, na
descentralização administrativa das ações privativas do poder público e mesmo na
organização do Estado, que inseriu, de modo inovador nas sociedades modernas, o município
como ente federativo dotado de autonomia política, econômica, tributária e legislativa.
No que tange à descentralização das ações administrativas, basta
recordar o cabedal de siglas que determinavam as ações sociais dos governos anteriores, todas
de âmbito nacional, como a Legião Brasileira de Assistência (LBA), a Fundação Nacional de
Saúde (FNS), o Banco Nacional da Habitação (BNH), o Instituto Nacional de Assistência
Médica e Previdência Social (Inamps), o Incra e tantos outros em confronto com o disposto na
Carta Magna, que, à exceção do Incra, estruturou a assistência social como atribuições dos
entes locais, agindo apenas como fomentador de recursos e controle fiscal, através da criação
de Conselhos Paritários de nível nacional, estadual e municipal, com competências distintas.
Da mesma forma, as ações de saúde e educação, amparo ao menor e
cultura têm, na Constituição, diretrizes de cooperação entre os entes políticos e a sociedade, a
exemplo do disposto nos arts. 197 e 198, III; 205 e 206, IV; 227, § 1º e 216, § 1º,
respectivamente.
Quanto à questão da repartição das competências tributárias, é
evidente que o legislador constituinte procurou dotar os entes subnacionais de recursos
tributários próprios para exercerem suas autonomias plenas.
No entanto, em relação à distribuição dos impostos patrimoniais, em
que o princípio da subsidiariedade e a experiência internacional determinam uma clara
aptidão dos entes locais para instituir e administrar o tributo, o legislador não soube resistir às
históricas influências dos grandes latifundiários e oligarquias do Brasil e manteve o ITR sob a
competência da União, o que se revelou extremamente ineficaz, talvez como queriam estas
mesmas “forças ocultas”, para evitar a tributação de seus patrimônios.
A aplicação do princípio da subsidiariedade, no campo tributário em
geral e da tributação da terra em especial, ao transferir o poder tributante sobre a propriedade
rural da União para os municípios, bem como vincular suas receitas ao desenvolvimento rural,
146

de forma a garantir sua eficácia e retorno, sob a forma de subsidium, aos mesmos
contribuintes que o compuseram, atenderia ao entendimento constitucional mais moderno,
além de possibilitar a eficácia da extrafiscalidade da exação.
De acordo com a análise dos principais problemas e contornos
estabelecidos para a sugerida Contribuição Social sobre a Propriedade Territorial Rural, de
competência municipal. Verifica-se sua perfeita consonância com o princípio da
subsidiariedade, pois tal arcabouço jurídico, ora proposto, remete ao ente local a efetiva
possibilidade de implementar não só uma nova e importante fonte de recursos, aumentando
sua autonomia em face dos entes regional e nacional, mas efetivamente aplicar e subsidiar o
desenvolvimento rural local, com todas suas características e peculiaridades.
Mais ainda, em face da gestão participativa da sociedade na definição
das políticas públicas planejadas e executadas com a receita tributária decorrente da
contribuição, nasce, para o Município e a comunidade, a possibilidade de explorar sua própria
capacidade de autogestão, de fomento ao desenvolvimento e ao progresso, bem como de
identificação do nível ideal de carga tributária, suficiente para manter o ritmo de crescimento
e reduzir as desigualdades sociais, das quais o País tanto padece.
8 A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL COMO CONTROLE DA NOVA
TRIBUTAÇÃO DA TERRA
Analisando-se criticamente as evoluções sofridas pelo País nos
últimos 20 anos e a agradável contradição que hoje se vive, da crise política e “blindagem” da
economia, para usar o termo popular para designar a boa performance do Brasil no campo
econômico e a ausência de influência da crise política sobre os indicadores econômicos.
Verifica-se, no entanto, que o Brasil vem se transformando em uma sociedade que preza o
trabalho, a honestidade e é dotada de princípios de responsabilidade capazes de levar o País a
uma posição de destaque no mundo.
Segundo Ridlewski et Martino (2005), foi à revolução silenciosa de
costumes, da cultura, de práticas empresariais e de fortalecimento das instituições, que
limitaram a possibilidade de governantes produzirem “desastres econômicos” como fora feito
no passado (RIDLEWSKI et MARTINO, 2005, p. 58/66).
Estas mudanças e fatos tornaram o País mais confiável ao
investimento externo e menos suscetíveis de influência às crises políticas ou sociais do
momento.
Ao se considerar as iniciativas e práticas correntes no Brasil do
passado, que causaram recessão, inflação, endividamento público e desconfiança dos
investidores, como congelamentos ou tabelamento de preços; protecionismo e subsídios
147

fiscais; confisco de moeda e bens; emissão descontrolada de moeda; endividamento acelerado


