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O SER HUMANO E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA: DUAS PERSPECTIVAS

A experiência religiosa traz elementos importantes para o conhecimento da complexidade do


ser humano, tanto na perspectiva teológica quanto na perspectiva fenomenológica.
Teologicamente, o ser humano é compreendido como um ser chamado ao diálogo com Deus.
Para a fenomenologia, a experiência religiosa é fundamental para compreender o significado
que o sujeito que crê concede à sua vida.

Perspectiva fenomenológica: a experiência religiosa

Entremos agora no campo de conhecimento da fenomenologia da religião. Nessa área


epistemológica, a experiência religiosa – categoria explicitada por Rudolf Otto, em sua famosa
obra O sagrado, 1917 – está no fundamento da compreensão das religiões e do sujeito que
crê. Parte-se do pressuposto de que tal experiência é significativa para quem a vive, e o
estudioso deve buscar esse significado. Dentro dessa perspectiva, situa-se o romeno
Micea,Eliade, para quem o sagrado é uma experiência primordial, autêntica, enraizada nas
dimensões humanas mais profundas, no homo religiosus.

A experiência religiosa estaria relacionada, fundamentalmente, a um sentimento, para além e


mais profundo do que o pensamento especulativo. Até se poderia falar de uma espiritualidade
“essencial”, constante em todas as religiões. O primeiro termo presente no mundo das
religiões é Deus, palavra de origem indo-europeia(do sânscrito div-) que significa luz,
esplendor, dia. Essa palavra não nasce de uma especulação ou filosofia, mas de “uma
experiência, um sentimento, até uma emoção diante da grandeza do mundo e do mistério que
o envolve”(TERRIN, 2003,P.91). Os diferentes tipos de espiritualidade e de religião se originam
nos diferentes sentidos que se atribuem à transcendência de Deus, ao Absoluto.

Rudolfo Otto relacionou a experiência do transcendente ao sentimento de criaturalidade, ou


seja, o sentimento de ser criatura finita e limitada, que percebe que a vida é maior do que
todas as experctativas e que, para além de toda expectativa, está o Outro do qual dependemos
e ao qual estamos submisso. Não é necessário nomear esse Outro; basta o sentimento do
limite, da criaturalidade.

Além desse primeiro sentimento originário, encontram-se na experiência religiosa dois


outros sentimentos, cooriginários e de sentido oposto, diante do sagrado: o tremendum e o
fascinans.

O tremendum é expressão latina que indica o momento em que tememos o sagrado. Não se
trata de um medo como o experimentado em uma situação ameaçadora, mas de temor, com
valor positivo, vindo daquilo que é imenso e poderoso diante do pequeno e impotente. O
fascinans é o momento em que se experimentam alívio, alegria e encontro na experiência
religiosa. O sagrado exerce fascinação e atração irresistíveis.

Quando se estuda a religião sob o ponto de vista do sujeito que vive a experiência religiosa, é
possível observar que existem experiências comuns, para além dos fatos culturas particulares.
Valores religiosos, como Deus, a esperança, o amor, as obras concretas da caridade, a oração
ou a confiança, são compartilhados por mundos religiosos diferentes. Dessa forma, a
experiência religiosa autêntica, realizada pelo sujeito religioso que deseja encontrar-se com o
divino, é fonte de uma certa dependência mútua entre as religiões e aqueles que as vivenciam.
Isso mostra que a tolerância é uma exigência interna às religiões, e não apenas fruto da
determinação extrínseca de diálogo inter-religioso.

A experiência religiosa não se situa apenas em um nível íntimo e pessoal, como se pode
erroneamente imaginar. Ela recebe a influência e ao mesmo tempo influencia também outros
elementos, como: valores culturais, autocompreensão do sujeito e sua compreensão da vida,
forma com que se estabelecem as relações históricas concretas do sujeito com os demais e
com as suas realidades, relações ecológicas.

Poucos são os temas tão dignos de atenção para compreender o sujeito que crê e, talvez,
para compreender a vida humana quanto a experiência religiosa, a experiência de Deus. Tal
experiência redireciona a existência do crente, que passa a ser orientada em direção à
Presença percebida, que dá sentido e valor à vida. Essa experiência não se dá necessariamente
em uma religião(pense em você mesmo). Mas toda verdadeira religião se constrói em torno
dessa experiência originária de haver sido “visitado” por Deus.

Perspectiva teológica: a experiência cristã de Deus.

Tendo visto a experiência religiosa em perspectiva fenomenológica, passamos agora à


perspectiva teológica.

A noção do ser humano, na perspectiva do pensamento cristão, é construída ao longo de


centenas de anos, no Ocidente. Nos pontos anteriores foram realizadas tentativas de explicar
essas noções básicas a partir de categorias teológicas bastante atualizadas.

