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Outro
:
O maior valor da Canção do Exílio está no fato de que nela há uma essência
notadamente brasileira expressa na saudade e no amor incondicional ao Brasil. Este
amor é talvez o que mantém o nosso povo unido e forte diante de tantas mazelas e de
tantas adversidades pelas quais passamos.
O ideário romântico no Brasil é um projeto de afirmação da nacionalidade respaldada
no segundo reinado. Daí os escritores desta época serem mais valorizados quando a sua
obra estava impregnada de conteúdos nacionalistas.
A inteligência brasileira estava comprometida com o poder e em vez de assumir uma
postura crítica, colaborava para a dominação exercidas pelos grupos hegemônicos e
perdia-se numa erudição de efeito ornamental.
Oswald de Andrade parodiou a Canção do Exílio através de um poema intitulado Canto
de Regresso à Pátria que transcrevemos a seguir:

Minha terra tem Palmares


Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas


E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra.

Ouro terra amor e rosas


Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá.

Não permita Deus que eu morra


Sem que eu volte para São Paulo
Sem que eu veja a rua 15
E o progresso de São Paulo.

Neste poema, não temos mais a pátria idealizada, perfeita, onde o sabiá cantava nas
palmeiras, mas uma pátria com outro tom e outra cor. Ao substituir o nome palmeira por
Palmares, o poeta faz uma crítica histórica, social e racial. Esta substituição põe por
terra toda a visão paradisíaca e romântica idealizada por Gonçalves Dias. Há um desvio
do sentido original do texto e há uma contraposição da estética modernista à estética
romântica.

Segundo Afonso Romano de Santana em Paródia Paráfrase e CIA, a visão alienante do


texto original, é substituída pela denúncia histórica e o discurso do branco se transforma
na afirmação do preto. Oswald faz uma leitura suplementar inserindo o outro, aquela
voz social recalcada que se presentifica para que se conheça o outro lado da
verdade.assume uma atitude contra-ideológica, interpretando o Brasil de forma
diferente, mostrando o lado imponderável, não pensado. Ainda segundo Afonso
Romano de Santana, a paródia sendo uma rebelião, é parrecida. Ela mata o texto pai em
busca da diferença.
No segundo verso da primeira estrofe, há um efeito surrealista e a clareza da frase do
primeiro texto é substituída por uma frase propositadamente incompreensível
provocando um efeito de estranhamento.

No terceiro e quarto versos da primeira estrofe” Os passarinhos daqui não cantam como
os de lá” o poeta se refere à diversidade cultural e lingüística do nosso povo. A palavra
passarinho pode significar o nosso povo com o seu canto próprio, o seu jeito de ser, de
sentir e de falar. Nestes versos o poeta afirma a nossa identidade cultural, a nossa
diferença e a nossa universalidade.
Esta visão crítica do Brasil incorpora os aspectos do movimento modernista que se
articula com o movimento da independência política e cultural.
A canção do Exílio também foi parodiada por poetas como Carlos Drummond de
Andrade, Egbert Luis e outros.

Todas estas escrituras nasceram de uma leitura. O texto de Gonçalves Dias está inserido
nos outros textos parodiados. Estas diferentes leituras possibilitam o conhecimento da
nossa pátria ao mesmo tempo em que nos
Reconhecemos como integrantes desta paisagem.
Há um jogo de relações e inter-relações entre os textos chamado de intertextualidade
que se constitui num verdadeiro processo metalingüístico.
Estas canções se repetem nas várias versões, mas sempre na diferença. È o mesmo
diferido ou seja, a repetição na diferença. O significado não se dá no plano do
mesmo.Há tantos significados quantas leituras possíveis.As leituras são ilimitadas.

Vemos aqui, a literatura como um trabalho de recriação da linguagem.Os poetas que


recriaram a “Canção do Exílio” subverteram a ordem da primeira para estabelecer uma
nova ordem. Podemos ver nestas canções
O sentido da obra como “ruína” como possibilidade de desvelamento, desocultamento e
revelação de uma outra realidade pelo processo de desconstrução das coisas que
estavam na aparência da realidade. Isto faz parte do espaço de liberdade no qual o artista
se insere.
Através destes poemas, podemos perceber a obra como uma “historiografia
inconsciente”. Estes poemas no remetem à História do Brasil porque documenta
realidades diversas em épocas distintas.

A obra de arte pode pelo sentimento dizer mais do que a própria história.
Segundo Silviano Santiago em “Uma Literatura nos Trópicos”, os textos não são mais
considerados isoladamente como pertencentes a um único modelo do mesmo, mas se
diferenciam na repetição como um diálogo entre o mesmo e o outro. Em relação à
originalidade, o autor diz que esta não é mais uma questão relevante, pois não existe
mais uma origem clara de explicitação do texto. Agora, há uma confusão de escrituras,
pois os textos só falam significativamente a partir da inserção ou seja, um texto se
inscreve no outro e vice-versa. Por isso é que se abandonou a visão cronológica e
unívoca do estudo do texto literário.Quando a inserção se processa num espaço de
choque entre duas culturas, se descobre o processo de transgressão de valores de uma
das culturas, a cultura dominante no caso.

Vemos que estas canções são textos que se inscrevem num espaço de choque cultural.
Se por um lado, Gonçalves Dias estava comprometido com a cultura européia, os outros
poetas aqui referidos transgrediram os valores da cultura européia para afirmar os
valores da cultura brasileira.

A interpretação é uma decisão política, ideológica, é uma questão de poder. O


descentramento é uma denúncia do processo de recalcamento da cultura. É uma questão
de fazer aflorar o recalcado. Foram estas leituras descentradas que fizeram
posteriormente Oswald, Drummond, Murilo Mendes, Egsbert e outros.
A intertextualidade nos revela a condição do escritor ser um leitor, daí ser inevitável a
inserção de textos da tradição nas obras poéticas.
Antigamente, buscava-se o idêntico, a semelhança em relação ao texto. Hoje, busca-se a
suplementaridade, a diferença.

A liberdade que tem o artista para recriar pode ser comparada à vivência de um
labirinto.Este labirinto pode ser sentido como o caos que se estabelece no nosso mundo
pela certeza de que não encontramos um significado total para as coisas.Daí não
podermos decifrar este enigma que é o mundo onde há tantas possibilidades de leituras
e tão poucas certezas. Apesar de tudo isso, existe a beleza que pode ser sentida de forma
plena e este sentimento de plenitude só é possível através da arte porque se partirmos
para outros campos do conhecimento começam a surgir dúvidas, incertezas que nos
levam a labirintos indecifráveis. A arte, portanto, pode ser comparada ao fio de Ariadne.
É uma possibilidade de saída do labirinto, do caos. É como se diante de tantas
incertezas, nos rendêssemos à beleza, certos de que esta é uma resposta que se não
esclarece todas as nossas dúvidas, ilumina um pouco a nossa vida, pois toda criação é
um reflexo do criador e toda desordem pode ser restaurada pela ordem que é a dinâmica
do processo de criação do universo. O artista funciona como mediador entre realidades
percebidas e as suas manifestações imediatas através da obra de arte.

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