de governos e estatais e manipulação cambial, pode-se observar que o principal problema do
Brasil era a irresponsabilidade fiscal com que governantes dos três níveis tratavam o erário.
Segundo os autores, que ouviram especialistas e os 50 (cinqüenta)
maiores empresários do País, a partir do final dos anos 80 medidas importantes, no campo
econômico e fiscal, tornaram o Brasil “um pouco mais sério”, limitando a atuação dos
governantes de ingressar em aventuras econômicas e aumentando a responsabilidade fiscal
dos gestores públicos.
Apenas para citar alguns exemplos, no campo econômico deu-se a
abertura da economia, a privatização das estatais e o controle da inflação a partir do Plano
Real e, no campo fiscal, a preservação do Tesouro Nacional, com o fim da possibilidade dos
bancos públicos de pagar suas dívidas com recursos do Erário, sem contrapartidas. E,
principalmente, a publicação da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101,
de 04 de maio de 2000), que atingiu todas as esferas de governo, seja da administração direta,
seja da indireta.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, a par de estabelecer princípios de
gestão fiscal responsável, até então não adotados pelos administradores brasileiros em sua
maioria, fixou limites de endividamento público e dos gastos públicos, instituiu controles
orçamentários e fiscais prévios e, acima de tudo, iniciou a cultura da transparência das contas
públicas, ao padronizar os demonstrativos fiscais de todos os entes públicos, suas autarquias,
fundações e empresas públicas.
Pela primeira vez, também, os controles fiscais foram estendidos a
todos os poderes do Brasil, Executivo, Judiciário e Legislativo.
Por fim, a amarrar o cumprimento de suas regras, foi editada a Lei
nº 10.028, de 19 de outubro de 2000, que alterou o Código Penal, a Lei nº 1.079, de 10 de
abril de 1950, que trata dos crimes de responsabilidade e o Decreto-lei nº 201, de 27 de
fevereiro de 1967, que dispõe sobre a responsabilidade de Prefeitos e Vereadores,
estabelecendo dispositivos de sanção criminal aos maus administradores públicos.
Iniciada com a votação, em 1998, do Programa de Estabilidade Fiscal,
a LRF baseou-se em várias experiências internacionais, em especial na formatação do Tratado
de Maastrich, que definiu a Comunidade Européia, do Budget Enforcement Act, dos Estados
Unidos e, em especial, a experiência da lei de responsabilidade fiscal votada na Nova
Zelândia, a Fiscal Resposibility Act (TAVARES et al, 1999).
148

Apresentado o Anteprojeto da LRF em dezembro de 1998, sua


tramitação foi rápida, considerando o ritmo do Congresso Nacional, sendo aprovada em
pouco mais de um ano e meio, em abril de 2000. (?).
Criticada por doutrinadores e governantes, principalmente pelo fato de
impor limites de gastos com pessoal, o que foi tachado de inconstitucional e quebra do pacto
federativo, a verdade é que a lei mudou a face da administração pública brasileira nestes
últimos cinco anos.
Também sua repercussão na sociedade foi acima do esperado para
uma lei extremamente técnica e de difícil compreensão, o que se pode constatar por uma
simples pesquisa na rede mundial, onde a expressão “lei de responsabilidade fiscal” retornou
245.000 (duzentos e quarenta e cinco mil) referências.
Sua menção tornou-se justificativa dos governantes para corte de
gastos e negativa de contratação e a imprensa a alega sempre que surgem denúncias de mau
uso do dinheiro público.
A Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe aos municípios, pela primeira
vez na história do País, instrumentos obrigatórios de planejamento fiscal, orçamentos reais e
prestações de contas efetivamente fiscalizadas, quase em tempo real, pelos órgãos de controle
e pela sociedade.
Seus reflexos ainda estão sendo sentidos, com variações de Estado
para Estado, de Tribunal para Tribunal de Contas, mas já se pode apontar resultados
expressivos, como a diminuição dos gastos com pessoal pelos governos municipais, a
diminuição do nível de endividamento interno e externo e um melhor planejamento das ações
políticas, pela exigência da LRF de cumprimento das metas fiscais colocadas na Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO), no Plano Plurianual (PPA) e nas Leis Orçamentárias Anuais
(LOA), segundo dados do Tesouro Nacional (BRASIL, 2004).
Do exposto, resta evidente que a LRF inaugurou uma nova ordem
fiscal no País, obrigando gestores públicos a agirem mais racionalmente com os recursos
públicos, o que se pode inferir da simples leitura de alguns dispositivos da lei:
Art. 1º -
§ 1º A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e
transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o
equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados
entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a
renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras,
dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de
receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar (grifamos).

Art. 9o - Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá


não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal
149

estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público


promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias
subseqüentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os
critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias (grifamos).

