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Outro
:
O maior valor da Canção do Exílio está no fato de que nela há uma essência
notadamente brasileira expressa na saudade e no amor incondicional ao Brasil. Este
amor é talvez o que mantém o nosso povo unido e forte diante de tantas mazelas e de
tantas adversidades pelas quais passamos.
O ideário romântico no Brasil é um projeto de afirmação da nacionalidade respaldada
no segundo reinado. Daí os escritores desta época serem mais valorizados quando a sua
obra estava impregnada de conteúdos nacionalistas.
A inteligência brasileira estava comprometida com o poder e em vez de assumir uma
postura crítica, colaborava para a dominação exercidas pelos grupos hegemônicos e
perdia-se numa erudição de efeito ornamental.
Oswald de Andrade parodiou a Canção do Exílio através de um poema intitulado Canto
de Regresso à Pátria que transcrevemos a seguir:
Neste poema, não temos mais a pátria idealizada, perfeita, onde o sabiá cantava nas
palmeiras, mas uma pátria com outro tom e outra cor. Ao substituir o nome palmeira por
Palmares, o poeta faz uma crítica histórica, social e racial. Esta substituição põe por
terra toda a visão paradisíaca e romântica idealizada por Gonçalves Dias. Há um desvio
do sentido original do texto e há uma contraposição da estética modernista à estética
romântica.
No terceiro e quarto versos da primeira estrofe” Os passarinhos daqui não cantam como
os de lá” o poeta se refere à diversidade cultural e lingüística do nosso povo. A palavra
passarinho pode significar o nosso povo com o seu canto próprio, o seu jeito de ser, de
sentir e de falar. Nestes versos o poeta afirma a nossa identidade cultural, a nossa
diferença e a nossa universalidade.
Esta visão crítica do Brasil incorpora os aspectos do movimento modernista que se
articula com o movimento da independência política e cultural.
A canção do Exílio também foi parodiada por poetas como Carlos Drummond de
Andrade, Egbert Luis e outros.
Todas estas escrituras nasceram de uma leitura. O texto de Gonçalves Dias está inserido
nos outros textos parodiados. Estas diferentes leituras possibilitam o conhecimento da
nossa pátria ao mesmo tempo em que nos
Reconhecemos como integrantes desta paisagem.
Há um jogo de relações e inter-relações entre os textos chamado de intertextualidade
que se constitui num verdadeiro processo metalingüístico.
Estas canções se repetem nas várias versões, mas sempre na diferença. È o mesmo
diferido ou seja, a repetição na diferença. O significado não se dá no plano do
mesmo.Há tantos significados quantas leituras possíveis.As leituras são ilimitadas.
A obra de arte pode pelo sentimento dizer mais do que a própria história.
Segundo Silviano Santiago em “Uma Literatura nos Trópicos”, os textos não são mais
considerados isoladamente como pertencentes a um único modelo do mesmo, mas se
diferenciam na repetição como um diálogo entre o mesmo e o outro. Em relação à
originalidade, o autor diz que esta não é mais uma questão relevante, pois não existe
mais uma origem clara de explicitação do texto. Agora, há uma confusão de escrituras,
pois os textos só falam significativamente a partir da inserção ou seja, um texto se
inscreve no outro e vice-versa. Por isso é que se abandonou a visão cronológica e
unívoca do estudo do texto literário.Quando a inserção se processa num espaço de
choque entre duas culturas, se descobre o processo de transgressão de valores de uma
das culturas, a cultura dominante no caso.
Vemos que estas canções são textos que se inscrevem num espaço de choque cultural.
Se por um lado, Gonçalves Dias estava comprometido com a cultura européia, os outros
poetas aqui referidos transgrediram os valores da cultura européia para afirmar os
valores da cultura brasileira.
A liberdade que tem o artista para recriar pode ser comparada à vivência de um
labirinto.Este labirinto pode ser sentido como o caos que se estabelece no nosso mundo
pela certeza de que não encontramos um significado total para as coisas.Daí não
podermos decifrar este enigma que é o mundo onde há tantas possibilidades de leituras
e tão poucas certezas. Apesar de tudo isso, existe a beleza que pode ser sentida de forma
plena e este sentimento de plenitude só é possível através da arte porque se partirmos
para outros campos do conhecimento começam a surgir dúvidas, incertezas que nos
levam a labirintos indecifráveis. A arte, portanto, pode ser comparada ao fio de Ariadne.
É uma possibilidade de saída do labirinto, do caos. É como se diante de tantas
incertezas, nos rendêssemos à beleza, certos de que esta é uma resposta que se não
esclarece todas as nossas dúvidas, ilumina um pouco a nossa vida, pois toda criação é
um reflexo do criador e toda desordem pode ser restaurada pela ordem que é a dinâmica
do processo de criação do universo. O artista funciona como mediador entre realidades
percebidas e as suas manifestações imediatas através da obra de arte.