Essa noção, como foi visto no ponto anterior, seguindo o teólogo Garcia Rubio, enfatiza o
valor do ser humano como pessoa, isto é, como Ser, ao mesmo tempo único e relacional.
Como ser único, ele é chamado à autonomia, à liberdade responsável, à autorrealização.
Como ser relacional, ele vai para além de si mesmo, é aberto às relações com o mundo, com os
demais, com a natureza e, em sentido último, com Deus, principio e fim de toda a realidade e
desenvolvimento humanos. É importante não separar esses dois aspectos, pois eles estão
inter-relacionados.

O ser humano é ele mesmo nas relações que ele estabelece. É preciso observar bem as
palavras em grifo nessa frase e buscar compreender a expressão, já apresentada no ponto 6.
Quem a compreender estará bem próximo da sabedoria da tradição judeu-cristã sobre a
pessoa humana.

Em perspectiva teológica, a relação com Deus, uma das relações humanas fundamentais, é
parte integrante da realização pessoal. A experiência religiosa cristã levou à afirmação de que
todo ser humano é aberto ao dom do amor de Deus. Mesmo que a gratuidade do amor de
Deus seja uma realidade presente no mundo e em toda a criação, ela atinge, no ser humano,
uma importância única, pois, nele, esse amor poder ser acolhido livremente. E pode também
não ser acolhido, uma vez que o ser humano é livre para isso. O ser humano é, assim, um
interlocutor de Deus. Esse fato concede ao ser humano uma dignidade ímpar, resumida na
expressão bíblica segundo a qual o ser humano é criado “à imagem e semelhança de Deus”
(Gênesis 1,27). Como conseqüência dessa dignidade, há a exigência de relações de respeito e
reciprocidade para com todos e todas.

O ser humano perfeito, paradigmático para os cristãos, é Jesus, confessado como o Cristo (em
embraico o “Messias”, ou ungido de Deus). Em suas palavras e ações, segundo a experiência
de fé cristã, o amor de Deus foi plenamente mostrado, revelado. Por isso, o cristão vê em
Cristo o modelo de vida a ser seguido, modelo que ilumina como devem ser a relação com os
demais, especialmente os mais pobres, a relação consigo mesmo, com a natureza e com Deus
Pai.

Dessa forma, a experiência Cristã de Deus está intrinsicamente relacionada com a vida
humana em todas as suas dimensões, não apenas a religiosa. Os grandes místicos cristãos
testemunham essa integralidade da experiência de Deus.

A experiência religiosa é muito importante para a religião cristã e, diríamos, para todas as
religiões, pois resgata e preserva o sentido que as origina. Esse sentido é muitas vezes
encoberto pelo peso instituicional e pelas complexidades históricas. A experiência religiosa
originante é como uma fonte, à qual é necessário voltar, a cada momento histórico, sob o
risto de as religiões tornarem-se ressequidas e, com elas, a própria autocompreensão da
pessoa humana.

Bibliografia

CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à


fenomenologia da religião. São Paulo: Paulinas, 2001. P. 41-79.

OTTO, Rudof. O sagrado. São Leopodo/Petrópolis: Sinodal, EST/Vozes, 2007.

RUBIO, Alfonso Garcia. Elementos de antropologia teológica. Salvação cristã: salvos de que e
para que? Petrópolis:Vozes, 2004. P.109-115.

TERRIN, A.N. Antropologia ehorizontes do sagrado: culturas e religiões. Sâo Paulo: Paulus,
2004. P. 334-344.

_________ . Introdução ao estudo comparado das religiões. Sâo Paulo: Paulinas, 2003. P.91-93.

Webliografia

Bay, Dora Maria Dutra. O sagrado: fascínio e terror. Disponível em :<

http:// WWW.cfh.ufsc.br/~ducgt/TextoCaderno 61.pdf>

Neste texto será possível conhecer um pouco mais sobre a obra O sagrado, de Rudolf Otto.

Reflexão pessoal

Volte àquilo que Rudolfo Otto chama de sentimento de criaturalidade, ou seja, o sentimento
de ser criatura finita e limitada, que percebe que a vida é maior do que todas as expectativas e
que, para além de toda expectativa, está o Outro do qual dependemos e ao qual estamos
submissos. Não é necessário nomear esse Outro; basta o sentimento do limite, da
criaturalidade. E, também, o sentimento diante do sagrado, tremendum et fascinans, imenso e
atraente. Você percebe em si esse sentimento? Quando ele se faz presente?

Procure na Internet a imagem da escultura barroca “O êxtase de Santa Tereza” de Bernini.


Procure relacionar o que é retratado na escultura com o que foi visto da experiência religiosa
como experiência

Debate

A experiência religiosa, sendo cristã ou não, mobiliza a pessoa em todas as suas dimensões.
Entreviste pessoas que pautam sua vida pela fé em algo maior e transcendente ( atenção: essa
pessoa pode não ter uma religião específica) e pergunte-lhe algo de sua história de vida,
opções de trabalho, relações familiares, construção de caminhos de transformação. Leve o
resultado para o debate em sala de aula.

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