Art. 12 - As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais,


considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços,
do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão
acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da
projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de
cálculo e premissas utilizadas. (grifamos)
Art. 15 - Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao
patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não
atendam o disposto nos arts. 16 e 17.
Art. 16 - A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que
acarrete aumento da despesa será acompanhado de:
I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que
deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;
II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação
orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com
o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Como se pode observar, a lei estabelece critérios extremamente


técnicos de previsão da receita e da despesa, além de criar instrumentos de verificação e
acompanhamento da realização das mesmas. Além disso, responsabiliza pessoalmente o
ordenador da despesa, ao fazê-lo declarar expressamente a adequação financeira e
orçamentária do ato ao plano plurianual e à lei orçamentária.
Releva destacar que, antes da Lei de Responsabilidade Fiscal, os
Orçamentos Anuais e os Planos Plurianuais eram peças de ficção, elaborados apenas com
base nas expectativas de gasto do gestor, que estimava as obras que pretendia fazer e depois
estabelecia que iria auferir tais receitas, sem qualquer respaldo na realidade de seus recursos
próprios ou transferências constitucionais ou voluntárias.
A partir da publicação da lei, a previsão de receitas devia obedecer a
normas técnicas e basear-se nos últimos três exercícios, conforme disposição expressa de seu
art. 12, além de fazer-se acompanhar da metodologia de cálculo utilizada, obrigando o gestor
público a, efetivamente, limitar sua previsão de receitas à realidade e, de conseqüência,
provisionar despesas dentro dos limites da receita prevista, tendo de exercer a opção entre as
despesas mais necessárias e possíveis e prestar contas de sua realização.
Observe-se, ainda, que o ordenador de despesa assume
responsabilidade pessoal pela adequação financeira e orçamentária do aumento de gastos (art.
16, II).
Por fim, relevante para a “amarração” da responsabilidade fiscal à
efetiva instituição, cobrança e arrecadação da sugerida Contribuição Social sobre a
Propriedade Territorial Rural é o disposto no art. 11 da LRF, que estabelece:
150

Art. 11 - Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a


instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência
constitucional do ente da Federação.
Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que
não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.

No entanto, embora o caput do dispositivo acima imponha a efetiva


cobrança dos tributos de sua alçada, infelizmente a lei não instituiu sanção efetiva pelo
descumprimento da norma (o que nem seria necessário em razão do princípio da legalidade e
da moralidade), fazendo-o apenas em relação aos impostos, conforme definido no parágrafo
único do artigo.
Deste modo, para dar à contribuição social as mesmas garantias de
efetividade dos impostos, há que se encaminhar ao legislativo federal, assim como feito com
as demais propostas, Projeto de Lei Complementar que altere o art. 11, § único, da Lei
Complementar nº 101/2000, dotando-o da seguinte redação:

Art. 11 - .....
Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o
ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos e à
contribuição social prevista no art. 156-A da Constituição Federal, devendo o
ente recebedor do recurso comprovar junto ao ente transferidor a previsão de
arrecadação do tributo nos últimos três exercícios e o lançamento tributário
correspondente, admitida uma variação não superior a 25% (vinte e cinco por
cento).

Alterada a LC nº 101/2000 da forma acima, estar-se-ia criando


critérios específicos de aferição da atividade fiscal de Estados e municípios, contribuindo para
o aumento de sua arrecadação própria e a maior realização do princípio federativo.
Com uma menor dependência dos entes subnacionais das
transferências obrigatórias, estes teriam maior autonomia e independência na realização de
suas atividades, evitando-se situações como a ocorrida no último decênio do mês de setembro
de 2005, quando as transferências constitucionais aos municípios foram reduzidas em 2/3
(dois terços), causando inadimplência e corte de despesas essenciais anteriormente previstas
para muitos destes municípios.
Por outro lado, a possibilidade de perder transferências de recursos
originados em convênios com a União ou os Estados, bem como com suas Autarquias e
Fundações, faria com que os municípios tornassem efetiva a arrecadação da nova
contribuição, gerando importante fonte de divisas para o financiamento do desenvolvimento
rural.
151

8.1 A ineficiência fiscal dos Prefeitos: realidade ou


mito?
O principal questionamento que se faz ao aumento da competência
tributária dos municípios centra-se na alegação de que falta vontade política aos titulares dos
Executivos municipais, principalmente dos de população inferior a 50.000 habitantes, em
cobrar de seus cidadãos e eleitores os tributos por estes devidos.
Segundo Bremaeker (BREMAEKER, 2003, p. 15), a distribuição das
receitas próprias municipais de 1998 a 2002, em confronto com as transferências obrigatórias
recebidas da União e dos Estados, a participação das receitas próprias ainda é insuficiente
para atender as necessidades dos entes municipais, enquanto as transferências dos demais
entes respondem por mais de dois terços da receita total.

Tabela 11. Distribuição das receitas próprias municipais de 1998 a 2002, em confronto com as transferências
obrigatórias recebidas da União e dos Estados.

