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RESUMO
Este artigo apresenta uma reflexão acerca da imagem que a enfermeira faz dela própria e da ausência de
sexualidade nesta. Fez-se interpretação cultural da temática, aplicando-se metodologia qualitativa. Coletou-se
dados através da técnica de grupo focal, em oito sessões, com catorze enfermeiras de uma universidade públi-
ca. A questão: Como é a imagem da enfermeira para mim? conduziu à construção destes dados. Revelou-se a
quase total ausência de sexualidade na representação que as enfermeiras fazem delas próprias. Depreendeu-se
que, em enfermagem, as normas culturais existentes estão veladamente presentes. Controlam e disciplinam pos-
turas individuais, limitam diferenças e uniformizam o grupo.
RESUMEN
Este artículo presenta una reflexión sobre la imagen que la enfermera hace de ella propia y la ausencia
de sexualidad en esta. Se hizo interpretación cultural de la temática aplicándose metodología cualitativa. Se
recolectó datos a través de la técnica de grupo focal, en ocho secciones, con catorce enfermeras de una uni-
versidad pública. La cuestión: ¿cómo es la imagen de la enfermera para mí? condujo a la construcción de
estos datos. Se reveló la casi total ausencia de sexualidad en la representación que las enfermeras hacen
de ellas propias. Se concluyó que, en enfermería, las normas culturales existentes están veladamente pre-
sentes. Controlan y disciplinan posturas individuales, limitan diferencias y uniformizan el grupo.
ABSTRACT
This article presents a reflection about the image that the female nurse makes of herself and the lack
of sexuality in this image. The cultural interpretation of the theme has been carried out by means of the quali-
tative methodology. Data have been collected through the technique of the focal group, in eight sessions with
fourteen nurses of a public university. The question: how do I see the nurse image? led to the construction
of these data. It has been revealed almost total lack of sexuality in the image nurses have of themselves. A
conclusion has been drawn that, in Nursing, the existing cultural rules are veiled. They control and disci-
pline individual attitudes, limit differences and level up the group.
a
Doutora pelo Programa Interunidades da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Profª Adjunta do Departamento de Enfer-
magem da Universidade Federal de Santa Maria.
b
Doutora, Profª Associada da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Orientadora do Programa Interunidades
de Doutoramento em Enfermagem da Universidade de São Paulo.
Ressel LB, Gualda DMR.Reflexiones sobre la sexualidad velada en la Ressel LB, Gualda DMR. Reflections about the vealed sexuality in the
imagen de la enfermera [resumen]. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre nurse image [abstract]. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2005
(RS) 2005 dez;26(3):414. dez;26(3):414.
Ressel LB, Gualda DMR. Reflexões sobre a sexualidade velada na imagem
da enfermeira. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2005 dez;26(3):414-24.
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lidade. Dizem que através da exaltação aos Participaram deste estudo catorze en-
passos da técnica e ao rigorismo que a com- fermeiras (07 docentes e 07 assistenciais) da
põe é possível manipular o corpo do outro Universidade Federal de Santa Maria, no
sem a possibilidade de prazer(16,18). Rio Grande do Sul (UFSM). A composição
Dessa forma a robotização de atitudes, dos dois grupos deu-se aleatoriamente atra-
a impessoalidade, a disciplina, tudo que mas- vés de convite. Os critérios de seleção foram:
sifica as tarefas e, ainda, o controle dos ges- ser enfermeira e estar atuando, no período da
tos, do sentimento, das emoções e do seu pró- pesquisa, no Departamento de Enfermagem da
prio corpo, funcionam como estratégias para UFSM, ou no Hospital Universitário de San-
interiorizar um determinado comportamento. ta Maria (HUSM), pois estes são locais on-
Assim, a denegação de sua sexualidade de nossos alunos vivenciam grande parte de
se transmite e se vitalícia na extensão da prá- sua formação acadêmica, e instigava a dou-
tica e da formação da enfermeira, nas peque- toranda a conhecer como o tema em estudo
nas e corriqueiras situações da vida dela(16-18). estava sendo tratado ali por enfermeiras.
Outros estudos mencionam esta idéia re- Este interesse foi conduzido com base
ferindo-se ao espaço hospitalar, no qual as no conceito de socialização secundária de es-
práticas se sustentam sobre uma espécie de tudo antropológico(22), que explica este como
código de ação. Neste espaço, os serviços de é um processo de interiorização de valores,
enfermagem, tem sido influenciados por um regras e normas do submundo institucional, ou
recurso normatizador através do controle às seja, o tornar-se enfermeira é uma construção
qualidades morais e aos rituais (técnicas) exer- social e cultural singular, e tal conformação
cidos. As autoras entendem que tais ações se dá ao longo da vivência institucional de
disciplinadoras se estendem na formação das cada sujeito.
enfermeiras para além do aspecto profissio- A participação das enfermeiras no refe-
nal, atingindo sua vida pessoal e se perpe- rido trabalho deu-se livremente, de forma vo-
tuando nas inter-relações, principalmente na- luntária, após assinarem o termo de consenti-
quelas de controle dos aspectos da sexuali- mento informado, concordando em participa-
dade(19-21). rem e garantindo seu anonimato. Estivemos
atentas ao cumprimento das disposições da
3 O CAMINHO PERCORRIDO resolução n. 196/96, do Ministério da Saúde,
na qual estão descritas as diretrizes e as nor-
Neste artigo trazemos um recorte da te- mas que regulamentam os processos inves-
se de doutorado Vivenciando a sexualidade tigativos que envolvem seres humanos, para
na assistência de enfermagem: um estudo não violar preceitos éticos(23).
