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CYAN MAGENTA AMARELO PRETO TAB IDÉIAS 1

JORNAL DO BRASIL Sábado, 23 de fevereiro de 2008 ideias@jb.com.br

Idéias&Livros
Carlos Vergara Ex-maldita
Álbum do artista plástico celebra Márcia Denser, uma das melhores
a loucura e a liberdade do carnaval escritoras brasileiras, desvela carrossel
de rua carioca nos anos 70 de paixões e devassidões
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KIKO

O gato
da FLIP
Primeiro escritor a confirmar presença na Festa
Literária Internacional de Paraty, em julho, o
argentino Tomás Eloy Matínez fala sobre literatura e
sobre o lançamento do livro ‘A mão do amo’, em que
bichanos são alegorias de ambiente repressivo

Mariana Filgueiras Carmona, um cantor de voz ab- ma-roupa, uma colega). problemas na disseminação da Durante meu exílio, tinha a ilusão
soluta que nunca alcança o sucesso. – Todas as minhas novelas são cultura entre os países. de que o Brasil era um país para
Depois de acordar no meio da Muito por conta do ambiente em bastante distintas. Esta, então, é a O escritor reconhece que os onde poderia ir, se tivesse pro-
noite com um monte de gatos que vive: uma mãe castradora, que mais distinta. Mas em todas pode-se clichês ainda persistem. Martínez blemas. A ditadura aí parecia mais
invadindo seus sonhos, o escritor não faz senão exigir seu primor; o ver a questão da família. E também lembra que muitos editores con- branda, menos sangrenta do que
Tomás Eloy Martínez rabiscou: “O pai, reflexo do autoritarismo ma- a do medo, bastante presente. Ou fundem a realidade latino-ameri- nos outros países latino-america-
homem dormia de boca aberta e, terno; duas irmãs gêmeas e me- do espaço público. Acho que, sim, cana com o realismo mágico – “que nos. Era uma ilusão. E, além disso,
quando adentrava o cone da es- díocres; e os gatos. Eles estão em o escritor escreve sempre sobre o ainda tem muitos leitores, devido lia bastante os jornais brasilei-
curidão onde pairavam os sonhos, todo canto da casa, enrolados mesmo tema. E principalmente so- ao êxito atual de Isabel Allende”. ros, a coluna de Carlos Drum-
uma manada de gatos saía de sua na cama, espiando debaixo da bre as próprias ânsias. mond de Andrade no Jornal do
boca rasgada por berros de cio e mesa, esparramados por sobre Ânsias que já foram comuns a Mais um clichê: a violência Brasil, por exemplo. – Neste
mergulhava no rio dos engenhos de os móveis. toda literatura latino-americana, Ele é enfático num ponto: os ponto, o escritor esbanja de-
açúcar”. Era 1978, e Tomás vivia – Carmona, o personagem prin- observa. Martínez foi personagem e jovens escritores têm de se esgueirar licadeza, ao tentar terminar a
exilado em Caracas, na Venezuela. cipal, representa a necessidade de testemunha do boom que impul- para não repetir o mais novo lugar frase em português.
As conseqüências da falta de li- criar. Seu pai representa a castração, sionou o chamado realismo má- comum por aqui, a violência, re- Ex-editor da revista cultural Pri-
berdade o assombravam até em e por isso ele também tem por gico, nos anos 60 e 70, quando presentada pelo narcotráfico. Mas mera Plana, Martínez não perdeu o
vigília. Para fugir dos fantasmas, fez ofício, de maneira simbólica, castrar a produção literária de escri- nada que impeça um rasgo de elo- faro de repórter. E vibra quando
o que sabia: escreveu um livro. gatos – explica o escritor argentino. tores como Gabriel García gios à pujança da produção dos descobre que existe um movimen-
Só depois de 30 anos o resultado – A mãe é a própria representação Márquez e Mario Vargas Llosa últimos anos: to artístico e literário chamado Por-
do sonho é conhecido no Brasil. A do autoritarismo, aquela que tolhe, ganhou visibilidade e respeito – Há muita novidade, fico es- tunhol Selvagem, que se utiliza da
mão do amo, define o próprio autor, impede, evita. Os gatos vieram co- mundo afora. pantado com a quantidade e a qua- língua falada na fronteira do Brasil
é seu livro mais diletante. mo uma alegoria, por lembrarem a Muito desse sucesso se deveu, lidade dos escritores. Deixarei mui- com o Paraguai.
– Eu provavelmente estava pen- independência, a desobediência. explica ele, ao marco que a Re- tos nomes de fora, mas sem dúvida – Verdade? Isto é muito inte-
sando no autoritarismo, de como volução Cubana representou para a não posso deixar de falar de um ressante! Fico empolgado, porque
ele se apodera da vida cotidiana. O A política constante produção artística da época, quando escritor chileno que morreu antes todo movimento que gera iden-
romance, na verdade, nasceu da Jornalista e romancista, Tomás era preciso se posicionar de um lado da hora: Roberto Bolaño. Fico tidade, afirmação, deve ser visto de
consciência da opressão do auto- Eloy Martínez viveu durante anos ou de outro. Desde então, as li- feliz que ele esteja se tornando um maneira positiva. Aqui nos Estados
ritarismo. E me pus a pensar: de no exílio. A política ronda também teraturas se tornaram “irmãs”, de- fenômeno. Unidos também há um movimento
onde, de fato, surge o autorita- O romance de Péron, Santa Evita, O fende o autor. Convidado pela editora Liz Cal- muito forte, o Chicano Cultura, a
rismo? Qual é a semente de uma cantor de tango, lançados pela Com- – Os escritores conversam der, sócia-fundadora da Blooms- fusão da cultura latina com a ame-
castração da liberdade? E cheguei à panhia das Letras, e Vôo da rainha, entre si. Creio que A mão do bury de Londres, e muito influente ricana, por conta da imigração. Vou
conclusão de que é na primeira parte da coleção Plenos Pecados, da amo se parece muito com a es- na organização da Flip, o escritor anotar, como é mesmo o nome?
instituição, a família – explica o Objetiva, representando a soberba crita de Clarice Lispector. A confirma a presença em Paraty.
escritor, de Nova Jersey, onde vive (este foi inspirado no caso Pi- música do Brasil influenciou – Vou, farei de tudo para ir. O A mão do amo
e dá aulas na Rutgers University. menta Neves, em que o então demais, e ainda influencia, a Brasil é um país do qual gosto, fui Tomás Eloy Martinez. Companhia das
A mão do amo conta a história de jornalista matou, à quei- cultura argentina. Não vejo muito a São Paulo, depois ao Rio. Letras. 160 páginas, R$ 36.

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