Receitas Arrecadação e Transferências


Municipais 1998 1999 2000 2001 2002
Total 42.993,00 47.424,00 53.615,00 60.730,00 70.380,00
Receita tributária 14.153,00 14.989,00 16.011,00 17.855,00 20.616,00
Municipal

Transferência da União 11.393,00 13.223,00 14.387,00 16.165,00 20.181,00


Fdo participação dos 10.417,00 11.663,00 12.816,00 15.024,00 18.595,00
municípios
Imposto Territorial Rural 103,00 121,00 115,00 95,00 94,00
Demais transferências 873,00 1.439,00 1.456,00 1.046,00 1.492,00

Transferências dos 17.447,00 19.212,00 23.217,00 26.710,00 29.583,00


Estados
Circulação Mercadorias 15.222,00 16.971,00 20.570,00 23.567,00 26.081,00
Pr. Veículos automotores 2.225,00 2.241,00 2.647,00 3.143,00 3.502,00
Fonte: Ministério da Fazenda (Brasil, 2003) & Diário Oficial da União (1999 a 2003).

Como se observa da tabela 11, embora a receita própria dos


municípios venha crescendo, em números absolutos, o ganho efetivo, descontada a inflação, é
irrisório ou negativo. Por outro lado, há que se considerar que a tabela acima expressa a
situação global dos municípios pesquisados, sendo que o quadro se deteriora à medida que
diminui o contingente populacional do município pesquisado.
É o que se observa dos dados colacionados pelo Tesouro Nacional na
Planilha: Perfil e Evolução das Finanças Municipais (1998–2003), da qual se extraem as
seguintes informações (BRASIL, 2004):

Tabela 12. Perfil e evolução das finanças municipais no período entre 1998 a 2003.
152

Discriminação Amostra de 3.215 municípios


1998 1999 2000 2001 2002 2003
Total
Arrecadação 17.445,00 18.893,00 21.531,00 23.869,00 28.380,00 32.426,00
própria
Receita de transferências 32.568,00 36.600,00 43.215,00 48.858,00 55.160,00 59.142,00
Percentual sem 0,54 0,52 0,50 0,49 0,51 0,55
transferências (%)
População >1.000.000
Arrecadação 8.998,00 9.489,00 10.770,00 11.803,00 13.282,00 15.027,00
própria
Receita de transferências 7.793,00 8.998,00 10.679,00 11.622,00 12.791,00 13.954,00
Percentual sem 1,15 1,05 1,01 1,02 1,04 1,08
transferências (%)
1.000.000>população>300.000
Arrecadação 3.084,00 3.556,00 3.886,00 4.245,00 5.150,00 5.641,00
própria
Receita de transferências 4.763,00 5.393,00 6.317,00 7.107,00 7.521,00 8.425,00
Percentual sem 0,65 0,66 0,62 0,60 0,68 0,67
transferências (%)
300.000>população>50.000
Arrecadação 3.707,00 4.017,00 4.756,00 5.386,00 6.846,00 8.071,00
própria
Receita de transferências 9.058,000 10.181,00 12.105,00 13.987,00 15.833,00 17.202,00
Percentual sem 0,41 0,39 0,39 0,38 0,43 0,47
transferências (%)
300.000>população>50.000
Arrecadação 1.655,00 1.832,00 2.119,00 2.435,00 3.102,00 3.687,00
própria
Receita de transferências 10.954,00 12.028,00 14.113,00 16.142,00 19.015,00 19.561,00
Percentual sem 0,15 0,15 0,15 0,15 0,16 0,19
transferências (%)
Fonte: Dados colacionados pelo Tesouro Nacional (Brasil, 2004).

Analisando-se os dados acima, verifica-se que a alegação de que os


Prefeitos Municipais não arrecadam os tributos de sua competência decorre da situação dos
municípios com até 50.000 habitantes, cujo percentual de participação das receitas próprias
em relação às transferências constitucionais gira em torno de 15% (quinze por cento).
Ao passo em que os municípios grandes e médios têm uma
participação muito mais elevada, chegando a mais de 100% (cem por cento) no caso dos
Municípios com mais de 1.000.000 de habitantes.
Isto demonstra que os municípios com melhor estrutura fiscal e com
uma cultura de fiscalização já implantada não são tão dependentes dos recursos transferidos
nos termos da Constituição Federal e, presume-se, menos ainda quanto às transferências
voluntárias, uma vez que sua arrecadação própria é suficiente para manter a máquina
administrativa e os programas sociais.
Resta, assim, a realidade da grande maioria dos municípios brasileiros,
nos quais se faz necessário a implementação de critérios de modernidade e eficiência,
suplantando os conceitos atrasados que ainda vigoram em muitos rincões do País.
153

Para tanto, é preciso investir em informações e divulgar experiências


bem sucedidas de aumento da arrecadação própria, com conseqüente aumento do
investimento em políticas públicas.
Mas, só isto não é suficiente, sendo necessário que a lei obrigue, de
certa forma, ao efetivo aproveitamento dos recursos tributários do ente subnacional, sob pena
de se configurarem graves ofensas aos princípios constitucionais da capacidade contributiva,
da igualdade e da moralidade, ao tributar alguns em detrimento de outros que teriam, em tese,
maior capacidade e dever de contribuir com sua parcela para o bem comum.