na perspectiva cultural(4), onde a sexualida- Os dados da tese foram coletados prio-
de é entendida como o resultado de uma cons- ritariamente através da técnica do grupo fo-
trução histórica, social e cultural singular, que cal e complementados através de entrevistas
se integra e se manifesta através da rede de individuais no período de março a junho de
significados do grupo social em que os indi- 2002.
víduos vivem, possibilitando toda expressão O grupo focal é uma técnica que tem
relativa ao sexo. sido utilizada com bastante frequência na
O objetivo da referida tese foi compre- Antropologia, Ciências Sociais, Mercadologia
ender de que forma a sexualidade, condicio- e Educação em Saúde, sendo apropriada às
nada culturalmente, era vivenciada na práti- pesquisas qualitativas que objetivam explorar
ca de assistência de enfermagem pelas enfer- um foco, ou seja, um ponto em especial. De-
meiras. senvolve-se através de grupos de discussão
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profissional. Então, trilha seu caminho pro- As características as quais nos referi-
curando alcançar os objetivos propostos. mos, trazem uma semelhança com o caráter
Num outro conjunto, agrupamos carac- missionário. Nele, a enfermagem se apoiou pa-
terísticas consideradas inatas a toda boa en- ra se estabelecer como um patrimônio público
fermeira, que, segundo um estudo da enfer- feminino, através de submissão à rigidez das
magem se assemelhariam a um pré-requisito normas e das condutas; com a aceitação das
da mulher ao nascer, que a qualificaria no fu- regras do jogo; com a não contestação ao es-
turo para essa profissão(16). Dentro da catego- tabelecido; com a prontidão para servir; com
rização Vocacional encontramos: dar conta de o controle de sentimentos e emoções(16); e, tam-
tudo; correr contra o tempo; vivenciar desa- bém, orientando a enfermeira para ser meiga
fios cotidianos; dispensar carinho e atenção em e servir por altruísmo(30).
todos os seus momentos de trabalho, a seus Entendemos que tais características se
colegas e pacientes; ter estrutura emocional encontram ainda internalizadas na enferma-
para atuar em determinadas áreas críticas, não gem enquanto instituição social, sendo repro-
se permitindo expressar sentimentos pessoais; duzidas através dos valores e normas cultu-
ser promotora de esperança, segurança e se- rais, e, embora novos valores venham se so-
renidade para os pacientes; buscar a grati- brepor buscando estreitar as relações com o
ficação pessoal na recuperação dos sujeitos universo da globalização cultural, há enrai-
cuidados; doar-se, esquecendo-se muitas ve- zado ainda este sentido cultural, numa pro-
zes de si mesma; ser alegre, disposta e per- porção variável a cada sujeito e de acordo
sistente; gostar do que faz; vencer limitações com seu contexto de vivência pessoal e pro-
e dificuldades. fissional.
Estas características foram apresenta- O quinto grupo de características acerca
das por recortes de revistas tais como: fi- da imagem da enfermeira apontou para uma
guras com mulheres ou homens cuidando ou categoria que pode ser definida como Gênero.
protegendo crianças; cadeira de rodas deno- Neste agrupamento foram arroladas caracte-
tando as limitações e dificuldades a superar; rísticas que mostraram a imagem da enfermei-
relógios demarcando a corrida contra o tem- ra como mulher, pertencente a uma profissão
po e o dar conta de tudo, significando a tare- quase exclusivamente feminina, caracterizada
fação executada na enfermagem(16); um cora- pela subalternidade, e onde a presença mascu-
ção recuperado indicando a gratificação pes- lina é também concebida numa situação de
soal com a recuperação do paciente; expres- submissão; como uma pessoa que busca evo-
sões faciais exibindo emoções e sentimentos luir, crescer pessoal e profissionalmente, que
de tranqüilidade e paz; e um cartaz com Cha- atua num contexto público, mas possui limi-
plin significando a proteção aos fracos, a lu- tada e contida sua representação neste ce-
ta e a combatividade do cotidiano da enfer- nário.
meira. Os objetos utilizados para expressar os
Nesta perspectiva, é vista a representa- significados de subalternidade, submissão,
ção do ideal vocacional da enfermeira, que limitação e contenção foram: um balão pron-
traduz um pouco do que é referido em tese to para subir, mas contido; uma marca de
de doutorado da área da enfermagem acer- uma pegada na terra representando o futu-
ca do significado da palavra vocação, que ro com figuras ao redor, simbolizando dog-
era apreendido ao longo do curso de enfer- mas e crenças do passado que ainda condicio-
magem e na vivência do internato na escola nam as enfermeiras; e ainda uma jóia repre-
de enfermagem no início do século XX, no sentando a necessidade de valorizar a enfer-
Brasil(16). magem.
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da enfermeira. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2005 dez;26(3):414-24.
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