8.2 A ação da sociedade, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas


Considerando a adequação do princípio da subsidiariedade ao sistema
federativo brasileiro, como instrumento de justiça e liberdade dos municípios de nortearem
seus próprios destinos, em especial no campo da atividade agrária, uma vez que dotados de
recursos próprios e competência legislativa plena para tanto;
Apreciando, ainda, que a realização de tal desiderato só se faz possível
à vontade política dos governantes locais em aparelhar seus sistemas de fiscalização e exercer
a plenitude da atividade fiscal na obtenção dos recursos determinados pela nova lei;
Há que se reconhecer a dificuldade de se mudar comportamentos e
atitudes, em especial da Administração Pública, muita vez já viciada em seus elementos
internos, pelo comodismo, pela falta de qualificação e pela corrupção.
Realizar, assim, tais mudanças, implica não só a edição de leis e
regulamentos, mesmo punitivos, pois os mesmos podem, como se diz popularmente, “não
pegar”, se faltar vontade ao Estado e à sociedade de exigir o cumprimento da norma legal,
como também exercer uma fiscalização efetiva da sociedade, do Ministério Público e dos
controles interno e externo do Poder Executivo.
Neste sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal, mesmo nova em
nosso ordenamento jurídico, pode ser incluída no rol das leis que “pegaram”, haja vista o
significativo aumento das contas de gestores públicos rejeitadas pelos Tribunais de Contas e o
clamor popular que se levanta a cada proposta de mitigação da lei fiscal.
Não se está aqui a defender de maneira intransigente a LRF, até
porque se acredita ser a mesma eivada de erros e inconstitucionalidades, principalmente no
que tange às ofensas ao pacto federativo (ADI 2250 MC/DF e determinação pela União dos
percentuais de despesas de pessoal aos demais entes da federação).
154

No entanto, qualquer alteração que se faça deve ser realizada após


exaustivo esforço de pesquisa e larga consulta popular, para se evitar que o espírito da norma
não se aquebrante e a motivação da sociedade em sua defesa não se amenize. Para que tal não
aconteça, faz-se necessário uma firme atuação do Estado e da comunidade no sentido de
coibir os atos ilegais ou lesivos ao patrimônio público, feitos pela Administração.
Em relação à atuação dos Tribunais de Contas, as próprias alterações
implementadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, no que toca à forma de apresentação e
apreciação das contas já significaram essenciais avanços em relação à forma anterior, onde as
contas eram apresentadas em balanços anuais que demoravam anos para serem apreciados e
julgados.
Neste sentido, cabe destacar que o art. 54 da LRF estabelece que os
gestores e poderes das três esferas de poder devem emitir Relatório de Gestão Fiscal (RGF),
contendo:
I - comparativo com os limites de que trata a LRF, dos seguintes montantes:
a) despesa total com pessoal, distinguindo a com inativos e pensionistas;
b) dívidas consolidada e mobiliária;
c) concessão de garantias;
d) operações de crédito, inclusive por antecipação de receita;
e) despesas de que trata o inciso II do art. 4o;
II - indicação das medidas corretivas adotadas ou a adotar, se ultrapassado qualquer
dos limites;
III - demonstrativos, no último quadrimestre:
a) do montante das disponibilidades de caixa em trinta e um de dezembro;
b) da inscrição em Restos a Pagar, das despesas:
1) liquidadas;
2) empenhadas e não liquidadas, inscritas por atenderem a uma das condições do
inciso II do art. 41;
3) empenhadas e não liquidadas, inscritas até o limite do saldo da disponibilidade de
caixa;
4) não inscritas por falta de disponibilidade de caixa e cujos empenhos foram
cancelados;
c) do cumprimento do disposto no inciso II e na alínea b do inciso IV do art. 38.

O Relatório de Gestão Fiscal deverá ser publicado no prazo de trinta


dias após o encerramento do período a que corresponder, com amplo acesso ao público,
inclusive por meio eletrônico, na exata dicção do parágrafo 2º do art. 55.
Deste modo, dada a tecnicidade de elaboração do Relatório de Gestão
Fiscal previsto na lei, sua confecção obriga os gestores a planejar e demonstrar suas ações
fiscais, melhorando sua capacidade administrativa.
Outro instrumento de controle orçamentário que teve sua força
revigorada foi o Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO), previsto no art. 52
da LRF, pois o mesmo deve ser publicado a cada trinta dias após o bimestre de encerramento
155

e, mais importante, deve conter o balanço orçamentário e o demonstrativo de execução das


receitas e despesas, além de ser acompanhado por demonstrativos de apuração:

I - apuração da receita corrente líquida, na forma definida no inciso IV do art. 2o,


sua evolução, assim como a previsão de seu desempenho até o final do exercício;
II - receitas e despesas previdenciárias a que se refere o inciso IV do art. 50;
III - resultados nominal e primário;
IV - despesas com juros, na forma do inciso II do art. 4o;
V - Restos a Pagar, detalhando, por Poder e órgão referido no art. 20, os valores
inscritos, os pagamentos realizados e o montante a pagar.

Por fim, cabe ressaltar que o trabalho dos Tribunais de Contas passou
a ser mais preventivo, cabendo a estes emitir parecer prévio sobre as contas prestadas, no
prazo de 60 dias do recebimento das contas pelo Tribunal (ou 180 dias no caso de cidades
com menos de 200 mil habitantes), bem como alertar os órgãos e poderes estabelecidos no art.
20 da lei quando os limites de despesas com pessoal, comprometimento da dívida mobiliária,
consolidada, operações de crédito e garantias ultrapassarem 90% ou se as receitas previstas
não forem suficientes para o atendimento das metas fiscais, ou, ainda, se os gastos com
inativos estão acima do limite ou qualquer outro fato que possa comprometer a execução
orçamentária.
Com uma fiscalização e um controle mais efetivo e real sobre suas
contas, os ordenadores de despesas passam a ter, necessariamente, maior responsabilidade
fiscal e orçamentária, fazendo com que o dinheiro público seja mais bem utilizado, o que
garantiria uma melhor gestão dos recursos da contribuição sobre a propriedade rural ora
sugerida, se praticada, ao uso dos municípios.
Também em relação ao planejamento fiscal, quanto à atuação dos
pequenos municípios (menos de 50.000 habitantes), estabelece a lei que os mesmos passam, a
partir de 2005, a ter de elaborar o Anexo de Política Fiscal do Plano Plurianual, o Anexo de
Metas Fiscais e o Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias e o
demonstrativo da compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos e metas
constantes do Anexo de Metas Fiscais, aos quais não estavam obrigados, por força do
disposto no art. 63 da LRF.
Somente a atuação dos Tribunais de Contas não é suficiente para uma
correta fiscalização das ações da Administração e dos demais poderes municipais, sendo que,
somente com a participação da sociedade e do Ministério Público é que se poderá exercer um
controle real sobre a corrupção e o desvio de recursos públicos nos municípios.
Neste sentido, releva destacar a participação da sociedade organizada
nas audiências públicas que a lei prevê, nos Conselhos Paritários dos mais variados naipes
156

(saúde, educação, assistência social, criança e adolescente, segurança, cultura, etc.) e no


acompanhamento da publicação dos resultados orçamentários do município.
Em relação aos Conselhos Paritários, há esse se destacar que a
legislação prevê, na maioria dos casos, como as ações públicas não poderão ser tomadas sem
a aprovação destes conselhos, a qual dá ao particular um poder de veto e análise que não pode
ser desprezado, como ocorre na maioria dos municípios.
Outro tipo de controle societário que vem surgindo com muita
freqüência e que tem demonstrado um alto grau de resultado são as Associações de
Moradores voltadas para a análise e acompanhamento do desempenho fiscal e político dos
Executivos municipais.
Estas associações tiveram sua origem na iniciativa do consultor
Antoninho Marmo Trevisan de, em associação com outros moradores do município de
Ribeirão Bonito, em São Paulo, criar a Amigos Associados de Ribeirão Bonito (AMARRIBO,
organização ao governamental destinada a fiscalizar as contas do Município.
Os membros da Amarribo, revoltados com os indícios de fraudes na
Administração Municipal, resolveram associar-se e debruçar-se sobre as contas públicas,
confrontando-as com as obras efetivamente realizadas. Em poucos meses o Prefeito
Municipal foi cassado e o município ingressou em virtuoso processo de desenvolvimento,
graças ao constante monitoramento pela Associação dos atos públicos.
Com base nesta e em outras experiências similares, o BNDES passou
a divulgar uma cartilha de experiências municipais, que foi enviada a todas as prefeituras do
País e pode ser acessado pela rede mundial de computadores, por iniciativa da Transparência
Brasil, associada à Transparência Internacional, entidade dedicada exclusivamente ao
combate da corrupção (TRANSPRÊNCIA BRASIL, 2005).
Do exposto, destacam-se a responsabilidade compartilhada entre
executores públicos, entidades de controle e sociedade para uma correta aplicação dos
recursos públicos. Esta atuação concatenada e transparente é suficiente para determinar o
sucesso das ações políticas escolhidas, fazendo com que, no caso específico da nova
contribuição social, sua implementação venha a alavancar o desenvolvimento rural em
especial e da sociedade local como um todo.
157

CONCLUSÃO
A realidade social de um País com as dimensões continentais que o
Brasil apresenta, e com a diversidade cultural e social que seu povo expressa de norte a sul, ao
mesmo tempo em que se revela como uma força pujante de possibilidades e crescimento
dificulta sobremaneira uma análise globalizada de seus aspectos em relação a um determinado
tema “Desenvolvimento Rural”. Em relação ao desenvolvimento rural não é diferente.
O Brasil é um País de contrastes fortes no campo, onde:
a) a desigualdade fundiária é
evidente, com poucos proprietários detendo a maioria das terras,
ao passo que grande massa de trabalhadores e pequenos
proprietários sobrevivem com dificuldade;
b) empresas rurais, que
demonstram a força da tecnologia de ponta em máquinas guiadas
por satélites e bovinos gerados pela engenharia genética,
convivem ao lado de lavouras rudimentares que produzem com
técnicas do início do século passado;
158

c) o meio ambiente se faz


vítima de uns e de outros, comprometendo o futuro das próximas
gerações;

Definir um caminho de desenvolvimento sustentável tornou-se, assim,


condição essencial para a solução da grave crise social que se apresenta pelo confronto entre o
agronegócio e os movimentos sociais de sem-terra, tendo como agravantes o acelerado
processo de devastação ambiental e a importância da economia rural para a balança comercial
brasileira.
Há que se considerar, ainda, que a pesada divulgação, pela mídia, dos
sucessos e conquistas do agronegócio, pode levar a crer que o País caminha para se tornar
uma potência agrária, ocultando o fato de que a estabilidade do crescimento rural não se pode
basear, exclusivamente, nas grandes empresas rurais, mas que a experiência internacional
revela que é na agricultura familiar e no associativismo que reside a fortaleza da economia
agrária.
Tal divulgação mascara, ainda, o fato de que ainda não atingimos,
nem de longe, os índices de produtividade e eficiência de outros países produtores, em
especial nos fatores extra campo (infra-estrutura, crédito e escoamento), bem como existe
uma fantástica reserva de áreas ainda não produtivas a serem exploradas.
Sob estas premissas, verificou-se a existência de uma série de
“limites” ao desenvolvimento rural, sendo que os três principais são a carência de assistência
técnica e extensão rural (principalmente aos pequenos produtores), a falta de recursos
financeiros para financiar a reforma agrária e fomentar o desenvolvimento e a criação de
infra-estrutura e o descontrole administrativo do Estado na formulação de políticas adequadas
ao desenvolvimento rural.
Enfocando especificamente a questão da obtenção de recursos para o
fomento do desenvolvimento rural e os mecanismos de controle para garantir que estes
recursos sejam efetivamente direcionados para estas ações, concluiu-se que o atual Imposto
sobre a Propriedade Territorial Rural, de competência da União, não é adequado, sob o ponto
de vista teórico e prático, para o cumprimento dessas finalidades, contrariando, inclusive, sua
natureza de tributo patrimonial, cuja eficácia está condicionada a um acompanhamento muito
mais pessoal e constante, o que não é característica do ente político central.
O autor, baseado na conclusão anterior, levantou a tese de que a
destinação constitucional do ITR como imposto da União confronta o modelo federativo
159

estabelecido como fundamento do Estado e se coloca contrário às premissas constitucionais


de descentralização tributária e administrativa.
Também restou demonstrado que outros países vêm adotando o
princípio da subsidiariedade como premissa de atuação do Estado, com referência especial ao
modelo adotado pela Comunidade Européia, através do Tratado de Maastricht, a qual
positivou o princípio da subsidiariedade como fundamento de atuação da Comunidade, na
realização das ações políticas, onde o respeito à liberdade do indivíduo e da sociedade de
realizar as ações de que é dotado de capacidade, mesmo que com dificuldades, complementa-
se ao entendimento de que cabe ao ente maior dar os subsídios necessários para que estas
ações se realizem, mesmo que este ente superior tenha de realizá-las por determinado tempo,
até que o ente inferior possa assumí-las por sua própria força.
Do mesmo modo, foi destacado o sucesso das ações participativas
entre as três esferas de governo e entre estas e a sociedade, nos programas de atendimento das
necessidades de educação e saúde do Estado (Fundef e Sus), com a realização de atividades
conjuntas e participativas entre os diversos segmentos da sociedade e dos diversos níveis de
governo, naquelas ações que interessam tanto ao ente local como ao regional e ao nacional.
Elaborou-se, com fundamento nas conclusões acima expostas,
proposta de extinção do ITR, em sua configuração atual, bem como a proposta de instituição
de um novo tributo, em substituição ao ITR, cuja natureza seja de contribuição social e cuja
receita tributária seja vinculada às ações voltadas para o desenvolvimento rural.
Para atender aos princípios acima colocados (federativo,
descentralização e subsidiariedade), bem como em atenção à sua qualidade de tributo
patrimonial, naturalmente destinado ao ente local, estabeleceu-se para a contribuição proposta
a competência institucional dos municípios, como forma de possibilitar a eficácia de sua
arrecadação e facilitar a destinação de sua receita às atividades a ela vinculadas, considerando
as especificidades de cada região e de cada município.
A proposta de instituição da Contribuição Territorial Rural Municipal,
ora em tela, tem por finalidade atender ao comando constitucional de redução das
desigualdades fundiárias do País, ao tornar efetiva a progressividade do tributo, em razão da
melhor aptidão dos executivos municipais em cadastrar, avaliar, fiscalizar e cobrar o tributo
sobre as propriedades rurais de seu território.
Necessário se faz alterar profundamente o enfoque atual e crítico da
Reforma Agrária, ao dividir propriedades improdutivas a custos altíssimos e criar pequenas
propriedades que não conseguem se sustentar social e economicamente.
160

Da mesma forma, não pretende a proposta de reforma tributária e


agrária em tela afastar a eficácia das ações de desapropriação de propriedades improdutivas,
para fins de reforma agrária, as quais continuaram a ser implementadas pela União, mas sim
auferir recursos financeiros necessários e suficientes para alavancar o desenvolvimento
agrário do País, recursos estes que deverão ser aplicados, obrigatoriamente, nas ações de
desenvolvimento do setor agrário do Município, por força da vinculação das suas receitas
tributárias, definida em lei.
Como forma de dar efetividade à tese proposta, foram elaboradas
minutas de projetos de emenda à Constituição Federal; projeto de lei federal para a instituição
de normas gerais, projeto de alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal e sugestão de minuta
de projetos de lei municipal, para a instituição da Contribuição sobre a Propriedade Territorial
Rural, a serem encaminhados ao legislativo federal e às associações de municípios, cabendo à
vontade política destes legisladores discutir, reformar e votar as propostas apresentadas.
Ao final, foi demonstrado que as alegações de que as administrações
municipais não têm interesse político na efetiva instituição e arrecadação dos tributos
próprios, embora escoradas em uma realidade fática e histórica, não se coadunam mais com a
atual realidade do Estado Brasileiro, principalmente após a implementação de um estado de
responsabilidade fiscal que vem se instalando no Brasil, gradativamente, com a publicação da
Lei de Responsabilidade Fiscal.
As estatísticas e fatos apresentados demonstram que os Municípios
que aparelharam de forma eficaz suas administrações tributárias melhoraram sua arrecadação
própria, passando a depender menos das receitas transferidas por outros entes da federação,
sejam obrigatórias ou voluntárias.
Também foi demonstrado que a sociedade e os órgãos de fiscalização
da atividade administrativa do Estado estão mais atentos aos desvios existentes nestas ações,
sejam por incompetência, sejam por dolo e que agora possuem instrumentos efetivos de
controle, consubstanciados pelos diplomas normativos aprovados no âmbito do programa de
responsabilidade fiscal instalado a partir de 1998.
Do exposto, releva a potencialidade que a tese levantada neste
trabalho de pesquisa pode representar para alterar a face do desenvolvimento agrário no País,
criando condições financeiras para melhorar a autonomia dos Municípios frente aos demais
entes da federação, alavancando o desenvolvimento agrário regional e local, com respeito às
especificidades locais e ao meio ambiente e, principalmente, possibilitando que os gestores
161

públicos, em especial dos pequenos Municípios, atinjam sua maioridade administrativa e


fiscal.
Conclui o estudo pela viabilidade de implantação da tese de extinção
do Imposto Territorial Rural e pela criação, via emenda constitucional, de uma nova
Contribuição Social sobre a Propriedade Territorial Rural, de competência dos Municípios,
tendo sua receita tributária vinculada ao desenvolvimento agrário do Município instituidor.
Conclui o trabalho que a adoção da proposta acima estaria adequada
aos princípios constitucionais da descentralização administrativa e legislativa, ao princípio
federativo e ao princípio universal da subsidiariedade, encontrando-se, ainda, em sintonia com
as mais modernas formas de Estado existentes atualmente.
Conclui, por fim, que tal tese não confronta com o programa de
reforma agrária atualmente adotada, mas lhe acrescenta novos instrumentos de efetivação, ao
melhorar a economia local e nacional, tornar efetivo o instituto da progressividade da
tributação da terra, fomentar a capitalização da agricultura familiar e auferir recursos que
podem ser utilizados para o financiamento da aquisição de terras pelos agricultores familiares,
amenizando a pressão pela desapropriação forçada.
Abre, do mesmo modo, alternativas de linhas de pesquisa a serem
desenvolvidas por futuros trabalhos de pesquisa científica, em face do ineditismo da proposta
e dos questionamentos que naturalmente surgem pelas alterações constitucionais exigidas,
pelo envolvimento dos setores sociais agrários e pelas implicações para a vida e o cotidiano
das administrações locais e da sociedade em geral.
162
163

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